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Processo n.º 704/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., melhor identificada nos autos, reclama para o Tribunal
Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), do despacho proferido pelo Juiz
Desembargador relator do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso
de constitucionalidade interposto com base na norma do artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da LTC.
2 – Com interesse para a decisão, colhe-se dos autos:
2.1 – Discordando do teor da sentença proferida no Tribunal Judicial
de Sesimbra, pela qual se julgou improcedente a acção de despejo que a reclamada
“Associação da Acção Bíblica em Portugal” instaurara contra a ora reclamante,
recorreu aquela para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 16 de
Novembro de 2006, concedeu “provimento ao recurso, julgando-se a acção
procedente e decretando-se o fim do contrato com o consequente despejo da ré”.
2.2 – Notificada da decisão, a autora requereu que tal acórdão fosse
“esclarecido de modo a que fique claro que a Ré também vai condenada no
pagamento da indemnização peticionada, no valor de € 150,00 mensais, desde Março
de 2004 até ao despejo efectivo e que é responsável pelo pagamento quer das
custas da acção (1.ª instância), quer as do recurso (Tribunal Superior)”, tendo
o Tribunal da Relação, por acórdão de 1 de Março de 2007, aclarado a decisão
apenas na parte relativa à condenação em custas.
2.3 – Na sequência, a reclamada requereu a reforma do acórdão,
arguindo, subsidiariamente, a sua nulidade, tendo o Tribunal da Relação decidido
nos termos seguintes:
“(...)
- O pedido da A. (e ora requerente) era desdobrado em duas partes:
a) Condenação na desocupação do prédio!
b) E no pagamento de uma indemnização mensal de 150€, pela indevida ocupação,
desde Março 2004, ou em alternativa, desde a citação, até à entrega efectiva.
Na 1ª Instância, a acção improcedeu.
Decisão que foi revogada por esta Relação, em seu Ac. de 16-Nov-06.
Aí se concluiu: “… julgando-se a acção procedente…”
Veio, depois, a A. pedir o aclaramento do acórdão: quanto a custas e quanto à
(pretendida) …… da indemnização na decisão.
Em conferência, e por Ac. de 1-3-07 com base no art. 684-3 CPC (as conclusões do
recurso não aludia a tal questão) este Tribunal decidiu “nada mais haver a
esclarecer”.
Ora bem:
- Mercê, talvez de não termos sido tão explícitos quanto se impunha (e por tal,
nos penitenciamos) foram-se acumulando alguns mal-entendidos que agora urge
exconjugar.
E, assim, entrando no cerne da real questão (a do pedido indemnizatório) dados
os factos tidos como provados (valor locativo do prédio de 150€/mês, e ocupação
intitulada da habitação), não podemos deixar de reconhecer que a A. tem razão.
Mas para chegar a tal constatação não precisamos de remediar qualquer hipotético
vício de omissão de pronúncia, ou de chamar em nosso auxílio, o disposto no art.
715-2 CPC.
Nada disso.
Basta que levemos às últimas consequências aquilo que, afinal, acabou por ser
decidido pelo acórdão desta Relação de 16-11-06.
Na verdade, no precedente acórdão “em conferência” decidiu-se “nada haver a
decidir” com base em que o problema posto extravasava do âmbito das conclusões
(art. 684-3).
É jurisprudência pacifica…
E nada havia a decidir pela simples razão de que, bem interpretado, o Ac. de
16-11-06 continha, já tudo quanto a A. pretendia.
Na verdade:
- o pedido (como se vê da p.i.) subdividia-se em duas partes:
- A desocupação decorrente do despejo,
- E a inerente indemnização.
Ora, esta Relação, “julgando a acção procedente”…, julgou-a na totalidade, nada
dela excluindo.
Assim, a procedência da acção (que englobava o despejo e a indemnização) foi,
“in totum” perfilhada pela Relação, naquilo a que A. Reis (CPC, Ano V vol. 63)
apelidava de “julgamento implícito”.
Sem embargo disso, aproveita-se o momento para clarificar melhor o âmbito da
indemnização, no seu aspecto temporal.
Sendo certo que o lucro cessante se cifrava nos 150€ por mês (i), resta aprovar
a sua dimensão temporal.
Ora, ao ser destituída de base legal, a conclusão da R. integrava um “facto
ilícito”. Daí que, com a citação ela tenha ficado a saber que lhe era exigida a
entrega do imóvel: art. 805-3 C.C.
A pretendida indemnização tem pois, base legal (arts. 562 e 564 do C.C.) desde o
dia da citação até ao dia da efectiva entrega – tal como se pedia e se julgou
procedente.
Nestes termos, e ficando prejudicadas as objecções levantadas com este
esclarecimento se confirma o teor da decisão de 16-Nov-06”.
2.4 – Notificada desse acórdão, a ora reclamante interpôs recursos
para o Supremo Tribunal de Justiça (requerimento de fls. 59 a 62) e para o
Tribunal Constitucional (requerimento de fls. 63 e 64), não tendo esses recursos
sido admitidos, com base na fundamentação que se transcreve:
“(...)
Não é demais relembrar que a acção comportava dois pedidos: - um digamos,
básico, - e que era o de despejo …
E outro, digamos, acessório, que era o de indemnização por conta dos danos
decorrentes da ilícita ocupação do locado.
A 1ª Instância julgou a acção, pura e simplesmente, improcedente.
A Relação divergiu, julgando a acção procedente...
Dúvidas, todavia, surgiram, da parte da A: — Procedente... só o despejo
propriamente dito?... E a questão da indemnização?...
Num primeiro acórdão aclarador (de 1-3-07) entendeu-se nada haver a aclarar, já
que o problema posto extravasava do âmbito das conclusões das alegações (a.
684-3 CPC) e no inerente recurso não se falava, nem de perto nem de longe, no
problema da indemnização.
Seguiu-se, assim, a opinião, nesse sentido, da própria Ré. Nada se decidiu,
pois, quanto ao fundo da questão. Foi uma decisão formal. A A. volta à luta e
insiste em que lhe faça cabal justiça, sustentado que haveria omissão de
pronúncia, no tocante à questão da indemnização.
Este tribunal, confrontado com a substancial razão da A., não podia, nem ética
nem processualmente, esquivar-se a afrontar o problema e, assim, reconheceu a
razão que, sem dúvida lhe assistia. Não se pode, em rigor, falar de contradição
entre duas decisões, uma de cariz formal, outra de fundo substancial.
O Relator assume a sua responsabilidade na condução deste pequeno incidente. Na
verdade, com um pouco menos de formalismo, o problema bem poderia ter sido logo
arrumado, no bom sentido, no acórdão aclarador de 1-3-07 e só por um
exacerbamento formal assim não aconteceu.
Mas mais vale tarde do que nunca … e seria clamorosamente injusto que a Ré, por
conta de um hipotético erro formal, acabasse, afinal por lucrar imerecidamente,
fruindo um locado sem qualquer título.
O ac. de 10-5-07 veio, pois, realizar a justiça que se impunha, pelo modo
possível. Pior que isso seria nada fazer. Tratava-se, pois, de salvar o
possível.
Podia, é certo, ter-se seguido a via do suprimento de uma hipotética omissão de
pronúncia (a.668-1-d CDP), por se ter “esquecido” o pedido indemnizatório.
Seguiu-se, porém, a via do esclarecimento (a.669), sendo que, de qualquer modo,
o resultado final era igual.
Daí todo o clamor levantado, agora, pela Ré.
Clamor que tem o seu quê de afrontador da mais elementar boa fé que, como todos
sabem, é raiz e fundamento de todo o nosso ordenamento jurídico (art. 762-2 CC).
Basta atentar nos fundamentos do acórdão principal – que, como se disse, não foi
impugnado no seu núcleo essencial (o despejo) – para compreender como a atitude
da Ré deixou muito a desejar.
Fica-se, aliás, a pensar que com estes incidentes mais não pretende do que
ganhar tempo, dilatando ao máximo o dia do despejo efectivo, sem a contrapartida
do pagamento do valor de fruição…
Seja pelo valor da alçada, seja porque a Ré reconhece que não tem qualquer
razão, não levantou ela a menor objecção ao despejo em si. Daí que a inerente
decisão tenha transitado.
Serve-se, agora do incidente da indemnização para clamar a todos os ventos que
os seus mais sagrados direitos estão a ser violados. Não estão. Ela é que,
censuravelmente, procura violar os da A. (Não há que ficar impressionado com o
miserabilismo de que o inquilino é sempre a parte mais fraca e, por isso
merecedor de toda a complacência… mesmo quando quer fruir o locado, sem pagar.)
De maneira que, transitada a questão do despejo… bem poderia a A. vir desistir
do pedido acessório da indemnização (aliás, de cobrança problemática), ou do
incidente que suscitou… para a Ré poder ser alvo do imediato despejo… E nesse
caso, lá se esfumaria, como névoa ao sol, a fantasiosa inconstitucionalidade
sonhada pela Ré. (Note-se que a restrição do montante indemnizatório, em função
do tempo de fruição – desde a citação e não desde Março-04, como se pedia –
favorecendo a Ré não podia significar a lesão das suas expectativas).
Situando-se a acção dentro da alçada da Relação, não é possível o recurso para o
STJ: - art. 678º CPC.
Nem mesmo ao abrigo do invocado art. 670º-4 que, mesmo dentro da alçada permite
um tal recurso… mas, como se refere, “no caso a que se refere” o artigo anterior
no seu nº 2 – ou seja:
-a) – Caso de manifesto lapso do juiz na determinação da norma…
-b) – Constarem do processo documentos/elementos que impliquem decisão diversa e
que, por lapso, não se tenham tomado em conta.
Não está em causa, obviamente, qualquer dessas hipóteses.
O que sucedeu foi algo de tão trivial como uma aclaração – ou se preferir – o
suprimento de uma hipotética omissão de pronúncia. A realidade básica acaba por
ser a mesma e seja qual for o “nomen” dado ao enquadramento processual, a
subsunção jurídica é livre: art. 664º do CPC.
Nem se diga que foram violados os princípios do contraditório ou que a parte foi
apanhada de surpresa…
Nada disso.
Ela teve amplas possibilidades de defesa, tanto na contestação, como nas
contra-alegações, como na apreciação das reclamações deduzidas pela parte
contrária de que foi notificada e a que teve oportunidade de responder.
A Relação limitou-se a decidir o litígio conforme as partes lho apresentavam e
de que era componente essencial tanto o despejo em si, como a complementar
indemnização. E ante a posição desfavorável da sentença… limitou-se a Relação a
seguir via diferente. Nada, pois, de que a R. se não pudesse defender, pois os
pedidos formulados eram bem claros.
Não é, pois, possível admitir o recurso para o STJ.
Também não é possível qualquer recurso para o T. Constitucional, dado o
impedimento liminar do art. 70º da L. 28/82, 15 Nov. pois que nenhum problema de
inconstitucionalidade foi posto ao longo do processo.
Claro que, com a ilegítima abrangência pretendida pela R. todo o processo, a
começar pela banal acção sumaríssima, poderia, afinal ser recorrido para o T.C..
Bastaria sustentar que a mais inócua norma aplicável (que os contratos devem ser
cumpridos… que a maioridade se atinge ao 18 anos… que o contrato de locação
implica certas obrigações… etc., etc.) poderia ser acusada de interpretação não
conforme à Constituição. Assim, o instituto da alçada seria um mito, porque
seria sempre possível sustentar que a aplicação desta ou daquela norma, ou pior,
a interpretação que dela é feita… violaria o direito à tutela jurisdicional
efectiva…
Ora, não se percebe de que modo os arts. 669º, 670º e 715º do CPC pudessem ter
sido interpretados de molde a ferirem o espírito da Constituição: - o T. pode
sempre esclarecer a decisão (art. 669º) sanar nulidades (art. 670º) e conhecer
do objecto da sentença ou da apelação, pois essa é a sua missão – não estando,
por isso em causa o invocado art. 715º, pois não havia uma prévia anulação da
sentença.
Tratou-se, sim, de levar às últimas consequências a pretensão da A. por se
verificarem os pressupostos em que assentava.
Todo o recurso tem sempre uma ou outra razão… E por bem respeitáveis que essas
razões sejam, há barreiras que, por razões de segurança jurídica, por economia
processual ou por impossibilidade de meios humanos… a lei não consente que se
ultrapassem.
É o que acontece com a barreira da alçada que, digamos, consome a maior das
injustiças (e não é seguramente o caso) já que não é de presumir que uma
decisão, pelo facto de caber na alçada do T. recorrido, seja, sem mais, justa.
Justa ou injusta cai sob os limites da alçada e nada há a fazer (salvas
excepções bem delimitadas). O mesmo se diga do disposto no art. 70º da L. 28/82:
- com razão ou sem ela (e aqui, claramente, sem ela) há casos em que a parte não
pode recorrer para o T.C. – e isto, aliás., por razões facilmente apreensíveis:
- não fora assim e todo o litigante se arrogaria mais uma instância de recurso,
protelando o dia da condenação e inundando o tribunal com uma quantidade tal de
trabalho que seria humanamente irrealizável.
Em suma: - Também não é possível o recurso para o Tribunal Constitucional, que ,
por isso, se não admite: - art. 76-2 da cit. Lei”.
2.5 – A ré reclamou desse despacho para o Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, na parte em que não se admitiu o recurso para aquele
Tribunal, tendo a reclamação sido indeferida com a seguinte motivação:
“(...)
A autora na sequência do acórdão proferido em 01.03.07, que recaiu sobre o
requerimento por ela apresentado em 30.11.06, veio requerer a fls. 180 a reforma
e subsidiariamente arguir a nulidade do acórdão proferido em 16.11.2006 que
julgara a acção procedente e decretara o fim do contrato com o consequente
despejo da ré, por entender que o mesmo não se tinha pronunciado sobre o pedido
de indemnização.
E no acórdão questionado, que recaiu sobre o referido requerimento, entendeu-se
que “a pretendida indemnização tem pois base legal (arts. 562.° e 564.° do C.C.)
desde o dia da citação até ao dia da efectiva entrega - tal como se pedia e se
julgou procedente” e decidiu-se confirmar o teor da decisão de 16.11.06, com
prejuízo das objecções levantadas.
Alega a ré, ora reclamante, que o acórdão em crise alterou o anteriormente
decidido no respeitante à indemnização.
Entendemos que não, porquanto através do acórdão proferido em 16.11.06 já a
acção tinha sido julgada procedente e o acórdão de 10.05.07, ora recorrido,
apenas veio clarificar aquele, no respeitante à questão da indemnização.
Ora, dispõe o art. 670.°, n.º 2, do CPC que “do despacho que indeferir o
requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma não cabe recurso. A
decisão que deferir considera-se complemento e parte integrante da sentença”.
Daí que, esse recurso só seria admissível se houvesse alteração da decisão, nos
termos do nº 4 do mesmo artigo; ora a decisão em crise, apesar de vir impugnada
pela parte contrária à que solicitou o pedido de reforma, não foi modificada.
Não é assim admissível recurso, nos termos do art. 670°, nº 2 e 4, do CPC.
Assim sendo, ficando o valor da acção (€ 996,00), aquém da alçada do Tribunal da
Relação, é manifesta a inadmissibilidade do presente recurso, face ao disposto
no citado n.º 1 do art. 678.° do CPC”.
2.6 – Notificada dessa decisão, a ré interpôs novo recurso para o
Tribunal Constitucional, mediante requerimento com o seguinte teor:
“A., Recorrida nos autos acima identificados, notificada do Acórdão de fls. que
deferiu o pedido de reforma do Acórdão decisório formulado pelo Recorrente,
alterando, em consequência o decidido naquele aresto já depois de indeferido o
pedido de aclaração do mesmo, e tendo interposto, nos termos do disposto no n.º
4 do artigo 670.° do CPC, o competente Recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, e porque tal recurso não foi admitido, vem interpor recurso para o
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ao abrigo do disposto no artigo 70.°/1/b), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, com o fundamento na inconstitucionalidade dos artigos
669.°, 670.° e 715.° do Código de Processo Civil, com a interpretação que deles
foi feita no acórdão recorrido, por violação do direito à tutela jurisdicional
efectiva consagrado nos arts. 20° e 268° da Constituição.
Com efeito, uma interpretação do art. 669.° do CPC com o alcance de que em sede
de aclaração [aliás, em sede de aclaração de decisão aclaratória (!)] seria
possível alterar material e substancialmente a decisão aclarada, negando à parte
prejudicada com tal alteração o direito de recurso, confrontando-a com uma
decisão inesperada, atentaria flagrantemente contra os princípios da segurança e
do contraditório ínsitos no art. 20.° da CRP; levando esta interpretação a uma
interpretação abrogante do art. 670.°, suprimindo deste o disposto no n.º 4,
igualmente atentatória das garantias de segurança e de recurso das decisões
judiciais desfavoráveis (aliás, surpreendentemente desfavoráveis).
De igual modo será desconforme com a constituição o art. 715.°/2/3 do CPC com a
interpretação que é feita na decisão censurada de que o Tribunal da Relação pode
decidir em 1ª Instância questões que deviam ter sido decididas pelo Tribunal de
Comarca (n.º 2) e, ainda por cima, sem que previamente se ouçam as partes (n.º
3), surpreendendo as partes com uma decisão nova e inesperada, por violação dos
princípios da segurança, do direito ao recurso e do contraditório contidos no
art. 20.° da CRP.
(...)”.
2.7 – Por despacho de 10 de Abril de 2008, o Juiz Desembargador
relator decidiu não admitir o recurso de constitucionalidade por considerar que:
“A., veio a fls. 200, interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de
Justiça e, caso o mesmo não pudesse ser admitido, interpôs também a fls. 205,
recurso para o Tribunal Constitucional.
Por douto despacho do então Relator, proferido a fls. 220 a 222 verso,
devidamente notificado, não foram admitidos nem um nem outro dos recursos pelas
razões ali explanadas.
A Recorrente reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual indeferiu a
reclamação.
Agora, veio a aludida Recorrente a fls. 327, interpor novamente recurso para o
Tribunal Constitucional, exactamente com a mesma fundamentação do seu anterior
requerimento, que já lhe havia sido indeferido”.
Existindo sobre o dito requerimento caso julgado, uma que aquele despacho não
foi impugnado por qualquer meio, não é possível nova pronúncia no sentido
pretendido pela dita Recorrente.
2.8 – Discordando do decidido, a recorrente deduziu, nos termos do disposto no
artigo 76.º, n.º 4, da LTC, a presente reclamação, da qual fez constar:
“(...)
A fls. 200 destes autos, veio a aqui recorrente interpor recurso do
Acórdão de fls., para o Supremo Tribunal de Justiça e caso o mesmo não pudesse
ser admitido, interpunha também recurso para o Tribunal Constitucional.
Por despacho do Sr. Relator, de fls. 220 e segs., não foi admitido nenhum dos
recursos interpostos.
Inconformada com tal decisão, a aqui recorrente reclamou para o Sr. Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a reclamação.
Veio novamente a recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
Recurso cuja admissibilidade lhe é agora indeferida, por se entender que o
Despacho de fls. 220 e segs. (que lhe indeferiu o 1° recurso interposto para o
Tribunal Constitucional), transitou em julgado.
Não pode a recorrente conformar-se com tal decisão. Pois, no seu modesto
entendimento, tal interpretação é claramente contra o espírito e a letra da Lei.
Vejamos.
Nos termos do n.º 2 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, só é
admissível recurso para o Tribunal Constitucional, quando a decisão já não
admita recurso ordinário.
Ora, tendo a recorrente interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,
por força da citada norma, não poderia concomitantemente interpor recurso para o
Tribunal Constitucional.
Assim, o recurso interposto pela aqui recorrente a fls. 205, nunca poderia ser
admitido, (como não foi), pela simples razão, que ainda não se tinham esgotado,
para a recorrente, todas as instâncias de recurso ao seu dispor.
Contudo, tal não a pode impedir de, uma vez esgotadas todas as instâncias de
recurso, (como se verifica actualmente), poder vir a interpor agora recurso para
o Tribunal Constitucional.
O recurso interposto a fls. 205, é de facto inadmissível mas, por ser prematuro.
Pelo que, o despacho que o não admitiu não constitui caso julgado.
Se à recorrente é reconhecida pela Lei a possibilidade de recurso para o
Tribunal Constitucional, de decisão que a prejudique, mas só quando se esgotaram
todas as instâncias de recurso. Se essas instâncias de recurso só agora se
esgotaram, não pode uma interposição prematura de recurso retirar-lhe o direito
(que a Lei lhe confere), de agora recorrer.
Pelo que, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser
admitido o recurso”.
2.9 – O representante do Ministério Público junto deste Tribunal
pugnou pelo indeferimento da reclamação, ainda que com base em fundamentos não
considerados no despacho reclamado, como resulta do seu parecer:
“O recurso de constitucionalidade interposto a fls. 205, a título “subsidiário”
relativamente ao recurso ordinário concomitantemente endereçado ao STJ, é
obviamente inadmissível, já que se mostra interposto num momento processual em
que não estavam esgotados os normais meios impugnatórios possíveis, no âmbito da
ordem dos tribunais judiciários – aliás, efectivamente utilizados pelo
recorrente, que reclamou daquela rejeição do recurso para o Supremo.
Tal circunstância não precludia, porém, ao recorrente a possibilidade de renovar
o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade num momento em
que se tivesse tornado definitiva a decisão das instâncias sobre a acção de
despejo, o que naturalmente ocorreu com a rejeição da reclamação endereçada ao
Presidente do STJ.
Sucede, porém, que o recurso de fiscalização concreta, renovado a fls. 327, é,
igualmente inadmissível, embora por outro fundamento: não ter sido efectivamente
aplicada à dirimição do caso a interpretação normativa delineada pelo recorrente
como objecto do recurso.
Na verdade, o que se decidiu no âmbito do pedido de aclaração então deduzido é
que a questão da indemnização devida pelo réu se mostrava “implicitamente
julgada” no primeiro acórdão proferido, apenas se esclarecendo lateralmente um
“aspecto temporal” relativo ao âmbito daquela indemnização.
Não foi, deste modo, invocado e aplicado o art. 715º do CPC nem foi feita
interpretação dos preceitos legais atinentes aos incidentes pós-decisórios,
consubstanciada na ocorrência da “alteração material e substancial da decisão
aclarada”.
Deste modo – e por não se verificarem os pressupostos do recurso interposto –
deverá ser julgada improcedente a presente reclamação”.
2.10 – Notificada a reclamante para se pronunciar sobre o teor da
posição manifestada pelo representante do Ministério Público, veio aquela
responder-lhe, dizendo:
“(...)
1 — Não pode deixar de concordar com o douto Parecer na parte em que entende,
como a reclamante, que o recurso de fiscalização concreta é admissível, agora
que se esgotaram as demais vias de recurso.
2 — Quanto ao objecto do recurso, pugna, naturalmente pela sua admissibilidade
também. Porquanto, em sede de fiscalização concreta o que está em causa é a
interpretação que pelo Tribunal da Relação é feita dos artigos 669.°; 670.° e
715.° do Código de Processo Civil.
Ora, dispõe o n.º 4 do artigo 670.° do Código de Processo Civil, que em caso de
reclamação ou aclaração, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode
recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal.
O que aconteceu, foi que o Tribunal da Relação conheceu do recurso reclamado. A
qual, em sede de aclaração pediu a condenação da reclamante numa indemnização.
Tal aclaração foi rejeitada por nada haver a aclarar. Desta decisão reclamou a
recorrente e, então, o Tribunal da Relação que havia dito que nada havia a
aclarar, vem agora na reclamação à aclaração, dizer que afinal a aqui reclamante
teria de pagar uma indemnização à recorrente.
É evidente que com esta decisão sobre a reclamação da aclaração, a agora
reclamante ficou prejudicada, uma vez que na decisão inicial do Tribunal da
Relação, não tinha sido condenada a pagar qualquer indemnização à recorrente.
Tendo ficado prejudicada, assiste-lhe o direito de recorrer por força do
disposto no n.º 4 do artigo 670.° do Código de Processo Civil.
Porém, nem o Tribunal da Relação, nem o Supremo Tribunal de Justiça, lhe admitem
o recurso, quando a Lei e os factos são bem claros.
O Tribunal da Relação, depois de em sede de aclaração, ter alterado material e
substancialmente uma sua decisão anterior, nega à aqui reclamante o direito de
recorrer, violando assim os princípios da segurança e do contraditório ínsitos
no artigo 20.° da Constituição.
Será igualmente desconforme com o mesmo artigo da Constituição, a interpretação
dada pelo Tribunal da Relação aos números 1 e 2 do artigo 715.° do Código de
Processo Civil, pois decide em primeira instância questões que teriam de ser
apreciadas pelo Tribunal de Comarca (n.°2) sem que previamente as partes sejam
ouvidas (n°3) surpreendendo-as com uma decisão nova e de todo inesperada.
Violando assim os princípios da segurança, do contraditório e do direito ao
recurso.
(...)”.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
3 – Como é consabido, um dos requisitos de admissibilidade e
conhecimento do objecto dos recursos interpostos ao abrigo do disposto no artigo
70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, traduz-se no esgotamento dos recursos
ordinários, resultando da consideração deste pressuposto de recorribilidade que
o recurso de constitucionalidade interposto a fls. 205, a par com o recurso
endereçado ao Supremo Tribunal de Justiça, não seria admissível uma vez que, no
momento da sua interposição, a decisão recorrida ainda não seria definitiva na
óptica do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 70.º da LTC.
Nessa medida, a decisão de não admissão do recurso num momento em
que não podem considerar-se esgotados os recursos ordinários, não obstará à
interposição de recurso no momento processual próprio, porquanto a via de
recurso circunstancialmente em causa apenas se abre após a prolação da decisão
definitiva, não sendo possível antecipar o sentido desta para efeitos de
controlo da admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Deste modo, cumpre agora cuidar da observância dos demais
pressupostos processuais próprios do recurso interposto ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, dado que, em face do disposto no artigo 77.º,
n.º 4, da LTC, a decisão que revogar o despacho de indeferimento faz caso
julgado quanto à admissibilidade do recurso, sendo que, para decidir se um
recurso deve ser admitido – e por isso mesmo, para decidir se deve ser deferida
a reclamação deduzida de decisão de um tribunal que não tenha admitido um
recurso de constitucionalidade –, compete ao Tribunal Constitucional averiguar
se estão verificados os pressupostos processuais específicos do recurso de
fiscalização concreta que, no caso, se pretende interpor, decorrendo, como se
disse, do nº 4 do artigo 77.º da LTC, a necessidade de, ao julgar tal
reclamação, este Tribunal conhecer precisamente de todos os fundamentos que
podiam determinar a inadmissibilidade do recurso de fiscalização concreta
interposto (Acórdão n.º 465/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, para que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do
objecto do recurso torna-se necessário que norma sindicanda tenha constituído a
verdadeira ratio decidendi do juízo recorrido, sendo que bem se compreendendo
que assim seja, uma vez que só quando estiver em causa a inconstitucionalidade
da(s) norma(s) que constitui[u](ram) a ratio decidendi do juízo recorrido é que
a decisão do Tribunal Constitucional poderá projectar-se sobre o caso sub
judice, contendendo, nessa medida, com a decisão recorrida.
Na verdade, como se afirmou no Acórdão n.º 112/84, o Tribunal
Constitucional, enquanto “(...) órgão jurisdicional, nunca age, nem pode aceitar
agir, como se fosse um órgão consultivo em matéria jurisdicional (...), toda e
qualquer apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma não pode
deixar de produzir efeito no caso sub judice; não pode, e não deve, com efeito,
o Tribunal Constitucional, pronunciar-se sobre «pleitos puramente teóricos ou
académicos» (cf. Acórdão n.º 149 da Comissão Constitucional)”, o que sucederia,
inequivocamente, em todas as situações onde a formulação de um juízo de
constitucionalidade sobre determinada norma não se viesse a repercutir na
decisão recorrida porque o critério legal em crise não foi, afinal, aplicado ao
caso concreto como ratio decidendi do juízo proferido.
Como decorre do requerimento de interposição de recurso, a recorrente pretende
que este Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade dos critérios
definidos nos seguintes termos:
“(...) uma interpretação do art. 669.° do CPC com o alcance de que em sede de
aclaração [aliás, em sede de aclaração de decisão aclaratória (!)] seria
possível alterar material e substancialmente a decisão aclarada, negando à parte
prejudicada com tal alteração o direito de recurso, confrontando-a com uma
decisão inesperada, atentaria flagrantemente contra os princípios da segurança e
do contraditório ínsitos no art. 20.° da CRP; levando esta interpretação a uma
interpretação abrogante do art. 670.°, suprimindo deste o disposto no n.º 4,
igualmente atentatória das garantias de segurança e de recurso das decisões
judiciais desfavoráveis (aliás, surpreendentemente desfavoráveis).
De igual modo será desconforme com a constituição o art. 715.°/2/3 do CPC com a
interpretação que é feita na decisão censurada de que o Tribunal da Relação pode
decidir em 1ª Instância questões que deviam ter sido decididas pelo Tribunal de
Comarca (n.º 2) e, ainda por cima, sem que previamente se ouçam as partes (n.º
3), surpreendendo as partes com uma decisão nova e inesperada, por violação dos
princípios da segurança, do direito ao recurso e do contraditório contidos no
art. 20.° da CRP”.
No entanto, compulsados os autos e perscrutados os fundamentos normativos
convocados pelo Tribunal a quo, constata-se que este não aplicou as normas supra
transcritas com a interpretação normativa que o recorrente erigiu em objecto do
recurso.
De facto, em momento algum foi admitida uma alteração “material e substancial”
do julgado, por via dos referidos incidentes pós-decisórios, tendo o Tribunal da
Relação deixado expressamente referido que, no juízo decisório inicialmente
formulado, “a procedência da acção (que englobava o despejo e a indemnização)
foi in totum perfilhada pela Relação”.
De resto, igual constatação decorre do teor da decisão do Supremo Tribunal de
Justiça que indeferiu a reclamação aí aportada com o fundamento de que o
“recurso só seria admissível se houvesse alteração da decisão (...); ora a
decisão em crise, apesar de vir impugnada pela parte contrária à que solicitou o
pedido de reforma, não foi modificada”.
Mutatis mutandis, a mesma situação ocorre quanto à invocada
inconstitucionalidade do artigo 715.º do Código de Processo Civil, porquanto
também este critério não foi aplicado à dirimição do problema decidendo, como se
alcança do reconhecimento, pela Relação, de que o problema da indemnização
constituía parte integrante do objecto do recurso, não se tratando de “questão
nova” em relação à qual pudesse ser prolatada qualquer decisão-surpresa.
C – Decisão
4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 Ucs..
Lisboa, 11 de Novembro de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos