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Processo n.º 671/2008
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC) do despacho de 22 de Julho de 2008 que não admitiu, por
extemporâneo, o recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional do acórdão
do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de Fevereiro de 2008.
Alega, em síntese, que o recurso deve considerar-se tempestivo porque a
notificação do acórdão recorrido só pode ter-se por efectuada no dia em que a
sua mandatária, respeitando o prazo estabelecido no aviso deixado no respectivo
“apartado” dos CTT para recepção de correspondência, procedeu ao levantamento da
carta registada e não na data que o despacho reclamado se limitou a presumir, ao
abrigo do n.º 3 do artigo 254.º do Código de Processo Civil.
O Ministério Público sustenta que os elementos carreados para os
autos não permitem pôr em causa o despacho de não admissão do recurso para o
Tribunal Constitucional.
2. Após diligências destinadas a completar a instrução da
reclamação, o relator ouviu o recorrente sobre outras causas possíveis de não
admissão do recurso, designadamente:
- A não admissibilidade do recurso ao abrigo da alínea g) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC, quanto às normas dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP,
uma vez que o sentido com que o recorrente diz ter o acórdão recorrido aplicado
essas normas não coincide com anteriormente julgado inconstitucional pelo
Tribunal Constitucional;
- Não integrarem as normas dos nºs 1, 3 e 4 do artigo 411.º do CPP,
com o sentido que o recorrente pretende ver fiscalizado, a ratio do acórdão
recorrido.
O recorrente, depois de lhe ser indeferido um pedido de aclaração, respondeu
nos seguintes termos, em síntese:
- Só por lapso invocou o acórdão n.º 140/2004;
- O acórdão recorrido violou o direito a um processo equitativo e o próprio
direito ao recurso, tendo aplicado as normas constantes do artigo 412.º, n.ºs 3
e 4 do Código de Processo Penal na interpretação de que o arguido circunscreveu
a apreciação do recurso à matéria de direito por não ter cumprido o ónus de
especificação imposto pelas referidas normas, sem que tivesse dado ao recorrente
oportunidade de aperfeiçoamento. O acórdão delimitou o recurso à matéria de
direito, não porque faltassem na motivação do recurso as indicações necessárias
para se considerar impugnada a matéria de facto, mas porque o recorrente
formulou as conclusões nos termos em que o fez
- As normas dos artigo 411.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CPP foram aplicadas com um
sentido já julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, pelo que deve
conhecer-se do recurso nessa parte, embora esse sentido não tenha constituído a
ratio que conduziu ao juízo de intempestividade do recurso.
3. Para decisão das questões que cumpre resolver, consideram-se
demonstrados os factos e ocorrências processuais seguintes:
a) Por acórdão de 26 de Fevereiro de 2008, o Tribunal da Relação de Lisboa
rejeitou o recurso interposto pelo ora reclamante (arguido no processo) da
sentença do Tribunal Judicial de Peniche que o condenou, como autor de um crime
de tráfico de estupefacientes agravado, na pena de sete anos de prisão e na pena
acessória de proibição do exercício de funções na Guarda Nacional Republicana;
b) Por acórdão de 20 de Maio de 2008, foi indeferido o pedido de aclaração
formulado pelo ora reclamante quanto ao acórdão referido na alínea anterior;
c) Este acórdão foi notificado à mandatária do ora reclamante por carta
registada, endereçada para o escritório por si indicado e expedida em 21 de Maio
de 2008;
d) Em 27 de Maio de 2007, foi deixado “aviso”, para levantamento do registo, no
“apartado” da estação dos correios de Peniche de que é titular a mandatária do
ora reclamante, ficando a carta depositada na estação.
e) A carta registada foi levantada em 3 de Junho de 2008;
f) O requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional deu
entrada no Tribunal da Relação de Lisboa em 14 de Junho de 2008;
g) Sobre tal requerimento foi proferido o seguinte despacho [despacho
reclamado]:
“Req. Fls. 869:
O recorrente considera-se notificado do acórdão proferido a fls. 853 a 863 em 26
de Maio.
O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias
(art 75, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
Assim, a interposição do recurso em 14.06.2008 está fora de prazo. Assim, ao
abrigo do artº 414.º, n.º 2, do C.P.P., não se admite o recurso.”
4. O despacho sob reclamação considerou que o recurso foi interposto depois de
esgotado o prazo de 10 dias previsto no artigo 75.º, n.º 1, da LTC. Presumiu que
o acórdão foi notificado em 26 de Maio de 2008, por aplicação subsidiária do n.º
3 do artigo 254.º do CPC.
O recorrente procura ilidir essa presunção afirmando que a notificação só pode
considerar-se efectuada em 3 de Junho, data em que a sua mandatária procedeu ao
levantamento da respectiva carta registada na estação dos correios, dentro do
prazo fixado no “aviso” para o efeito deixado no seu “apartado”.
4.1. Começa por notar-se que a determinação do termo inicial da contagem do
prazo constante do despacho reclamado não é exacta. Mas, adianta-se, sem que daí
resulte ser o recurso tempestivo.
Com efeito, da sequência de actos dos serviços postais, documentada a fls. 43,
retira-se que a carta registada só foi posta em distribuição em 27 de Maio de
2008, no dia seguinte àquele que resultaria da presunção estabelecida no n.º 3
do artigo 254.º do CPC e que foi levado em conta no despacho impugnado. Porém,
isso não basta para tornar o recurso atempado, uma vez que, com esse ponto de
partida, o prazo terminaria a 6 de Junho, sempre antes da interposição que só
ocorreu a 14 de Junho de 2008.
4.2. A pretensão do reclamante é outra. Sustenta que o prazo só começa a partir
da data em que ocorreu o efectivo levantamento da carta registada para
notificação.
Efectivamente, os serviços dos CTT, verificando que o destinatário (a advogada
que representa o ora reclamante) era titular de um “apartado”, optaram por
deixar “aviso” nesse apartado, ficando a carta depositada na estação, onde só
veio a ser levantada em 3 de Junho de 2008.
O reclamante não questiona este procedimento dos serviços dos correios,
designadamente quanto ao facto de, apesar de a carta registada ser endereçada
para o escritório do mandatário, se ter optado por tratá-la como dirigida ao
respectivo “apartado” e, em conformidade, ter sido aí imediatamente depositado
“aviso”, em vez de ser tentada a distribuição domiciliária. O que defende é que,
por ter procedido em rigorosa conformidade com o “aviso”, a notificação só pode
considerar‑se efectuada na data em que a carta foi levantada. Deste modo, uma
vez que é ao notificado que compete ilidir a presunção invocando as razões para
o seu afastamento, a regularidade daquele procedimento está fora de discussão
(n.º 6 do artigo 254.º do CPC). Assim, o problema fica reduzido à questão de
saber se a notificação se considera efectuada na data em que foi deixado aviso
no “apartado”, ou na data em que o destinatário procedeu efectivamente ao
levantamento da correspondência.
4.3. De acordo com o artigo 21.º do “Regulamento do serviço púbico dos
correios”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/88, de 18 de Maio, nos locais onde
exista distribuição postal domiciliária, a distribuição da correspondência é
feita na morada indicada pelo remetente, sem prejuízo das modalidades próprias
de distribuição previstas nos serviços especiais.
A entrega da correspondência registada é sempre comprovada por recibo e tem
lugar:
a) Na morada do destinatário, desde que esteja implantada a distribuição
domiciliária;
b) Nos estabelecimento postais da localidade de destino, além de outros casos
que não importa referir, quando (i) não tenha sido possível a entrega na morada
do destinatário; (ii) as correspondências estejam sujeitas a tratamento
especial que preveja esta modalidade de entrega.
Um destes tratamentos especiais é o das “correspondências apartadas”, ao abrigo
do artigo 42.º do citado Regulamento, que permite que, por concessão anual, a
pedido dos destinatários, as correspondências sejam apartadas para entrega nos
estabelecimentos postais. A correspondência dirigida ao apartado (ou que como
tal possa ser considerada) deixa de ser objecto de distribuição domiciliária.
Passa a ser depositada no local próprio do estabelecimento postal, onde tem de
ser levantada. Tratando-se de correspondência registada, como a sua entrega tem
de ser comprovada por recibo, fica aviso no apartado e o interessado tem de
proceder ao seu levantamento ao balcão, para o que a correspondência aguarda
durante 6 dias úteis (cfr. http://www2.ctt.pt/).
Será que o advogado que escolha um apartado para receber as notificações – já
vimos que o recorrente não questiona a regularidade do tratamento do registo em
causa como correspondência apartada – apenas se considera notificado no dia em
que procede ao levantamento da correspondência, desde que o faça dentro do prazo
em que o objecto postal registado fica a aguardar na estação dos correios?
4.4. Resulta do artigo 254.º do Código de Processo Civil que o advogado (ou
solicitador) tem um ónus qualificado de ligação com o seu domicílio profissional
ou electivo no âmbito das suas relações com o tribunal, tendo de organizar-se
por forma a que o sistema de notificações instituído e a sequência de actos
processuais que disso depende possa funcionar normalmente, num quadro de
razoabilidade, cooperação e boa fé, como o legislador presume. Assim, efectuada
por carta registada, dirigida para o escritório ou domicílio escolhido, a
notificação tem-se por efectuada no terceiro dia posterior ao do registo, ou no
primeiro dia útil seguinte quando esse o não seja (n.º 3), só podendo a
presunção considerar-se ilidida se o notificado provar que a notificação não foi
efectuada ou que ocorreu em data posterior por razões que lhe não sejam
imputáveis (n.º 6). Ao estabelecer a referida presunção, a lei pressupõe duas
essenciais coisas: que esse é o tempo normal para assegurar a entrega da
correspondência por parte dos serviços dos correios e que o destinatário se
organiza (ou responde pela sua organização) em termos de assegurar a
correspondente recepção. O advogado assume os ónus ou encargos inerentes ao
exercício dessa profissão e sofre as consequências desvantajosas ou os riscos de
lhes não dar satisfação. Consequências que lhe são legalmente referidas por um
nexo de imputação face às responsabilidades de organização decorrentes de
determinada qualidade profissional, mais do que por um juízo de censura pessoal.
Efectivamente o sistema de notificações estabelecido pelo artigo 254.º do CPC,
interpretado à luz do princípio da cooperação (artigo 266.º, n.º 1, do CPC), só
pode funcionar com a automaticidade indispensável ao andamento regular dos
processos tendo implícito que a intervenção no processo na qualidade de advogado
é acompanhada da assumpção da responsabilidade pela criação de condições para a
recepção das notificações relativas aos processos em que intervém nessa
qualidade, no escritório ou domicílio escolhido, em circunstâncias normais. Por
isso é que só a prova de que a não entrega da carta registada, na data que a lei
presume, ficou a dever-se a circunstâncias anormais é susceptível de destruir os
efeitos que a lei liga à notificação efectiva.
Assim, na distribuição domiciliária normal, embora não seja censurável que os
destinatários da correspondência não se encontrem no seu domicílio à hora da
distribuição postal, a notificação não deixa de considerar-se efectuada na data
em que o destinatário aí foi procurado e não tenha sido encontrado, salvo se
isso se tiver ficado a dever a facto anómalo ou que lhe não seja imputável
(neste sentido, cfr. acórdão n.º 548/2008, in www.tribunalconstituiconal.pt).
Do mesmo modo, ao pedir e obter um apartado, o interessado renuncia, na
avaliação que faz do seu interesse e no âmbito temporal e material da concessão,
à recepção domiciliária da correspondência. Fá-lo no seu interesse e a seu
risco. Consequentemente, tem o ónus de se certificar pontualmente da existência
de avisos de correspondência registada e de diligenciar pelo respectivo
levantamento, do mesmo modo que seria seu o ónus de proceder ao levantamento se
tivesse sido tentada sem êxito a distribuição domiciliária. Para este efeito, o
apartado equivale ao receptáculo postal. De outro modo, gerar-se-ia intolerável
incerteza quanto à contagem dos prazos processuais, sendo impossível à
secretaria proceder à contagem de prazos, passando o advogado titular de
apartado a dispor sistematicamente de mais 6 dias. Ora, esses 6 dias constituem
o tempo que a carta aguarda na estação dos CTT, antes de ser devolvida; não se
convertem, sem mais, em tempo durante o qual o interessado está impedido de
receber a correspondência, como seria necessário para que a presunção se
considerasse ilidida. Na verdade, a carta está à disposição do destinatário a
partir do momento em que é depositado o aviso no apartado. Se a não levantar
imediatamente por opção sua, a notificação não deixa de produzir os seus
efeitos.
Consequentemente, considerando-se o recorrente notificado do acórdão recorrido
em 27 de Maio de 2008 (e não em 26 de Maio), o prazo de 10 dias para
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 75.º da LTC)
mostrava‑se expirado em 14 de Junho de 2008, como no despacho reclamado se
decidiu.
5. Nestes termos, o despacho que não admitiu o recurso por extemporaneidade
merece confirmação, ficando prejudicada a apreciação das demais questões
suscitadas.
6. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
Lisboa, 31/X/2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão