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Processo nº 794/2008
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A. vem reclamar para o Tribunal Constitucional do despacho do Juiz
Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Setembro de
2008, que não lhe admitiu o recurso interposto para este Tribunal do acórdão do
Tribunal da Relação, de 25 de Junho de 2008, “porque o requerimento de
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, para além de não cumprir
com a exigência decorrente dos n.ºs 1 a 4, do art. 75.º‑A da Lei 28/82, de 15 de
Novembro, não se enquadra em qualquer das situações elencadas nas diferentes
alíneas do n.º 1, do art. 70.º, da citada lei”.
2. O requerimento de recurso de constitucionalidade interposto pelo ora
reclamante foi objecto de um convite de aperfeiçoamento, formulado pelo Juiz
Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Lisboa nos termos do disposto no
artigo 75.º‑A, n.º 5 da Lei 28/82, de 15 de Novembro (a Lei do Tribunal
Constitucional), para que o reclamante viesse indicar qual a alínea do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, em que fundamentava o recurso
interposto.
A este convite veio o reclamante responder que:
É Jurisprudência do Tribunal Constitucional que o recurso deverá ser sempre
admitido, para além das alíneas do art. 70 da Lei 28/82, de 15/11, quando o
recorrente não tiver podido razoavelmente contar com a interpretação da lei, na
forma que reputa de inconstitucional.
Sublinha-se que o acórdão do STJ que uniformizou jurisprudência sobre a matéria
já foi publicado posteriormente à motivação do recurso pelo recorrente.
E é a lei, segundo a interpretação que foi sufragada maioritariamente nesse
acórdão do STJ, que se considera violadora dos princípios e normas
constitucionais, os quais foram apontados no requerimento de interposição.
3. Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, o reclamante alega que:
1. O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 25.06.08 que
interpretou a al. b) do n° 4 do art. 105° do REGIT, aprovado pela Lei n° 15/01,
de 5 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo art. 95° da Lei n° 53/A/06, de
29 de Dezembro, no sentido de que tal alteração legislativa veio introduzir uma
mera condição objectiva de punibilidade, não tendo operado a descriminalização
da condutas em que se não tenha verificado a notificação do contribuinte para
pagar o tributo, no prazo de 30 dias, como a nova Lei exige.
2. O recurso interposto, tal como se colhe do requerimento de interposição, visa
a apreciação da inconstitucionalidade: da al. b) do n° 4 do art. 105° do REGIT,
aprovado pela Lei n° 15/01, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo
art. 95° da Lei n° 53/A/06, de 29 de Dezembro, na interpretação feita no acórdão
recorrido, de que o regime introduzido pela nova redacção não conduziu à
despenalização de todas as condutas já praticadas em que não tenha havido a
notificação prevista na referida alínea, para pagar o tributo em falta no prazo
de 30 dias.
3. O normativo referido, na interpretação dele feita pelo Tribunal da Relação,
no entender do ora reclamante, viola as seguintes normas e princípios
constitucionais:
a) n° 1 do art. 29° da CRP, na dimensão normativa de que ninguém deve ser
sentenciado criminalmente se não houver uma lei anterior (e não há face à
retroactividade da Lei nova) que declare punível a acção ou a omissão e, também
a
b) 2ª parte do n° 4 do art. 29° da CRP, na medida em que proíbe que alguém seja
condenado em virtude de Lei anterior que foi alterada, deixando de punir a acção
ou a omissão em causa, por ampliação dos pressupostos da punição.
3. Sucede que o recurso interposto não foi admitido, segundo o despacho
reclamado pelo facto do recorrente não ter invocado qualquer das alíneas a) a i)
do n° 1 do art. 70º da Lei 28/82, de 15/11.
4. Porém, antes de proferido o despacho que não admite o recurso e a convite do
Excelentíssimo Desembargador-Relator, o recorrente esclareceu que não tinha
indicado nenhuma das referidas alíneas, já que não arguira antes a
inconstitucionalidade da Lei aplicada, por não ter podido razoavelmente contar
com a interpretação da Lei feita no acórdão da Relação. na forma que reputa de
inconstitucional, tanto mais que este acórdão fez aplicação da Jurisprudência
sufragada no acórdão do STJ n° 6/2008, de 15.05.08, já proferido e publicado
posteriormente à motivação do recurso, apresentada em tribunal em 23.05.07.
5. Ora, o despacho reclamado, que não admitiu o recurso, não respeitou a
circunstância invocada pelo recorrente de não ter razoavelmente podido invocar a
inconstitucionalidade na motivação do recurso, sendo certo que é jurisprudência
desse Tribunal Constitucional que, para além das alíneas a) a i) do n° 1 do art.
70º da Lei 28/82, de 15/11, é sempre admissível o recurso, nas situações
especiais em que não seja razoável exigir ao recorrente a alegação prévia da
inconstitucionalidade da norma legal em causa no recurso.
6. Assim, o recurso deveria ter sido admitido.
7. Por outro lado, salienta-se que nesta reclamação está apenas em causa a não
admissibilidade do recurso, pelo que nas alegações que se produzirem, como se
espera, se demonstrará a invocada inconstitucionalidade.
Termos em que deverá ser atendida a presente reclamação, revogado o despacho de
indeferimento e, admitido o recurso interposto para esse Tribunal
Constitucional, como é de JUSTIÇA.
4. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, analisando a
reclamação sub judice, veio dizer o seguinte:
A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
Na verdade, não tendo a ora reclamante aproveitado a oportunidade processual que
lhe foi conferida para completar o requerimento de interposição de recurso,
indicando a alínea do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 em que se fundava – com
o insólito argumento de que o recurso interposto se situaria fora do elenco que
consta de tal norma legal – é evidente que o recurso não poderia prosseguir os
seus termos.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
5. Adianta-se que a presente reclamação não pode obter provimento.
É que, apesar de o reclamante ter sido convidado pelo tribunal a quo para
proceder ao aperfeiçoamento do seu requerimento de interposição de recurso de
constitucionalidade para que viesse a ser indicada, no mesmo, a alínea do artigo
70.º da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual o reclamante interpunha
o citado recurso, a verdade é que o ora reclamante não veio responder ao convite
formulado pelo Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa referindo, a
este respeito, apenas que:
É Jurisprudência do Tribunal Constitucional que o recurso deverá ser sempre
admitido, para além das alíneas do art. 70 da Lei 28/82, de 15/11, quando o
recorrente não tiver podido razoavelmente contar com a interpretação da lei, na
forma que reputa de inconstitucional.
Ora, o reclamante parece confundir a jurisprudência do Tribunal Constitucional
quanto à admissibilidade de suscitação de questões de constitucionalidade apenas
no recurso de constitucionalidade, quando as mesmas surjam no seguimento de
verdadeiras “decisões surpresa”, com a indicação da alínea do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional a que tem, em todos os casos, sob pena de
não conhecimento do recurso, de ser feita referência no requerimento de
interposição de recurso conforme estabelece o artigo 75.º-A, do n.º 1, da Lei do
Tribunal Constitucional.
A falta de referência no requerimento de interposição de recurso de
constitucionalidade, já depois de o recorrente ser convidado ao respectivo
aperfeiçoamento, da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da lei do Tribunal
Constitucional, conduz, necessariamente, ao não conhecimento do recurso de
constitucionalidade interposto pelo ora reclamante.
6. Acresce, que o Tribunal Constitucional também não poderia tomar conhecimento
do recurso interposto pelo reclamante, caso se pudesse entender ser o mesmo
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional,
por falta de verificação de um dos pressupostos processuais para o recurso, a
saber, a suscitação da questão de constitucionalidade no decurso do processo.
No presente caso, a suscitação da questão de constitucionalidade ocorreu,
conforme decorre da fundamentação da reclamação, no requerimento de interposição
do recurso de constitucionalidade, altura em que se encontrava esgotado o poder
jurisdicional do juiz do tribunal a quo, apenas porque, no entendimento do
reclamante, este “não ter podido contar com a interpretação da Lei feita no
acórdão da Relação, na forma que reputa de inconstitucional” (Cfr. ponto 4 da
fundamentação, a fls. 71).
Ora, não pode considerar-se que o reclamante tenha sido colocado perante uma
interpretação com a qual não pudesse, razoavelmente, contar. Na verdade, o
acórdão do pleno do Supremo Tribunal de Justiça, citado no acórdão proferido
pelo tribunal a quo, vem no seguimento de jurisprudência anterior à data da
entrada das motivações de recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa,
jurisprudência essa que foi, aliás, citada na sentença do tribunal de 1ª
instância (fls. 8) e referida pelo recorrente nas suas alegações de recurso
(fls. 13). Pelo que sobre o recorrente recaía o ónus de, no caso, suscitar desde
logo, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, a questão de
inconstitucionalidade que agora pretende submeter à apreciação do Tribunal
Constitucional.
Nestes termos, presente reclamação tem de ser desatendida, confirmando-se a
decisão reclamada.
III
Decisão
Nestes termos, acordam em indeferir a presente reclamação. Custas pelo
reclamante, que se fixam em vinte unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 11 de Novembro de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão