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Processo n.º 709/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., B., C., D. e marido, E. e marido, F. e marido, G. e H.,
coligados entre si, e I. e marido J., coligados em outro grupo, todos
recorrentes no recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que lhes negou a revista,
reclamam para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária
proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não conhecer do
recurso.
2 – Fundamentando a sua reclamação, diz o primeiro grupo de
reclamantes:
«1. Não há, que se saiba, decisão que expressamente, e com carácter geral,
declare que o estatuído no nº 4 do art. 18 17° do Cód. Civil, não é conforme com
a CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
2. Atento isso, e tendo-se em conta não só que, ubi lex non distinguet nec nos
distinguire debemos, como também que dura lex est lex, e visto que os Tribunais
devem obediência à lei, salvo o respeito devido, que muito é, crê-se que,
contrariamente ao mui douto entendimento, vertido na redita decisão sumária, é
de conhecer do objecto do recurso.
3. Tal sucedendo, os cidadãos, em nome de quem os Tribunais administram a
justiça, ficarão, de uma vez por todas, a saber, ao certo, se o nº 4 do art.
1817° do Cód. Civil, não passa, afinal, de letra morta, ficando a coberto dos
riscos que as interpretações, todas certamente doutas, mas nem sempre
coincidentes, sempre comportam.
Termos em que, e mais que doutamente se suprirão, se espera a revogação da
redita decisão sumária, com todas as legais consequências, por imperativo de
JUSTIÇA!».
3 – Por seu lado, o segundo grupo de reclamantes alega:
«1- Não têm os ora Reclamantes conhecimento – porventura por insuficiência
própria – de algum ACORDÃO (ou DECISÃO equivalente) que haja declarado a
inconstitucionalidade do disposto no nº 4 do artigo 1817º do Código Civil.
2- A declaração de inconstitucionalidade de algum dos números do citado
artigo não pode implicar que ela produza efeitos em relação aos demais na medida
em que, cada um deles, prevê situações distintas e estatui em conformidade com
essa distinção.
3- E, salvo o devido respeito por melhor opinião – que sempre será muito –
a declaração de inconstitucionalidade não é susceptível de interpretação
extensiva ou analógica: haverá que ser expressa e recair sobre a matéria
submetida à apreciação pertinente.
4- Daí que, para todos os devidos e leiais efeitos, nomeadamente para a
apreciação da matéria em causa em CONFERÊNCIA se dá aqui por reproduzido o teor
do Requerimento de interposição de recurso.
5- Só assim se poderá por termo a alguma dúvida que poderá subsistir sobre
a (in)constitucionalidade da referida matéria.».
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça, encontram-se
interpostos, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), dois recursos de
constitucionalidade.
Um deles – interposto por I. e marido J. –, “para apreciação da
constitucionalidade do disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 1817.º do Código
Civil”, cuja aplicação consideram ter sido recusada pelo acórdão recorrido.
O outro – interposto por A., B., C., D. e marido, E. e marido, F. e
marido, G. e H. –, “com vista à apreciação da constitucionalidade do n.º 4 do
artigo 1817.º do Código Civil”, também entendendo que o Tribunal recorrido
recusou a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade.
2 – A decisão recorrida – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de
3 de Julho de 2008 – tem o seguinte teor:
“(...)
Restam o primeiro e o último dos recursos, ou seja, os recursos de apelação, que
têm ambos a ver com uma mesma e única questão, a da pretendida e negada
caducidade desta acção, e que podem e devem por isso mesmo ser tratados em
conjunto.
A questão foi colocada pelos réus contestantes de fls. 74 do seguinte modo:
o investigado RE faleceu em 22 de Setembro de 2002, com 75 anos de idade;
a acção de investigação só foi proposta pelo investigante/autor, nascido em 13
de Outubro de 1953, em 7 de Junho de 2004;
já estava decorrido o prazo do art. 1817º, nº 4 do CCivil;
é de todo em todo irrelevante a prévia instauração da acção de impugnação da
perfilhação.
E pelos réus I. e marido J., que contestaram a fls. 97, assim:
a acção de investigação deve ser proposta no prazo de dois anos posteriores à
maioridade ou emancipação do investigante;
há décadas que o investigante autor atingiu a maioridade;
ainda que se pretenda que ele gozava de posse de estado, a acção deveria ter
sido proposta no ano posterior ao falecimento do investigado;
a instauração da acção de impugnação não invalida esta conclusão porquanto
deveria, ela mesma, ter sido proposta pelo autor pelo menos no prazo de dois
anos após ter atingido a maioridade.
Respondeu o autor:
o L., enquanto vivo, sempre tratou o autor como filho;
em Novembro de 2002, o autor intentou a acção de impugnação de paternidade do
seu perfilhante;
só em 9 de Março de 2004 foi proferida a sentença em tal acção, julgando-a
procedente;
enquanto não foi levada ao registo a procedência dessa acção o autor estava
impedido de intentar a acção de investigação;
só a partir da remoção do obstáculo legal da perfilhação começou a correr o
prazo de caducidade da acção de investigação.
No despacho saneador a 1ª instância julgou improcedente a excepção,
«corroborando na íntegra a tese do A. com fundamento em que não se verifica a
caducidade da acção de investigação de paternidade se, mesmo tendo cessado o
tratamento como filho há mais de um ano, existindo registo inibitório, foi a sua
anulação requerida até ao termo do prazo para propor aquela acção».
Colocada perante o problema com o primeiro recurso de apelação, a Relação de
Guimarães, no acórdão agora sob análise,
chamando a atenção para a «evolução do quadro jurisprudencial e doutrinal
ocorrida na pendência da causa» e especificamente para a «declaração, com força
obrigatória geral, da inconstitucionalidade da referida norma o nº 1 do art.
1817º do CCivil o que veio a ser feito pelo Ac. nº 23/2006, de 10 de Janeiro de
2006, publicado no DR, I série-A de 8/2/06», e considerando que «a tese acolhida
da imprescritibilidade na investigação da paternidade (ou maternidade)
necessariamente conduz à conclusão de que fica igualmente prejudicado o prazo
de caducidade estabelecido no nº 4 do mesmo artigo», decidiu – sem mais – pela
improcedência desse recurso de apelação.
Ou seja, a evolução doutrinal e jurisprudencial ocorrida de 1998 até aos dias de
hoje,
e que culminou no acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006, de 10 de
Janeiro de 2006, publicado no DR, I-A, de 8 de Fevereiro com a declaração da
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do nº 1
do art. 1817º do CCivil, aplicável por força do art. 1873º do mesmo código, na
medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade,
um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das
disposições conjugadas dos arts. 16º, nº 1, 36º, nº1 e 18º, nº 2 da Constituição
da República Portuguesa,
conduziu a que o Tribunal da Relação chegasse directamente à improcedência da
excepção de caducidade, dispensando-se da abordagem inicial da questão, centrada
nos efeitos e consequências da perfilhação registada do autor como filho de
outrem que não o investigado Rui Argentino e da propositura da acção de
impugnação dessa perfilhação logo em Novembro de 2002.
Faz sentido, faz todo o sentido, porquanto seja qual for a posição que se
adoptasse antes do culminar dessa evolução doutrinal e jurisprudencial quanto à
questão de saber quais os efeitos da propositura da acção de impugnação da
perfilhação inibitória no prazo registado para propor a acção de investigação –
ou a assumida no despacho saneador ou a inscrita no acórdão da RC de 13 de
Outubro de 1998, CJ, T5, pág.5, aliás subscrita pelo ora Relator – é preciso
repensar hoje a questão à luz daquilo que, com força obrigatória geral, foi
considerado inconstitucional pelo acórdão TC nº 23/2006.
E então é preciso dizer que, se bem que este acórdão se tenha limitado a julgar
inconstitucional o nº 1 do art. 1817º (aplicável à investigação de paternidade
por força do que dispõe o art. 1873º), a verdade é que acentua claramente a
ideia da imprescritibilidade das acções de reconhecimento de um estado pessoal,
por um indeclinável respeito pelo direito fundamental à identidade pessoal
consagrado no nº 1 do art. 26º da Constituição da República.
Ora a procura da identidade pessoal passa não apenas pela eliminação de uma
paternidade que não é mas também pelo reconhecimento do pai cujo seja.
Não é concebível,
em termos do respeito pela Constituição, em termos de garantia desses direitos
fundamentais à identidade pessoal, à integridade pessoal, ao desenvolvimento da
sua personalidade, que a Constituição consagra e o acórdão nº 23/2006 acentua,
que a lei preveja a possibilidade de impugnar uma paternidade registral e não
consinta, de seguida, que se investigue a paternidade real atropelada pelo
registo não correspondente à realidade biológica.
De modo que se – como dispõe o art. 1859º, nºs 1 e 2 do CCivil – a perfilhação
que não corresponde à verdade é impugnável em juízo a todo o tempo ... pelo
perfilhado, o máximo da restrição constitucionalmente admissível a um tal
direito seria, para a pessoa que quer não apenas eliminar o pai que não é mas
também buscar o pai cujo seja, aquela que limitasse o seu exercício ao tempo em
que a acção de investigação poderia ser proposta, começando a correr a partir do
trânsito da respectiva decisão o prazo de caducidade da acção de investigação
subsequente.
Ainda que em determinada situação concreta se possa ter como aceitável a solução
da caducidade do direito à investigação de paternidade por se entender, em
concreto, que a situação se configura de tal modo que é possível valorizar
contra o direito à identidade pessoal a segurança jurídica que o decurso do
tempo sedimentou,
é preciso então aceitar que a propositura da acção de impugnação de uma
perfilhação que constituía o obstáculo inibitório da propositura daqueloutra
acção é em si mesma impeditiva dessa caducidade, nos termos do art. 331º, nº 1
do CCivil.
Transitada a decisão que declare o lugar vazio da paternidade, começaria então a
correr o prazo para a propositura da acção de investigação que preenchesse esse
mesmo lugar.
No caso concreto, o caso previsto no nº 4 do art. 1817º do CCivil, o ano
posterior ao mencionado trânsito.
Pode dizer-se, na esteira de Francisco Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira,
Curso de Direito de Família, Volume II, Tomo I, Coimbra Editora, 2006, pág. 243,
que é a aplicação analógica do disposto no nº 2 do mesmo art. 1817º.
Assim se repõe a coerência do texto legal, assim se evita a
inconstitucionalidade irremissível da solução que fizesse cair o investigante no
vazio da caducidade depois de, no tempo necessário, ter iniciado a remoção do
obstáculo posto no caminho da sua identidade pessoal. Da sua integridade
pessoal. Do direito ao desenvolvimento da sua personalidade.
De modo que, à luz do que é hoje o sentido da identidade pessoal, da integridade
pessoal, do desenvolvimento da personalidade tal como a Constituição os consagra
e o acórdão nº 23/2006 os fixou, não se verifica a caducidade da acção intentada
pelo autor/investigante porquanto, no prazo previsto no nº 4 do art. 1817º ele
instaurou a acção de impugnação da perfilhação necessária à remoção do obstáculo
inibitório da propositura da acção de investigação e, transitada aquela,
instaurou esta no ano posterior ao trânsito daquela.
O que está dito está dito, naturalmente, no pressuposto da constitucionalidade
do nº 4 do art. 1817º do CCivil.
E a pergunta é inevitável:
será o nº 4 do art. 1817º (como também o nº 3 do mesmo artigo) conforme à
Constituição, sendo certo que, em qualquer caso, sempre a ausência de prova dos
factos que suportam este(s) “novos” prazo(s) nos poderá reconduzir ao
“prazo-regra” do nº 1 e nos confrontará com a declaração da
inconstitucionalidade deste e a consequente ausência de prazo para a acção?
Este Supremo Tribunal de Justiça tem-se inclinado para a conclusão de que a
declaração de inconstitucionalidade do nº 1 do art. 1817º arrasta
necessariamente a inconstitucionalidade das «normas que, como a do nº 4, se
limitam a alargar prazos em razão do concurso de pressupostos que a norma geral
dispensa sendo certo que não concorrendo o pressuposto especial, o prazo da
norma geral está exaurido, ou seja, o direito caduca porque a acção não foi
instaurada no prazo-regra» – acórdão de 14 de Dezembro de 2006 (Alves Velho), no
proc. nº 06A2489. E, no mesmo sentido, os acs. de 31 de Janeiro de 2007 (Borges
Soeiro), no proc. nº 06A4303, de 23 de Outubro de 2007 (Mário Cruz), no proc. nº
07A2736, e de 17 de Abril de 2008 (Fonseca Ramos), no proc. nº08A474, todos em
www.dgsi.pt/jstj.
Por nós, não pensamos que seja necessariamente assim.
Porque nem sempre o prazo do nº 1 do art. 1817º será um prazo-regra ou prazo
geral em relação aos prazos do nº 4 ou do nº 3 do mesmo artigo.
Basta trazer à colação as alíneas a) e b) do nº 1 do art. 1871º do CCivil e ver
como se pode chegar à paternidade não pela ligação biológica efectivamente
provada mas apenas através da presunção de o filho haver sido reputado e tratado
como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público ou de
existir carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a
paternidade.
Ao menos nestes casos os prazos dos nºs 4 e 3 do art. 1817º não são (ou podem
não ser) o alargamento do prazo do nº 1 do art. 1817º mas sim prazos com
natureza diferente.
Aos quais, pois, a falência do prazo do nº 1 não afectará e cuja
(in)constitucionalidade haverá de ser apreciada autonomamente e não como
consequência directa da declaração de inconstitucionalidade do daquele nº 1 nos
termos em que está feita – na medida em que prevê um prazo de dois anos a partir
da maioridade do investigante.
Então é possível e necessário olhar para o disposto do nº 4 do art. 1817º – se o
investigante for tratado como filho pelo pretenso pai ... a acção pode ser
proposta até um ano posterior à data da morte daquele – e, em sede de
fiscalização concreta, naquela situação concreta, um tal dispositivo legal viola
o direito fundamental do investigante à sua identidade pessoal ou se representa
apenas um condicionamento ou uma restrição, constitucionalmente toleráveis, do
seu direito, em nome de outros interesses ou direitos igualmente
constitucionalmente assumidos.
Ora,
para alguém que já tem quase 49 anos quando vê morrer o seu pretenso pai com 75
anos de idade, não nos parece desproporcionado exigir que em definitivo procure
o reconhecimento judicial da identidade pessoal a que tem direito e quer fazer
valer, sem alongar no tempo o que o tempo já alongou em demasia.
Nem nos parece que exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos
bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, ou seja, não nos
parece constituir um abuso de direito, nos termos em que o define o artigo 334º
do CCivil, que um autor que sempre foi tratado por todas as pessoas como filho
do RE e como tal tem sido reputado pelo público
venha, neste tempo, o ano posterior à morte do pretenso pai, pedir o
reconhecimento judicial da paternidade de quem
d(ess)a gravidez da mãe se confessou autor,
publicamente, a algumas pessoas das suas relações, sempre se confessou pai do
autor, depois de o autor ter casado, o visitava e foi ao seu apartamento.
Aquilo que em vida do pretenso pai pode tê-lo moralmente inibido de “mexer no
assunto” – para não colocar um pai contra a acção judicial de um filho – não
pode, à morte do pai, impedir o filho de se identificar na íntegra consigo
próprio.
Nem mesmo a circunstância daquilo a que costuma chamar-se a «caça à fortuna»
pode alterar esta visão das coisas.
Porque essa é uma questão reversível e a mesma «fortuna» – se é que existe –
está a ser disputada em pé de igualdade pelo autor e pelos réus, irmãos e
sobrinhos do autor;
porque o que se pode dizer é que, se «fortuna» houve (ou há), o que sucede é que
foi o autor quem perdeu eventuais rendimentos dela durante uma vida inteira;
porque não é nenhuma surpresa para os réus que apareça a querer herdar quem,
durante toda a vida, o seu irmão e tio (e o público em geral) reconheceu como
seu filho;
porque era ao pai, e não ao filho que nascia, que competia ter assumido a
responsabilidade (moral, social ...e legal) dos seus actos (biológicos);
porque a questão da herança do M., o perfilhante que foi, é com os herdeiros
dele, e não aqui, que deve ser tratada.
(...)”.
3 – Integrando-se o caso sub judicio na esfera normativa delimitada
pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e considerando igualmente o disposto no
artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
4 – Como é consabido, cabe recurso para o Tribunal Constitucional
das decisões dos Tribunais que “recusem a aplicação de qualquer norma, com
fundamento em inconstitucionalidade” (artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da LTC).
No entanto, perscrutando os fundamentos do aresto recorrido, fica
claro que a sua ratio decidendi não se louva na recusa de aplicação das normas
supra referenciadas, mas numa dada interpretação do regime legal considerado
concretamente aplicável ao caso sub judicio.
Vejamos.
Como resulta dos fundamentos invocados no Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, a questão decidenda mereceu um tratamento diferenciado
daquele que fora sufragado na 2.ª Instância, o qual, apoiado no Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 23/2006, “conduziu a que o Tribunal da Relação
chegasse directamente à improcedência da excepção de caducidade, dispensando-se
da abordagem inicial da questão, centrada nos efeitos e consequências da
perfilhação registada do autor como filho de outrem que não o investigado (...)
e da propositura da acção de impugnação dessa perfilhação logo em Novembro de
2002”.
De facto, os fundamentos decisórios aportados pelo Supremo Tribunal
de Justiça no aresto ora impugnado consubstanciam uma ponderação do regime
aplicável in casu “no pressuposto da constitucionalidade do n.º 4 do artigo
1817.º do Código Civil, considerando mesmo que o juízo de inconstitucionalidade
relativo ao n.º 1 desse artigo não se estende ipso facto às “normas que, como a
do n.º 4, se limitam a alargar prazos em razão do concurso de pressupostos que a
norma geral dispensa”.
E, na verdade, tal pressuposto vai claramente assumido no resultado
interpretativo que o esforço de reflexão metodológica permitiu ao Tribunal
alcançar e do qual se colhe a ratio decidendi justificadora do concreto juízo
recorrido que se encontra projectada na proposição de que “não se verifica a
caducidade da acção intentada pelo autor/investigante porquanto no prazo
previsto no n.º 4 do artigo 1817.º ele instaurou a acção de impugnação da
perfilhação necessária à remoção do obstáculo inibitório da propositura da acção
de investigação e, transitada aquela, instaurou esta no ano posterior ao
trânsito daquela”, aceitando assim que “a propositura da acção de impugnação de
uma perfilhação que constituía o obstáculo inibitório da propositura daqueloutra
acção é em si mesma impeditiva dessa caducidade, nos termos do art. 331.º, n.º
1, do Código Civil”, razão pela qual se entendeu que o prazo fixado no artigo
1817.º, n.º 4, do Código Civil, apenas começa a correr a partir do trânsito da
acção de impugnação da perfilhação.
Ora, não subsiste qualquer dúvida de que o arrazoado motivador de tal juízo
decisório se encontra alicerçado no pressuposto da determinação do “melhor
direito”, para tal considerando os pertinentes parâmetros constitucionais, o
que, por seu turno, não constitui recusa de aplicação normativa, tal como sucede
nas situações em que o Tribunal na determinação do sentido jurídico-normativo de
um critério legal afasta outros resultados interpretativos constitucionalmente
censuráveis.
Por esse motivo, conclui-se que o Tribunal recorrido não recusou, com fundamento
em inconstitucionalidade, a aplicação do disposto no artigo 1817.º – seja o
disposto no n.º 2 ou no seu n.º 4 – do Código Civil, tendo considerado que a
acção fora interposta no prazo aí estabelecido.
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto dos recursos de constitucionalidade interpostos.
Custas pelos recorrentes, em cada um dos recursos, com taxa de justiça que se
fixa em 8 (oito) UCs.».
5 – O reclamado, autor na acção julgada nas instâncias, não respondeu.
B – Fundamentação
6 – Em ponto algum do seu discurso argumentativo, os reclamantes refutam a
bondade da fundamentação em que se abonou a decisão sumária: a de que o acórdão
recorrido não julgou inconstitucionais os n.ºs 2 e 4 do artigo 1817.º do Código
Civil e não recusou a sua aplicação, ao caso concreto, com base nessa sua
invalidade.
O acórdão limitou-se a determinar o sentido normativo de tais preceitos de
direito ordinário, de acordo com as regras hermenêuticas que teve por ajustadas,
e a aplicar o critério de direito ordinário, assim achado, à decisão da questão
de saber se o direito de acção de investigar a paternidade se achava ou não
caducado.
Assim sendo, não tem qualquer sentido as afirmações feitas pelos reclamantes de
que inexiste “decisão que tenha julgado expressamente e com carácter geral” a
inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 1817.º do Código Civil ou de “a
declaração de inconstitucionalidade não ser susceptível de interpretação
extensiva ou analógica”, querendo eles referir-se à declaração de
inconstitucionalidade constante do Acórdão do Tribunal Constitucional, publicado
no Diário da República I Série-A, de 8/2/2006.
É que, independentemente das alegadas eventualidades
consubstanciarem ou não, necessariamente, uma situação de recusa de aplicação da
lei infraconstitucional, com base na sua invalidade constitucional, constata-se
que o acórdão recorrido não se baseou em qualquer desses entendimentos.
Temos, pois, de concluir pelo indeferimento da reclamação.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 10.12.2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos