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Processo n.º 628/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e B. e recorridos C. e D., a Relatora proferiu a seguinte decisão
sumária:
«(…)foi interposto recurso do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de
Justiça, em 05 de Junho de 2008 (fls. 451 a 454), para que seja apreciada a
constitucionalidade das “interpretações dos artigos 707.º n.º 3 e 201.º n.º 1,
ambos do CPC – segundo as quais (…)”:
i) “o projecto de acórdão a que alude o artigo 707.º n.º 3 do
CPC pode ser produzido e entregue aos juízes adjuntos quando ainda se não acha
finda a tramitação do processo no tribunal recorrido (onde entretanto regressou
para conclusão do respectivo julgamento)” (fls. 462 e 463);
ii) “a omissão de vista aos juízes adjuntos pelo prazo legal,
na falta de dispensa de vistos, só constitui nulidade processual se demonstrada
essa influência no exame e julgamento da causa” (fls. 463).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal recorrido (cfr.
fls. 475), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito
legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os
pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº
2, da LTC.
Se o Relator constatar que não foram preenchidos os pressupostos de interposição
de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta
do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Em primeiro lugar, quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 707º, n.º
3, do CPC, quando interpretado no sentido de que “o projecto de acórdão (…) pode
ser produzido e entregue aos juízes adjuntos quando ainda se não acha finda a
tramitação do processo no tribunal recorrido (onde entretanto regressou para
conclusão do respectivo julgamento)”, é incontestável que a decisão recorrida
nem sequer considerou que tal projecto não tivesse sido entregue em sessão
anterior:
“Daí não pode afirmar-se não ter sido entregue o projecto de acórdão em sessão
anterior, o que afasta a alegada violação do disposto no artigo 707º, n.º 3 do
código de Processo Civil.”
Daqui decorre, inequivocamente, que a decisão recorrida não aplicou
efectivamente aquela interpretação normativa, pelo que, por força do artigo
79º-C da LTC, este Tribunal não pode conhecer do objecto do recurso, quanto a
essa parte.
4. Quanto à alegada inconstitucionalidade de uma interpretação normativa do n.º
1 do artigo 201º do CPC que entendesse que “a omissão de vista aos juízes
adjuntos pelo prazo legal, na falta de dispensa de vistos, só constitui nulidade
processual se demonstrada essa influência no exame e julgamento da causa” (fls.
463) afigura-se que, independentemente da apreciação que se poderia fazer sobre
o preenchimento (ou a falta dele) dos pressupostos processuais de interposição
de recurso, uma hipotética decisão deste Tribunal que a julgasse
inconstitucional sempre seria processualmente inútil nos autos recorridos.
É que, conforme o próprio recorrente notou no seu requerimento de
“esclarecimento e reforma” (fls. 426 e 427), o tribunal recorrido já afirmou
expressamente que não ocorreu qualquer omissão de vistas pelos respectivos
juízes adjuntos:
“Na verdade, começando pela aludida falta de intervenção dos Juízes
Desembargadores da Relação antes da decisão que apreciou e decidiu o pedido de
reforma do acórdão, só por falta de cuidado (excluímos a má fé) na análise dos
autos é que tal omissão pode ser invocada.
Com efeito, o acórdão da Relação, de 23/10/2007, que apreciou o pedido de
reforma, foi subscrito pelos Srs. Desembargadores E., F. e G., os quais
intervieram nos autos em 2/10/2007, 4/10/2007 e 9/10/2007, como se constata de
fls. 354 e 354 verso.
Não ocorreu portanto a falta de intervenção antes da decisão” (fls. 417 e 418).
Assim, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse a julgar inconstitucional a
interpretação normativa alegadamente aplicada pela decisão recorrida, aquela
mesma interpretação só teria sido – a tê-lo sido – proferida a título
subsidiário, para efeitos de esgotamento dos fundamentos da decisão tomada. A
verdade é que a decisão recorrida decidiu expressamente que a vista por parte
dos juízes-adjuntos da Relação teve lugar. Ora, este Tribunal não dispõe de
poderes para alterar tal decisão que só ao tribunal recorrido compete.
Em suma, nesta parte, o presente recurso também não deve ser conhecido, por se
revelar que uma hipotética decisão de inconstitucionalidade se afiguraria sempre
inútil, na medida em que a interpretação normativa em causa foi levada a cabo, a
título meramente subsidiário, ou seja, admitindo – por mera hipótese – que não
tivesse ocorrido a vista pelos juízes-adjuntos. Mesmo que tal interpretação
normativa pudesse ser inconstitucional – questão a que este Tribunal não se
dedicará –, restaria sempre incontornável a decisão do tribunal “a quo”, que
precede aqueloutra, no sentido de que foram efectivamente apostos os vistos por
parte dos juízes-adjuntos.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Inconformados com esta decisão, vêm os recorrentes reclamar, para a
conferência, contra a não admissão do recurso, nestes precisos termos:
«I.
A propósito da invocada inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Supremo
Tribunal de Justiça ao artigo 707.º n.º 3 do CPC, os recorrentes referiram que o
tribunal recorrido adoptou uma interpretação segundo a qual “ o projecto de
acórdão a que alude o artigo 707 nº 3 do CPC pode ser produzido e entregue aos
juízes adjuntos quando ainda se não acha finda a tramitação do processo no
tribunal recorrido (onde entretanto regressou para conclusão do respectivo
julgamento). “
Sobre esta questão é dito o seguinte na decisão ora sob
reclamação:
«… é incontestável que a decisão recorrida nem sequer considerou que tal
projecto não tivesse sido entregue em sessão anterior…».
Tal como já o havia feito o Supremo Tribunal de Justiça, são agora V.as Ex.as
quem se pronuncia sobre questão diversa daquela que os recorrentes submeteram ao
Vosso julgamento!
A crer naquela passagem (é incontestável que a decisão recorrida nem sequer
considerou que tal projecto não tivesse sido entregue em sessão anterior) da
decisão ora sob reclamação, ficamos com a ideia de que a questão colocada pelos
recorrentes seria a de o acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça haver
sido proferido sem que previamente (em sessão anterior) tivesse sido feita a
entrega aos Ex.mos Conselheiros Adjuntos de um projecto da decisão a proferir.
Sucede, contudo, que não foi essa a questão colocada pelos recorrentes. O que
dizem e sustentam os recorrentes é substancialmente diferente!
Vejamos porquê!
Quando pela primeira vez confrontaram o STJ com a arguição decorrente da falta
de entrega de um projecto do acórdão em sessão anterior à sua prolação, o STJ
indeferiu a pretensão dos recorrentes referindo o seguinte: «Na verdade,
daquelas datas, em que tiveram intervenção nos autos os Senhores Conselheiros
adjunto e relator e se realizou o julgamento, não se pode inferir que o projecto
de acórdão não foi entregue na sessão anterior à do julgamento - aquelas datas
apenas comprovam os dias em que ocorreram aquelas intervenções e se realizou o
julgamento; nada nos indicam sobre o momento em que foi entregue o projecto de
acórdão aos respectivos adjuntos.»
Em face desta equívoca tomada de posição do STJ, que escamoteava uma declaração
clara sobre a verdadeira questão, qual fosse a de esclarecer se de facto tinha
ou não havido prévia entrega, na sessão anterior, de um projecto de acórdão aos
senhores conselheiros adjuntos, os recorrentes dirigiram-se de novo ao julgador
nos seguintes termos:
«Trata‐se, é óbvio de manifesto lapso de análise, que de novo não atenta o
processado, a menos que, de novo, se esteja perante alguma imprevista posterior
alteração do mesmo. É que, os vistos de 26.11.07 constam de folhas 358 e
constituem o primeiro acto praticado no supremo após o regresso do processo, uma
vez que a fls. 357 o processo ainda tramitava na Relação do Porto, aguardando o
trânsito do acórdão de 23.10.59, o qual não ocorreu antes de 08.11.07. Por isso,
a menos que nova irregularidade haja sido cometida nos autos – elaborando‐se um
projecto de acórdão, entretanto entregue aos senhores conselheiros adjuntos em
sessão ocorrida em momento em que os autos ainda tramitavam na relação e do
supremo era desconhecido o teor da decisão da relação, sempre teríamos de estar
perante um julgamento antecipado do litígio, julgamento esse produzido ou
iniciado numa altura em que se desconhecia de todo o teor da decisão a sindicar.
Ou seja, neste particular solicita‐se por um lado melhor explicitação da
asserção de V.as Ex.as acima referida ‐ segundo a qual o projecto poderia ter
ido parar à mão dos senhores conselheiros adjuntos numa sessão anterior ao dia
26.11.07, momento em que forçosamente teria de estar ainda na relação por só se
ter reiniciado a tramitação no supremo em 26.11.07 – e, por outro lado, que
constatada essa impossibilidade, se reforma nesse particular o acórdão de
13.03.08.»
A razão deste pedido de esclarecimento era óbvia! Se o STJ admitia que o
projecto de acórdão havia sido entregue em momento anterior à sessão em que foi
votado e concluído o acórdão que julgou a apelação, então forçoso seria concluir
que esse projecto tinha sido entregue numa altura em que o processo tramitava
ainda pela relação do Porto, onde havia regressado para se concluir o (omitido)
julgamento da apelação.
E é em face desta exigência de clareza e esclarecimento que o STJ, no acórdão de
05.06.08, afirma, preto no branco, que, «(Se) é certo que pelas datas em que o
processo regressou a este S.T.J. se pode afirmar que o projecto não podia ter
sido entregue na sessão anterior, …».
Ou seja, se dúvidas pudessem existir, é o próprio STJ que afirma ser certo que o
projecto de decisão não foi entregue aos conselheiros adjuntos na sessão
anterior.
Ficava, assim, de pé a possibilidade de o projecto de acórdão haver sido
entregue numa outra sessão anterior que não na sessão anterior, dúvida essa que
havia sido a causa próxima daquele pedido de esclarecimento dos recorrentes.
Esta dúvida, esclareceram-na os Senhores Conselheiros do STJ nos precisos termos
que constam do mesmo acórdão de 05.06.08, referindo, ipsis verbis, depois de
admitirem ser certo que o projecto de acórdão não foi entregue na sessão
anterior, que _«… não é menos certo que o processo já tinha tramitado neste
S.T.J., e elaborado o projecto de acórdão, como resulta do despacho inicial do
seu relator, quando determinou a remessa dos autos aos vistos e a inscrição em
tabela, sendo prática deste Supremo Tribunal, quando se determina no despacho
inicial a inscrição em tabela, a entrega de projecto quando o processo vai aos
vistos dos adjuntos, …».
Ou seja, o STJ esclarece, preto no branco, conjugando estas duas asserções
acabadas de transcrever, que sendo certo que o projecto de acórdão não foi
entregue na sessão anterior à que julgou a apelação, não é menos certo que o
processo já tinha tramitado no STJ e sido elaborado o projecto de acórdão, no
preciso momento em que o seu relator o mandou aos vistos e determinou a sua
inscrição em tabela, porque a prática do STJ vai no sentido de simultaneamente
mandar inscrever o processo em tabela e, ao mesmo tempo, entregar o projecto de
decisão aos conselheiros adjuntos.
Ou seja, tendo em conta que - como é reconhecido pelo STJ - o processo, após o
despacho inicial do relator – o tal que foi acompanhado pela entrega aos
conselheiros adjuntos do projecto do acórdão que julgou a revista – regressou à
Relação do Porto para que aí se concluísse o julgamento da apelação, passa a ser
seguro e certo que o projecto do acórdão foi entregue aos senhores juízes
conselheiros adjuntos quando ainda se não achava concluído o julgamento de
apelação. Ou seja, a crer na tese que o STJ sufraga para demonstrar que houve
entrega de projecto de decisão, a sucessão de actos no processo foi a seguinte:
1.º julgamento da apelação na Rel. do Porto
2.º remessa do processo ao STJ
3.º despacho do relator mandando inscrever o processo em tabela e
entrega aos adjuntos de projecto do acórdão;
4.º regresso do processo à Rel. do Porto para julgamento do pedido de reforma do
acórdão por ele proferido;
5.º regresso do processo ao STJ;
6.º prolação do acórdão que julgou a revista.
Isto é, o projecto do acórdão que julgou a revista, foi elaborado e entregue aos
juízes conselheiros adjuntos antes da relação se haver pronunciado
definitivamente, ou seja, antes de esgotada a tramitação do processo na segunda
instância.
Por isso é que defendemos ser inconstitucional a interpretação dada à norma,
quando a mesma é interpretada no sentido que lhe foi dado pelo STJ, quando
admite ser possível elaborar e entregar o projecto de um acórdão quando o
processo ainda tem de regressar à instância inferior para que aí se conclua o
julgamento. Tal interpretação sempre sufragaria a possibilidade de o julgamento
de um recurso poder ser anterior à decisão que com ele se pretende impugnar.
Por isso é que dizemos que V.as Ex.as - quando referem como efectivamente
referem que o recurso para este tribunal deve ser liminarmente rejeitado
porquanto o STJ não considerou a possibilidade de o projecto de acórdão não
haver sido entregue em sessão anterior – não se pronunciam sobre a questão
colocada pelos recorrentes, a qual não é a de não haver sido entregue um
projecto de acórdão, mas antes a de esse projecto haver sido entregue antes de
concluído o julgamento na instância de recorrida, a Relação do Porto.
Por isso, é que ao alegar a inconstitucionalidade no requerimento de
interposição do presente recurso (não tiveram oportunidade de o fazer antes!),
os recorrentes disseram precisamente que «… entendem V.as Ex.as que segundo
aquele artigo 707.º n.º 3 do CPC, na interpretação que lhe é dada, o projecto de
acórdão nele referido e a elaborar em sede de revista, poderá ser produzido e
entregue aos conselheiros adjuntos quando ainda se não concluiu o julgamento da
apelação.»
Ou seja, a questão que foi colocada a este Tribunal Constitucional, não foi a da
interpretação do artigo 707.º n.º 3 na perspectiva de não ter sido entregue um
projecto de acórdão em sessão anterior, mas sim na perspectiva da entrega do
projecto de acórdão numa altura em que ainda se não havia concluído o julgamento
da apelação na Relação do Porto, onde o processo entretanto – após a entrega do
projecto de decisão da revista – retornou para julgamento do pedido de reforma
da apelação.
II.
Refere o seguinte na decisão sob reclamação a Ex.ma Senhora Conselheira
Relatora: «A verdade é que a decisão recorrida decidiu expressamente que a vista
por parte dos juízes-adjuntos da Relação teve lugar.»
Ex.mos Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal
Constitucional:
De novo se equivoca a decisão recorrida sobre o objecto
do recurso!
O que os recorrentes sustentam não é a (pura e simples)
falta de vista!
O que os recorrentes sustentam é a falta de vistos pelo
prazo legal!
A questão não está em ter-se omitido pura e simplesmente os vistos aos senhores
desembargadores adjuntos – como os recorrentes julgaram ter ocorrido antes de
haverem sido esclarecidos sobre o erro de numeração das folhas do processo – mas
sim a circunstância de os senhores juízes Desembargadores que julgaram o pedido
de reforma do acórdão proferido em apelação pela Relação do Porto, terem tido
vista ao processo por apenas 5 dias (que aliás nem sequer utilizaram totalmente,
como refere o STJ!), quando o respectivo prazo legal, era de quinze dias, dada a
circunstância de tais senhores juízes desembargadores não terem tido antes
qualquer contacto com o processo.
Ou seja, a questão não está na circunstância de tais senhores Juízes
Desembargadores não terem tido vista no processo, mas sim no facto de terem tido
tal vista por apenas cinco dias, prazo este que só é o legal - como não poderia
deixar de ser! - quando os juízes que julgam o pedido de reforma são os mesmos
que proferiram o acórdão reformando.
Por isso é que, como a Ex.ma Senhora Conselheira relatora transcreve no
relatório da decisão sobre reclamação, os recorrentes referem a _«… omissão de
vista aos juízes adjuntos pelo prazo legal … e não a pura e simples omissão de
vistos.» (fls. 487 a 495)
3. Notificados da reclamação e decorrido o prazo legal, os recorridos não vieram
aos autos pronunciar-se sobre aquela.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Os reclamantes persistem em não aceitar o entendimento já expresso pelo
tribunal “a quo” (fls. 451 a 454) sobre a marcha da tramitação processual dos
presentes autos e, designadamente, sobre a própria numeração das folhas dos
autos. Sucede, porém, que este Tribunal não dispõe de poderes para sindicar as
decisões jurisdicionais dos tribunais recorridos que não versem directamente
sobre questões de inconstitucionalidade normativa, dado que não é um tribunal
ordinário de recurso, com poderes para reformar decisões tomadas sobre a normal
tramitação de qualquer acção judicial.
Esclarecido este ponto, é de manter integralmente o entendimento de que a
decisão recorrida não aplicou efectivamente a norma constante do n.º 3 do artigo
707º do CPC, no sentido reputado de inconstitucional pelo ora reclamante. Desde
logo, como já demonstrado na decisão sumária, a decisão recorrida é claríssima
ao afirmar que não é possível afirmar-se que o projecto de decisão não foi
entregue em momento anterior ao da sessão em que aquele foi julgado. Como até
realçado pelos reclamantes, o que a decisão recorrida entendeu foi que seria
admissível que o projecto de acórdão fosse entregue logo no momento da inscrição
do mesmo em tabela e, por isso mesmo, sempre em momento anterior ao da sua
discussão em sessão de julgamento. Assim, só esta interpretação normativa
poderia ter sido alvo de impugnação por parte do ora reclamante, em sede de
recurso de constitucionalidade.
Sucede, porém, que os reclamantes se limitaram a requerer a apreciação da
constitucionalidade de uma alegada interpretação da norma extraída do n.º 3 do
artigo 707º do CPC, segundo a qual seria admissível a elaboração e entrega do
projecto de acórdão aos juízes adjuntos “quando ainda não se acha finda a
tramitação do processo no tribunal recorrido (onde entretanto regressou para
conclusão do respectivo julgamento” (fls. 462 e 463). Ora, a decisão recorrida
nunca adoptou efectivamente esta interpretação normativa.
Com efeito, a decisão recorrida, que apreciou diversas irregularidades e
nulidades arguidas pelos ora reclamantes, desmente por completo a sua tese
quanto ao curso da tramitação processual. Daquela decisão resulta que:
“Na verdade, da análise dos autos retira-se que existe um erro na numeração das
folhas do processo, com início na primeira folha do referido acórdão da Relação.
Efectivamente, a folha onde o anterior relator neste S.T.J. proferiu o despacho
a ordenar a remessa do processo à Relação do Porto (…) tem o número 350.
(…)
Nessa mesma folha 353 consta um carimbo de registo de entrada no Tribunal da
Relação do Porto, e a fls. 353 verso consta um termo de remessa à Secção Central
para distribuição, que veio a realizar-se em 21/9/2007, cabendo à Ex.ma
Desembargadora Dr.ª E.
Na folha 354 foram os autos feitos conclusos pela primeira vez àquela relatora,
que ordenou a remessa dos autos aos vistos e após inscrição em tabela para
conferência.” (fls. 451 a 452)
Em suma, da decisão recorrida resulta que a distribuição do projecto de acórdão
só ocorreu a fls. 354, com a inscrição do mesmo em tabela, ou seja, em momento
posterior à baixa e subida definitiva dos autos do Tribunal da Relação do Porto,
pelo que mais evidente se torna que a interpretação normativa que os ora
reclamantes pretendem ver julgada inconstitucional não foi efectivamente
aplicada pela decisão recorrida.
Tendo a decisão recorrida dado por provado que a descida dos autos ocorreu a
fls. 350 e que a inscrição em tabela ocorreu a fls. 354, fica assim demonstrado
que a decisão recorrida nunca podia ter interpretado o n.º 3 do artigo 707º do
CPC no sentido de que seria admissível a elaboração e entrega do projecto de
acórdão aos juízes adjuntos “quando ainda não se acha finda a tramitação do
processo no tribunal recorrido (onde entretanto regressou para conclusão do
respectivo julgamento” (fls. 462 e 463).
Em conclusão, este Tribunal não pode conhecer do recurso nesta parte, na medida
em que só pode conhecer da constitucionalidade de interpretações normativas que
tenham sido efectivamente aplicadas pela decisão recorrida, como imposto pelo
artigo 79º-C da LTC.
5. Quanto à questão relativa à alegada inconstitucionalidade de uma
interpretação normativa do n.º 1 do artigo 201º do CPC, a solução afigura-se
ainda mais evidente.
Questionam os ora reclamantes a circunstância de a decisão recorrida ter
entendido que o facto de “os senhores juízes Desembargadores que julgaram o
pedido de reforma do acórdão proferido em apelação pela Relação do Porto, terem
tido vista ao processo por apenas 5 dias (que aliás nem sequer utilizaram
totalmente, como refere o STJ!), quando o respectivo prazo legal, era de quinze
dias” tornaria aquela norma inconstitucional, por preterição do seu direito
fundamental à tutela jurisdicional efectiva.
Sucede, porém, que a decisão foi clara ao entender que o prazo legal para vista
não era de 15 dias, por aplicação da regra geral prevista no n.º 1 do artigo
707º do CPC, mas antes de apenas 5 dias, por força da aplicação do n.º 2 do
artigo 716º do CPC:
“Porém, quando se trata de pedido de rectificação, aclaração ou reforma de
acórdão, bem como a arguição de nulidade, o processo é decidido em conferência,
sem necessidade de vistos prévios dos juízes-adjuntos.
A decisão pode, porém, ser antecedida de vistos por cinco dias – é o que se
determina no artigo 716º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
(…)
Não há, por isso, qualquer violação da lei processual.” (fls. 453 e 454)
Mais uma vez, não pode este Tribunal sindicar a opção da decisão
recorrida pela aplicação da norma constante do n.º 2 do artigo 716º, função
aplicativa essa que lhe cabe exclusivamente, sem possibilidade de reforma por
este Tribunal. Resta, assim, concluir que a decisão recorrida não aplicou
efectivamente a interpretação normativa reputada de inconstitucional, visto que
antes entendeu que a vista ocorreu e, para além disso, aquela teria ocorrido
dentro do prazo legal. Não tendo sido aplicada pela decisão recorrida, é forçoso
concluir pela impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso, também
nesta parte, por força do artigo 79º-C da LTC.
Assim, não subsistem razões para reformulação da decisão sumária
anteriormente proferida.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 31 de Outubro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão