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Processo n.º 274/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. reclama do despacho do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu o seu
requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional.
Sustenta a sua reclamação invocando:
“(…) 2. O reclamante interpôs requerimento de recurso e motivação para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art. 70° nos. 1, al. b), 2 e 4
da Lei Sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
3. Fê-lo, relativamente a duas questões. A primeira, arguindo
‘inconstitucionalidade na questão do indeferimento de aclaração e correcção do
acórdão proferida por tribunal materialmente incompetente.’
4. A segunda, arguindo ‘Inconstitucionalidade na apreciação da matéria relativa
à restrição ilegal da publicidade da audiência de julgamento (recurso
interlocutório).’
5. O despacho ora em crise não admitiu o recurso, com o motivo abreviado de que
as questões nele suscitadas não foram conhecidas porque, no seu entendimento, o
recurso era inadmissível.
6. Mais acrescentando que, ‘... não tendo conhecido dessas questões, este
tribunal não aplicou as normas que o recorrente aponta como tendo sido alvo de
pretensa interpretação inconstitucional...’
7. E ainda, afirmando que o recorrente não ‘...suscitou durante o processo
qualquer inconstitucionalidade relacionada com a aplicação dessas normas...’
8. Ora, sucede que – bastando consultar os autos, para tal constatar com
facilidade – o arguido sempre sindicou a matéria relativa à restrição ilegal e
inconstitucional da audiência de julgamento, desde a primeira hora, a saber, na
própria acta da sessão da audiência do julgamento originário, em que a questão
foi arguida, seguida de despacho de indeferimento que deu origem ao recurso
interlocutório que subiu a final com os próprios autos e incluído no recurso
interposto do acórdão condenatório. E, sucessivamente, em todos os demais
recursos e reclamações ulteriores.
9. Da mesma forma que, sempre sindicou o arguido a questão relativa à ‘nulidade
insanável da decisão de aclaração... por incompetência material do tribunal que
a proferiu’...e a ‘inexistência jurídica, dado que a decisão produzida através
de despacho, nem sequer o foi por um qualquer dos juízes que formaram o tribunal
colectivo em sede de audiência de julgamento.’
10. A que se seguiu, nesta matéria a arguição em primeira instância, para o
Supremo Tribunal de Justiça de inconstitucionalidade da decisão do Tribunal da
Relação do Porto, que, nesta questão tratou o vício aduzido de ‘irrelevante’,
nos seguintes termos: ‘... inconstitucional porque aplicou efectivamente a
interpretação dos arts. 380.º n°1; 14° do CPP; 106° e 108°... da LOFTJ e 204° da
CRP conjugados na aceitação e como podendo ser, a aclaração...de um acórdão
apreciada e decidida por um só juiz que não entrou na composição do tribunal
..que procedeu ao julgamento.’
11. Questão que o STJ não conheceu, com a fundamentação de que ‘O facto da
questão ter sido apreciada no acórdão final da Relação não significa que ela não
seja uma questão autónoma, perfeitamente separável da decisão de mérito.’
12. Certo é pois, que o arguido reclamante, esgotou todas as vias normais de
recurso e reclamações para os tribunais judiciais, nestas duas questões, não
mais lhe restando do que defender o seu bem para o Tribunal Constitucional,
através do recurso que não foi admitido, pelo STJ, por meio do despacho aludido.
13. O que arrasta esta nova situação insólita de injustiça substancial e formal:
O STJ, através de despacho de um dos seus próprios juízes, impede o arguido de
se defender inviabilizando a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional,
com o argumento de que não admite porque as matérias suscitadas, para outro
tribunal, no seu entendimento não podiam por ele ser conhecidas; e com outro
argumento de que o arguido não suscitou os vícios de inconstitucionalidade no
decurso do processo. A que a defesa contrapõem com os autos que comprovam que
tal afirmação não é verdadeira.
14. Sendo que, em todo o caso, no modesto entendimento da defesa, sempre seria
ao Tribunal Constitucional e não, a um dos juízes do tribunal recorrido, a quem
incumbiria apreciar se, sim ou não, as questões suscitadas têm dignidade
constitucional, formal e substancial para poderem ser apreciadas e decididas.
15. Mas tal só é possível saber, se o recurso for admitido. Não o sendo, por
quem é ele próprio sindicado na decisão em que participou é, no mínimo,
diminuidor e impeditivo das garantias da defesa. O que se cristaliza em nova
inconstitucionalidade.
16. O que aqui e, desde já se argúi.”
2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“O segmento da decisão que o recorrente põe em causa diz respeito a duas
questões colocadas no recurso para este tribunal que não foram conhecidas, por
inadmissibilidade do recurso, nos termos dos arts. 400.°, n.° 1, alínea c),
414.°, n.°s 2 e 3, 419.°, n.º 4 e 420.°, n.° 1, todos do CPP vigente antes das
alterações introduzidas pela Lei n.° 48/2007, de 29 de Agosto. São elas a
questão relativa à decisão que indeferiu a reclamação referente ao acórdão da
1.ª instância e a questão do recurso interlocutório relativo à restrição da
publicidade da audiência.
Ora, não tendo conhecido dessas questões, este tribunal não aplicou as normas
que o recorrente aponta como tendo sido alvo de pretensa interpretação
inconstitucional e, por outro lado, o recorrente não invoca a
inconstitucionalidade das normas ou de uma sua interpretação que tivesse
redundado em violação de qualquer norma ou principio constitucional, com base
nas quais o recurso, nessa parte, não foi conhecido. Nem, aliás, suscitou
durante o processo qualquer inconstitucionalidade relacionada com a aplicação
dessas normas, sendo certo que a solução consagrada (de não conhecimento do
recurso) corresponde a jurisprudência perfeitamente solidificada neste Supremo
Tribunal.
Acresce que, ao referir a omissão de pronúncia por parte deste Tribunal das
inconstitucionalidades suscitadas a propósito das referidas questões, o
recorrente está em bom rigor a arguir uma pretensa nulidade da decisão que não
cabe no âmbito de competência do Tribunal Constitucional, que não é mais uma
instância de recurso das decisões judiciais.
Assim, pelo exposto, não admito o recurso interposto.”
3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, junto deste Tribunal, sustentou a manifesta
improcedência da reclamação deduzida.
Decidindo.
II – Fundamentação
4. A reclamação em apreço é manifestamente improcedente.
4.1. Em primeiro lugar, o Reclamante nem sequer colocou ao Tribunal
Constitucional qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Como resulta do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e do artigo
70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para que se possa
lançar mão do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ali
previsto, é necessário que ocorra suscitação de questão de inconstitucionalidade
normativa, não cabendo a este Tribunal apreciar a conformidade da decisão
recorrida nem, de qualquer outro modo, sindicar as decisões proferidas por
outros tribunais.
Assim, o objecto do recurso de constitucionalidade apenas poderá incidir sobre a
apreciação, à luz das regras jurídico-constitucionais, de um juízo normativo
efectuado pelo tribunal recorrido. Este pressuposto constitui o traço distintivo
do sistema português de fiscalização da constitucionalidade face a outros
modelos como o da queixa constitucional ou recurso de amparo. O Tribunal
Constitucional aprecia normas ou interpretações de normas – a sua actuação não
versa as decisões dos outros tribunais.
A suscitação de questão de constitucionalidade dita normativa, apta a
adequadamente convocar a pronúncia do Tribunal Constitucional implica que “a
parte identifique expressamente [ess]a intepretação ou dimensão normativa, em
termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder
enunciar na decisão, de modo a que os respectivos destinatários e os operadores
do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal
sentido.” (Lopes do Rego, O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta
da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004,
p. 8).
4.2. Por outro lado, e ao invés do que lhe competia, o Reclamante não invocou,
durante o processo, qualquer questão de constitucionalidade normativa de modo a
adequadamente suscitar a pronúncia deste Tribunal Constitucional. Pelo
contrário, e como se depreende de transcrições colhidas no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade, as desconformidades invocadas
vêm imputadas à própria decisão judicial (podendo ler-se, por exemplo, os
seguintes trechos elucidativos da estratégia processual utilizada: “Devendo o
Acórdão, ser declarado inconstitucional (…)”; “inconstitucionalidade na questão
do indeferimento de aclaração e correcção do acórdão”; “o acórdão está ferido de
inconstitucionalidade”; “inconstitucionalidade na apreciação da matéria relativa
à restrição ilegal da publicidade da audiência de julgamento”; etc.).
4.3. Verifica-se igualmente a ausência de outro pressuposto processual que obsta
ao conhecimento do recurso e, consequentemente, à procedência da reclamação em
análise. É que, para que o Tribunal Constitucional se possa debruçar sobre os
recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, é necessário ainda que
o juízo atinente à norma ou normas em questão tenha sido aplicado como ratio
decidendi pela decisão recorrida. Só assim a pronúncia sobre a questão de
constitucionalidade suscitada, atento o seu carácter instrumental, se revestirá
de utilidade nos autos.
A ratio decidendi do acórdão recorrido assenta no artigo 400.º, n.º 1, alínea
c), do Código de Processo Penal, na medida em que não admite o recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação
que não ponham termo à causa. Deste modo, todas as questões processuais que o
Reclamante autonomizou no requerimento de interposição são manifestamente
alheias ao fundamento decisivo do acórdão impugnado que, na parte que ora
releva, assentou exclusivamente na citada norma do Código de Processo Penal.
Assim, não estando colocada qualquer questão de constitucionalidade normativa e
não tendo ocorrido a suscitação de questão de constitucionalidade atinente a
juízo normativo que tenha sido aplicado como ratio decidendi no Acórdão
recorrido, conclui-se pela improcedência da reclamação.
III – Decisão
5. Em face ao exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo Reclamante, fixadas em vinte (20) UCs.
Lisboa, 27 de Março de 2008
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos