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Processo n.º 741/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o
Director-Geral dos Impostos, foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
«…Ao abrigo do n.º 2 do artigo 75º da LTC, pretende o recorrente que seja
apreciada a constitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 63º-B da
Lei Geral Tributária (na redacção resultante da Lei n.º 30-G/2002, de 29 de
Dezembro, aplicável ao caso dos autos, ainda que actualmente correspondente ao
n.º 4 do artigo 63º-B da LGT), quando interpretada no sentido de que “ao
admitir-se a fundamentação por remissão da decisão administrativa de derrogação
do sigilo bancário, aceita-se que uma decisão tradicionalmente associada à
intromissão na vida íntima dos contribuintes, possa ser dispensada do mais
elementar ónus: o da fundamentação concreta” (fls. 307).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr.
fls. 315), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito
legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os
pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº
2, da LTC.
Se o Relator constatar que não foram preenchidos alguns desses pressupostos,
pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do
artigo 78º-A da LTC.
3. O recorrente elegeu como objecto do presente recurso uma dimensão normativa
do n.º 3 do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária (na redacção resultante da Lei
n.º 30-G/2002, de 29 de Dezembro) segundo a qual a fundamentação de uma decisão
administrativa de levantamento do sigilo bancário por mera remissão para
pareceres e informações anteriores, que instruem o procedimento administrativo
respectivo, implica uma dispensa de fundamentação concreta da referida decisão.
Note-se, desde já, que não cabe a este Tribunal pronunciar-se sobre a rectidão
da interpretação adoptada pela decisão recorrida, designadamente, quanto à
relação entre as normas constantes do n.º 3 do artigo 63º-B e do n.º 1 do artigo
77º da Lei Geral Tributária (na redacção resultante da Lei n.º 30-G/2002, de 29
de Dezembro). Cabe apenas a este Tribunal indagar sobre se a interpretação
normativa acolhida nessa decisão atenta contra normas ou princípios
constitucionais.
Porém, ao verificar a interpretação normativa acolhida pela decisão recorrida,
verifica-se que a mesma não corresponde efectivamente àquela que o recorrente
reputa de inconstitucional. É que, ainda que tenha aceite a admissibilidade de
fundamentação mediante remissão, a decisão recorrida nunca considerou ser
dispensável a fundamentação concreta da decisão.
Por um lado, a fls. 163, a decisão recorrida frisa bem que:
“Temos para nós, como a jurisprudência que consideramos firme, que nos casos de
fundamentação por remissão, em face até da exigência constitucional de que a
fundamentação seja expressa, na mesma deva referir-se explicitamente a
concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou
propostas
E essa exigência foi tomada em conta e concretizada no despacho proferido pelo
Director-Geral dos Impostos. E as anteriores informações, pareceres e propostas
estão devidamente fundamentadas e o seu concreto conteúdo foi notificado aos
Recorrentes – cfr. alínea D) do probatório”.
Por outro lado, como bem notado, aliás, pelo acórdão do Pleno da
Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo, em sede de recurso
ordinário para uniformização de jurisprudência, a decisão ora alvo de recurso
deu como assente que a decisão administrativa alvo de impugnação jurisdicional
tinha feito prova cabal da verificação de fundamentos concretos para a
derrogação do sigilo bancário, transcrevendo 7 (sete) páginas da decisão de
primeira instância em que se elenca prova a tal respeito. Senão, veja-se:
“No que concerne à terceira questão, ou seja, se inexistem fundamentos concretos
para a derrogação do sigilo bancário, decidiu-se no sentido da sua verificação,
com a fundamentação que se segue é que é de manter” (fls. 165, com sublinhado
nosso).
Em suma, a decisão recorrida nunca entendeu que a possibilidade de fundamentação
mediante remissão dispensasse a fundamentação concreta da decisão, antes tendo
dado como assente que aquela se verificou – questão que este Tribunal não pode
agora reapreciar. Assim, é manifesto que a decisão recorrida não aplicou
efectivamente a norma constante do n.º 3 do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária
(na redacção resultante da Lei n.º 30-G/2002, de 29 de Dezembro) segundo a
interpretação reputada de inconstitucional pelo recorrente, pelo que, por força
do artigo 79º-C da LTC, este Tribunal não pode conhecer do objecto do presente
recurso.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos
termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 13 de Outubro de 2008»
2. Inconformados com a referida Decisão Sumária, A. e mulher reclamam para a
Conferência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78°-A, nº 3, da
Lei do Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
«Salvo todo o devido respeito — que muito é! — os recorrente discordam do
sentido da (douta) decisão sumária de fls.
Com efeito,
A questão que se colocou perante o TCA-Norte foi a seguinte:
- o artigo 63°-B, nº 3 (na redacção da Lei nº 3O-G/2000. de 29.12) da LGT, ao
postular que a decisão administrativa de derrogação do sigilo bancário deve ser
fundamentada “com expressa menção dos motivos concretos que a justificam”
afasta, ou não, a possibilidade de fundamentação ‘per relationem”, constante do
artigo 77°, nº 1, da LGT?
O nosso entendimento é o de que sim.
Vejamos o que disse o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em 1ª instância
(citado pelo TCA-Norte):
“A fundamentação tem que ser expressa, com indicação dos fundamentos de facto e
de direito da decisão. Quanto mais não seja referindo-se expressamente a
concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou
propostas que apresentem tal fundamentação.
De tal modo é assim que, se a informação dos Serviços de Inspecção Tributária da
Direcção de Finanças de Viseu que suportou o projecto de decisão, bem como com o
parecer, e despachos concordantes na mesma exarados contiverem fundamentação
suficiente, pelo chamado método de fundamentação “par relationem”, fundamentado
estará o acto em crise.
O despacho do Director-Geral dos Impostos de 07/05/2007, remeteu expressamente
para os termos e com os fundamentos constantes da presente Informação e da
Informação dos Serviços de Inspecção Tributaria da Direcção de Finanças de
Viseu, que suportou o projecto de decisão, bem como com o parecer e despachos
concordantes na mesma exarados, os quais assim, por remissão passaram a fazer
parte integrante deste despacho. (negritos e sublinhados nossos)
Ou seja, do excerto transcrito, ressalta que o Tribunal Administrativo e Fiscal
de Viseu considera o Despacho de 7.05.2007, do Sr. Director-Geral dos Impostos,
devidamente fundamentado, porquanto aquele remete expressamente para documentos
que estão, no entender do Tribunal, fundamentados.
Logo, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Visou considerou que o artigo 63°-B,
nº 3, da LGTI era compatível com a (mera) fundamentação por remissão (para
outros documentos do processo).
E o que diz o TCA-Norte?
“Temos para nós, como para a jurisprudência que consideramos firme, que nos
casos de fundamentação por remissão, em face até da exigência constitucional de
que a fundamentação seja expressa, na mesma deva referir-se explicitamente a
concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou
propostas. (negrito e sublinhado nossos)
Logo, o TCA-Norte admite também a fundamentação por remissão.
Ora.
É evidente que a fundamentação por remissão constitui, também ela, uma forma de
fundamentação (fundamentação expressa, diga-se).
Aliás, permitida, com ampla latitude, no artigo 77°, nº 1, da LGT, em matéria de
actos tributários.
O que ela não é, nem pode ser, é uma forma de fundamentação que se caracteriza
pela “expressa menção dos motivos concretos”, especialmente exigida pelo artigo
63°-B, n°3, da LGT.
Ou seja, uma forma de fundamentação concreta
Assim,
Os recorrentes não invocam que a decisão não está fundamentada.
Com efeito, ela está fundamentada, é certo, mas por remissão.
Pelo que, o que os recorrentes invocam é a interpretação errónea do artigo
63°-B, nº 3 da LGT, no sentido de admitir-se a fundamentação por remissão quando
a lei impõe (inequivocamente) a fundamentação pela “expressa menção dos motivos
concretos” (que, seguramente, é algo mais).
Desse modo, os recorrentes quando invocam a violação do dever de fundamentação —
com o devido amparo constitucional — não ignoram que a decisão está (à sua
medida...) fundamentada.
O que entendem é que o “modus” de fundamentação adoptado não é aquele que a lei
— e a Constituição — impõe no caso concreto.
Isto é, os recorrentes consideram que, no caso de direitos inerentes à esfera
íntima dos visados — como é o sigilo bancário —, e nos termos do dispositivo
legal supra referido, só a fundamentação pela “expressa menção dos motivos
concretos” cumpre com os requisitos de fundamentação.
E só assim se asseguram, plenamente, os direitos de defesa dos sujeitos
passivos.
Logo,
Os recorrentes aceitam que há fundamentação expressa (por remissão),
Todavia, entendem que não há fundamentação concreta, que é aquela que é exigida
pelo artigo 63°-B, nº 3, da LGT (Ou seja, insiste-se, pela enunciação concreta
dos pontos de facto que a justificam).
E nem se diga que essa fundamentação concreta existe (como parece entender a
Sr.ª Conselheira Relatora) na medida em que os documentos para os quais a
decisão do Sr. Director-Geral remete têm, elas mesmas, “factos concretos”
susceptíveis de levar á derrogação do sigilo bancário.
Porquanto, é naturalmente impossível que a fundamentação (expressa) por remissão
seja, concomitantemente, uma fundamentação que faça “expressa menção dos motivos
que a justificam”.
Assim,
As disposições conjugadas dos artigos 63º-B, nº 3, da LGT e 26º, nºs 1 e 2,
266°, nº 2, e 268°, nº 3, da CRP permitem concluir, portanto, que ao admitir-se
a fundamentação (expressa) por remissão onde se exige a fundamentação expressa
pela enunciação dos motivos concretos, se postula uma interpretação da lei que
é, salvo melhor opinião, ilegal e inconstitucional.
Com efeito, quer na lei, quer na Constituição, o dever de fundamentação é um
dever legal que possui diversos graus (com efeito, fundamentar uma liquidação ou
uma decisão de derrogação do sigilo bancário são actos diferentes, com
significado e relevância distinta).
O que significa que, em determinados casos, a fundamentação por remissão não
gerará qualquer inconstitucionalidade (nem ilegalidade).
Todavia, sempre que tal dever atinja determinados patamares — como é o caso — a
obliteração das exigências concretas de fundamentação deve gerar a correspectiva
ilegalidade e inconstitucionalidade.
Caso contrário, e salvo o devido respeito, o texto constitucional, e a própria
LGT, não seriam a «Magna Carta» que pretendem ser.
Assim, salvo o devido respeito, que muito é, a tutela efectiva dos direitos
constitucionais dos recorrentes, reclama, respeitosamente, que se tome
conhecimento do recurso, com todas as legais consequências.
3. Notificado do requerimento de reclamação para a conferência da decisão
sumária proferida, o Director-Geral dos Impostos vem responder-lhe nos seguintes
termos:
«(…)
1. Discordam os recorrentes da Douta decisão sumária proferida pela Exmª
Juíza Conselheira Relatora, por entenderem que ao admitir-se a fundamentação
expressa por remissão pela enunciação dos motivos concretos que conduziram ao
levantamento do sigilo bancário, se postula uma interpretação da lei que é salvo
melhor opinião, ilegal e inconstitucional.
Tal fundamentação, segundo os mesmos recorrentes, decorreria das aplicações
conjugadas do n°3 do art°63°-B da LGT e 26 n°1 e 2, 266° n°2 e 268° n°3 da CRP,
já que quer na lei quer na Constituição, o dever de fundamentação é um dever
legal que possui diversos graus (...) e todavia, sempre que tal dever atinja
determinados patamares — como é o caso — a obliteração das exigências concretas
de fundamentação deve gerar a correspectiva ilegalidade e inconstitucionalidade.
Pretendem, em consequência, que seja tomado conhecimento do recurso, ao
contrário do que foi sumariamente decidido.
2. Ora, a entidade recorrida subscreve a decisão sumária da Exmª Juíza
Conselheira Relatora, aderindo desde já e na totalidade aos seus fundamentos,
quando decidiu, pelas razões que o fez, não conhecer do objecto do recurso
apresentado ao abrigo do n°2 do art°75° da LTC, com o objectivo de apreciar a
constitucionalidade da norma constante do n°3 do art°63°-B da LGT, quando
interpretada no sentido de admitir a fundamentação por remissão, por excluir o
ónus de fundamentar concretamente a decisão de levantamento de sigilo bancário.
Na verdade, entendeu e bem, que o Douto acórdão do TCA Norte, ao aceitar a
admissibilidade de fundamentação mediante remissão, quanto à decisão recorrida
de derrogação de sigilo bancário, nunca considerou ser dispensável a
fundamentação concreta da decisão.
E efectivamente não o fez, já que uma (a remissão), não exclui a outra (a
concretização da fundamentação).
Pelo que a decisão sumária conclui claramente que é manifesto que a decisão
recorrida não aplicou efectivamente a norma constante do nº3 do art°63°-B da LGT
segundo a interpretação reputada de inconstitucional pelo recorrente.
Como resulta aliás evidente da leitura do acórdão recorrido do TCA Norte (vide
Fls.31), que considerou que o despacho do Director Geral dos Impostos de
07/05/2008, remeteu expressamente para os termos e fundamentos constantes da
presente Informação e da Informação dos Serviços de Inspecção Tributária da
Direcção de Finanças de Viseu, que suportou o projecto de decisão, bem como com
o parecer e despachos concordantes na mesma exarados, os quais assim, por
remissão, passaram a fazer parte integrante desse despacho (sublinhado nosso).
(…).»
Cumpre pois apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. A presente reclamação é manifestamente improcedente, em nada abalando a
bondade da fundamentação da decisão sumária proferida.
Uma vez que o fundamento de não conhecimento do objecto do recurso de
constitucionalidade foi a não aplicação efectiva pela decisão recorrida da
dimensão normativa invocada pelo recorrente, ter-lhe-ia competido demonstrar que
se verificou o contrário.
Ora, da argumentação expendida pelo reclamante não se consegue retirar que a
norma constante do n.º 3 do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária (na redacção
resultante da Lei n.º 30-G/2002, de 29 de Dezembro) tenha sido efectivamente
aplicada pela decisão recorrida com o único sentido de que “ao admitir-se a
fundamentação por remissão da decisão administrativa de derrogação do sigilo
bancário, aceita-se que uma decisão tradicionalmente associada à intromissão na
vida íntima dos contribuintes, possa ser dispensada do mais elementar ónus: o da
fundamentação concreta”.
Tal como se disse na Decisão Sumária, “ainda que tenha aceite a admissibilidade
de fundamentação mediante remissão, a decisão recorrida nunca considerou ser
dispensável a fundamentação concreta da decisão”. Pelo contrário, como se disse
na Decisão Sumária, a decisão recorrida considerou que existem fundamentos
concretos para a derrogação do sigilo bancário, tendo dado como assente que
aquela se verificou.
Assim sendo, inexistem fundamentos para alterar a decisão reclamada.
III – DECISÃO
Nestes termos, indefere-se a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 17 de Novembro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão