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Processo n.º 353/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Comarca
de Valongo reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º e do artigo 77.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, do despacho de 1 de Abril de 2008 que não admitiu
um recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional, no processo de inquérito
n.º 104/08.1PALVLG em que é arguido A..
Em síntese, o reclamante sustenta que o despacho recorrido errou ao
equiparar, para efeitos da exigência de exaustão dos meios ordinários
estabelecida pelo n.º 2 do artigo 70.º da LTC, a “reclamação para o presidente
do tribunal superior” ao “recurso ordinário”. Acrescenta que não competia ao
juiz converter oficiosamente o recurso interposto em reclamação.
2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
“A presente reclamação é improcedente.
Na verdade, a argumentação deduzida pelo M.ºP.º reclamante não toma em
consideração o regime específico consagrado no n.º 3 do artigo 70.º da Lei do
TC, que expressamente equipara a ‘recursos ordinários’ as reclamações para os
presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão do recurso. Tal
implica – em termos, aliás, reiteradamente aplicados pela jurisprudência
constitucional – que o ónus do esgotamento dos recursos ordinários possíveis,
característico dos recursos fundados na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º daquela
Lei, envolve efectivamente a exaustão ou preclusão (cfr. n.º 4 do art. 70.º) do
mecanismo da reclamação para o Presidente do Tribunal superior, a qual não
ocorreu no caso dos autos.”
3. Para decisão da presente reclamação interessam as ocorrências processuais
seguintes:
a) O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação do
despacho judicial que, em vez de sujeitar o arguido A. à medida de coacção de
prisão preventiva que propôs, decidiu ser suficiente, além da prestação de termo
de identidade e residência, impor-lhe a medida de obrigação de apresentação
periódica às autoridades policiais (fls. 102).
b) Por despacho de 26 de Março de 2008, foi decidido não admitir o recurso
interposto pelo Ministério Público, tendo em consideração o disposto no n.º 1 do
artigo 219.º do Código de Processo Penal (fls. 117).
c) O Ministério Público interpôs recurso deste despacho para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com vista
à apreciação da constitucionalidade do n.º 1 do artigo 219.º do Código de
Processo Penal, na dimensão segundo a qual o Ministério Público carece de
legitimidade para interpor recurso, em prejuízo do arguido, da decisão que
aplique, mantenha ou substitua medida de coacção (fls. 101).
d) Este recurso não foi admitido, por despacho de 1 de Abril de 2008, do
seguinte teor:
“Através do requerimento ora em apreço vem o Ministério Público interpor recurso
para o Tribunal Constitucional do despacho que não admitiu o requerimento de
interposição de recurso de fls. 161 e seguintes.
Dispõe o art. 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, sob a epígrafe ‘Decisões de que pode recorrer‑se’, que cabe
recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais
que, nomeadamente, apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo – cfr. n.º 1, alínea b).
Acrescenta depois o n.º 2 do aludido preceito legal que os recursos previstos
nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam
recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos
os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência,
sendo certo que, nos termos do disposto no n.º 3 daquele mesmo preceito legal,
são equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos
tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem
como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.
Resulta assim, da lei e do exposto, que a decisão impugnada pelo Ministério
Público, e cuja apreciação pelo Tribunal Constitucional é pretendida, não é
susceptível de recurso para aquele Tribunal, porquanto ainda é passível de
‘recurso ordinário’ (expressão utilizada por força da equiparação prevista no
citado n.º 3 do art. 70º, da Lei de Organização. Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional).
Por conseguinte, e uma vez que a decisão impugnada não é susceptível de recurso
para o Tribunal Constitucional, mas antes de reclamação para o presidente do
tribunal superior (cfr. art. 405º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o
requerimento em apreço também não pode ser admitido, pelo menos da forma como
foi apresentado em juízo.
No entanto, o art. 688.º, do Código de Processo Civil, dispõe no seu n.º 5 que
se, em vez de reclamar, a parte impugnar por meio de recurso qualquer dos
despachos a que se refere o n.º 1, mandar-se-ão seguir os termos próprios da
reclamação.
Cremos que tal disposição normativa deve ser aplicada ao Processo Penal, por
força do disposto no art. 4° do Código de Processo Penal, atenta a ausência de
previsão deste diploma legal quanto à concreta questão em apreço.
Assim sendo, uma vez que o Ministério Público, em vez de reclamar, impugnou por
meio de recurso o despacho que não admitiu a interposição de recurso do despacho
que não aplicou ao arguido A. a medida de coacção de prisão preventiva, cremos
ser de dar cumprimento ao previsto no n.º 1 do referido art. 688.º, do Código de
Processo Civil.
Nestes termos, tendo em consideração tudo quanto se deixou dito, decide-se:
1. Não admitir o requerimento de interposição de recurso apresentado pelo
Ministério Público e ora em apreço, por a decisão recorrida não ser susceptível
de recurso para o Tribunal Constitucional;
2. Ordenar o desentranhamento do requerimento em apreço dos presentes autos,
devendo o mesmo ser autuado e processado por apenso como se de uma original
reclamação se tratasse;
3. Após, seguir-se-ão os termos próprios da reclamação, devendo em consequência
o Ministério Público ser notificado para dar cumprimento ao disposto no n.º 3 do
art. 405.º, do Código de Processo Penal.”
4. A reclamação é manifestamente improcedente, merecendo o despacho reclamado
confirmação nos seus exactos termos, no que respeita à não admissão do recurso
para o Tribunal Constitucional.
Como o Exmo. Procurador-Geral Adjunto salienta, sendo interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o recurso estava sujeito à
regra de exaustão (n.º 2) ou preclusão (n.º 4) do meio processual previsto no
artigo 405.º do Código de Processo Penal, o que no caso não ocorreu. É solução
que resulta da equiparação expressa no n.º 3 do artigo 70.º da LTC e que
corresponde a prática jurisprudencial pacífica e corrente.
Por outro lado, confirmado o despacho de indeferimento do
requerimento de interposição do recurso (n.º 4 do artigo 76.º da LTC), não cabe
ao Tribunal apreciar o acerto da convolação desse recurso em reclamação para o
Presidente do Tribunal da Relação.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Abril de 2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão