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Processo n.º 982/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos autos recorridos, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, em 11 de Setembro de 2007, nos termos do qual foi confirmada
integralmente a decisão do tribunal de instrução que pronunciou o ora recorrente
“pela prática em autoria material e concurso real de: a) um crime de
infidelidade, p. e p. pelo artigo 224º, n.º 1; b) um crime de abuso de
confiança, p. e p. pelo artigo 205º, n.º 1, n.º 4, al. b) e n.º 5; c) três
crimes de falsificação de documento, p. e p. pelas disposições legais conjugadas
dos artigos. 255º, al. a) e 256º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal” (fls.
1523).
Através do requerimento de interposição de recurso, A. pretendia que este
Tribunal apreciasse quer a constitucionalidade da norma constante da “alínea d)
do n.º 2 do artº 120º do Código de Processo Penal, interpretada ou entendida no
sentido de que os casos de nulidade nelas contidos ou objecto da sua previsão
são apenas os casos de absoluta ou total falta de inquérito e não os que o
«Ministério Público», não ouve os clientes, lesados e beneficiados, do banco
Assistente e, concomitantemente, não averigua nem solicita documentação que era
essencial à descoberta da verdade material (…)” (fls. 1578 e 1579), quer a
constitucionalidade da norma constante do “n.º 2 do artigo 287º do Código de
Processo Penal, por impor um limite numérico ao número de testemunhas que podem
ser oferecidas pelo Arguido na Abertura de Instrução que, visa a comprovação
judicial de deduzir acusação ou de arquivar o processo e não submetê-lo a
julgamento, violando assim o princípio do contraditório e as normais garantias
de defesa, na medida em que, inibe o direito natural a contraditar todos os
elementos e prova do processo insuficientes para a formação da culpa (…)” (fls.
1579).
2. Perante esta configuração do objecto processual, em 26 de Novembro de 2007, a
Relatora proferiu o seguinte despacho:
“Apesar de a tal estar obrigado por força do n.º 2 do artigo 75º-A da LTC, o
recorrente não indicou expressamente qual a peça processual na qual foi
suscitada a questão de inconstitucionalidade de interpretação normativa da
alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP, apesar de o ter feito em relação à
alegada inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 287º do CPP (cfr. artigo 7º, a
fls. 1581 e 1582).
Contudo, analisados exaustivamente os autos de recurso, comprova-se que o
recorrente nunca suscitou efectivamente a questão de inconstitucionalidade da
interpretação normativa da alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP, tal como
aplicada pela decisão recorrida, pelo que o Tribunal Constitucional não pode
conhecer, ainda que parcialmente, do objecto do recurso interposto, conforme
resulta do n.º 2 do artigo 72º da LTC.
Acresce que, mesmo que o tivesse feito – o que apenas se pondera para efeitos
especulativos –, sempre resultaria que a decisão recorrida não aplicou a alínea
d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP no sentido de que só ocorreria nulidade nos
“casos de absoluta ou total falta de inquérito”, ou seja, equiparando aquela
modalidade de nulidade à prevista na alínea d) do artigo 119º do CPP. Ao invés,
a decisão recorrida aplicou a alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP
interpretada no sentido de que não ocorre “insuficiência do inquérito ou
instrução” quando “é patente que, durante o inquérito que culminou com a dedução
da acusação contra o ora Arguido/Recorrente e outro, foram levadas a cabo todas
as diligências que o MINISTÉRIO PÚBLICO teve por adequadas e necessárias à
descoberta da verdade” (fls. 1564).
Assim, determino que seja notificado o recorrente para, querendo, apresentar as
suas alegações de recurso perante este Tribunal, no prazo de 30 (trinta) dias,
conforme previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 79º da LTC, apenas quanto à questão
da inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 287º do CPP.” (fls.
1592 e 1593)
O recorrente não reclamou do referido despacho, que transitou em julgado, quanto
à questão do não conhecimento da norma constante da alínea d) do n.º 2 do artigo
120º do CPP, razão pela qual o presente acórdão apenas apreciará a alegada
inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 287º do CPP.
3. Atenta esta prevenção, reveste-se de significativa relevância para os
presentes autos de apreciação de inconstitucionalidade, designadamente, as
seguintes passagens da decisão recorrida:
“A esta luz, como a suficiência de indícios em sede de inquérito e de instrução
tem de ser vista em função da natureza preparatória e instrumental dessas fases
do processo relativamente à fase de julgamento, entende-se que o legislador ao
incluir esta norma e esta limitação do número de testemunhas a indicar, fê-lo
por razões de ordem pragmática, não pretendendo, com certeza, obstar à prática
de actos processuais fundamentais aos objectivos da própria instrução, a que não
podem ficar alheios os direitos de defesa do arguido.
Mas a verdade é que, sendo esse o meio de prova mais utilizado na praxis
processual, dá azo, por vezes, a algumas manipulações que atrasam
inevitavelmente, o desenrolar e desfecho de uma fase processual que se pretende
célere, daí a limitação introduzida de um número máximo de testemunhas a
inquirir durant[e] a instrução (20 testemunhas).
Como assim, entende-se que a norma prevista no artº 287º, nº 2 do CPP, não é
inconstitucional, pelo que, improcede o recurso, também, nesta parte.” (fls.
1566 a 1567)
4. Notificado para alegar, o recorrente A. apresentou as suas
alegações, cujas conclusões foram as seguintes:
“Conclusões:
I - Salvo o devido respeito e melhor opinião, a norma do n°2 do artigo 287° do
C.P.P. é materialmente inconstitucional por violação aos princípios normativos
constitucionais constantes das normas dos pontos do n°1 e 5 do artigo 32° da
Constituição da República Portuguesa, porquanto,
II - A mera limitação numérica a um máximo de 20 testemunhas a inquirir na
instrução quando tal diligência probatória for de todo omitida durante o
inquérito, fere o princípio constitucional da verdade material em direito penal
e, em decorrência, as garantias de defesa do Arguido e o princípio do
contraditório em actos instrutórios.
III - Daí que, o indeferimento pelo Tribunal de Instrução para inquirição de 57
clientes do banco Assistente em acto instrutório “beneficiados por
financiamentos irregulares” concedidos pelo Recorrente oblitera a verdade
material em processo penal, o que constitui uma interpretação manifestamente
inconstitucional da norma limitativa numérica constante da “parte final” do n°2
do artigo 287° do C.P.P..
IV - A indicação daquelas testemunhas justificava-se, na medida em que, o
Recorrente tentou provar que, o Banco Assistente contratou normalmente com todos
os clientes indicados para a inquirição, auferindo juros contratuais por
abertura de crédito e outros ganhos de comissão, ganhando dinheiro pelas
operações efectuadas, ainda que, iniciadas, por motivos de celeridade e
concorrência muito forte no mercado bancário com elementos de formalização
mínima, tudo independentemente da conexão subjectiva dos factos enumerados em
série na douta acusação pública e no despacho de pronúncia.
V - Na verdade, o que o Recorrente apenas fez foi conceder empréstimos em nome
do Banco facto que constitui a razão de ser da actividade bancária a clientes,
sem observar as regras de crédito indo para o efeito tirar os fundos necessários
a esses financiamentos a contas de outros clientes.
VI - Essa “tirada” de dinheiro de clientes para a concessão de crédito era de
natureza puramente temporária até o Banco aprovar o crédito nas hierarquias
altas e o dinheiro ser reposto naturalmente.
VII - É indiscutível, portanto, que, o Recorrente/Arguido tem o direito a todas
as garantias de defesa para demonstrar a sua inocência, para não ser submetido a
julgamento por indícios injustificados, além do mais porque, nos termos da norma
do n°2 do art° 32° da C.R.P. “se presume inocente até ao transito em julgado da
sentença de condenação”.
VIII— Por outro lado, nos termos do n°5 do art° 32° da C.R.P. está
imperativamente plasmado um importante princípio constitucional de conformação
penal que, refere “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a
audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar sujeitos ao
princípio do contraditório”.
IX - Perante esta enormidade de falha de inquérito, obviamente que, o
Recorrente/Arguido, no âmbito da efectivação do princípio constitucional do
contraditório, tinha o direito, no exercício das suas garantias de defesa, de
abalar as conclusões fácticas que o M.P. lhe imputou no douto libelo acusatório
através da inquirição dos clientes do banco beneficiados por operações de
crédito e financiamento.
X - O Mmo Juiz de Instrução indeferiu a inquirição apenas sustentado num
argumento formal relativo ao impedimento de inquirição de mais de 20 testemunhas
em sede de instrução.
XI - Ou seja, o argumento meramente numérico, claramente limitativo do princípio
do contraditório (norma do n°5 do art° 32° da C.R.P.) supera e sobrepõe-se ao
princípio da verdade material constante das normas do n°1 do art° 29°; do n°1, 2
e 5 do art° 32, todos da C.R.P..
XII - A inquirição desses clientes é diligencia essencial à descoberta da
verdade na medida em que, de entre outras coisas, haveria a possibilidade de
confirmar os créditos concedidos, as livranças em branco que o Recorrente os pôs
a assinar como protecção mínima ou formalização mínima inicial dos mesmos e as
elevadas despesas, taxas e juros por estes pagos ao banco Assistente por causa
dos ‘descobertos”.
XII - O indeferimento das diligências de prova requeridas pelo Recorrente na
instrução constitui violação ao pleno exercício do princípio contraditório e do
asseguramento de todas as garantias de defesa previstos nas normas n° 1 e 5 do
art° 32° da Constituição da República Portuguesa.
XIV - O indeferimento constante do despacho de fls 1292 dos autos proferido pelo
Mmo Juiz de Instrução acerca da realização da inquirição de todas as testemunhas
apenas pelo facto da norma do no 2 do art° 287° do C.P.P. impôr limite numérico
resulta em violação das garantias de defesa e viola o principio do
contraditório.
XVI - Em consequência, em virtude dos diversos vícios de violação da lei deverá
declarar-se a nulidade do despacho de pronúncia e da instrução e em decorrência
declarar-se o Recorrente como não pronunciado, o processo deverá ser remetido
para inquérito a fim de serem realizadas todas as diligências de prova omitidas
e deve declarar-se a inconstitucionalidade da norma do nº 2 do art° 287° do
C.P.P. na parte em que impõe o número de 20 testemunhas a inquirir
independentemente dos factos imputados e sua conexão subjectiva a diferentes
intervenientes responsáveis.
XVII - Como tal, deve declarar-se materialmente inconstitucional a norma do
ponto do n°2 do artigo 287° do C.P.P., em virtude de impôr, o que sucedeu neste
processo, quando interpretado literalmente sem qualquer integração na unidade do
sistema garantístico penal que visa, sempre e em qualquer caso, a busca da
“verdade material”, a eliminação de prova testemunhal essencial à mesma, por
excesso da limitação numérica da “parte final” da norma do n°2 do artigo 287° do
C.P.P., em clara violação às normas do n°1 do artigo 29° e n°1 e 5 do artigo
32°, todos da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que,
Deve conceder provimento ao presente Recurso e, em consequência, declarar-se a
inconstitucionalidade da norma da “‘parte final” do n°2 do artigo 287° do
C.P.P., na parte, em que prescreve “‘não podem ser indicadas mais de 20
testemunhas”, independentemente da conexão subjectiva dos factos constantes da
acusação pública, determinando-se a nulidade da instrução “sub-judice” e sua
repetição na parte de atendimento à prova testemunhal indeferida.” (fls. 1628 a
1633)
5. Posto isto, para tal notificado, o recorrido Banco B., veio contra-alegar o
seguinte:
“1.º A norma constante do artigo 287. n.º 2 do CPP não viola as garantias de
defesa consagradas no artigo 32.° n.º 5 da CRP.
2.º A própria Instrução constitui já um meio de defesa ao alcance do
Arguido.
3.º Em sede de audiência de julgamento, o Arguido poderá ainda requerer a
inquirição de vinte testemunhas, com a possibilidade do referido limite ser
aumentado em razão da complexidade do processo, nos termos do disposto no artigo
315. ° 3 e nº 7 do artigo 287º do CPP
4.º A possibilidade legal do Juiz indeferir a produção de actos de prova
em sede de audiência de julgamento já foi apreciada por este Tribunal
Constitucional no âmbito do processo nº 764/2004 da 2ª Secção, em que decidiu o
seguinte:
“Há, pois, que concluir que o artigo 340. ° n.º 4 do CPP, na medida em que
confere ao Juiz poderes de disciplina da produção de prova, exigindo para o
indeferimento desta, notoriedade do seu carácter irrelevante ou supérfluo,
inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou, ainda, da sua
finalidade meramente dilatória, não viola as garantias de defesa do arguido
[...]“
5.° Por um argumento de maioria de razão, há-de entender-se que, a
limitação do número de testemunhas a inquirir em sede de instrução não poderá
violar as garantias de defesa consagradas no artigo 32° nº 5 da CRP.
6.º O indeferimento da inquirição das 57 testemunhas arroladas pelo
Arguido baseou-se nem tanto no limite numérico de testemunhas constante do
artigo 287. ° 2 do CPP, mas principalmente na inutilidade de tal inquirição, na
medida em que os factos sobre os quais as mesmas seriam inquiridas já haviam
obtido resposta com a junção aos autos dos documentos que titularam os contratos
de formalização da concessão de crédito efectuada pelo Arguido.
7.º O Arguido não recorreu do despacho que indeferiu tal di1igncia, pois
o mesmo era irrecorrível, mas veio em sede de recurso da decisão de pronúncia do
Arguido pelos mesmo factos por que foi acusado, levantar a questão da
inconstitucionalidade da norma constante do nº 2 do artigo 287. ° do CPP.
8.º Quanto a essa questão, o recurso para. o Tribunal da Relação de
Lisboa não deveria ter sido admitido nem apreciado, pois o mesmo apenas o
poderia ter sido, quanto ás questões da nulidade da acusação que foram arguidas
em sede de Instrução e ao abrigo do que foi decidido ao âmbito do Assento 6/2000
de 07/03.
9.º A questão da (in)constitucionalidade da aplicação do disposto no nº2
do artigo 287.° do CPP, sem que essa mesma inconstitucionalidade tenha sido
anteriormente suscitada (aquando do requerimento ou em reclamação posterior ao
indeferimento) possa ser posta em causa perante o Tribunal da Relação de Lisboa,
como alegada questão incidental, pois isso consubstanciaria admissibilidade de
recurso dos despachos que indeferem a realização de diligências instrutórias,
qual é irrecorrível, ao abrigo do disposto no artigo 291º do CPP, disposição que
já foi julgada não inconstitucional em vários acórdãos do Tribunal
Constitucional, nomeadamente, nos acórdãos n.° 371/00, 375/00, 459/00 e 78/01,
de entre outros.
10.º O Arguido poderia, quando muito, ter recorrido para o Tribunal
Constitucional, logo que foi notificado do despacho que indeferiu a inquirição
das testemunhas requeridas, o que não fez, razão pela qual deverá ser rejeitado
o recurso interposto.
11.º A Instrução é apenas uma fase processual que visa comprovar
judicialmente a bondade da dedução de acusação ou de arquivamento do inquérito,
a qual se basta com a existência de indícios suficientes da prática do(s)
crime(s) eventualmente denunciado(s).
I2.º Como tal, não pode a mesma ser considerada, desde logo, como uma
privação das garantias do Arguido, sendo certo que ela é uma fase processual que
acresce às normais garantias de defesa concedidas ao Arguido, antes do processo
ser levado a julgamento.” (fls. 1650 a 1655).
6. Por último, igualmente notificado, o Ministério Público veio aos
autos pronunciar-se nestes termos:
“1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
Inconformado com o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido A.
interpôs o presente recurso de constitucionalidade circunscrito, após a
delimitação operada a fls. 1592 e 1593, à apreciação da conformidade à Lei
Fundamental da norma do artigo 287°, nº 2 do Código de Processo Penal, no
segmento em que prescreve que não podem ser indicadas mais de vinte testemunhas.
Por despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal, a fls. 1292, verifica-se
que a não inquirição das testemunhas indicadas pelo arguido radica em duas
ordens de razões.
Com efeito, o indeferimento das inquirições teve como causa não só a
ultrapassagem do limite legal estabelecido na norma do artigo 287° do Código de
Processo Penal, mas também a consideração de que a matéria a que iriam responder
podia ser extraída da abundante documentação junta aos autos.
Tal significa que uma eventual procedência do recurso não iria determinar como
consequência a inquirição das testemunhas indicadas pelo arguido na fase de
instrução, uma vez que subsistiria sempre uma outra causa já consolidada para a
sua não audição nos autos.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional aponta no sentido de, atenta a
função instrumental reconhecida, em geral, ao recurso de constitucionalidade, só
deverem ser conhecidas questões de constitucionalidade normativa quando a
decisão a proferir possa influir utilmente no julgamento da questão do mérito
discutida no processo — cf. entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional
nºs 257/92, 440/99 e mais recentemente os Acórdãos nºs 91/07 e 320/07.
No caso em apreço, e na esteira de tal jurisprudência, não deve ser conhecido o
objecto do recurso.
2. Conclusão
Nesta conformidade e face ao exposto, conclui-se:
1. O carácter instrumental do recurso em fiscalização concreta da
constitucionalidade implica que apenas se deva conhecer do respectivo objecto,
quando tal possa influir utilmente no julgamento da questão de mérito discutida
no processo.
2. Existindo um fundamento alternativo que, no caso concreto, torna inútil
apreciar a questão de inconstitucionalidade suscitada não deverá conhecer-se do
objecto do recurso.”
7. Face ao teor das contra-alegações dos recorridos, a Relatora
determinou que fosse ouvido o recorrente quanto à possibilidade de não
conhecimento do objecto do recurso, desta feita, em relação à norma constante do
n.º 2 do artigo 287º do CPP, ao abrigo do n.º 2 do artigo 702º e do n.º 2 do
artigo 704º do CPC, aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC. O recorrente
pronunciou-se nos seguintes termos:
“1º
Os Recorridos suscitam de modo semelhante a questão prévia, ou seja, “a audição
de testemunhas não iria determinar com consequência indicadas pelo Arguido na
fase de instrução, uma vez que subsistiria sempre outra causa já consolidada
para a sua não audição” por causa dos documentos.
2°
Só que ambos os Recorridos omitiram:
1 - O Recorrente impugnou a documentação bancária totalmente;
2 - Não foram realizadas perícias acerca do “concreto” prejuízo efectivo do
Banco;
3 - Estão omitidos nos documentos bancários as despesas bancárias, juros
contratuais ou convencionais de regulação e juros de “descoberto”;
4 - Tais omissões impossibilitam falar em prejuízos quando há “ganhos” da
actividade bancária normal que é “vender ou emprestar dinheiro”.
3º
Perante tais omissões de inquérito e de instrução muito graves, parece-nos
contrário ao Direito submeter um cidadão a julgamento, na base do vox populi
praecepta “todos ao molhe e fé em Deus”, o Arguido que, se desenrasque em
julgamento por inversão pura de “ónus da prova”.
4º
A audição de testemunhas é manifestamente essencial in casu, salvaguarda normais
e elementares garantias de defesa e pode evitar a sustentação de uma acusação
pública e despacho de pronúncia apenas estribado em documentos particulares
produzidos intencionalmente por “parte muito interessada” em carreá-los para os
autos para produzirem o efeito desejado da queixa inicial, sem que o
“Estado-Penal” os tivesse sindicado, averiguado, periciado e investigado com
meridiana seriedade (o cenário bancário em Portugal mostra que as instituições
bancárias cometem delitos graves e abusos).
5º
Assim, não há “concausa” consolidada nestes autos, tudo está abstractamente
controvertido, difuso e equívoco relativamente aos factos-índice que sustentam o
despacho de pronúncia.
6°
Por estas razões, relativas ao presente processo especialmente, a questão da
inconstitucionalidade no sentido interpretativo proposto, pode influir utilmente
no julgamento da questão de mérito discutida neste processo.
7°
Na verdade, a declaração de inconstitucionalidade “subjudice” podendo não
obrigar a que o Juiz na instrução oiça as testemunhas obriga decisivamente a
baixa do processo para inquérito para melhor investigação dos factos-índice
penais relativos aos “prejuízos” que constitui requisito da norma penal punitiva
em face da facticidade nela contida.
Nestes termos,
Conclui-se:
- Pela inviabilidade das questões prévias suscitadas, devendo julgar-se o
presente Recurso nos termos propostos em sede de Alegações já produzidas.
Termos em que,
Deve negar-se provimento às questões suscitadas pelos Recorridos e, em
decorrência, conhecer-se o objecto do Recurso” (fls. 1665 a 1667)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
8. Em sede de contra-alegações, quer o recorrido Banco B., quer o Ministério
Público invocaram a impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso, no
que diz respeito à norma constante do n.º 2 do artigo 287º do CPP, por força da
manifesta inutilidade processual do mesmo. Tal resultaria da circunstância de a
decisão instrutória alvo de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e,
presentemente, alvo de recurso para este Tribunal não se ter limitado a recusar
a audição das 57 testemunhas arroladas pelo recorrente com fundamento no limite
quantitativo ao rol de testemunha fixado pelo n.º 2 do artigo 287º do CPP, mas
tê-lo feito por considerar que, atenta a prova documental vertida nos autos,
aquela audição não se justificaria.
Com efeito, conforme resulta do despacho proferido pelo Juiz de Instrução, a
fls. 1292, a dispensa de audição das 57 testemunhas arroladas pelo recorrente
não radicou exclusivamente no limite quantitativo fixado pelo n.º 2 do artigo
287º do CPP, mas também na circunstância de a prova documental junta aos autos
permitir a formação de convicção pelo tribunal sobre a verificação dos factos.
Deste modo, ainda que o Tribunal Constitucional viesse a julgar inconstitucional
a norma contida no n.º 2 do artigo 287º, tal decisão jamais seria passível de
alterar ou mesmo influenciar a decisão recorrida, visto que sempre subsistiria
aquele outro fundamento.
Conforme é jurisprudência firme e constante deste Tribunal (a este propósito, a
mero título de exemplo, veja-se a jurisprudência mais recente desta Secção:
Acórdãos n.º 493/07, de 08 de Outubro de 2007, n.º 504/07, de 12 de Outubro de
2007, n.º 33/08, de 23 de Janeiro de 2008, n.º 131/08, de 25 de Fevereiro de
2007), a natureza instrumental do recurso por inconstitucionalidade veda o
conhecimento de questões sempre que a decisão a proferir pelo Tribunal
Constitucional não sejam aptas a promover uma alteração da decisão recorrida. É
esta jurisprudência que se reitera, sendo que, no caso concreto ora em apreço, a
subsistência de outro fundamento para dispensa da audição das testemunhas sempre
tornaria processualmente inútil uma eventual decisão no sentido da
inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 287º do CPP.
Em suma, por se revelar inútil, não subsistem razões que justifiquem o
conhecimento do recurso quanto à norma constante do n.º 2 do artigo 287º do CPP,
sendo que a questão do conhecimento da constitucionalidade da norma relativa à
alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP se encontra prejudicada, por força de
trânsito em julgado de decisão já proferida a fls. 1592 e 1593.
III – DECISÃO
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer
do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 13 de Maio de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Gil Galvão