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Processo n.º 730/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclama (fls. 5 a 7), ao abrigo do n.º 4 do artigo
76º da LTC, do despacho do Juiz-Relator junto da 3ª Secção do Tribunal da
Relação de Lisboa, que, em 25 de Julho de 2008, rejeitou o recurso de
inconstitucionalidade interposto para o Tribunal Constitucional (fls. 984 e
985), interposto ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b), da CRP, e dos
artigos 70º, n.º 1, alínea b) e 72º, n.º 2, ambos da LTC, com fundamento na
extemporaneidade do mesmo.
Os termos da reclamação são os seguintes:
“1. Considerou o Tribunal a quo o recurso de constitucionalidade foi
intempestivamente interposto.
2. Justificou tal entendimento com o facto do acórdão ter sido notificado à
mandatária do recorrente por carta registada enviada a 23/4/2008 e de ter sido
interposto a 9/5/2008, sendo certo que o prazo de interposição é de 10 dias, nos
termos do disposto no art. 75º nº 1 da Lei nº 28/82 de 15/11.
3. O recurso foi, no entanto, interposto em tempo, como se demonstrará.
4. Como foi referido supra, o douto acórdão recorrido foi notificado à
mandatária do recorrente por carta registada enviada a 23/4/2008.
5. Pelo disposto no art. 113° n° 2 do CPP, quando efectuadas por carta
registada, as notificações presumem-se feitas no 3° dia útil posterior ao do
envio da carta.
6. Ora, tendo em conta os factos e aplicando a regra supra referida, a
notificação do douto acórdão recorrido presume-se feita no dia 29/4/2008, uma
vez que não são dias úteis os dias 25 (feriado nacional), 26 (sábado) e 27
(domingo) de Abril de 2008.
7. O recorrente considera-se, pois, notificado a 29/4/2008.
8. Aplicando, em seguida, o prazo de 10 dias para a interposição do recurso para
o Tribunal Constitucional, conclui-se facilmente que o mesmo terminou a
9/5/2008, data em que foi efectivamente interposto, como aliás consta do douto
despacho em crise.
9. E ainda que não existisse a norma especial do art. 113° nº 2 do CPP, e fosse
aplicável a presunção geral do art. 254° n°3 do código de processo civil, nem
assim o recurso interposto a 9/5/2008 poderia ser rejeitado por intempestivo,
uma vez que teria sido interposto no primeiro dia útil após o termo do prazo
(art. 145° nº 5 do CPC) e, consequentemente, sempre seria admitida a sua
apresentação em caso de pagamento da multa prevista no art. 145° nº 6 do CPC, a
notificar pela secretaria.
Pelo exposto, deve ser admitido, por tempestivo, o recurso de
constitucionalidade interposto pelo recorrente, declarando-se, a final, as
inconstitucionalidades normativas arguidas.” (fls. 5 a 7)
2. Em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal (fls. 12-verso e
13) pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos
seguintes termos:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
À tramitação do recurso e fiscalização concreta é exclusivamente aplicável o
CPC, por via da remissão contida no art. 69º da Lei nº 28/82, pelo que carece de
sentido invocar disposições atinentes às notificações em processo penal.
Por outro lado, não cabe no âmbito da presente reclamação proceder à eventual
notificação ao recorrente para pagar a multa prevista no art. 145º, nº 6, do
CPC, já que cabia ao recorrente o ónus de ter suscitado tal questão perante as
instâncias, provocando o despacho judicial que determinasse o cumprimento de tal
disposição legal.
Aliás, tal notificação será, no caso, acto inútil, por não se verificarem, de
forma ostensiva, os pressupostos do recurso interposto (mesmo que, de forma
benevolente, se admita a “convolação” da alínea a) para a alínea b) do nº 1 do
art. 70º da Lei nº 28/82), na verdade, percorrido o arrazoado que corporiza a
motivação do recurso perante a Relação, verifica-se que o recorrente não
suscitou, em termos processualmente adequados, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto idóneo do
controlo da constitucionalidade de normas exercido por este Tribunal
Constitucional.”
3. Perante a suscitação de questão nova que obstaria à admissão do
recurso interposto, ainda que não tenha sido alvo de expresso acolhimento por
parte da decisão reclamada, a Relatora ordenou a notificação do reclamante, nos
termos do n.º 3 do artigo 3º do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 69º da LTC,
para que exercesse o direito ao contraditório relativamente ao parecer do
Ministério Público. O reclamante pronunciou-se nestes termos:
“(…)
2. A argumentação vertida no douto parecer do Ministério Público falha em
toda a linha.
3. Começando pela primeira questão, não é correcto afirmar que, pelo
disposto no art. nos termos do disposto no art. 69º da LTC “à tramitação dos
recursos de fiscalização concreta é exclusivamente aplicável o CPC”.
4. De facto, pelo disposto no art. 69º da LTC, à tramitação dos recursos
para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do
Código do Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação.
5. Consequentemente, resulta da supra citada disposição legal que só quando
não se ache especificamente previsto é que se aplicam as normas do CPC, e não
que tais normas se aplicam sempre e sobre quaisquer outras, como pretende o
Ministério Público no seu douto parecer.
6. Mas essa nem é a questão essencial, pois a conclusão sobre a alegada
intempestividade resulta de uma diferença de entendimento acerca das regras
aplicáveis às notificações, nomeadamente quanto à presunção de notificação do
destinatário do acto e, consequentemente, do início da contagem do prazo da sua
impugnação.
7. Ora, a questão da presunção de notificação é prévia à tramitação do
recurso para o Tribunal Constitucional sendo, por isso, irrelevante saber se o
recurso é tramitado segundo as normas da Lei X, Y ou Z.
8. Quanto à questão das normas aplicáveis à notificação (e respectiva
presunção), entendeu o Tribunal a quo que eram aplicáveis as normas do CPC e,
consequentemente, o defensor do reclamante presumia-se notificado no terceiro
dia posterior ao do registo.
9. Entende o reclamante que o seu defensor se presume notificado no
terceiro dia útil posterior ao do registo.
10. Importa salientar que, na origem do recurso para este Tribunal
Constitucional, está um processo-crime, cujas regras – nomeadamente as relativas
à notificação dos sujeitos processuais – estão consagradas no CPP.
11. E, pelo disposto no art. 113º nº 1 al. b) nº 2 e 10 do CPP, as notificações
ao defensor do arguido presumem-se feitas no terceiro dia útil posterior ao do
registo postal.
12. É, pois, evidente que são aplicáveis as normas previstas no CPP quanto à
presunção de notificação e, consequentemente, o defensor do reclamante
considera-se notificado em 29/4/2008 e não em 28/4/2008 como considerou o
Tribunal a quo.
13. Mas o Ministério Público foi ainda mais além e defendeu – contra disposição
legal expressa – que era sobre o reclamante que impendia o ónus de requerer que
lhe fosse passada a multa prevista no art. 145º nº 6 do CPC.
14. Pelo disposto no art. 145º nºs 5 e 6 do CPC:
«5 - Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro
dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua
validade dependente do pagamento, até ao termo do 1.º dia útil posterior ao da
prática do acto, de uma multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça
inicial por cada dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 UC.
6 - Decorrido o prazo referido no número anterior sem ter sido paga a multa
devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para
pagar multa de montante igual ao dobro da taxa de justiça inicial, não podendo a
multa exceder 20 UC.” (negrito e sublinhado nossos)
15. Contra factos não há argumentos; e facto é que, nos termos do disposto no
art. 145º nº 5 do CPC, não se impõe ao interessado o ónus de requerer o
pagamento da multa, podendo a secretaria oficiosamente notificá-lo para tal.
16. E, sobretudo, se for praticado o acto processual num dos três dias úteis
sem que venha a ser paga a multa até ao termo do dia útil seguinte (145º nº 5),
a consequência é clara: a secretaria, oficiosamente e independente de despacho
judicial notifica o interessado para pagar multa de montante igual ao dobro da
taxa de justiça inicial (145º nº 6).
17. O interessado não tem de requerer o pagamento da multa prevista no art.
145º nº 6 do CPC e muito menos existe qualquer efeito cominatório para tal
omissão.
18. É a secretaria que tem de notificar o interessado para pagar e não o
interessado que tem de requerer o pagamento.
19. Esta questão é, também lateral, pois como se viu, o recurso foi
tempestivamente interposto, pelo que não haveria sequer que discutir a aplicação
do disposto no art. 145º nºs 5 e 6 do CPC.
20. No entanto, também neste particular falha razão ao Ministério Público.
21. Por fim, considerou o Ministério Público que de pouco valia pagar a multa
prevista no art. 145º nº 6 do CPC, uma vez que o recurso era inadmissível, por
não ter sido suscitada – em termos processualmente admissíveis - nenhuma
inconstitucionalidade normativa.
22. Não se alcança o que pretendeu o Ministério Público dizer com a lacónica
menção aos “termos processualmente admissíveis”, sendo certo que o Reclamante
arguiu as inconstitucionalidades objecto do recurso no momento próprio, ou seja,
perante o conhecimento da existência das interpretações da lei em termos que
considera inconstitucionais.
23. Também quanto à substância do recurso, o Ministério Público nada mais diz
do que as supra referidas vaguidades.
24. O reclamante indicou de forma clara em que medida é que considerava que a
interpretação das diversas disposições legais vertida no douto acórdão do
Tribunal da Relação violava normas e princípios constitucionais e que se
sintetizam nos seguintes termos:
a. A interpretação do disposto no art. 113º nº 1 al. c), nº 3 e 4 e 196º do
CPP no sentido de que a presunção constante do referido artigo implica que o
arguido se considera notificado pelo simples facto de ter prestado TIR, quando
comprovadamente não recebeu, nem podia receber a carta de notificação para
julgamento pois a mesma foi devolvida ao Tribunal e encontrava-se junta aos
autos, sendo tal facto do conhecimento do Tribunal à data da realização da
audiência ofende as mais elementares garantias constitucionais do processo
criminal (art. 32º nº 1 e 6 da CRP) e bem assim, ao principio do processo justo
e equitativo (due process) (art. 20º nº 2 da CRP).
b. A interpretação do disposto nos arts. 61º, 196º nº 1 al. d), 332º e 333º
CPP no sentido de que, decorrendo o julgamento na ausência do arguido estando
este representado por defensor oficioso que não arguiu qualquer nulidade, fica
precludido o direito de arguição de nulidades por parte do próprio arguido,
viola o disposto no art. 32º nºs 5 e 6 da CRP e art. 6º da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, pois, sem prejuízo do exercício do mandato/defesa
oficiosa, o arguido pode sempre defender-se pessoalmente e arguir os vícios após
ter conhecimento deles.
c. Qualquer interpretação das disposições do processo penal que elimine o
papel e os direitos pessoais do arguido, nomeadamente o de intervir pessoalmente
no processo, ofende as mais elementares garantias de defesa do arguido e viola o
disposto no art. 32º da CRP.
d. A interpretação do disposto no art. 196º nº 3 al. d) do CPP no sentido
de que, ao prestar TIR, o arguido está a consentir, para efeitos do disposto no
art. 334º nº 2 do CPP, em que venha a ser julgado na sua ausência, além de
frontalmente ilegal, ofende as mais elementares garantias de defesa do arguido
em processo criminal (art. 32º nº 1 e 6 da CRP), uma vez que o regime do
julgamento na ausência previsto no art. 334º nº 2 do CPP é, logicamente, muito
menos garantístico (uma vez que assenta no consentimento expresso do arguido em
tal desiderato) do que aquele que se acha consagrado no art. 333º do CPP.
e. A interpretação do disposto no art. 368º do CPP segundo a qual o
Tribunal só tem de verificar se estão reunidas as condições de procedibilidade
do procedimento criminal se tal for suscitado pelo arguido ofende o princípio da
presunção de inocência (art. 32º nº 2 da CRP), a garantia do processo justo e
equitativo (art. 20º nº 4 da CRP) e as mais elementares garantias de defesa do
processo criminal (art. 32º nº 1 da CRP).
f. A interpretação do disposto no art. 374º do CPP no sentido de que,
estando em causa a condenação de dois arguidos pela prática de 4 crimes de
burla, e não estando clara a factualidade relativamente a cada um deles,
nomeadamente (i) qual o comportamento ardiloso por parte de cada um dos agentes
que determinou outrem a praticar acto que lhe causou prejuízo a si ou a
terceiro; (ii) qual a identidade do ofendido e (iii) qual o resultado típico [in
casu, o prejuízo] provado, ofende o direito ao recurso, que é um direito
fundamental do arguido, com consagração constitucional (art. 32º nº 1 da CRP).
25. É, pois, evidente que não será por falta de fundamento que esse Tribunal
deixará de conhecer do objecto do recurso.” (fls. 16 a 25)
Cumpre pois apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
4. Começando pela extemporaneidade do recurso apresentado perante o tribunal
recorrido, importa frisar que o artigo 69º da LTC determina, sem margem para
quaisquer dúvidas, a aplicação – ainda que a título meramente subsidiário – das
normas processuais civis. Ora, não existindo norma processual na lei que regula
o processo constitucional que verse sobre a notificação de decisões susceptíveis
de recurso, forçoso é aplicar-se o n.º 3 do artigo 254º do CPC, que determina
que a notificação ocorre ao “terceiro dia posterior ao do registo, ou no
primeiro dia útil seguinte a esse” e não ao “3.º dia útil posterior ao do envio”
(com sublinhado nosso), conforme previsto no n.º 2 do artigo 113º do CPP.
No caso em apreço, o reclamante foi notificado em 23 de Abril de 2008 (4ª
feira), pelo que se presume notificado em 28 de Abril de 2008 (2ª feira), ou
seja, no primeiro dia útil seguinte ao terceiro dia contado do registo.
Sucede, porém, que, igualmente de acordo com os n.ºs 5 e 6 do artigo 145º do
CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC, o reclamante podia ter praticado o
acto em qualquer um dos três dias úteis seguintes, desde que procedendo ao
pagamento de multa, o que não fez. Independentemente, porém, da questão de saber
a quem competiria desencadear o processo para que tal pagamento fosse efectuado,
o recurso seria sempre inadmissível.
5. Na verdade, tendo invocado o recorrente a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC – conforme resulta do requerimento de rectificação (fls. 976 a 982) –, cabia
ao recorrente ter suscitado de modo processualmente adequado a questão de
inconstitucionalidade que pretende ver apreciada por este Tribunal, conforme
imposto pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC.
No seu extenso requerimento de recurso, o recorrente limitou-se a reproduzir o
seu entendimento quanto às questões já decididas, sem possibilidade de recurso,
pelo tribunal “a quo”, não chegando sequer a enunciar quais as concretas
interpretações normativas que entende serem inconstitucionais ou tão pouco a
indicar quais as passagens da(s) peça(s) processual(ais) em que teria suscitado
uma questão de inconstitucionalidade normativa. Além disso, o confronto das
conclusões das suas alegações de recurso (fls. 823 a 840) demonstram a evidente
e flagrante falta de suscitação prévia e adequada de qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa.
E nem sequer se invoque que tal suscitação de inconstitucionalidade normativa
teria ocorrido em sede de requerimento de arguição de nulidades do acórdão
condenatório proferido (fls. 872 a 925). É que em momento algum desse
requerimento, é imputado um desvalor de inconstitucionalidade a qualquer norma
jurídica concreta, antes sendo feitas alusões esporádicas a princípios e normas
constitucionais, mas sem qualquer imputação específica de inconstitucionalidade
de uma norma ordinária.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3
do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente
reclamação, confirmando, ainda que com fundamento distinto de rejeição do
recurso interposto, a decisão reclamada de fls. 984 e 985 dos presentes autos.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 31 de Outubro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão