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Processo n.º 624/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. e outra, melhor identificados nos autos, reclamam para o
Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), da decisão sumária
que não conheceu do objecto do recurso de constitucionalidade interposto pelos
ora reclamantes.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“(...)
1 – A. e B., melhor identificados nos autos, recorrem para o Tribunal
Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Maio de
2008, que negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo 2.º
Juízo Criminal de Coimbra que os havia condenado pela prática de um crime de
abuso de confiança fiscal na pena de 9 (nove) meses de prisão, com execução
suspensa por um período de três anos, sob condição de pagamento da prestação
tributária em dívida.
2 – No recurso que interpuseram para o Tribunal da Relação de Coimbra, os
arguidos alegaram, em síntese:
«1 - As discordâncias para com a decisão recorrida prendem-se quer com a matéria
de facto quer com o direito.
2 - A alteração introduzida pela Lei 53-A/2006 veio estabelecer consequências
jurídicas diferentes para a entrega, ou não, da declaração tributária; quando a
dívida é participada à Administração Fiscal (AF) só há crime se a dívida não for
paga no prazo de 30 dias após a notificação para o pagamento feita por esta –
art. 105º, nº 4 do RGIT.
3 - Ao tempo em que os factos em apreciação neste processo ocorreram (entre 1999
e 2002) não era possível separar a declaração do respectivo pagamento; isto é,
só se podia fazer a declaração acompanhada do pagamento, não havendo, pois, uma
autonomia entre aquela e este como acontece actualmente.
4 - Com actual redacção da alínea b) do nº 4 do art. 15º do RGIT, a lei penaliza
os contribuintes que não cumprem as suas obrigações declarativas porque entende
que nesse caso, e bem a nosso ver, existe a intenção de ocultação dos factos
tributários à AF – para declarar não precisa de pagar.
5 - Mas este raciocínio do legislador de haver essa intenção de ocultar os
factos tributários só é possível porque a declaração tributária é autónoma do
pagamento.
6 - Quando não há essa autonomia entre declaração e pagamento, o que se verifica
no caso em apreciação, como é que se pode dizer que há intenção do contribuinte
em ocultar os factos tributários à AF se esta não recebe a declaração sem o
correspondente pagamento.
7 - Resumindo, actual lei só penaliza quem não entregou a declaração tributária
no pressuposto – a nosso ver correcto – de que quem o não fez está a ocultar
factos tributários á AF dado que para a sua apresentação não tem de proceder em
simultâneo ao respectivo pagamento.
8 - Não estando sequer implicitamente provada a intenção deliberada dos
recorrentes omitirem as suas declarações tributárias, pressuposto introduzido
pela alínea b) do nº 4 do art. 105° do RGIT, não podem os recorrentes ser
condenados sem que AF – tal como a lei actualmente exige sempre que há
declaração – previamente os notifique para procederem ao respectivo pagamento,
notificação que nunca foi feita.
9 - Importa aditar à matéria de facto dada como provada uma outra alínea (dd)
com a redacção que a seguir se propõe:
“Entre 1999 e 2003 as declarações tributárias referentes a quantias deduzidas
nos termos da lei só poderiam ser entregues à AF obrigatoriamente acompanhadas
do correspondente pagamento”.
10 - Para que alínea b) do nº 4 do art. 105° do RGIT não tenha aqui aplicação,
ou seja, os recorrentes teriam que ser notificados pela AF para procederem ao
pagamento das quantias em dívida uma vez que não está demonstrado a ocultação
intencional dos factos tributários.
11- De qualquer forma, a não entrega dolosa é um facto tratado simultaneamente
como crime (arts. 105 e 107°) e como contra-ordenação (art. 114°) do RGIT.
12 - Tal situação configura uma inconstitucionalidade por violação do art. 18°,
nº 2 da Constituição da República.
13 - A sentença recorrida violou, assim, o disposto no art. 105° do RGIT e o
art. 18° da Constituição.»
3 – Tendo o Tribunal da Relação negado provimento ao recurso por
improcedência das suas conclusões, os arguidos, dizendo-se inconformados,
recorreram, nos termos supra referidos para o Tribunal Constitucional, apenas
referindo a alínea do artigo 70.º, n.º 1, da LTC, ao abrigo da qual o recurso
foi interposto.
Apesar do requerimento ser omisso quanto aos elementos exigidos pelo n.º
2 do artigo 75.º-A da LTC, a impossibilidade de conhecimento do mérito do
recurso face aos elementos constantes dos autos tornaria inútil a prolação do
despacho a que se refere o n.º 5 desse preceito, razão pela qual, estando em
causa uma questão abrangida pelo teor do artigo 78.º-A, n.º 1 (primeira parte),
da LTC, e tendo em conta o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma,
passa a decidir-se com os seguintes fundamentos.
4 – Vem o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC.
Tal disposição admite o recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que
apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo, devendo este requisito ser entendido, segundo a jurisprudência
constante deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário
da República II Série, de 6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente
formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da
instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá
de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da
questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que
(a mesma questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é
exigido pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em
via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o
tribunal recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o
Acórdão n.º 560/94, Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o
Acórdão n.º 155/95, in Diário da República, II série, de 20 de Junho de 1995).
Por outro lado, o recurso para este Tribunal apenas pode traduzir-se numa
questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida
haja feito efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do
aí decidido.
Trata-se, neste caso, de um pressuposto específico do recurso de
constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e
incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra
recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da
constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da
natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. José Manuel M.
Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição, revista e
actualizada, p. 40, e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário
da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo
jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento,
o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho
de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º
192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000).
Por fim, importa ainda reter que este Tribunal, por mor das suas particulares
competências cognitivas e dos poderes que lhe estão consignados ex
constitutionis, não pode assumir-se como uma instância de amparo, não sendo,
assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou
do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta
aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar
ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros
jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a
bondade e o mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo. A
intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do
concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas
aplicadas pela decisão recorrida.
Como resulta do relatado, no recurso que interpuseram para o Tribunal da
Relação de Coimbra, os recorrentes referiram-se a “uma (...) questão de direito
que é simultaneamente uma questão de constitucionalidade”, tendo delimitado essa
“questão” nos termos seguintes:
“(...)
11 – De qualquer forma, a não entrega dolosa é um facto tratado
simultaneamente como crime (arts. 105.º e 107.º) e como contra-ordenação (art.º
114.º) do RGIT.
12 – Tal situação configura uma inconstitucionalidade por violação do
art.º 18.º, n.º 2, da Constituição da República.
13 – A sentença recorrida violou, assim, o disposto no art. 105.º do
RGIT e o art.º 18.º da Constituição”.
Ora, tendo-se por certo que «“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma
jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é
colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para
decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e
perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada
interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a
Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa
incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou
princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de uma
norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao acto de
aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa decisão
dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa determinada
interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96,
663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República II Série, de 15-05-1996).
[§] É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação dos pedidos,
nem sequer para suscitação da questão de constitucionalidade. [§] Esta tem,
porém, de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a conformidade à
Constituição de uma norma ou de uma sua interpretação (...)”, ressalta do
exposto que os termos com que os recorrentes definiram a “questão de
constitucionalidade” supra referida andam longe de satisfazer o desiderato de
identificar com clareza a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver
apreciada, o que se confirma pelo facto de tão-pouco ser inteligível se a
inconstitucionalidade é assacada a uma norma ou à decisão judicial, como parece
resultar da conclusão 13.ª.
Aceita-se, no entanto, que na conclusão anterior os recorrentes pretenderam
sujeitar à apreciação do Tribunal recorrido uma questão de constitucionalidade
normativa aportada nas disposições dos artigos 105.º, 107.º e 114.º, quando
entendidos, conjugadamente, no sentido de tratarem a não entrega dolosa da
prestação tributária simultaneamente como crime e como contra-ordenação.
Contudo, perscrutando os fundamentos constantes da decisão recorrida,
constata-se que a dimensão normativa questionada não foi aplicada in casu com o
sentido apodado de inconstitucional, em termos de resultar das referidas normas
uma acumulação sancionatória que decorresse da prática do mesmo facto punível.
De facto, quanto a tal questão, a Relação deixou consignado que:
“(...)
Dispõe o artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, aplicável por força do disposto no art.
107.º que ‘quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente,
prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado
a entregar é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias’.
O n.º 4 dispõe que ‘os factos descritos nos números anteriores só são puníveis
se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da
prestação’.
O art. 114.º, n.º 1, dispõe que:
‘A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período
superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da
prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável
entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o
limite máximo abstractamente estabelecido’.
E o art. 20.º do DL 433/82, de 27 de Outubro, dispõe que ‘se o mesmo facto
constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente punido a
título de crime, sem prejuízo das sanções acessórias previstas para a
contra-ordenação’.
Da análise das disposições acima citadas verifica-se que não estamos perante um
mesmo facto, mas de dois factos, com assento em duas previsões normativas
distintas, com dois e diferentes os fundamentos da sua punição, de um e
diferente bem jurídico protegido e, por outro, de um comportamento e/ou acção
anti-social, de cariz axiologicamente neutro.
Na verdade, só se encontram preenchidos os elementos constitutivos do art.
114.º do RGIT ‘desde que os factos não constituam crime’, ou seja, só estamos
perante uma conduta contra-ordenacional se não houver entrega, total ou parcial,
pelo período de 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não
constituam crime. Aqui não está em questão a intenção de não entrega da
prestação, completamente definitiva, porque se assim fosse estaríamos perante
uma conduta criminosa.
O disposto nos arts. 105.º, 107.º e 114.º contemplam condutas completamente
diferentes.
‘Na tipificação do crime de abuso de confiança fiscal uma vez que se estabeleceu
uma relação de confiança fundada na lei entre o Estado e o obrigado tributário,
visa-se proteger e sancionar a sua violação através da formulação daquele juízo
de censura ético-jurídica.
Assim, a violação desses deveres específicos com o propósito de enganar a
Administração Fiscal ou de obstar à sua acção e, consequentemente, obter
benefícios à custa alheia, é que é revela inequívoca ressonância ético-jurídica.
Já no ordenamento de mera ordenação social, a inobservância da respectiva
norma legal não visa a protecção de qualquer bem jurídico, dado que, face àquela
natureza jurídica, visa-se combater um comportamento anti-social que é em si
axiologicamente neutro, consubstanciado no simples atraso na entrega das
quantias por um prazo não superior a três meses’.
Neste caso para que se preencha o tipo objectivo desta contra-ordenação é
necessário que não seja entregue pelo período de 90 dias, da prestação
tributária – art. 11.º al. a) do RGIT.
Portanto, estamos perante condutas distintas que em si mesmo contêm diverso
desvalor da acção e, portanto as suas consequências também são diferentes.
(...)”.
Ora, como bem se constata, daqui resulta a impossibilidade deste Tribunal tomar
conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada, por mor da exigência
de que a sindicância sub species constitutionis do critério normativo em crise
possa repercutir-se na decisão recorrida em termos de ditar a alteração do
julgado.
Na verdade, no caso presente, qualquer que fosse a decisão a proferir quanto ao
critério sindicado, e mesmo a admitir-se, apenas virtualmente, que o mesmo fosse
julgado inconstitucional, sempre a decisão recorrida se manteria na ordem
jurídica na medida em que o seu fundamento normativo jamais seria alcançado por
aquele juízo.
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do recurso”.
3 – Por seu turno, a reclamação vem sustentada na seguinte argumentação:
“(...)
1 – O Senhor Juiz Relator alega, para não conhecer do objecto do recurso
“que a dimensão normativa questionada não foi aplicada in casu com o sentido
apodado de inconstitucional, em termos de resultar das referidas normas uma
acumulação sancionatória que decorresse da prática do mesmo facto punível”.
2 – Não tem razão o Senhor Juiz Relator.
3 – Com efeito, não é exacto, como se diz na decisão recorrida, que o
disposto nos arts. 105.º, 107.º e 114.º contemplem condutas completamente
diferentes que em si mesmo.
4 – Do ponto de vista material não subsiste hoje qualquer diferença entre
o crime e a contra-ordenação; num caso e noutro, o que se incrimina é a mera
mora, independentemente de o ilícito criminal só ser punível se decorrerem mais
de 90 dias sobre o termo do prazo da prestação.
Neste sentido, veja-se o parecer do Prof. Costa Andrade junto aos autos
que aborda directamente esta questão a fls. 11 a 13.
5 – E acrescenta o referido Professor que a não punibilidade de um facto
em nada contende com a existência e a subsistência do ilícito típico e da culpa
dando como exemplo o ilícito previsto no art. 105.º do RGIT que existirá a
partir do primeiro momento da mora, apesar de só ser punível depois de
decorridos os 90 dias.
6 – Por ser assim no contexto do RGIT, o mesmo comportamento ilícito pode
valer ao mesmo tempo como ilícito criminal e /ou contravencional.
7 – Ora daqui resulta que a apreciação da constitucionalidade suscitada
repercute-se na decisão recorrida em termos de ditar a alteração do julgado, ao
contrário do que é dito na apreciação sumária de que ora se reclama.
Termos em que, se requer que a Conferencia revogue o despacho de
apreciação sumária feito pelo Senhor Juiz Relator e o substitua por outro que dê
seguimento à apreciação do recurso apresentado pelos recorrentes”.
4 – O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, em resposta à
reclamação, considerou-a “manifestamente improcedente” tendo por inabalados os
“fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos
pressupostos do recurso interposto”.
B – Fundamentação
5 – Compulsados os argumentos de suporte da reclamação, afigura-se
patente que os reclamantes se limitam a divergir da decisão que determinou o não
conhecimento do objecto do recurso, sem aportarem ao Tribunal qualquer
fundamento susceptível de determinar a alteração do julgado.
Ainda assim, sempre se dirá que o conteúdo do Acórdão do Tribunal da Relação –
decidindo que as normas dos artigos 105.º, 107.º e 114.º do RGIT, se referem a
“dois factos, com assento em duas previsões normativas distintas, com dois e
diferentes fundamentos da sua punição, de um e diferente bem jurídico protegido
e, por outro, de um comportamento e/ou acção anti-social, de cariz
axiologicamente neutro” e que “só se encontram preenchidos os elementos
constitutivos do art. 114.º do RGIT ‘desde que os factos não constituam crime’,
ou seja, só estamos perante uma conduta contra-ordenacional se não houver
entrega, total ou parcial, pelo período de 90 dias, ou por período superior,
desde que os factos não constituam crime” – não deixa margem para pôr em dúvida
que o critério interpretativo adoptado em sede decisória não coincide com o
critério cuja inconstitucionalidade foi equacionada, dado que, em momento algum,
a decisão recorrida admitiu que o mesmo facto pudesse ser simultaneamente
tratado como crime e como contra-ordenação, como os próprios reclamantes admitem
ao considerarem “não [ser] exacto, como se diz na decisão recorrida, que o
disposto nos arts. 105.º, 107.º e 114.º contemplem condutas completamente
diferentes”.
Ora, independentemente do mérito da decisão recorrida – que qua tale é
insindicável na jurisdição constitucional –, e na óptica dos requisitos do
presente recurso de constitucionalidade, apenas o critério normativo aplicado
como ratio decidendi pode ser objecto de decisão que conheça da sua conformidade
constitucional, sendo que, como se constatou, este não se afigura coincidente
com aquele cuja bondade constitucional foi controvertida na dimensão normativa
denunciada pelos reclamantes.
C – Decisão
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 20 Ucs.
Lisboa, 11 de Novembro de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos