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Processo nº 468/08
1ª Secção
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são
recorrentes A. e B., Lda. e é recorrido C., foi interposto o presente recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),
do acórdão daquele Tribunal de 22 de Abril de 2008.
2. Por despacho de 24 de Junho de 2008, os recorrentes foram convidados, ao
abrigo do disposto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC, a satisfazer, com precisão,
os requisitos deste artigo.
Em 28 de Julho de 2008, foi proferida decisão de indeferimento do pedido de
prorrogação do prazo previsto no nº 5 do artigo 75º-A da LTC e de não
conhecimento do objecto do recurso interposto (artigo 78º-A, nº 2, da LTC), com
os seguintes fundamentos:
«1. Face ao teor da resposta ao convite previsto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC,
importa começar por decidir a questão prévia do prazo para apresentação desta
resposta.
Das disposições conjugadas dos artigos 75º-A, nºs 5 e 6, e 69º da LTC e 147º do
Código de Processo Civil decorre que o prazo para a indicação dos elementos
previstos no primeiro artigo não é prorrogável.
No prazo legalmente estabelecido – dez dias – os recorrentes apresentaram
resposta. Não se podendo dar como verificada situação de justo impedimento
(artigos 145º, nº 4, e 146º do Código de Processo Civil) e não sendo legalmente
possível “aperfeiçoar” o requerimento de fl. 916 e ss., cumpre apreciar e
decidir.
2. Notificados para o efeito previsto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC, os
recorrentes continuam a não satisfazer os requisitos deste artigo – por um lado,
não indicam, com precisão, a norma cuja inconstitucionalidade pretendem que o
Tribunal aprecie (artigo 75º-A, nº 1, parte final); por outro, estando em causa
recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, não
indicam a peça processual na qual suscitaram a questão de inconstitucionalidade
(artigo 75º-A, nº 2).
Este Tribunal vem entendendo que “o cumprimento destes ónus [os decorrentes dos
nºs 1, 2, 3 e 4, do artigo 75º-A da LTC] não representa simples observância do
dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes, o
preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objecto do
recurso” (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 200/97, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). De tal forma, que a LTC faz corresponder à não
satisfação dos requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento previsto no
seu nº 6, a consequência do não conhecimento do objecto do recurso (artigo
78º-A, nº 2, da LTC).
3. A não satisfação do requisito da indicação da peça processual em que os
recorrentes suscitaram a questão de inconstitucionalidade está, aliás, em
consonância com o que resulta da análise dos autos: durante o processo, perante
o tribunal que proferiu a decisão recorrida, os recorrentes não questionaram a
constitucionalidade de qualquer norma (artigos 70º, nº 1, alínea b) e 72º, nº 2,
da LTC), sendo certo que dispuseram de oportunidade processual para tal (supra,
ponto 3. do Relatório). Pelo que, ainda estivessem satisfeitos os requisitos do
artigo 75º-A, subsistiria sempre esta razão para não conhecer do objecto do
recurso e ser proferida decisão sumária (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. Notificados desta decisão, os recorrentes vêm agora requerer o seguinte:
«(…) aclaração de porquê não houve justo impedimento e porquê não considerou
clara a suscitação prévia nas vinte a vinte e seis folhas que antecederam o
douto despacho ora proferido por esse Subido Tribunal.
Subsidiariamente e em segundo lugar reclama para a conferência, sem conceder de
que pretende ser notificado primeiro da aclaração e depois apresentar reclamação
em tempo (…)
II. Suscitação prévia
A suscitação prévia ocorreu a fl.s 885 do VI volume, ainda ANTES DE PROFERIDO O
ACÓRDÃO DE QUE SE RECORREU PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL. As normas violadoras
são as que o Supremo invocou, na interpretação que é a que o acórdão do Supremo
lhe deu, e não precisa ser repetida, transcrita, neste caso concreto pois
resultou claro nos textos dos recorrentes quais preceitos foram violados,
incluindo da CEDH recebida na CRP: a requalificação posterior do recurso fazer
aplicar-lhe retroactivamente um prazo mais curto. Os acórdãos e despachos da
Relação e do Supremo declararam o Direito no caso concreto e não pode agora
fazer-se nova descrição dos passos processuais na Relação e no Supremo.
Na fl. 885 está o início da pronúncia das partes sobre a questão prévia (prévia
à decisão do Tribunal recorrido); na fl. 886 está, nos art.s 6,7, 8, 9 10, 14 e
15!:
«Coloca-se assim, agora, a questão: a requalificação do recurso e por isso a
aplicabilidade do prazo de quinze dias na vez do de trinta dias pode ser
retroactiva?, (vide a fl.s ...) CONFIANÇA NISSO, pois era LEGÍTIMA E DE BOA FÉ
ESSA CONFIANÇA?[1] Ora, não podem agora ser consideradas fora de prazo as
alegações, por imperativo cinépico e da boa fé. A ponderação das consequências
das decisões e a boa fé impõem considerar dentro do prazo o que na altura era em
prazo por estar a ser aplicado pelo próprio Tribunal o prazo de trinta dias da
revista.
8.
Chamamos à colação os art.s 762, CC, 702, CPC, e os princípios[2] e normas
constitucionais, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Carta Europeia
dos Direitos Fundamentais.
9.
O art. 702, CPC é explícito em só se aplicar ao termos subsequentes à respectiva
aplicação; só de agora em diante, após a requalificação agora operada.
10.
Eis o apoio verbal : só « OS TERMOS SUBSEQUENTES » passam a se processados
segundo a requalificação, a que o Supremo tem razão: «(Erro na espécie de
recurso) 1. Se o relator entender que o recurso próprio é o agravo, ouvirá,
antes de decidir, as partes, no prazo de 10 dias, processando-se os »
Na fl. 887 dos autos, portanto tudo no mesmo volume no qual a fl.s 914, a douta
Senhora Juíza Conselheira Relatora Maria João Antunes proferiu o primeiro
despacho do Venerando Tribunal Constitucional:
« 14.
É o que deriva da protecção[3] da confiança legítima e de o Tribunal ser
equitativo (art.s 27 e 32 da Constituição --- e aos art.s 6 e 13 da CEDH e 47 da
CDFUE) : falta de justiça, equidade e o mais que é referenciado, com as devidas
adaptações, não sendo agora quinze dias e os consequentes direitos da
contraparte que são decisivos no retardar do processo, que tem sempre de ser
justo e equitativo[4],
15.
devendo por isso haver agora lugar a terem as partes que ser notificadas para
alegarem segundo o regime do agravo »
O Tribunal Constitucional objectivamente, neste caso concreto, nem precisava que
o recorrente dissesse que na sua última peça, vinte e seis folhas antes da folha
em que o processo é concluso à Exmª Relatora, não precisava de ser dito porque
estava à vista, não algures numa das quase 900 folhas do processo, mas sim na
última peça e apenas vinte tal folhas antes da folha em que o processo é
concluso à Exmª Juíza Conselheira Relatora.
Os recorrentes têm toda a razão na questão processual-constitucional que
suscitaram a fl.s 886-887-888 (aqui pedindo juris-prudencial (da prudentia, de
raiz aristotélica) solução, o que não foi feito. Mesmo quem não tenha razão na
questão de fundo tem direito a determinado procedimento, segundo o devido
processo legal, e isso não foi respeitado, no Supremo, com a requalificação
retroactiva!
III. Justo impedimento
Ocorreu justo impedimento : facto involuntário, a doença, alegado, etc.
O seguinte era grave e só inumanamente se pode recusar ser não impeditivo.
O signatário alegou : está doente e só o diálogo com Colega está a ser lento e
insuficiente pois o mesmo não conhecia o caso, mormente a qualificação do
recurso como de revista pelo Supremo e o que antecedeu tal e a tal sucedeu.
Só num computador portátil e raramente com acesso à Internet e espaço de
trabalho podem os fundamentos estar a ser desenvolvidos.
É essencial novo prazo, com os mesmos fundamentos legais já invocados por Sua
Exª a Senhora Relatora.
Carece do novo prazo e está em justo impedimento.
O justo impedimento é provado por declaração do signatário (meio de prova).
Terminará no dia 18, sexta, ou no dia 19, sábado.
(…)».
4. Notificado, o recorrido não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Os recorrentes requerem a aclaração do decidido quanto ao justo impedimento e
no que se refere ao requisito da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade.
Conforme decorre do disposto nos artigos 669º, nº 1, alínea a), e 716º do Código
de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 69º da LTC, proferida decisão,
o recorrente pode pedir o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade
que a mesma contenha. Do presente requerimento resulta, porém, que os
recorrentes não apontam à decisão qualquer obscuridade ou ambiguidade,
manifestando, isso sim, a sua discordância quanto ao já decidido. Cumpre, por
isso, apreciar e decidir tal reclamação (artigo 78º-A, nº 3, da LTC).
2. A decisão que é objecto da presente reclamação concluiu pelo indeferimento do
pedido de prorrogação do prazo previsto no nº 5 do artigo 75º-A da LTC e pelo
não conhecimento do objecto do recurso interposto, por não se poderem dar como
satisfeitos os requisitos deste artigo.
2.1. Os reclamantes reiteram agora que ocorreu justo impedimento e que, por
isso, deveria ter sido prorrogado o prazo para responderem ao convite que lhe
foi feito para aperfeiçoarem o requerimento de interposição de recurso.
Como já se escreveu na decisão sumária, os recorrentes responderam a tal convite
no prazo legalmente estabelecido. Tendo havido prática atempada do acto (artigo
146º, nº 1, parte final, do Código de Processo Civil) tal obsta a que se possa
dar por verificada a situação de justo impedimento. Por outro lado, a
“declaração do signatário” nunca seria suficiente para concluir que com a
alegação do justo impedimento foi oferecida a respectiva prova (nº 2 do artigo
146º do Código de Processo Civil).
2.2. No que respeita à decisão de não conhecimento do objecto do recurso, os
reclamantes sustentam que houve suscitação prévia da questão de
constitucionalidade.
Sucede, porém, que o fundamento da decisão reclamada não foi a falta do
requisito da não suscitação, durante o processo, perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, da questão de inconstitucionalidade normativa (artigos 70º,
nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC), mas sim a não satisfação dos requisitos
do artigo 75º-A da LTC.
No entanto, sempre se dirá que em nenhuma das passagens agora expressamente
assinaladas pelos reclamantes foi suscitada uma qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa (cf. supra ponto 3. do Relatório).
Resta, assim, concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando, consequentemente, a
decisão de indeferimento do requerido a fl. 916, no que se refere ao prazo
previsto no nº 5 do artigo 75º-A da LTC e a decisão de não tomar conhecimento do
objecto do recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 12 de Novembro de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
[1]1 Eis aqui, no art. 6, a primeira suscitação prévia --- prévia ao
proferimento do acórdão de que se recorreu; foi para colocar as suas questões
que as partes foram convidadas pelo Supremo a pronunciarem-se! Pronunciaram-se,
previamente à decisão, pelo que fizeram a suscitação prévia:
1) princípio da « boa fé » e da protecção da «confiança legítima » !; (fl. 886
dos autos, art. 6, in fine) É ou não é princípio constitucional?
[2] Eis aqui, no art. 8, a segunda suscitação prévia:
2) «os princípios e normas constitucionais, da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem e da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais» !; (fl. 886 dos autos,
art. 8; fl. 2 da pronúncia das partes sobre a questão prévia)
[3] Eis aqui, no início do art. 14, a terceira suscitação prévia:
3) 14. «protecção da confiança legítima »;
[4] Eis aqui, em praticamente todo o art. 14, a quarta suscitação prévia:
4) o Tribunal ser equitativo (art.s 27 e 32 da Constituição --- e aos art.s 6 e
13 da CEDH e 47 da CDFUE): falta de justiça, equidade e o mais que é
referenciado, com as devidas adaptações»; o processo tem sempre de ser justo e
equitativo.