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Processo nº 712/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente A. e é recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente
recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Em 14 de Outubro de 2008 foi proferida decisão de não conhecimento do objecto
do recurso, ao abrigo do nº 1 do artigo 78º-A da LTC, com a fundamentação que se
segue:
«De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, cabe ao
Tribunal Constitucional conhecer dos recursos de decisões dos outros tribunais
que apliquem normas cuja constitucionalidade foi suscitada durante o processo
(...), identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento
definidor do objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as
normas e não já as decisões judiciais podem constituir objecto de tal recurso
(cf., entre muitos outros, Acórdão nº 361/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Ao requerer a apreciação da alínea b) do nº 4 do artigo 105º do Regime Geral das
Infracções Tributárias, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 53-A/06, de 29
de Dezembro, na interpretação feita, de forma implícita, de que o regime
introduzido pela nova redacção não conduziu à despenalização de todas as
condutas já praticadas em que não tenha havido a notificação prevista na
referida alínea para pagar o tributo em falta no prazo de 30 dias, o que o
recorrente pretende, afinal, é questionar a constitucionalidade da decisão
judicial que concluiu pela não despenalização da conduta em causa (cf. acórdão
do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Dezembro de 2007, especialmente fls.
1381 a 1383).
Com efeito, aquele enunciado não tem, de todo, natureza normativa, o que obsta
ao conhecimento do objecto do recurso e justifica a prolação da presente decisão
(artigo 78º-A, nº 1, da LTC). O que o recorrente especifica como sendo uma
dimensão interpretativa daquele artigo 105º é apenas o que resulta da aplicação
ao caso da interpretação que o tribunal recorrido fez da disposição legal em
causa».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos
do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, com os fundamentos seguintes:
«1 - O despacho do Exm° Conselheiro Relator que decidiu pelo não conhecimento do
recurso de constitucionalidade, fundamentou a sua decisão no facto de considerar
que o que o recorrente especifica como sendo uma dimensão interpretativa do
preceito legal invocado ser, em seu entender, o que resulta da aplicação ao caso
da interpretação que o tribunal recorrido fez da disposição legal em causa.
2 - Ora, Exm°s Conselheiros, o recorrente foi muito claro na interposição do
recurso, de resto bem admitido pelo tribunal recorrido.
3 - O que o recorrente manifestou pretender com o recurso, foi que este Tribunal
Constitucional aprecie e declare a inconstitucionalidade da norma da al. b) do
n° 4 do art. 105° do REGIT, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5/6, na redacção
que lhe foi dada pelo art. 95° da Lei n° 53-A/06, de 29/ 12, quando interpretada
no sentido de que o regime introduzido pela nova redacção não conduziu à
despenalização de todas as condutas já praticadas em que não tenha havido a
notificação prevista na referida alínea, para pagar o tributo em falta, no prazo
de 30 dias.
4 - Por violação, como se sustentou no requerimento de interposição do recurso,
das normas e princípios que se extraem:
a)- do n° 1 do art. 29° da CRP, na dimensão normativa de que ninguém deve ser
sentenciado criminalmente se não houver uma lei anterior (e não há face à
retroactividade da Lei Nova) que declare punível a acção ou a omissão; e,
b)- da 2ª parte do n° 4 do art. 29° da CRP, na medida em que proíbe que alguém
seja condenado em virtude de lei anterior que foi alterada, deixando de punir a
acção ou omissão em causa, por ampliação dos pressupostos da punição.
5 - Ora, como é sabido, há normas legais que só são violadoras da Constituição
quando interpretadas em determinado sentido, mas não noutro.
6 - E essa interpretação tanto pode ser feita em abstracto como em concreto,
como é o caso dos autos.
7 - Mas, daí não pode dizer-se, salvo o devido respeito, que neste caso o
recorrente pretende aferir a inconstitucionalidade da interpretação, que não da
norma legal, tendo o despacho reclamado confundido a causa com o objecto.
8 - Pois, resulta evidente do requerimento de interposição de recurso que o
objecto da declaração de inconstitucionalidade pretendida é a norma legal
invocada, por violação das normas e princípios constitucionais referidos, na
interpretação que de tal norma legal foi feita pelo tribunal recorrido, situação
que não obsta ao conhecimento do recurso.
9 - Pelo que terá havido manifesto lapso no entendimento da pretensão do
recorrente pelo Exm° Conselheiro Relator.
10 - De resto, ainda que dúvidas houvesse, e parece-nos não haver, salvo o
devido respeito, que é muito, é entendimento da Jurisprudência que, na dúvida,
se deverá conhecer do recurso.
11 - De contrário, estar-se-ia a cercear ao recorrente o acesso ao direito e à
tutela jurisdicional efectiva, por via do recurso para este Tribunal, que a lei
ordinária prevê, assegurados pelo n° 1 do art. 20º da Constituição».
4. Notificado, o Ministério Público respondeu nos termos seguintes:
«1º
A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente.
2º
Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da douta
decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do
recurso».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão que admita o recurso de constitucionalidade não vincula o Tribunal
Constitucional (artigo 76º, nº 3, da LTC), pelo que se decidiu não tomar
conhecimento do objecto do recurso interposto, por o mesmo não ter como objecto
uma qualquer norma.
Não contraria, por isso, o anteriormente decidido, a alegação do reclamante de
que o despacho reclamado terá confundido a causa com o objecto. Neste despacho
não se excluiu que o Tribunal Constitucional aprecie uma disposição legal tal
como foi interpretada pelo tribunal recorrido. Este Tribunal tem entendido, de
forma reiterada, que é objecto do recurso de constitucionalidade previsto na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC a norma na sua totalidade, em determinado
segmento ou segundo certa interpretação, desde que mediatizada pela decisão
recorrida (cf., entre muitos outros, Acórdão do Tribunal Constitucional nº
232/2002, Diário da República, II Série, de 18 de Julho de 2002).
Na decisão reclamada excluiu-se, isso sim, que este Tribunal aprecie a
inconstitucionalidade de decisões judiciais. Os artigos 280º e 281º da
Constituição da República Portuguesa e 70º da LTC concebem o Tribunal
Constitucional como um órgão jurisdicional de controlo normativo, de controlo da
constitucionalidade e da legalidade de normas e não de decisões judiciais (cf.
Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p.
29).
Por esta razão decidiu-se não conhecer do objecto do recurso interposto, uma vez
que ao requerer a apreciação da alínea b) do nº 4 do artigo 105º do Regime Geral
das Infracções Tributárias, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 53-A/06, de
29 de Dezembro, na interpretação feita, de forma implícita, de que o regime
introduzido pela nova redacção não conduziu à despenalização de todas as
condutas já praticadas em que não tenha havido a notificação prevista na
referida alínea para pagar o tributo em falta no prazo de 30 dias, o que o
recorrente pretendia era questionar a constitucionalidade da decisão judicial
que concluiu pela não despenalização da conduta em causa.
Apesar de este Tribunal entender, de forma reiterada, que também é objecto do
recurso de constitucionalidade a norma segundo certa interpretação, não tem
deixado de advertir que “importa prevenir os casos de abuso ou ficção do
conceito de interpretação normativa, apenas com o objectivo de forjar
artificialmente uma norma sindicável pelo Tribunal Constitucional” (Lopes do
Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da
constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, nº 3, ponto 2.).
Há que concluir pelo indeferimento da presente reclamação, na medida em que a
“interpretação” especificada corresponde, exclusivamente, à decisão do caso
concreto, no sentido da não despenalização da conduta em causa, por força da
aplicação da interpretação que o tribunal recorrido fez do artigo 105º do Regime
Geral das Infracções Tributárias.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando, consequentemente, a
decisão de não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 12 de Novembro de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão