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Processo n.º 94/08
2. ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., Lda., reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no
n.º 1 do art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), da decisão sumária do relator que decidiu não conhecer do recurso de
constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)
que concedeu provimento ao recurso interposto da Relação de Lisboa.
2 – Fundamentando a sua reclamação, argumenta a reclamante do
seguinte jeito:
«A) Teor da decisão sumária
1. Considera a decisão ora reclamada que as duas interpretações consideradas
pela recorrente ofensivas da Constituição – melhor identificadas no requerimento
de interposição do recurso para este Tribunal – não foram suscitadas perante o
Tribunal a quo. Para este entendimento, a decisão baseia-se em dois parâmetros
de análise:
a) no teor das conclusões 15ª a 20ª da contra-alegação da ora recorrente,
perante o STJ;
b) no teor expresso pelo acórdão do STJ.
Salvo o muito respeito, contudo, não pode aceitar-se esta compreensão quanto aos
pressupostos de admissibilidade deste recurso.
B) A apresentação ao STJ das duas questões de inconstitucionalidade
2. A apreciação sobre se as duas questões de inconstitucionalidade foram ou não
suscitadas na instância a quo, atempadamente, não pode limitar-se ao teor da
síntese da contra-alegação levada pela ali recorrida às suas “conclusões”.
Com efeito, ao contrário do que se passa com a alegação do recorrente, cujas
conclusões são condição sine qua non, quer da admissão do recurso, quer da sua
própria identificação material/objectiva – como resulta inequívoco do disposto
em art. 690º do CPC – quanto à contra-alegação do recorrido, em parte alguma
determina a lei que o mesmo esteja sujeito ao ónus de apresentar conclusões,
excepto em matéria de ampliação do objecto do recurso (art. 684º-A) e impugnação
da matéria de facto, o que não é o caso.
Logo por aqui, importa concluir-se que, salvo o respeito devido, a decisão ora
reclamada peca, por defeito, ao limitar-se ao teor daquelas conclusões.
Na verdade, a questão da interpretação inconstitucional do art. 3º nº 2 do
CE/91, no sentido que pode existir um processo (litigioso, como é óbvio), de
expropriação de um imóvel – o dos autos, é claro –, nunca sujeito a alguma
declaração de utilidade pública de expropriação (DUP), e a respectiva avaliação
e indemnização puderem ser substancialmente autónomas de uma expropriação, do
conjunto da unidade económica interdependente, vem suscitada na contra-alegação,
nos seus vários argumentos – para além do teor das “conclusões” citadas na
decisão ora reclamada. Assim:
a) Logo sob o cap. II daquela peça foi alegado que a expropriação destes
autos não corresponde à expropriação da totalidade da unidade económica, cujo
pedido de expropriação teria dado causa aos autos, mas apenas de um imóvel
(matéria incontroversa, e pressuposto do raciocínio sobre a
inconstitucionalidade);
b) Na sequência desta demonstração, e quanto àquela primeira questão de
inconstitucionalidade, os pontos 10.3 e 10.4 da contra-alegação concluem pela
inadmissibilidade de se sustentar o processo destes autos sem DUP, pois, de
outro modo, aplicar-se-ia uma interpretação «dos arts. 1º, 2º, nº 2, 10º nº1 e 2
do então Cód. das Exp. violadora dos arts. 62º nº 1 e 2, 17º e 18º da
Constituição» – matéria desenvolvida no ponto 10.4.
3. Quanto à segunda questão de inconstitucionalidade, objecto deste recurso –
«interpretação das Bases XXVII e LXVIII do contrato de concessão aprovado pelo
DL 198/94, combinado com o disposto no art. 1º e art. 10º nºs 1 e 2 do CE/91, no
sentido de que, estando o prédio destinado legalmente a ser expropriado, o
pedido idêntico da expropriada afasta a necessidade de declaração de utilidade
pública da expropriação, mesmo em processo litigioso» – os pontos nºs 8 ao final
do 12 da contra-alegação da recorrida, evidenciam ter sido suscitado, naquela
instância, que a tese da ali recorrente, no sentido de ser revogado o acórdão da
Relação e ser afirmada a validade da expropriação e dos autos sem existência da
DUP, dizia-se, que tal tese só poderia prevalecer interpretando aqueles
preceitos no sentido de que, estando o imóvel destes autos – como estava e é
matéria assente – abrangido no dever expropriatório da “B.” (dever
legal-contratual perante o Estado/concedente), a exigência de DUP, em processo
litigioso, poderia ser excluída por um pedido idêntico formulado pela
exproprianda.
Ou seja, o teor levado às 'conclusões' da contra-alegação – e a todas elas, que
não apenas às citadas na decisão ora reclamada – deve, necessária e legalmente
ser completado e entendido pelo texto daquela peça, concretamente nas partes
acima mencionadas. E assim, deve concluir-se no sentido de que ambas as questões
foram colocadas à apreciação do STJ.
C) A questão da inconstitucionalidade e as questões que o STJ estava
obrigado a apreciar
4. É certo que o acórdão não se expressa, concretamente, sobre aquela matéria,
mas nem por isso tal circunstância impede a apreciação do mérito do recurso da
inconstitucionalidade.
Como o STJ lembrou, no acórdão de resposta ao pedido de aclaração da ora
recorrente, quem a ele recorreu, da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa –
que anulou todo o processado por falta de declaração de utilidade pública da
expropriação do imóvel destes autos – dizia-se, quem recorreu foi a “B.”, pelo
que, como ali referiu o STJ, «o objecto do recurso se definiu pelo teor das
conclusões que [aquela] formulou – art. 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de
Processo Civil».
Certamente que, o acórdão, para estar isento do vício de nulidade, por omissão
de pronúncia não tinha de apreciar “as questões” colocadas pela ali recorrida,
expropriada: assim, o determina o disposto em arts. 660º e 668 do CPC, pois é,
ou deve ser conhecida a distinção entre as questões que a decisão deve conhecer,
sob pena de nulidade, e os argumentos das partes na sua apreciação.
Contudo, e salvo o devido respeito, manifestando um efectivo desrespeito pela
materialidade/efectividade do princípio do contraditório, o acórdão do STJ, como
pelo seu teor se verifica, face à contra-alegação da expropriada, desconheceu,
totalmente, a argumentação desta: “ouviu” a argumentação da ali recorrente,
apreciou-a na sua própria lógica, acolheu-a, sem contudo manifestar, no seu
raciocínio expresso, a mais leve “audição” da argumentação da expropriada.
Ora, por duas razões fundamentais tinha o dever de apreciar as duas questões de
inconstitucionalidade:
a) Em 1º lugar, porque o recurso subiu ao STJ como tendo por base «vício de
violação da lei substantiva por erro de interpretação e aplicação do artigo 3º
do Código das Expropriações» (resposta da 'B.' às 'dúvidas' do Exmo.
Conselheiro-Relator, de fls. 1659); e, neste mesmo sentido, o objecto do
recurso, foi delimitado pela ali recorrente ao sentido da interpretação do art.
3º nº 2 do CE/91, no teor das suas conclusões.
Logo, por força do disposto no art. 690º nº 2, als. a), b) e c) do CPC, o STJ
tinha o dever de apreciar esta matéria;
b) Em segundo lugar, não obstante o facto de a lei processual não estipular o
vício de nulidade para o caso de o acórdão não apreciar o mérito/demérito da
argumentação suscitada pela recorrida, a verdadeira densidade do princípio do
contraditório impunha que na formulação da decisão fossem atendidas as duas
questões de inconstitucionalidade suscitadas.
Na verdade, «O princípio do contraditório, embora não formulado na Constituição
expressamente para o processo civil, não pode deixar de valer também neste
domínio. Ele traduz, com efeito, uma exigência própria da ideia de Estado de
direito» (cf., neste sentido, Acórdãos do Trib. Const., nºs 397/89, 62/91 e
284/91: Diário da República, 2ª série, de 14.11.1989, e de 24.10.91, o primeiro
e o último, e I série-A, de 19.4.1991, o segundo).
De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional (acórdãos nºs 1185/96
e 1193/96), e como refere JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, deve, e adopta-se «um
entendimento amplo do contraditório, entendido como 'garantia de participação
efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a
possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos,
provas, questões de direito)'» (AA. cit., Constituição Portuguesa Anotada, T. I,
p. 194, aqui a negrito).
5. Por outro lado, numa leitura objectiva do acórdão do STJ verifica-se que se
pressupõe, no seu teor fundamentador essencial, duas compreensões normativas
violadoras da Constituição. Pois, ao revogar a decisão do Tribunal da Relação,
onde se concluíra pela extinção da instância por falta de DUP, considera:
– que a ali agravada efectuou um pedido de «expropriação total que abrangeu a
parcela destes autos».
– tal pedido não implicaria nova DUP, não obstante a sua exigência legal.
Ora, assim, cabe questionar: quais as razões jurídicas deste entendimento? De
acordo com o dito e o não dito mas implícito da decisão:
a) O art. 3º nº 2 do CE/91 pode interpretar-se no sentido
de que a autorizada expropriação da parte restante do imóvel, aqui prevista,
abrangido por DUP parcelar, vale igualmente para a expropriação, individual e
autónoma de outro imóvel, como é o caso dos autos, indicado pela expropriada
como integrado numa unidade económica da qual fazem parte as parcelas objecto de
DUP (isto mesmo se expressa, de alguma forma, na pág. 10 e na nota de pág. 11 do
acórdão) – ou seja, por outras palavras, no contexto decisório o STJ expressa o
sentido normativo de que, face ao art. 3º nº 2 do CE/91, não é necessário DUP,
no processo de expropriação litigiosa de um prédio, separado, e autonomizado em
termos avaliatórios, da unidade económica que fora justificadora da inclusão na
expropriação (pois, como é óbvio, não se trata nestes autos da expropriação
dessa totalidade!)
b) Por outro lado, o acórdão, mesmo não se expressando
literalmente sobre o teor das Bases XXVII e LXVIII, do Dec.-Lei que aprova o
regime da concessão de construção e exploração da ponte, e as demais normas do
CE/91, incluídas na 2ª questão da inconstitucionalidade, as quais impõem o
principio de que não pode haver expropriação sem DUP, dizia-se, o acórdão
interpreta este principio no sentido de que, uma declaração da proprietária,
pedindo a expropriação pré-destinada naqueles preceitos, torna desnecessário o
respeito aquele princípio, até em processo litigioso, como é o destes autos.
Ora, a actividade/intervenção procedimental do Tribunal Constitucional «deve ser
constitucionalmente adequada aos direitos (processuais) garantidos» às
partes/cidadãos (GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, p. 853), e há-de respeitar os princípios de um processo justo,
expurgado de meras formas ocas, de sofistica retórica negatória de acesso à sua
especifica tutela jurisdicional-constitucional (A. e ob. cit. p. 859).
Neste sentido, parece chocante e processualmente pouco justo à ora reclamante,
que tendo ela suscitado na sua contra-alegação as questões de
inconstitucionalidade indicadas no requerimento de interposição do recurso para
este Tribunal, uma restritiva, mas não admissível interpretação da sua
contra-alegação e do acórdão em causa permitam que se mantenha na ordem jurídica
regras normativas que o STJ profere, implícita e expressamente, ofensivas da
tutela constitucional ao direito de propriedade.
Crê-se que, a compreensão dos pressupostos de admissão no recurso destes autos
não pode partir de um pré-juízo excludente, mas deverá adoptar a mesma filosofia
“pró-admissibilidade” que em tantos outros acórdãos tem sido expressa, nomeada e
concretamente no aplicável ao caso sub judice, acórdão nº 318/90 (Rel. Cons.
ALVES CORREIA), no qual se considerou que, na linha de outra jurisprudência, o
facto de «uma eventualmente indevida “omissão de pronúncia”sobre a questão da
constitucionalidade, por parte dos restantes Tribunais» não pode servir de
impedimento à admissibilidade/reexame da questão de constitucionalidade colocada
pelo recorrente, concluindo-se que, «o não conhecimento daquela
inconstitucionalidade [...] deve ser considerado como equivalendo a aplicação
implícita daquela norma para o efeito de recurso para o Tribunal
Constitucional».
TERMOS NOS QUAIS, E SALVO O MUITO RESPEITO, DEVERÁ ADMITIR-SE A PRESENTE
RECLAMAÇÃO, CONCLUINDO-SE PELO RECEBIMENTO DO RECURSO E PROSSECUÇÃO DOS SEUS
TERMOS».
3 – A reclamada B., S.A. respondeu pugnando pelo indeferimento da
reclamação e dizendo:
«1. A expropriada interpôs recurso do Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça (adiante “STJ”) de fls. … dos presentes autos de expropriação litigiosa,
em virtude de, alegadamente, este ter feito uma interpretação inconstitucional
do artigo 3º, nº 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº
438/91 de 9 de Novembro (doravante “CE de 91”), e das Bases XXVII e LXVIII do
contrato de concessão aprovado pelo Decreto-Lei nº 168/94 de 15 de Junho,
combinadas com o disposto nos artigos 1º e 10º, nºs 1 e 2, do CE de 91.
2. O Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator decidiu, porém, não tomar
conhecimento do objecto do recurso interposto pela expropriada, já que, pura e
simplesmente, esta não suscitou perante o Tribunal a quo as acima referidas
inconstitucionalidades, ao que acresce que do Acórdão do STJ não resultam as
pretensas violações de artigos constitucionais.
3. Vem a expropriada reclamar do acima mencionado Acórdão do Tribunal
Constitucional alegando que (I) “a apreciação sobre se as duas questões de
inconstitucionalidade foram ou não suscitadas na instância a quo (...) não pode
limitar-se ao teor da síntese das contra-alegações levada pela ali recorrida às
suas “conclusões” (ponto B) da reclamação ora em resposta), e ainda que (II) se
“É certo que o acórdão não se expressa, concretamente, sobre aquela matéria
(...) nem por isso tal circunstância impede a apreciação do mérito do recurso da
inconstitucionalidade” (ponto C) da reclamação).
4. Não tem, porém, razão a expropriada, estando a sua reclamação condenada
ao insucesso. Senão vejamos.
(I) A SUPOSTA APRESENTAÇÃO AO STJ DAS DUAS QUESTÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE
5. A expropriada tenta convencer V. Excelências de que o Senhor Conselheiro
Relator se quedou, na apreciação do requerimento de interposição de recurso da
aqui recorrente, pelo teor conclusões por si apresentadas no recurso para o STJ.
6. Todavia, foi a própria recorrente que, no nº 3 do requerimento de
interposição de recurso, se socorreu das conclusões referidas pelo Senhor
Conselheiro Relator. A alegação de inconstitucionalidade estaria, segundo a
recorrente, “nomeadamente” nas acima referidas conclusões.
7. E a verdade, porém, é que basta ler o Acórdão em causa para facilmente
se constatar que o Tribunal Constitucional analisou detalhada e criteriosamente
todo o conteúdo das contra-alegações da expropriada, não se ficando pelas
respectivas conclusões, senão veja-se:
“Como se constata, do exposto não resulta suscitada a inconstitucionalidade da
norma do art. 3º, nº 2, do Código das Expropriações, interpretada no sentido
segundo o qual pode existir um processo de expropriação de um imóvel, e
respectiva avaliação e indemnização substancialmente autónomos de uma alegada
expropriação «em conjunto [da] unidade económica independente», a qual de resto,
não pode considerar-se contida numa remissão genérica e indiferenciada para
aposição da parte contrária. Ademais, face aos fundamentos decisórios revelados
pelo Supremo, transparece que a referência ao conteúdo do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa (constante da nota mencionada pela recorrente) apenas releva
de um plano ad ostentationem já que, no caso presente, se entendeu de forma
inquestionável que o pedido de expropriação total formulado pela recorrente
abrangia a parcela dos autos e que tal pretensão visava “a expropriação de
prédios que constituíam, no seu entender, uma unidade económica integrada na
parcela em questão”. Sendo que tal juízo, por importar do domínio aplicativo, se
impõe a este Tribunal como um dado aqui insindicável’ (cf. p. 23 do Acórdão ora
em litígio, ênfase nosso).
8. E mais adiante acrescenta:
“Por outro lado, igual conclusão impõe-se, mutatis mutandis, quanto à
“interpretação das Bases XXVII e LXVIII do contrato de concessão aprovado pelo
DL. nº 198/94, combinado com o disposto no art. 1º e art. 10º nºs 1 e 2 do
CE/91, no sentido de que, estando o prédio destinado legalmente a ser
expropriado, o pedido idêntico da expropriada afasta a necessidade de declaração
de utilidade pública da expropriação, mesmo em processo litigioso”, por se
tratar de uma norma cuja inconstitucionalidade não foi suscitada durante o
processo.” (Ibidem).
9. Aliás, não conseguimos descortinar a “fixação” da expropriada pelo teor
das suas alegações, pois, fazendo nossas as suas palavras, delas resultam apenas
e nada mais do que “pressuposto[s] do raciocínio sobre a inconstitucionalidade”
(cf. p. 3 da sua reclamação), remissões genéricas e indiferenciadas para a
posição da expropriante, e não verdadeiros problemas de constitucionalidade.
10. Como recorda o Tribunal Constitucional “para que se possa dar como
cumprido o ónus de suscitação de um problema de constitucionalidade, será sempre
necessário que o recorrente impute o vício da inconstitucionalidade, de forma
directa e imediata, a uma norma mediante a explicitação da dimensão normativa
que, no seu entendimento, viola a lei fundamental não bastando para que possa
considerar-se suscitada uma questão de constitucionalidade a afirmação de que é
inconstitucional, qua tale, o entendimento sustentado por uma parte ou agente
processual” (in p. 20 do Acórdão, destaque nosso).
11. E continua:
“Para tais efeitos, importa, pois colocar o tribunal perante o dever de
apreciação da constitucionalidade de uma norma legal individualizada, havendo de
concretizar-se o sentido desse preceito de modo a que, no caso de vir a ser
julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos
de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito
ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual é o preceito e com que sentido
ele não deve ser aplicado por, desse modo violar a constituição.” (in p. 21 do
Acórdão).
12. Ou seja, para que se considere que houve um suscitar da questão da
constitucionalidade de modo processualmente adequado, entenda se num sentido
funcional, não basta a afirmação abstracta que uma dada interpretação é
inconstitucional.
13. E, no fundo, a expropriada mais não fez que isso mesmo.
14. Face ao exposto, deve improceder todo o ponto B) da reclamação da
expropriada.
(II) A QUESTÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE E AS QUESTÕES QUE O STJ ESTAVA OBRIGADO
A APRECIAR
15. Segundo a expropriada, o acórdão do STJ não se expressa sobre os alegados
vícios de inconstitucionalidade, mas nem por isso tal circunstância devia
impedir a apreciação do mérito do recurso em causa.
16. Cumpre desde já dizer que, o acórdão acima referido não se expressa sobre
os supostos vícios de inconstitucionalidade, porque o STJ não fez uma
interpretação inconstitucional do artigo 3º, nº 2 do CE de 91, nem das Bases
XXVII e LXVIII do contrato de concessão aprovado pelo Decreto-Lei nº 168/94 de
15 de Junho, combinadas com o disposto nos artigos 1º, 10º, nºs 1 e 2, do CE de
91.
17. É que como bem recordou o Senhor Conselheiro Relator “será sempre
necessário que a norma que se coloque à apreciação do Tribunal Constitucional
tenha sido, efectivamente, aplicada in casu, com a interpretação que se
considerou inconstitucional perante o tribunal recorrido — cf., nesse sentido,
entre outros, o acórdão nº 139/95, publicado nos Acórdãos do tribunal
constitucional, 30º volume, 1996, o Acórdão nº 197/97, publicado no Diário da
república, IIª Série, nº 299, de 29 de Dezembro de 1998 e, mais recentemente, o
acórdão nº 214/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt (in p. 21)
18. Ora, o STJ não fez uma interpretação do artigo 3º, nº 2 do CE de 91 e do
Bases XXVII e LXVIII do contrato de concessão aprovado pelo Decreto-Lei nº
168/94 de 15 de Junho, no sentido de não ser necessária uma Declaração de
Utilidade Pública (adiante “DUP”) e um consentimento da expropriada, isso sim
seria violador dos mais elementares preceitos constitucionais.
19. Por outras palavras, em momento algum o STJ considerou que não era
necessária uma DUP; o que ele decidiu é que não era exigível uma nova DUP, em
virtude de estarmos perante um pedido de expropriação total.
20. Não obstante a expropriada já ter amplamente explicado esta questão em
sede das suas alegações de revista, cumpre referir novamente que houve uma DUP,
a que consta do Despacho do Senhor Ministro das Obras Públicas, Transportes e
Comunicações, publicado no DR nº 68, II Série de 23.03.1995.
21. De facto, assim sucedeu, já que pelo referido Despacho foi declarada a
utilidade pública de expropriação de um conjunto de parcelas necessárias à
construção do troço da Nova Travessia sobre o Tejo, actual Ponte Vasco da Gama,
troço esse, denominado, “Viaduto Sul”, e que abrangeu diversos prédios da
expropriada nos presentes autos, mais precisamente, os correspondentes às
Parcelas 11.1, 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2, tudo cf. fls. 7 dos autos.
22. Por sua vez, em virtude de um pedido de expropriação total da
expropriada, que abrangeu a parcela dos autos, entendeu o STJ que não se
afigurava necessária a existência de declaração de utilidade pública de
expropriação autónoma para a parcela em causa, por se poder “estender” ao prédio
em causa.
23. É por isso inadmissível, que a expropriada venha agora subverter o
plasmado na decisão do STJ arguindo que não houve uma DUP e que tal seria
violador dos preceitos legais em apreço, apenas com o propósito de arranjar, a
todo o custo, fundamentos para recorrer para o Tribunal Constitucional.
24. A aferição da existência da DUP é matéria de facto, que foi dada como
provada nas devidas instâncias, ou seja, pelos Tribunais Judiciais.
25. A este propósito, não resistimos a transcrever o seguinte excerto do
acórdão do STJ: “A expropriação, como antes dissemos, está sujeita ao princípio
da proporcionalidade, com os integrantes sub-princípios de adequação,
necessidade, e proporcionalidade em sentido estrito, como logo decorre do art.
3º, nº 1 do CE/ 91 aplicável ao caso em apreço;
(...)
A faculdade do expropriado requerer a expropriação total — cfr. também art. 53º
do CE, constitui, no seu interesse que tem de ser fundamentado, uma excepção
àquele princípio, como decorre da redacção do nº 2 als. a) e b) (...).
O facto de a recorrida colocar em causa a expropriação total que ademais a
expropriante concedeu, exprime conduta contraditória sem causa justificativa
pelo que é abusiva de direito — art. 334º do Código Civil — não podendo ser
atendida, em salvaguarda dos princípios da boa-fé, dos bons costumes e do fim
económico e social do direito que pretendeu exercer.” (cf. pp. 9 e 10 do Acórdão
em apreço, a ênfase não é nossa).
26. E mais adiante:
“Mas será que apesar de ter sido deferido o pedido de expropriação total isso
implicaria uma nova DUP?
Entendemos que não.
Desde logo, por não haver uma ablação forçada do direito expropriado, o que
retira o factor compulsivo e inexorável da expropriação fundada apenas no
interesse público reputado prevalente sobre o interesse privado; depois, porque
cumpre, em primeira linha à expropriante pronunciar-se no sentido de dar ou não
a sua concordância ao pedido — nº 2 do art. 53º do CE/91, finalmente, porque,
além de o pedido ser da iniciativa do particular expropriado, se a expropriação
total for concedida ela integra-se no âmbito da declaração expropriativa
inicial, que assim vê o seu campo alagado satisfazendo o interesse do
particular.” (cf. p. 10 do Acórdão sub iudice, destaque nosso).
27. Aliás, tal propósito da expropriada foi contrariado pelo Acórdão do
Tribunal Constitucional quando decidiu da seguinte forma:
“Na verdade, do excurso argumentativo motivador da pretensão formulada junto do
Supremo resulta, com evidência, que a ora recorrente apenas controverteu a
hipótese de expropriação da parcela em causa sem declaração de utilidade pública
e sem o consentimento da expropriada, hipótese que foi expressis verbis afastada
por aquele Tribunal” (cf. p. 24, destaque nosso).
27. E continua:
“A isto acresce, igualmente, a circunstância do Supremo Tribunal de Justiça ter
entendido, contrariamente ao alegado pela recorrente, e em relação a uma matéria
subtraída à esfera de competência cognitiva do Tribunal constitucional, que “a
declaração expropriativa e o despacho de adjudicação exarado na 1ª instância
contempla[va]m a parcela em causa”, nunca tendo admitido que o processo
expropriativo, a envolver “uma ablação forçada do direito expropriado” pudesse
ser feito sem a correspondente declaração de utilidade pública, razão pela qual,
também por este motivo, não se encontram preenchidos os pressupostos processuais
determinantes do conhecimento da referida questão de constitucionalidade” (cf.
p. 25).
29. Logo, se dúvidas houvessem quanto a uma interpretação do STJ do artigo
3º, nº 2 do CE de 91 e das Bases XXVII e LXVIII do contrato de concessão
aprovado pelo Decreto-Lei nº 168/94 de 15 de Junho, no sentido de não ser
necessária uma DUP e um consentimento da expropriada, as mesmas ficaram
dissipadas.
30. Face ao exposto, tudo quanto foi alegado pela expropriada no ponto C)
da sua reclamação deve também ser desconsiderado.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve a reclamação da
expropriada ser indeferida, e mantido o acórdão proferido, com as demais
consequências legais».
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., Lda., melhor identificada nos autos, recorre para o
Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b),
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), fazendo
constar do requerimento de interposição do recurso as seguintes indicações:
“(...)
1. No acórdão recorrido efectuou-se uma interpretação do art. 3º nº 2 do CE/91,
no sentido segundo o qual, pode existir um processo de expropriação de um
imóvel, e respectiva avaliação e indemnização, substancialmente autónomos de uma
alegada expropriação «em conjunto [da] unidade económica interdependente» (nota
3 pp. 10/11 do acórdão).
2. Para além disso, o acórdão expressa uma interpretação das Bases XXVII e
LXVIII do contrato de concessão aprovado pelo DL 198/94, combinado com o
disposto no art. 1° e art. 10° nºs 1 e 2 do CE/91, no sentido de que, estando o
prédio destinado legalmente a ser expropriado, o pedido idêntico da expropriada
afasta a necessidade de declaração de utilidade pública da expropriação, mesmo
em processo litigioso.
3. Sucede que sob a sua contra-alegação, nomeadamente nas conclusões 1 5a a ora
recorrente invocou a não aplicação destes sentidos normativos daqueles
preceitos, pois ofendem, como alegou ali, o disposto no art. 62° nº 2 e arts.
17° e 18° da CRP, bem como o art. 1º do protocolo nº 1 adicional à CEDH”.
2 – Com interesse para o caso sub judicio, importa relatar:
2.1 – A recorrida B., S.A., na qualidade de concessionária da obra pública “Nova
Travessia Rodoviária sobre o Tejo em Lisboa”, invocando pedido de expropriação
total da expropriada, organizou processo de expropriação litigiosa referente à
“parcela nº116”, pertencente a A., Lda..
2.2 – Relativamente a essa e outras “parcelas” foi publicado no D.R. II Série,
nº148, de 30/06/1997 um despacho do Senhor Secretário de Estado das Obras
Públicas, datado de 27 de Junho de 1997 autorizando a 'B.' “...nos termos dos
artigos 13º, nº2 e 17º, nº1 do Código das Expropriações, aprovado pelo
Decreto-Lei nº438/91, de 9 de Novembro, a tomar posse administrativa das
parcelas discriminadas no mapa em anexo, situadas na área das salinas do
Samouco, descritas na matriz predial da freguesia de Alcochete, propriedade da
A., Lda.”.
2.3 – Recebido o processo no Tribunal Judicial do Montijo, foi proferido
despacho, com data de 05.07.1999, pelo qual – depois de considerar que “…Alega a
expropriante que a parcela nº116 a que se reportam os presentes autos é parte
integrante de um conjunto de prédios relativamente aos quais a expropriada
formulou pedido de expropriação total, na sequência de declaração de utilidade
pública de expropriação das parcelas do troço de “viaduto sul” identificadas
pelos nºs 11.1 a 13.2. Contudo, do despacho que autorizou a expropriante a tomar
posse administrativa das propriedades pertencentes à A., Lda., identificadas em
mapa anexo ao despacho, não resulta qualquer correspondência entre os prédios aí
identificados e o número da parcela ora em causa. Ressalta ainda que a parcela
nº116 ora em causa é denominada “Murtório” ou “Murtório pequeno”, sendo que no
referido mapa são discriminadas três salinas com número de artigo e descrição na
Conservatória do Montijo (e não Alcochete) – Murtório, Murtório Pequeno –
Murtório Grande” – se convidou a expropriante a dizer o que tivesse por
conveniente em dez dias.
2.4 – Notificada, a “B.”, por requerimento de fls. 149, informou, além do mais,
que a parcela 116 corresponde ao prédio, marinha de sal, denominada “Murtório”
ou “Murtório Pequeno” e que a mesma se encontra, agora, descrita na
Conservatória do Registo Predial de Alcochete, que entrou e funcionamento em 19
de Maio de 1995, sob o art. 126, ficha 01700, a fls. 238 v, Livro B-1 – e art.
matricial nº 1837.
2.5 – Na sequência, foi proferido despacho, com data de 21.07.1999, adjudicando
a propriedade da parcela à expropriante, o qual veio a ser rectificado a fls.
768 dos autos, por despacho proferido em 3.1.2001, do seguinte jaez:
“...devendo ler-se na decisão de adjudicação que a parcela nº116 é adjudicada ao
Estado Português, em vez de à expropriante”.
2.6 – E este veio, novamente, a ser rectificado por despacho de 22/04/2004 (data
do despacho de sustentação do agravo e da prolação da sentença recorrida) nos
seguintes termos:
«No despacho de adjudicação de propriedade vemos que foi referido que “por
despacho de 27/02/95, publicado no D. R. nº 68, II Série, o Sr. Ministro das
Obras Públicas, Transportes e Comunicações declarou a utilidade pública com
carácter de urgência da parcela nº 11.1 a 13.1, sem se fazer menção a que a
expropriada requereu a expropriação total e ao despacho do Secretário de Estado
das Obras Públicas, havendo já, naquele momento, elementos no processo que
permitem efectuar esta menção.
Assim, nos termos do art. 667º do Código de Processo Civil, passo a rectificar o
despacho de adjudicação da propriedade no sentido de nele passar a constar o
seguinte:
“II — Por despacho de 27 de Fevereiro de 1995, publicado no DR, nº 68 II série,
o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações declarou a
utilidade pública com carácter de urgência da expropriação das parcelas de
terreno da expropriada, localizadas na zona denominada Salinas do Samouco, tendo
a expropriação da parcela nº 116, que se mostra necessária à recuperação da área
daquelas salinas, resultado do deferimento do pedido de expropriação total da
expropriada, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 53º.° do CE, e
versou as parcelas de terreno correspondentes aos prédios identificados no
despacho nº 2928-A/97, de 27.06, do Senhor Secretário de Estado da Obras
Públicas, publicado no DR nº 148/94, de 30.06”».
2.7 – Inconformada com o despacho de 21/07/1999, a expropriada dele interpôs
recurso, para o Tribunal da Relação de Lisboa recebido como agravo, a subir com
o primeiro que, depois dele, deva subir imediatamente, com efeito meramente
devolutivo, pedindo a sua revogação.
2.8 – O processo prosseguiu os seus termos e, a final, foi proferida decisão –
fls. 1208 a 1229, de 22.4.2004, que ajuizando sobre a indemnização, sentenciaram
improcedentes os recursos deduzidos pela expropriante AA e pela expropriada, A.,
Lda., e, em consequência, foram fixados em Esc. 12.510.700S00 (doze milhões,
quinhentos e dez mil e setecentos escudos) ou 62.403,11 euros (sessenta e dois
mil quatrocentos e três euros e onze cêntimos), o montante da indemnização
devida pela expropriante, B. em virtude da expropriação que incidiu sobre a
parcela, a que foi atribuído o nº116 com a área de 21.600 m2 correspondente à
totalidade do prédio inscrito na matriz rústica sob o art.3º da secção T e
matriz urbana nº 1837 da freguesia e concelho de Alcochete, descrito na
Conservatória do Registo Predial do Alcochete sob o nº 126 a fls. 238 vº do
livro B-l. denominado Murtório, pertencente a A..
2.9 – Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa,
quer pela expropriante, quer pela expropriada, que pelo Acórdão de 10 de
Novembro de 2006, concedeu provimento ao recurso de agravo, interposto pela
expropriada e, consequentemente, revogou o despacho recorrido, denegando-se a
adjudicação da propriedade do prédio em causa, declarando extinta a instância.
2.10 – Discordando do decidido a “B.”, recorreu para o Supremo Tribunal de
Justiça, perante o qual alegou, em síntese:
“1. O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa que deu provimento ao Recurso de Agravo interposto pela
expropriada, revogando o despacho de adjudicação de propriedade da parcela 116 e
declarando extinta a instância por ausência de Declaração de Utilidade Pública
relativamente ao prédio dos autos, com as inerentes consequências quanto à
propriedade desse prédio e aos actos processuais praticados.
2. O Acórdão em causa, como se viu atrás, padece, entre outros de vício de
violação de lei substantiva, por erro de interpretação do artigo 3º do Código
das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91 de 9.11, contendo, ainda
uma errada interpretação dos factos, designadamente, da formulação pela
expropriada de um pedido de expropriação total e respectiva subsunção nas normas
jurídicas aplicáveis, a saber os artigos 3º e 53º do CE.
3. A apreciação do mérito do presente recurso centra-se, assim, em duas questões
essenciais: (i) por um lado, e em primeiro lugar, saber se a expropriada
formulou um pedido de expropriação total no qual está incluído a parcela destes
autos, e por outro lado, (ii) se se afigurava necessária a existência de
declaração de utilidade pública de expropriação autónoma para a parcela em
causa, ou se a DUP que consta do Despacho MOPTC publicado no DR nº 68, II Série,
se “pode estender” ao prédio em causa.
4. No que respeita à primeira questão, é por demais evidente que a resposta só
pode ser afirmativa, porque a expropriada formulou um pedido de expropriação
total que versou sobre diversos prédios que lhe pertenciam, entre os quais se
conta o prédio dos autos.
5. Esta conclusão está claramente evidenciada no requerimento de expropriação
total da expropriada, mas também, na planta que juntou àquele como doc. nº14, e
sobretudo, no doc. nº 20 igualmente junto, no qual identificou de forma precisa
e clara o prédio dos presentes autos – “Marinha Murtório Pequeno”.
6. Quanto à segunda questão – necessidade de nova DUP ou “extensão” da DUP
contida no despacho MOPTC de fls. 7 ao prédio que constitui a parcela 116 –
ficou amplamente demonstrado, que no caso não se impunha emissão de nova
declaração de utilidade pública, face à validade, legalidade e procedência do
pedido de expropriação total, no qual se insere a parcela 116, o que determina
que tal expropriação fique a “coberto” da declaração de utilidade pública
contida no despacho MOPTC de fls. 7.
7. Tudo isto, porque resulta manifesto, em primeiro lugar, que na apreciação do
pedido de expropriação total, a expropriante efectuou uma correcta avaliação do
prejuízo do interesse económico que decorreria para a expropriada, caso apenas
fosse efectuada a expropriação parcelar, deferindo, em consequência, o pedido de
expropriação total formulado, em virtude de, no caso, se encontrarem verificados
os pressupostos que levam à aplicação do artigo 3º, n.º 2, alínea b) do CE de
91.
8. O citado normativo como amplamente se demonstrou nas presentes alegações,
permite que se verifique expropriação total sobre prédios distintos daquele
sobre o qual incidiu declaração de utilidade pública, desde que se verifiquem os
pressupostos elencados nas respectivas alíneas a) e b).
9. É esta a correcta interpretação daquele artigo 3º, a qual se encontra
reflectida no Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Janeiro de 2006 aqui junto,
entre outros, nos termos que aqui destacamos:
“Na verdade, o art. 3º, n.º 2 pretende tutelar o interesse do proprietário,
estabelecendo como que uma indivisibilidade económica do imóvel, que se traduz
em a parte deste não expropriada seguir o destino da parte expropriada, a pedido
do expropriado.
Ora, essa indivisibilidade económica pode ocorrer, também, relativamente a mais
do que um prédio, e se a finalidade da lei é proteger o proprietário afectado
pela diminuição dos cómodos da parte não expropriada, resultante do
fraccionamento, dento do seu destino económico efectivo, deve concluir-se,
logicamente, que a lei permite a expropriação total quer do prédio já
parcialmente expropriado, quer do prédio ou prédios que com aquele formem uma
unidade económica interdependente, ainda que não tenham sido objecto de
expropriação parcial.
A tal conclusão também se poderá chegar, a nosso ver, através de uma
interpretação extensiva do preceito, se se entender que o legislador, ao
formular a norma, disse menos do que, efectivamente, pretendia dizer, havendo,
por isso, necessidade de estender as palavras da lei (cfr. art. 11.º, do C.
Civil).”
10. Acresce, ainda, que o instituto da expropriação total foi pensado e
legislativamente consagrado em benefício do expropriado (no sentido de que a
expropriação total é permitida no interesse do expropriado ver, por todos,
Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, 7.ª Edição, página 650),
que poderá, em última análise, requerer a expropriação total de um conjunto de
prédios que funcionem como uma unidade económica, como sucedeu in casu, desde
que preenchidos os pressupostos materiais previstos na lei.
11. De facto, se é certo que o artigo 3.º do CE não faz referência expressa à
possibilidade de uma expropriação afectar o interesse económico, não de um
prédio, mas de um conjunto de prédios que funcionam como uma unidade económica,
não é menos certo, que a ser diferido um pedido livremente formulado por um
expropriado numa situação de facto como a descrita, tal diferimento tem
necessariamente de ser visto como um benefício para o expropriado, configurando
abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, vir mais tarde
o expropriado “dar o pedido por não pedido” e alegar a inexistência de um
pressuposto nuclear do processo de expropriação: a declaração de utilidade
pública.
12. Conclui-se, então, que o artigo 3º, nº2 do CE tem aplicação ao caso dos
presentes autos, contrariamente ao que entendeu o Tribunal recorrido, uma vez
que a expropriação total pode incidir sobre prédio diferente daquele que foi
objecto de expropriação parcial contida em DUP, porquanto, o que é relevante
para efeito da aplicação daquele normativo é o preenchimento dos pressupostos
nele enunciados – a perda de cómodos e o prejuízo do interesse económico da
parte não expropriada – dos quais poderá resultar uma afectação relevante do seu
direito de propriedade.
13. Em face de quanto se expôs, verifica-se, então, que o Tribunal a quo ao
entender que no caso dos autos se afigurava necessária a emissão de declaração
de utilidade pública, errou na interpretação do artigo 3º, nº2, alínea b) do CE,
proferindo decisão violadora da lei substantiva aplicável.
14. Ao decidir nessa conformidade, o Acórdão recorrido, está em manifesta
oposição com jurisprudência anteriormente firmada – a contida no Acórdão de 10
de Janeiro de 2006 que aqui se junta –, devendo por aplicação do disposto no
artigo 732-A do Código de Processo Civil, ser proferida decisão uniformizadora
de jurisprudência, já que as decisões contidas nos Acórdãos em questão, versaram
sobre a mesma legislação e questão fundamental de direito”.
2.11 – Pugnando pelo decidido, a ora recorrente contra-alegou dizendo que:
«1ª - Do teor das conclusões ex adverso, resulta evidente que constitui
seu pressuposto essencial terem existido duas realidades jurídico-factuais: um
deferimento, ou aceitação, pela recorrente, de um pedido de expropriação total,
baseado no art. 3º nº 2 do então Cód. das Exp., do imóvel correspondente à
parcela 116; e que, os presentes autos sejam a execução desse pedido.
2ª- Ao longo da sua motivação e das suas conclusões, a B. dá como
evidente que aquelas duas realidades sucedem nos presentes autos.
3ª - Contudo, o teor da decisão, ou o deferimento, a que a recorrente
alude, consistiu no seguinte: «Reportamo-nos à carta de V Exas. de 20 de Julho
p.p., na qual é solicitada a expropriação total das parcelas de V. propriedade
sitas na área das Salinas do Samouco, a que se refere a Base LXVIII das Bases da
Concessão, aprovadas pelo DL nº 168/94, de 15 de Junho. Vimos pela presente
comunicar a V. Exa. que o pedido de expropriação total foi aceite pela B.,
indo-se desencadear os mecanismos de expropriação da totalidade das mencionadas
parcelas, dentro dos limites da planta anexa ao Segundo Contrato de Concessão,
nos termos da citada Base LXVIII Em consequência, solicitamos a realização da
uma reunião com V. Exas., em data a acordar, com vista a dar conta do
procedimento a seguir.» - conforme consta no doc. 3 junto por ela ao Tribunal,
no seu requerimento inicial (e ora aqui anexo como doc. 2, por mera facilidade
de consulta).
4ª - Ora, o sentido jurídico desta declaração pode e tem de ser objecto
de interpretação pelo STJ, quer por força da aplicação do art. 236º e ss. do
Cód. Civil, quer por se tratar de pura matéria de direito saber se a B., como
expropriante, isto é, revestida de poderes públicos, praticou ou não naquela
carta, um acto de aceitação de uma expropriação baseada no art. 3º nº 2 do Cód.
das Expropriações.
5ª - Assim, interpretado também, por iguais razões, o sentido jurídico
da carta-declarações da expropriada, de 20.7.95 (doc. 2, fls. 10), resulta que
aquela formulou, ali, o pedido de cumprimento imediato do que alegou constituir
o dever contratual da B., perante o Estado, resultante, concretamente, do
disposto no DL 168/94, que aprovou as Bases da Concessão da actual Ponte Vasco
da Gama, nomeadamente as Bases XXVI a XXX, e LXVIII, ou seja, obrigação de
expropriar imposta ali à concessionária, por razões de protecção ambiental.
6ª - No mesmo documento, a ora recorrida alegou que o imóvel, onde se
integrava a parcela 11.1, abrangida na DUP da expropriação, do MOPTC de
27.2.1995, deveria ser totalmente expropriado, nos termos do art. 3º nº 2 do
Cód. das Exp. por que, sem aquela parcela, como exploração piscícola que era,
não tinha interesse económico.
7ª - E, no mesmo documento, peticionou quanto aos imóveis onde se
integravam as parcelas 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2, também estas objecto
daquela mesma DUP de expropriação, por integrarem, juntamente com outros
imóveis, uma unidade semi-mecanizada de sal, deveria ser objecto de expropriação
nos mesmos termos de art. 3º nº 2 do Cód. das Expropriações.
8ª - Ora, confrontando as causas daqueles pedidos da ora recorrida e a
decisão da B. acima referida, resulta óbvio que, esta omite em absoluto qualquer
apreciação quanto a verificarem-se ou não os requisitos do art. 3º nº 2 do Cód.
das Exp., e, afinal, limita-se a reconhecer que irá cumprir as suas obrigações
de expropriar, nos termos da Base LXVIII (aprovada pelo já citado DL 168/94) –
cujo teor é o seguinte: «A concessionária obriga-se a expropriar e a recuperar
(…) a área designada “Salinas do Samouco”, indicada em planta anexa ao contrato
de concessão.».
9ª - De resto, na data daquela decisão/resposta (29.9.95) já decorrera o
prazo legal (14 dias) para a expropriante se pronunciar favoravelmente, se fosse
o caso, sobre o pedido de expropriação nos termos do art. 3º nº 2 do Cód. das
Exp. – pois, o disposto em arts. 42º e 53º nº 2 deste diploma determinam que,
após aquele prazo (contado sobre a recepção da carta da expropriada de 20.7.95),
forma-se indeferimento tácito, podendo a expropriada requerer ao Tribunal a
avocação do pedido indeferido, para aí ser apreciada a verificação dos
requisitos do art. 3º nº 2.
10ª - Acresce, por outro lado, quer do ponto de vista substancial – p. ex.
no plano da sua avaliação/indemnização – quer no plano do seu procedimento, que
os presentes autos mostram absoluta e total independência, quer quanto às duas
unidades económicas que a expropriada alegou na sua carta dita «pedido de
expropriação total», quer quanto ao processo administrativo e judicial de
expropriação das parcelas descritas na DUP de expropriação do MOPTC de
27.2.1995.
11ª - Com efeito, lendo os autos, é manifesto que, no plano da arbitragem,
da avaliação e da sentença, é absoluto o desconhecimento de qualquer uma das
unidades económicas que a expropriada alegou serem destruídas pelas
expropriações parcelares, daquela DUP.
12ª - E quanto ao procedimento, os autos mostram que não vêm instruídos
com uma arbitragem... de toda a unidade económica, isto é, da totalidade
económico-produtiva a que o imóvel pertenceria – procedimento processual único
que teria de existir, por força do disposto nos arts. 3º nº 2 e 42º do Cód. das
Expropriações, correspondente, afinal, à ratio legis da figura em causa, que é,
avaliar e indemnizar a totalidade de uma unidade económica, valorizando-a como
um todo.
13ª - Mais: a própria junção, pela expropriante, de um acórdão relativo a
outro imóvel, mostra, sem lugar a dúvidas, que a expropriante não só não decidiu
alguma expropriação total nos termos do art. 3º nº 2 (isso já a sua resposta de
29.9.95, o mostra inequivocamente), como também, e em lógica coerência, não deu
o seguimento administrativo que seria legalmente devido – isto é, duas unidades
económicas, logo, duas respectivas arbitragens, de cada uma dessas totalidades –
caso afinal, a sua decisão, fosse ela referenciada ao art. 3º nº 2, teria de dar
lugar, nos termos do art. 42º do Cód. das Expropriações.
14ª - Ora, na verdade, a «decisão» de expropriar que a B. expressamente
tomou (na carta de 29.9.95), e que afinal, tentou cumprir com estes autos – e os
demais que iniciou: um processo por imóvel, como o acórdão que anexou atesta –
representando o mero cumprimento do seu dever contratual, disposto naquela Base
LXVIII, não podia ser efectuado, litigiosamente, sem a DUP da expropriação – uma
vez que isso mesmo resulta, desde logo, na Base XXVII, onde se lê: «Compete ao
MOPTC a prática do acto que individualize os bens a expropriar nos termos do nº
2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro (Código das
Expropriações), o qual deverá conter a declaração de utilidade pública com
carácter de urgência no prazo de 45 dias a contar da apresentação pela
concessionária da documentação exigida para o efeito nos termos do Código das
Expropriações. Competirá à concessionária apresentar atempadamente ao concedente
todos os elementos e documentos necessários à prática do acto de declaração de
utilidade pública, de acordo com a legislação em vigor.».
15ª - Portanto, com os presentes autos – e os demais, como o acórdão que
anexou – a B., ao contrário do que tenta impingir, não está a dar execução a um
pedido de expropriação baseado no art. 3º nº 2 do Cód. das Expropriações, mas,
apenas, ao seu dever de expropriar todos e quaisquer imóveis, nas «Salinas do
Samouco», propriedade ou não da ora recorrida, identificados ou não por esta –
mas sim, e como diz na sua carta/decisão de 29.9.95, a cumprir a Base LXVIII.
16ª - Logo, a verdadeira questão em discussão neste recurso é e só pode
ser, saber-se se tal dever de expropriação pode ser cumprido sem DUP – questão
que, contudo, é expressamente respondida de modo negativo pelo teor da Base
XXVII, invocada no acórdão recorrido, como causa de procedência do agravo,
perante a factualidade que vinha provada.
17ª - Mesmo que assim não fosse, o disposto nos arts. 1º e 10º nºs 1 e 2
do Cód. das Exp., combinado com o disposto no art. 62º nº 2 e art. 1º do
Protocolo nº 1 adicional à CEDH determinaria, sempre, que não pode existir
expropriação litigiosa – como é o caso dos autos – sem o acto público
administrativo da respectiva DUP.
18ª - Na verdade, na falta de DUP, verificada factualmente pelo acórdão
recorrido, e sem o consentimento anterior, ou actual, da proprietária, não pode
esta ser privada, à força, deste direito de propriedade – pois, a sua natureza
de direito fundamental, face ao teor de arts. 62º e 17º da Constituição, e
1.308º do Cód. Civil determina que só nos casos tipificados na lei ele possa ser
ofendido, como decorre de art. 18º daquela Lei Fundamental.
19ª - De resto, a interpretação por analogia, ou outra técnica, do art. 3º
nº 2 do Cód. das Exp., invocada pela recorrente, não poderia ter sucesso, pois
viola, também, frontalmente o art. 1º do Protocolo nº 1, adicional à CEDH, bem
como aquelas disposições da Constituição – para além da própria Base XXVII, nºs
1 e 2 do regime jurídico da concessão, aprovado pelo DL 198/94.
20ª - Faltando a DUP ao processo expropriativo, a instância carece do seu
pressuposto processual, basilar, e inexiste causa (legal) de pedir, devendo
declarar-se extinta a instância, por impossibilidade legal – como bem se decidiu
no acórdão recorrido.
21ª - Ao dar como demonstrado que aceitou e prosseguiu com estes autos uma
expropriação nos termos do art. 3º nº 2 do Cód. das Exp, alegando até que o fez
por ter ponderado os interesses económicos e os benefícios daí decorrentes para
a expropriada, a B. expressa refinada litigância dolosa – pois altera a verdade
e o teor expresso da sua carta de 29.9.95, a qual, ao dizer que vai expropriar,
não passa de uma inócua e irrelevante declaração de que... irá cumprir o que a
Base LXVIII já antes lhe impunha. Por isso, deve ser condenada em multa e
indemnização equitativamente fixada.
22ª - Só se justificaria o julgamento do presente recurso nos termos do
art. 732º-A do CPC caso fosse vislumbrada hipótese de o Supremo abandonar a
jurisprudência que, em matéria de exigência de DUP da respectiva expropriação,
já fixou e tem reiteradamente seguido, desde o acórdão de 17.6.66 (BMJ, 158, p.
261) e a demais indicada acima e na alegação do agravo (identicamente, ac. do
STA de 31.3.98, melhor identificado acima), no sentido de ser imprescindível a
DUP da expropriação, como causa do processo judicial de expropriação.
23ª - Pois, além do mais, no acórdão anexo pela recorrente fixou-se
matéria factual diferente da destes autos, nomeadamente, que aquele imóvel
integrava os prédios/parcelas abrangidos pela DUP – questão factual sobre a qual
o acórdão recorrido não efectuou julgamento ou aplicação do direito, por não
estar provada ou discutida.
24ª - Portanto, sendo casos diferentes, factualidade diversa, as questões
fundamentais de direito são também diversas, faltando assim os requisitos
daquele procedimento decisório.
TERMOS NOS QUAIS DEVE CONCLUIR-SE PELA IMPROCEDÊNCIA DAS PRETENSÕES DA
RECORRENTE, CONDENANDO-SE A MESMA NAS CUSTAS, PROCURADORIA CONDIGNA, MULTA E
INDEMNIZAÇÃO EQUITATIVA POR LITIGÂNCIA DOLOSA, ASSIM FAZENDO, COMO SE PEDE E
CONFIA,
SÁBIA JUSTIÇA!»
2.12 – Por Acórdão de 2 de Outubro de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça
decidiu conceder provimento ao recurso, revogando, em consequência, o Acórdão do
Tribunal da Relação.
Tal conclusão foi suportada na motivação que se passa a transcrever:
“(...)
Sendo pelo teor das conclusões das alegações da recorrente que, em regra, se
delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, a
questão consiste em saber se, ante o pedido de expropriação total formulado pela
expropriada, importaria que houvesse nova declaração de utilidade pública que
abrangesse os prédios compreendidos nesse pedido, ou se tal omissão, implica a
extinção da instância por falta da declaração expropriativa.
Reconhecendo a Lei Fundamental – art. 62º – o direito à propriedade privada, a
expropriação só é possível mediante o pagamento de uma “justa indemnização”, de
modo a que os princípios da igualdade e da proporcionalidade não sejam
afrontados pela extinção forçada de tal direito.
O art. 22, n.º1, do Código das Expropriações – DL 438/91, de 9 de Novembro (CE)
– aplicável ao recurso em apreciação, vista a data da declaração de utilidade
pública – dispõe:
“1 - A expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos confere
ao expropriado o direito de receber o pagamento contemporâneo de uma justa
indemnização.
2 - A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo
expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da
expropriação, medida pelo valor do bem expropriado, fixada por acordo ou
determinada objectivamente pelos árbitros ou por decisão judicial, tendo em
consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da
declaração de utilidade pública”.
São, pressupostos de legitimidade de expropriação – o princípio da legalidade; o
da utilidade pública, o da proporcionalidade e o da justa indemnização.
A Constituição da República, para lá de outros princípios de invocação não tão
pertinente, consagra os aqui convocáveis, da indispensabilidade, o da proibição
do excesso e da proporcionalidade.
Como ensina “Jorge Reis Novais, in “Os Princípios Estruturantes da República
Portuguesa”, pág. 171:
“Ainda que, por vezes, venham confundidos, há que distinguir entre o princípio
da proibição do excesso e o princípio da necessidade ou da indispensabilidade.
Enquanto que o primeiro, mais lato, proíbe que a restrição vá mais além do que o
estritamente necessário ou adequado para atingir um fim constitucionalmente
legítimo — o que envolve as diferentes exigências que estamos a considerar — o
princípio da necessidade, enquanto sub princípio ou elemento constitutivo
daquele, impõe que se recorra, para atingir esse fim, ao meio necessário,
exigível ou indispensável, no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que
precise de ser utilizado para atingir o fim em vista” – sublinhámos.
E acerca do princípio da proporcionalidade:
“…Por sua vez, a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade
dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como sendo
justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspectiva, e dependendo da
intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é
excessiva, desproporcionada, desrazoável.
Nesta aproximação de definição podem intuir-se, em primeiro lugar, a relativa
imprecisão e fungibilidade dos critérios de avaliação; em segundo lugar, o
permanente apelo que eles fazem a uma referência axiológica que funcione como
terceiro termo na relação e onde está sempre presente um sentido de justa
medida, de adequação material ou de razoabilidade, por último, a importância que
nesta avaliação assumem as questões competências, mormente o problema da margem
de livre decisão ou os limites funcionais que vinculam legislador, Administração
e juiz.” (pág. 178) [sublinhámos].
O Acórdão recorrido revogou o despacho de adjudicação de propriedade da parcela
116, contemplando já a alteração proferida aquando do despacho de sustentação,
denegando a adjudicação da propriedade do prédio em causa e declarando extinta a
instância por ausência de Declaração de Utilidade Pública (doravante DUP).
Antes de mais e de forma inquestionável há que afirmar que a agravada formulou
um pedido de expropriação total abrangendo a parcela dos autos.
A propósito releva o seguinte:
- por Despacho do Senhor Ministro das Obras Públicas, Transportes e
Comunicações, publicado no DR n.º 68, II Série de 23.03.1995, foi declarada a
utilidade pública de expropriação de um conjunto de parcelas necessárias à
construção do troço da Nova Travessia sobre o Tejo, actual Ponte Vasco da Gama,
troço esse, denominado, “Viaduto Sul”, e que abrangeu diversos prédios da
expropriada nos presentes autos, mais precisamente, os correspondentes às
Parcelas 11.1, 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2 – cfr. fls. 7 dos autos;
- após a publicação da DUP em questão, a expropriada, em 21 de Julho de 1995,
apresentou à expropriante um pedido de expropriação total cuja cópia se encontra
nos autos a fls. 10 a 42.
Instruiu tal pedido com 22 documentos, sendo de particular relevância os
seguintes:
- o documento n.º 14 constituído por uma planta da zona denominada por “Salinas
do Samouco”, nas quais a expropriada delimitou a área das marinhas que estavam
integradas nas unidades de produção que fundamentaram o seu pedido;
- o doc. nº 20 com a epígrafe “Marinhas de reservatório de alimentador primário
da marinha Providência”, no qual se encontram identificadas as marinhas que
estão afectas a tal unidade de produção, entre elas, a “Marinha Murtório
Pequeno”, que constitui a parcela 116 dos presentes autos e que actualmente
dispõe de descrição predial actualizada – ut. certidão junta como doc. nº 5 ao
requerimento de remessa do presente processo;
- após análise do pedido da expropriada, a expropriante veio a deferi-lo em 29
de Setembro de 1995, tendo iniciado os procedimentos expropriativos relativos
aos prédios abrangidos pelo pedido de expropriação total, e que deram origem à
posterior individualização de 28 parcelas e cujos termos se encontram a correr
perante o Tribunal Judicial da Comarca do Montijo;
- posteriormente ao deferimento do pedido de expropriação total em apreço, foi
proferido o Despacho SEOP (junto a fls. 137 e 138 dos autos) que contem a
autorização de posse administrativa, no qual, igualmente, se encontram
identificadas as marinhas abrangidas pelo pedido de expropriação, contando-se
entre elas a marinha “Murtório Pequeno” que constitui a parcela 116 dos
presentes autos.
No Acórdão recorrido delimitou-se assim o objecto do recurso de agravo:
“O cerne da questão situa-se em saber se a DUP, única e a que acima nos
referimos, se pode estender ao prédio em causa por força de um hipotético pedido
da própria agravante [expropriada, dizemos] nesse sentido, ou seja, no sentido
de a expropriação de outros prédios, de sua propriedade cuja DUP foi declarada,
valer também para este, ex-vi do disposto no art. 3º, nº2, al. a) e b) do CE”.
Dos fundamentos apresentados pela expropriada para requerer a expropriação total
tem de concluir-se que visava com tal pretensão a expropriação de prédios que
constituíam, no seu entender, uma unidade económica integrada na parcela em
questão, acentuando o prejuízo que para si adviria se tal expropriação total não
ocorresse.
Citam-se dos documentos com que instruiu tal pedido as seguintes afirmações:
Desde logo de um dos documentos consta o título “Fundamentos para a Expropriação
Total”.
A ora recorrida alegou que as parcelas 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2,
correspondentes aos imóveis expropriados ao abrigo da DUP contida no Despacho
MOPTC de fls. 7, “estão integrados desde 1980 numa unidade de exploração de sal,
semimecanizada, com tubagens, canalizações, respectivas motobombas e demais
estruturas aptas àquela produção, …” […] “Tal unidade está, do ponto de vista do
processo produtivo de sal, separada em duas áreas ou zonas: uma de recepção de
água do rio e 1ª fase de evaporação” e, “Zona final de cristalização, e
evaporação total até obtenção de sal” […] “O total destas marinhas, directamente
ligadas á área de cristalização é de 132.664 ha, conforme quadro anexo doc. 20
aí incluindo aquelas objecto parcial de expropriação”.
Afirmou, ainda, que caso não ocorresse a expropriação total, esse facto
implicaria a “destruição” do seu direito de exploração económica da área total
de 158,024 ha prejudicando-se dessa forma o seu interesse económico.
A recorrente conclui: “Ora, a parcela dos presentes autos está precisamente
incluída nos 132.664 hectares nos quais a expropriada afirmou exercer a
actividade salineira”.
Esta conclusão tem apoio nos fundamentos da pretensão de expropriação total,
pois o que com ela visava a expropriada era que a expropriação inicial, não
mutilasse a sua exploração económica enquanto complexo produtivo que, se
amputado da parcela expropriada, deixaria de ter viabilidade económica.
A expropriação, como antes dissemos, está sujeita ao princípio da
proporcionalidade[1], com os integrantes sub-princípios de adequação,
necessidade, e proporcionalidade em sentido estrito, como logo decorre do art.
3º,nº1, do CE/91 aplicável ao caso em apreço;
“A expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim,
podendo, todavia, atender-se a exigências futuras, de acordo com um programa de
execução faseada…”.
A faculdade do expropriado requerer a expropriação total – cfr. também art. 53º
do CE, constituiu, no seu interesse que tem de ser fundamentado, uma excepção
àquele princípio, como decorre da redacção do nº 2 als. a) e b) – “Quando não
seja necessário expropriar mais de uma parte de um prédio, pode o proprietário
requerer a expropriação total: a) Se a parte restante não assegurar,
proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio; b) Se os
cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o
expropriante, determinado objectivamente”.
O facto de a recorrida colocar em causa a expropriação total, que ademais a
expropriante concedeu, exprime conduta contraditória sem causa justificativa
pelo que é abusiva do direito – art. 334º do Código Civil – não podendo ser
atendida, em salvaguarda dos princípios da boa-fé, dos bons costumes e do fim
económico e social do direito que pretendeu exercer.
Mas será que apesar de ter sido deferido o pedido de expropriação total isso
implicaria uma nova DUP?
Entendemos que não.
Desde logo, por não haver uma ablação forçada do direito expropriado, o que
retira o factor compulsivo e inexorável da expropriação fundada apenas no
interesse público reputado prevalente sobre o interesse privado; depois, porque
cumpre, em primeira linha à expropriante pronunciar-se no sentido de dar ou não
a sua concordância ao pedido – nº 2 do art. 53º do CE/91; finalmente, porque,
além de o pedido ser da iniciativa do particular expropriado, se a expropriação
total for concedida ela integra-se no âmbito da declaração expropriativa
inicial, que assim vê o seu campo alargado satisfazendo o interesse do
particular.
Se os prédios em relação aos quais se pretende a expropriação total se integram,
com o prédio inicialmente expropriado, numa unidade económica que sem a
expropriação total perderia a sua viabilidade económica, e se isso é reconhecido
pela expropriante, e a concordância com tal pedido não exorbita os seus poderes
de entidade expropriante enquanto concessionária, não carece a expropriante de
obter uma nova DUP para legitimar a “aquisição” desses prédios[2].
Assim, e porque se considera que a declaração expropriativa e o despacho de
adjudicação exarado na 1ª instância contemplam a parcela em causa, não pode
subsistir o Acórdão recorrido.
(...)”.
2.13 – É desse Acórdão que vem interposto, nos termos supra descritos, o
presente recurso de constitucionalidade, o qual, por se integrar no âmbito
normativo delimitado pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e atento o disposto no
artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a ser decidido nos termos que se
seguem.
3.1 – Como é consabido, constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC – em cuja
categoria se insere o interposto pelo recorrente, e como decorre dos mesmos
preceitos quando falam de aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo, mas que encontra igualmente tradução no n.º 2
do artigo 75º-A da LTC –, que a questão de inconstitucionalidade da norma
efectivamente aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida tenha sido
suscitada durante o processo.
O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este
Tribunal Constitucional. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que esse
requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita
em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de
esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”.
Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário
da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal
cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da
questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado. Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o
Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de
1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º
192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - sobre o
sentido de um tal requisito, cf. José Manuel Cardoso da Costa, «A jurisdição
constitucional em Portugal», separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso
Queiró, 2ª edição, Coimbra, 1992, p. 51).
É certo que nada impede que, ao invés de se suscitar a
inconstitucionalidade de um preceito legal se questione apenas um seu segmento
ou uma determinada dimensão normativa, contudo, para que se possa dar como
cumprido o ónus de suscitação de um problema de constitucionalidade, será sempre
necessário que o recorrente impute o vício da inconstitucionalidade, de forma
directa e imediata, a uma norma mediante a explicitação da dimensão normativa
que, no seu entendimento, viola a lei fundamental, não bastando para que possa
considerar-se suscitada uma questão de constitucionalidade a afirmação de que é
inconstitucional, qua tale, o entendimento sustentado por uma parte ou agente
processual.
Para tais efeitos, importa, pois, colocar o tribunal perante o dever de
apreciação da constitucionalidade de uma norma legal individualizada, havendo de
concretizar-se o sentido desse preceito de modo a que, no caso de vir a ser
julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos
de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito
ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual é o preceito e com que sentido
ele não deve ser aplicado por, desse modo, violar a Constituição.
Alem disso, se nada impede que, ao invés de se suscitar a inconstitucionalidade
de um preceito legal, se questione apenas um seu segmento ou uma determinada
dimensão normativa, será sempre necessário que a norma que se coloca à
apreciação do Tribunal Constitucional tenha sido, efectivamente, aplicada in
casu com a interpretação que se considerou inconstitucional perante o tribunal
recorrido – cf., nesse sentido, entre outros, o Acórdão n.º 139/95, publicado
nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º volume, 1995, o Acórdão n.º
197/97, publicado no Diário da República, IIª Série, n.º 299, de 29 de Dezembro
de 1998 e, mais recentemente, o Acórdão n.º 214/03, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt.
3.2 – Precipitando estes criteria sobre o caso sub judicio, torna-se patente que
o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do presente recurso.
Tal sucede porque a recorrente não suscitou perante o Tribunal a quo a
constitucionalidade dos preceitos sindicandos na exacta dimensão normativa com
que agora delimita o objecto do seu recurso, como se distrai do teor das
conclusões deduzidas junto do Supremo Tribunal de Justiça.
Aí, na parte circunstancialmente em causa, sustentou a recorrente que:
«15ª - Portanto, com os presentes autos – e os demais, como o acórdão que
anexou – a B., ao contrário do que tenta impingir, não está a dar execução a um
pedido de expropriação baseado no art. 3º nº 2 do Cód. das Expropriações, mas,
apenas, ao seu dever de expropriar todos e quaisquer imóveis, nas «Salinas do
Samouco», propriedade ou não da ora recorrida, identificados ou não por esta –
mas sim, e como diz na sua carta/decisão de 29.9.95, a cumprir a Base LXVIII.
16ª - Logo, a verdadeira questão em discussão neste recurso é e só pode
ser, saber-se se tal dever de expropriação pode ser cumprido sem DUP – questão
que, contudo, é expressamente respondida de modo negativo pelo teor da Base
XXVII, invocada no acórdão recorrido, como causa de procedência do agravo,
perante a factualidade que vinha provada.
17ª - Mesmo que assim não fosse, o disposto nos arts. 1º e 10º nºs 1 e 2
do Cód. das Exp., combinado com o disposto no art. 62º nº 2 e art. 1º do
Protocolo nº 1 adicional à CEDH determinaria, sempre, que não pode existir
expropriação litigiosa – como é o caso dos autos – sem o acto público
administrativo da respectiva DUP.
18ª - Na verdade, na falta de DUP, verificada factualmente pelo acórdão
recorrido, e sem o consentimento anterior, ou actual, da proprietária, não pode
esta ser privada, à força, deste direito de propriedade – pois, a sua natureza
de direito fundamental, face ao teor de arts. 62º e 17º da Constituição, e
1.308º do Cód. Civil determina que só nos casos tipificados na lei ele possa ser
ofendido, como decorre de art. 18º daquela Lei Fundamental.
19ª - De resto, a interpretação por analogia, ou outra técnica, do art. 3º
nº 2 do Cód. das Exp., invocada pela recorrente, não poderia ter sucesso, pois
viola, também, frontalmente o art. 1º do Protocolo nº 1, adicional à CEDH, bem
como aquelas disposições da Constituição – para além da própria Base XXVII, nºs
1 e 2 do regime jurídico da concessão, aprovado pelo DL 198/94.
20ª - Faltando a DUP ao processo expropriativo, a instância carece do seu
pressuposto processual, basilar, e inexiste causa (legal) de pedir, devendo
declarar-se extinta a instância, por impossibilidade legal – como bem se decidiu
no acórdão recorrido.»
Como se constata, do exposto não resulta suscitada a inconstitucionalidade da
norma do art. 3º, nº 2, do Código das Expropriações, interpretada no sentido
segundo o qual pode existir um processo de expropriação de um imóvel, e
respectiva avaliação e indemnização, substancialmente autónomos de uma alegada
expropriação «em conjunto [da] unidade económica interdependente», a qual, de
resto, não pode considerar-se contida numa remissão genérica e indiferenciada
para a posição da parte contrária.
Ademais, face aos fundamentos decisórios revelados pelo Supremo, transparece que
a referência ao conteúdo do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (constante
da nota mencionada pela recorrente) apenas releva de um plano ad ostentationem
já que, no caso presente, se entendeu de forma inquestionável que o pedido de
expropriação total formulado pela recorrente abrangia a parcela dos autos e que
tal pretensão visava “a expropriação de prédios que constituíam, no seu
entender, uma unidade económica integrada na parcela em questão”, sendo que tal
juízo, por importar do domínio aplicativo, se impõe a este Tribunal como um dado
aqui insindicável.
Por outro lado, igual conclusão impõe-se, mutatis mutandis, quanto à
“interpretação das Bases XXVII e LXVIII do contrato de concessão aprovado pelo
DL. n.º 198/94, combinado com o disposto no art. 1° e art. 10° nºs 1 e 2 do
CE/91, no sentido de que, estando o prédio destinado legalmente a ser
expropriado, o pedido idêntico da expropriada afasta a necessidade de declaração
de utilidade pública da expropriação, mesmo em processo litigioso”, por se
tratar de uma norma cuja inconstitucionalidade não foi suscitada durante o
processo.
Na verdade, do excurso argumentativo motivador da pretensão formulada junto do
Supremo resulta, com evidência, que a ora recorrente apenas controverteu a
hipótese de expropriação da parcela em causa sem declaração de utilidade pública
e sem o consentimento da expropriada, hipótese que foi expressis verbis afastada
por aquele Tribunal.
Ou seja, também aqui a recorrente não suscitou a constitucionalidade do critério
normativo no qual repousa a ratio decidendi do juízo recorrido.
4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente com 8 (oito) Ucs. de taxa de justiça.».
B – Fundamentação
5 – A argumentação da reclamação não logra abalar a bondade da
fundamentação da decisão reclamada.
Na verdade, como bem nota a reclamada, o acórdão recorrido não fez
uma interpretação do art.º 3.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991 e das
Bases XXVII e XLVIII do contrato de concessão aprovado pelo Decreto-Lei n.º
168/94, de 15 de Junho, no sentido de não ser necessária declaração de utilidade
pública e o consentimento da expropriada para a “expropriação de um imóvel, e
respectiva avaliação e indemnização, substancialmente autónomos de uma alegada
expropriação «em conjunto [da] unidade económica interdependente”.
O que o acórdão considerou foi que não era exigível uma nova
declaração de utilidade pública quando, como foi o caso, houvesse um pedido de
expropriação total dos prédios expropriados.
Assim sendo – repete-se – não constituiu ratio decidendi a norma
pretendida sindicar constitucionalmente pela reclamante.
Consequentemente, a reclamação não merece deferimento.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação e condenar a reclamante nas custas, fixando a taxa
de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 30 de Abril de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos
[1] Segundo Alves Correia, “deste princípio estrutural podem ser extraídas duas
consequências. A primeira é de que só é legítimo realizar uma expropriação
quando esta se apresentar como necessária, isto é, quando não for possível
atingir o fim público com outras soluções que, sob o ponto de vista jurídico ou
económico, possam substituir a expropriação, nomeadamente a utilização de meios
contratuais de direito privado. A segunda é a de que, recorrendo-se à
expropriação, deve utilizar-se aquele meio que menor dano cause ao particular” –
“As Garantias Do Particular na Expropriação Por Utilidade Pública, Coimbra”,
1982, pp. 116 e 117.
Refira-se, desde já, que não deixa de ser estranho que seja a própria
expropriada a colocar a questão e a defender que não pode existir expropriação,
quando é certo que foi ela quem a requereu, bem sabendo que o prédio em causa
(Misericórdia) não tinha sido objecto de expropriação parcial.
O que configura uma situação de abuso do direito, na modalidade de «venire
contra factum proprium», a implicar a ilegitimidade do seu exercício – (cfr. o
art.334°, do C.Civil).
De todo o modo, segundo cremos, atendendo ao elemento lógico e à ratio legis
(cfr. o art.9°, do C.Civil), é possível concluir que, em casos como o dos autos,
em que a expropriação das parcelas afectou, economicamente, não só os prédios
onde se inseriam, mas também os prédios vizinhos, pertencentes ao mesmo
proprietário, já que, uns e outros constituíam, em conjunto, uma unidade
económica interdependente, o proprietário tenha a faculdade de requerer a
expropriação total desses prédios, mesmo em relação àqueles que não foram
objecto de expropriação parcial.
Na verdade, o art.3°, n°2, pretende tutelar o interesse do proprietário,
estabelecendo como que uma indivisibilidade económica do imóvel, que se traduz
em a parte deste não expropriada seguir o destino da parte expropriada, a pedido
do expropriado.
Ora, essa indivisibilidade económica pode ocorrer, também, relativamente a mais
do que um prédio, e se a finalidade da lei é proteger o proprietário afectado
pela diminuição dos cómodos da parte não expropriada, resultante do
fraccionamento, dentro do seu destino económico efectivo, deve concluir-se,
logicamente, e a lei permite a expropriação total quer do prédio já parcialmente
expropriado, quer do prédio ou prédios que com aquele formem uma unidade
económica interdependente, ainda que não tenham sido objecto de expropriação
parcial. A tal conclusão também se poderá chegar, a nosso ver, através de uma
interpretação extensiva do preceito, se se entender que o legislador, ao
formular a norma, disse menos do que, efectivamente, pretendia dizer, havendo,
por isso, necessidade de estender as palavras da lei (cfr. o art. 11º do
C.Civil).
Assim sendo, a circunstância de faltar declaração de utilidade pública relativa
ao imóvel em causa – «Misericórdia» – não acarreta quaisquer consequências,
porquanto, o mesmo foi expropriado em virtude de ter sido deferido o pedido
feito pela expropriada nesse sentido.
Haverá, deste modo, que concluir que o despacho recorrido, proferido ao abrigo
do disposto no art.50°, n°4, que adjudicou ao expropriante a propriedade da
parcela n°119, identificada nos autos, não é ilegal, apesar de ter sido
proferido sem prévia audição da expropriada e de faltar declaração de utilidade
pública relativa ao imóvel”. No mesmo sentido decidiram os Acórdãos daquela
Relação de 23.1.2007 – fls. 1673 a 1710 – e de 13.3.2007 – fls. 1711 a 1720
verso.
[2] No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado pela recorrente e em caso
muito semelhantes entre as mesmas partes ponderou-se: “Constata-se, deste modo,
que, relativamente à marinha «Misericórdia» (parcela n°119), não houve
declaração de utilidade pública de expropriação parcial. Mas será que, por esse
motivo, não pode ter lugar a expropriação daquele prédio, a requerimento da
expropriada, com os fundamentos por esta invocados?