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Processo n.º 3/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrido Conselho Superior da Magistratura, a Relatora proferiu
a seguinte decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Conselho Superior
de Magistratura, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea
b) da CRP e do artigo 70º, n.º 1, alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, proferido em 27 de Novembro de 2007 (fls. 111 a 118), para
efeitos de apreciação da “inconstitucionalidade orgânica e material dos artigos
111º, n.º 2 e 118º, n.º 2 do Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto”, na medida em que “tais artigos violam
o disposto no art. 218º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, na parte
em que permitem a apreciação do mérito profissional de um técnico de justiça
(funcionário judicial) pelo Conselho Superior do Ministério Público e o diploma
em que se inserem entra em contradição com a lei que regulamentam (Lei n.º 3/99
de 13 de Janeiro)” (fls. 122).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Antes de mais nada, importa esclarecer que este Tribunal apenas apreciará a
questão relativa à inconstitucionalidade das normas, mas não já a questão da
eventual ilegalidade das mesmas, adiantada pelo recorrente na parte final da
transcrição que se fez supra. A invocação de uma contradição entre o regime
fixado pelo Decreto-Lei n.º 343/99 e os comandos normativos extraídos da Lei n.º
3/99 configuraria uma situação de pretensa “ilegalidade” e não de
“inconstitucionalidade directa”, pelo que este Tribunal só podia dela conhecer
se o recorrente tivesse interposto recurso ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC, o que não aconteceu.
3. Quanto à questão de inconstitucionalidade que o recorrente pretende ver
apreciada, frisa-se que o recorrente pretende ver apreciada a
constitucionalidade das normas constantes dos artigos 111º, n.º 2 e 118º, n.º 2
“do Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99 de
26 de Agosto” (fls. 122). A partir da leitura literal do requerimento de
recurso, concluir-se-ia que aquele pretende que sejam apreciadas normas que, ou
não existiam à data do originário Estatuto – veja-se que o originário artigo
111º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99 nem sequer dispunha de um
n.º 2 – ou remetiam para o Conselho de Oficiais de Justiça a competência para
apreciar recursos hierárquicos – ver a redacção originária do artigo 118º, n.º
2.
Ainda que uma leitura estritamente objectiva do recurso apresentado pudesse
mesmo conduzir ao seu não conhecimento, justificado pela não aplicação efectiva
daquelas normas pela decisão recorrida, entende a Relatora – até porque todos os
elementos dos autos recorridos apontam nesse sentido – que o recorrente
pretendeu referir-se à redacção ora vigente do Estatuto dos Funcionários
Judiciais, de acordo com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º
96/2002, de 12 de Abril.
4. Feito este esclarecimento, deve notar-se que a questão de
inconstitucionalidade colocada já foi, por diversas vezes, apreciada por este
Tribunal (ver os Acórdãos n.ºs 299/05, de 07 de Junho de 2005, e 114/06, de 08
de Fevereiro de 2006, ambos disponíveis in
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), que teve oportunidade de
concluir, sem oscilações, pela não inconstitucionalidade das normas em causa.
Aliás, conforme esclarecido pelo próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/2002, a
redacção ora vigente dos artigos 111º, n.º 2 e 118º, n.º 2 do Estatuto dos
Funcionários Judiciais decorreu precisamente da declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral de várias normas do referido
regime jurídico por, atribuindo competências exclusivas ao Conselho dos Oficiais
de Justiça, violarem o artigo 218º, n.º 3 da CRP. Através desse Acórdão n.º
73/02, de 20 de Fevereiro, o Tribunal Constitucional teve oportunidade de
reafirmar, mediante declaração com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade de normas que não acautelassem o poder,
constitucionalmente atribuído, do Conselho Superior de Magistratura para
controlo do mérito profissional e para exercício de poder disciplinar sobre os
funcionários adstritos aos tribunais judiciais:
“(…) a norma do n.º 3 do (actual) artigo 218º da Constituição da República
Portuguesa é, efectivamente, o parâmetro de aferição da constitucionalidade das
normas infra-constitucionais que criam o Conselho dos Oficiais de Justiça e
fixam a respectiva competência.
Da norma do n.º 3 do (actual) artigo 218º da Constituição decorre,
indiscutivelmente, a competência do Conselho Superior da Magistratura em
matérias relacionadas com a apreciação do mérito profissional e com o exercício
da função disciplinar relativamente aos funcionários de justiça.
Perante essa norma, não é portanto constitucionalmente admissível que a lei
ordinária exclua de todo a competência do Conselho Superior da Magistratura para
se pronunciar sobre tais matérias.
O que vale por dizer que são materialmente inconstitucionais as normas agora em
análise, que atribuem ao Conselho dos Oficiais de Justiça a competência para
apreciar o mérito profissional e para exercer a função disciplinar relativamente
aos funcionários de justiça, excluindo, por completo, neste domínio, qualquer
competência do CSM.
Não existem razões para que o Tribunal Constitucional se afaste destas
conclusões.”
Conforme já antecipado, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 96/2002
visaram, nas palavras do próprio preâmbulo daquele diploma legal “a necessidade
de evitar, neste contexto, uma situação de profunda instabilidade e insegurança,
impõe a imediata redefinição de competências quanto à apreciação do mérito
profissional e ao exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de Justiça,
que vem sendo exercida pelo Conselho dos Oficiais de justiça, por forma que
estas percam a actual natureza de competências exclusivas e admitam, em qualquer
caso, uma decisão final do conselho superior competente de acordo com o quadro
de pessoal que integram.”
Resta, pois, a questão de saber se a nova redacção do n.º 2 do artigo 111º e do
n.º 2 do artigo 118º do Estatuto dos Funcionários Judiciais respeita o artigo
218º, n.º 3 da Lei Fundamental. Atente-se então nos enunciados legais em causa:
“Artigo 111º
(…)
2 - O Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais
Administrativos e Fiscais e o Conselho Superior do Ministério Público, consoante
os casos, têm o poder de avocar bem como o poder de revogar as deliberações do
Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do disposto na alínea a)
do número anterior.”
“Artigo 118º
(…)
2 — Das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do
disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 111º bem como das decisões dos
presidentes dos tribunais proferidas ao abrigo do nº 2 do artigo 68º, cabe
recurso, consoante os casos, para o Conselho Superior da Magistratura, para o
Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou para o Conselho
Superior do Ministério Público, a interpor no prazo de 20 dias úteis.”
Ora, como já se disse, existe jurisprudência consolidada neste Tribunal quanto a
saber se o n.º 3 do artigo 218º, (que permite – mas não impõe, note-se – que o
legislador ordinário preveja a participação de funcionários de justiça no
Conselho Superior de Magistratura, mediante escolha electiva dos respectivos
pares, para efeitos exclusivos de discussão e votação de questões relativas à
apreciação do mérito profissional e ao exercício de poder disciplinar sobre os
funcionários de justiça) exige que os recursos hierárquicos interpostos por
funcionários de justiça ao serviço do Ministério Público tenham que ser
apresentados ao Conselho Superior da Magistratura e não ao Conselho Superior do
Ministério Público. Essa jurisprudência, tem-se pronunciado pela não
inconstitucionalidade das normas que são objecto do presente recurso, por não
serem incompatíveis com o n.º 3 do artigo 218º da CRP, quando estejam em causa
funcionários adstritos aos serviços do Ministério Público e impliquem a
competência do Conselho Superior do Ministério Público para apreciar dos
respectivos recursos hierárquicos.
Atento o caso concreto em apreço nestes autos, em que o recorrente é Técnico de
Justiça Adjunto, em exercício nos Serviços do Ministério Público junto do
Tribunal de Vila Nova de Cerveira, entende-se não haver quaisquer motivos para
alteração do sentido daquela jurisprudência que se acompanha integralmente e se
reitera:
“Nos recursos que, posteriormente à entrada em vigor do Decreto‑Lei n.º 96/2002,
têm sido apreciados por este Tribunal – estando em todos eles em causa
funcionários adstritos ao serviços dos tribunais judiciais (que não funcionários
dos serviços do Ministério Público ou dos tribunais administrativos e fiscais)
–, tem sido uniforme e pacificamente entendido que a concessão dos referidos
poderes de avocação e de revogação “permite concluir que a última palavra em
matéria disciplinar, no que respeita aos funcionários de justiça, cabe ao
Conselho Superior da Magistratura”, pelo que deixou de ser possível “continuar a
entender que as normas que atribuem competência em matéria disciplinar ao
Conselho dos Oficiais de Justiça, neste contexto, infringem o disposto no n.º 3
do artigo 118.º da Constituição”, já que “não se encontra nesse preceito, nem a
proibição de conferir tal competência em especial ao Conselho dos Oficiais de
Justiça, nem a reserva exclusiva ao Conselho Superior da Magistratura do
exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça”, como se escreveu
no Acórdão n.º 378/2002, da 3.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
54.º vol., pág. 307), cuja doutrina foi reiterada no Acórdão n.º 131/2004, da
1.ª Secção (Diário da República, II Série, n.º 129, de 2 de Junho de 2004, pág.
8542), e no Acórdão n.º 721/2004, da 2.ª Secção (disponível, tal como todos os
anteriormente citados, em www.tribunalconstitucional.pt) e nas Decisões Sumárias
n.ºs 42/2004 e 158/2005.
2.2. Recordada a anterior jurisprudência do Tribunal
Constitucional sobre a problemática da atribuição de competência ao COJ para
apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar relativamente aos
funcionários de justiça, cumpre analisar o caso objecto do presente recurso que
tem a especificidade de, pela primeira vez, versar sobre a constitucionalidade
da atribuição ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) de competência
para conhecer dos recursos das deliberações do COJ naquelas matérias quando
estejam em causa funcionários dos serviços do Ministério Público.
Não se pode ignorar que, no citado Acórdão n.º 73/2002, face à argumentação
desenvolvida na resposta do Primeiro‑Ministro e assim sintetizada:
“- a apreciação do mérito profissional e o exercício da acção disciplinar sobre
os oficiais de justiça não tem qualquer relação com a necessidade de garantir a
independência dos tribunais: na verdade, se exercem a sua actividade nestes
últimos, não se pode dizer que exerçam a «função judicial», já que, se assim
fosse, haveriam de valer quanto a eles as garantias de independência e as
incompatibilidades aplicáveis aos magistrados. Trata‑se, sim, de funcionários
públicos, sobre os quais compete [recte, competiria] ao Governo, se a legislação
ordinária assim o determinar, exercer os poderes inerentes à hierarquia
administrativa. Aliás, a entender‑se que «as garantias de independência e
imparcialidade dos juízes» postulam a competência do CSM para aquela matéria,
então a Constituição teria esquecido a situação dos oficiais de justiça
adstritos aos magistrados do Ministério Público e aos magistrados judiciais dos
Tribunais Administrativos e Fiscais, sendo que a declaração de
inconstitucionalidade das normas em apreço suscita a questão de saber qual o
órgão que aprecia o mérito profissional e exerce a acção disciplinar sobre eles
(e, nomeadamente se tal competência deve considerar‑se atribuída,
respectivamente, ao Conselho Superior do Ministério Público e ao Conselho
Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais).”,
o Tribunal retorquiu do seguinte jeito:
“E não se vê que a argumentação aduzida na resposta do Primeiro‑Ministro (supra,
2.) seja de molde a impor a mudança da orientação do Tribunal Constitucional,
quer porque a interpretação do artigo 218.º, n.º 3, da Constituição, que nessa
resposta se propugna, foi, e é agora uma vez mais, afastada por este Tribunal,
quer porque no julgamento de inconstitucionalidade que este Tribunal fez, e
agora reitera, sobre as normas em causa não se fundamentou a competência do
Conselho Superior da Magistratura para a apreciação do mérito e para o exercício
do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça no princípio da independência
dos tribunais, apenas se explicou tal solução por recurso a esse princípio. Não
procedem assim também as observações que complementam o segundo argumento da
resposta do Primeiro-Ministro, relativas à apreciação do mérito e ao exercício
da disciplina sobre os funcionários adstritos ao Ministério Público e aos
tribunais administrativos, sendo certo, aliás, que tais funcionários não
integram quaisquer quadros próprios, mas justamente o quadro comum dos
«funcionários de justiça».”
Este entendimento, como logo de seguida se refere no citado Acórdão, dizia
respeito aos preceitos do Decreto‑Lei de 1987, embora depois se tenha entendido
que os mesmos eram transponíveis para os preceitos do Estatuto de 1999.
Há, no entanto, que reconhecer que um dos objectivos do Decreto‑Lei n.º 376/87,
como expressamente se refere no respectivo preâmbulo, foi o de “criar um quadro
próprio de funcionários do Ministério Público visando dar resposta às novas
tarefas que lhe são cometidas pelo novo Código de Processo Penal”. O artigo 2.º,
n.º 1, desse diploma previa a existência de quadros separados de pessoal dos
serviços judiciais e de pessoal dos serviços do Ministério Público, separação
retomada no artigo 28.º. No grupo de pessoal oficial de justiça previam-se duas
carreiras distintas, integradas por diversas categorias: a carreira judicial,
integrada pelas categorias de secretário judicial, escrivão de direito,
escrivão‑adjunto e escriturário judicial; e a carreira do Ministério Público,
integrada pelas categorias de secretário técnico, técnico de justiça principal,
técnico de justiça‑adjunto e técnico de justiça auxiliar (artigo 31.º). E se,
nalguns casos, o acesso a certas categorias de uma carreira era aberto a pessoal
da outra carreira, noutros casos tal não era possível: às categorias de escrivão
de direito e de técnico de justiça só podiam aceder, por promoção,
respectivamente, escrivães‑adjuntos e técnicos de justiça-adjuntos (artigos
51.º, n.º 1, e 53.º, n.º 1). Estas diferenciações foram substancialmente
mantidas no Estatuto de 1999, que continuou a prever quadros separados de
“pessoal de secretarias de tribunais” e de “pessoal dos serviços do Ministério
Público” (artigo 1.º), e, dentro do grupo de pessoal oficial de justiça,
carreiras distintas – carreira judicial e carreira dos serviços do Ministério
Público –, integradas por categorias específicas de cada uma delas (artigo 3.º).
Do ponto de vista constitucional, há ainda que atentar em que o Ministério
Público, que “goza de estatuto próprio e de autonomia” (n.º 2 do artigo 219.º),
tem como órgão superior a Procuradoria‑Geral da República (n.º 1 do artigo
220.º), que compreende o Conselho Superior do Ministério Público (n.º 2 do
artigo 220.º), e à qual compete a nomeação, colocação, transferência e promoção
dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar (n.º 5 do
artigo 219.º). Similarmente, no que concerne aos tribunais administrativos e
fiscais, cuja existência como jurisdição obrigatória (e não meramente
facultativa) e separada da jurisdição dos tribunais judiciais foi consagrada
pela revisão constitucional de 1989 (artigo 214.º, hoje artigo 213.º), o artigo
217.º, n.º 2, comete ao respectivo conselho superior (o Conselho Superior dos
Tribunais Administrativos e Fiscais) a nomeação, colocação, transferência e
promoção dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais e o exercício da
acção disciplinar.
Não prevê, assim, a Constituição um órgão unitário para o exercício das tarefas
de nomeação, colocação, transferência, promoção, avaliação do mérito disciplinar
e exercício do poder disciplinar relativamente às diversas categorias de
magistrados: tais tarefas são exercidas pelo CSM quando aos “juízes dos
tribunais judiciais” (artigo 217.º, n.º 1, da CRP), pelo CSTAF quando aos
“juízes dos tribunais administrativos e fiscais” (artigo 217.º, n.º 2, da CRP),
e pela Procuradoria‑Geral da República (que compreende o CSMP) quanto aos
“agentes do Ministério Público” (artigo 219.º, n.º 5, da CRP).
Em face destes elementos constitucionalmente relevantes, há que tomar posição
quanto ao caso dos autos.
Para quem (como é, designadamente, o caso do ora relator) adira à posição
expressa nos aludidos votos de vencido apostos aos Acórdãos n.º 145/2000,
159/2001, 244/2001, 285/2001 e 73/2002, entendendo que a definição
constitucionalmente impostergável da competência do CSM é apenas a que consta do
n.º 1 do artigo 217.º da CRP (“a nomeação, a colocação, a transferência e a
promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar”
sobre esses mesmos juízes) e que o artigo 218.º, n.º 3, visou tão‑só legitimar a
integração de funcionários de justiça naquele órgão se e quando a lei ordinária
alargasse a competência do CSM à apreciação do mérito profissional e ao
exercício do poder disciplinar sobre os funcionários de justiça, é óbvio que
nenhuma inconstitucionalidade por violação deste última norma existe com a
atribuição ao CSMP de competência para conhecer dos recursos interpostos de
deliberações do COJ que apreciem o mérito profissional e exerçam a acção
disciplinar relativamente aos oficiais de justiça pertencentes aos quadros de
pessoal dos serviços do Ministério Público.
Mas mesmo quem adira à corrente jurisprudencial maioritária do Tribunal
Constitucional, que culminou no Acórdão n.º 73/2002, chegará à mesma conclusão,
atendendo a que esses juízos de inconstitucionalidade tiveram por justificação a
necessidade de assegurar a independência dos tribunais – naturalmente, dos
tribunais judiciais, únicos sob a égide do CSM. Recuperando formulações do
Acórdão n.º 145/2000, foi para colocar “os juízes dos tribunais judiciais
[sublinhado acrescentado] (...) a coberto de ingerências do Governo e da
Administração” que “a Constituição criou um órgão próprio de governo da
magistratura judicial [sublinhado acrescentado] – o Conselho Superior da
Magistratura –, que passou a ter como função essencial a gestão e a disciplina”
daqueles magistrados, ficando “proibida toda a intervenção externa directa na
nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes, bem como na respectiva
disciplina” e que “é ainda esta necessidade e finalidade de garantir a
independência dos tribunais da forma mais completa possível que vem justificar
que ao Conselho Superior da Magistratura seja também atribuída a competência
para decidir as matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao
exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça”, pois “não
pode deixar de se considerar que os funcionários de justiça também fazem parte
da estrutura dos tribunais; e, por isso, são elementos fundamentais para a
realização prática da garantia constitucional da respectiva independência”. Esta
justificação vale de pleno para os funcionários de justiça que coadjuvam os
magistrados judiciais, mas já não para os funcionários que coadjuvam os
magistrados do Ministério Público, actualmente integrados em quadro distinto do
daqueles.
Importa recordar que a Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Lei Orgânica do
Ministério Público) – à semelhança do que então ocorria com o CSM relativamente
aos funcionários dos tribunais judiciais –, previa que o CSMP exercesse
jurisdição sobre os funcionários de justiça do Ministério Público (artigo 14.º,
n.º 2), conferindo‑lhe competência para apreciar o mérito profissional e exercer
a acção disciplinar relativamente aos funcionários de justiça do Ministério
Público (artigo 24.º, alínea b)), integrando o CSMP, com intervenção restrita a
estas matérias, dois funcionários de justiça eleitos pelos seus pares (artigo
14.º, n.º 4).
Essa competência do CSMP foi extinta com a criação do COJ e a atribuição a este
órgão de competência exclusiva para apreciar o mérito profissional e exercer a
acção disciplinar sobre os funcionários de justiça, quer estivessem integrados
nas secretarias dos tribunais judiciais, quer nos serviços do Ministério
Público. Com a declaração de inconstitucionalidade das normas que procediam a
essa atribuição, feita pelo Acórdão n.º 73/2002, e com a subsequente publicação
do Decreto‑Lei n.º 96/2002, foi assegurada a intervenção do órgão superior do
Ministério Público sempre que estejam em causa funcionários afectos aos serviços
do Ministério Público (tal como foi assegurada a intervenção do CSTAF quando
estiverem em causa funcionários dos tribunais administrativos e fiscais).
Trata‑se de solução que, não sendo constitucionalmente imposta, também não é
constitucionalmente proibida.
A este último respeito, importa recordar que no preâmbulo do Decreto‑Lei n.º
926/76, de 31 de Dezembro (Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura),
que pela primeira vez atribuiu ao órgão de gestão da magistratura judicial
competência para apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar
sobre os funcionários de justiça, se manifestaram dúvidas sobre a
constitucionalidade desta solução, por eventual invasão da competência do
Governo, ao afirmar‑se: “... em obediência ao facto de o Governo ser o órgão
superior da Administração Pública (artigo 185.º da Constituição) e de, nessa
qualidade, lhe competir a prática de todos os actos exigidos pela lei
respeitantes aos funcionários e agentes do Estado (alínea e) do artigo 202.º),
manteve‑se na órbita do Executivo a gestão dos funcionários de justiça. Abriu‑se
tão‑só uma excepção para a respectiva acção disciplinar [e apreciação do mérito
profissional] por óbvias razões de eficiência e por se ter entendido que não
contraria frontalmente a letra do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição. Não
deixa a excepção, no entanto, de justificar algumas dúvidas”.
Entende‑se, no entanto, que dos actuais artigos 182.º e 199.º, alínea e), da CRP
não resulta a impossibilidade de, relativamente a certas categorias de
funcionários (como os funcionários que coadjuvam os magistrados do Ministério
Público), alguns actos administrativos a eles respeitantes serem retirados da
competência directa do Governo, quer por razões de eficiência, quer por se
entender que assim melhor se tutelam valores constitucionalmente relevantes,
como a autonomia do Ministério Público. E igualmente os artigos 219.º, n.ºs 2 e
5, e 220.º, n.ºs 1 e 2, da CRP não impõem, mas também não proíbem o legislador
ordinário de prever alguma intervenção do CSMP em actos relativos a funcionários
que coadjuvam os respectivos magistrados. E, por último, também o artigo 218.º,
n.º 3, da CRP, atenta a justificação subjacente à jurisprudência que culminou no
Acórdão n.º 73/2002, não impõe a intervenção do CSM na apreciação do mérito
profissional e no exercício da acção disciplinar relativamente aos funcionários
dos serviços do Ministério Público. Em suma: cabendo ao CSM a função de
assegurar a independência de funcionamento dos tribunais judiciais, mas já não a
dos tribunais administrativos e fiscais, nem a autonomia do Ministério Público,
compreende‑se que se sustente, como o fez a apontada jurisprudência maioritária
do Tribunal Constitucional, que não seja irrelevante a exclusão total da
intervenção do CSM na avaliação profissional e disciplinar dos funcionários de
justiça que coadjuvam os juízes dos tribunais judiciais no exercício das
respectivas funções jurisdicionais, funcionários que se encontram na dependência
funcional desses juízes. Mas resultando do quadro constitucional vigente que a
independência dos tribunais judiciais não exige a colocação dos magistrados do
Ministério Público sob a égide do CSM, solução afastada pelo artigo 219.º, n.º
5, da CRP, não pode considerar‑se constitucionalmente imposta, em nome do
asseguramento da independência dos tribunais, a intervenção do CSM na avaliação
profissional e disciplinar de funcionários de justiça colocados na dependência
funcional de magistrados (os magistrados do Ministério Público) absolutamente
imunes à intervenção daquele Conselho.
Trata‑se, pois, de campo em que, quanto aos funcionários dos serviços do
Ministério Público, ao legislador ordinário era consentida a opção entre várias
soluções, constitucionalmente admissíveis, uma das quais foi a consagrada nas
normas ora questionadas.” (ver Acórdão n.º 299/05, de 07 de Junho de 2005,
disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/)
Deste modo, por constituir “questão simples”, para os efeitos previstos no n.º 1
do artigo 78º-A da LTC, decide-se proferir decisão sumária que, remetendo para a
fundamentação constante do Acórdão n.º 299/05, de 07 de Junho (posteriormente
acompanhado pelo Acórdão n.º 114/06, de 08 de Fevereiro de 2006), julgando-se
não inconstitucionais as normas aplicadas pela decisão recorrida, no caso
concreto dos autos recorridos, em que recorrente é Técnico de Justiça Adjunto,
em exercício nos Serviços do Ministério junto do Tribunal de Vila Nova de
Cerveira.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, e pelos fundamentos constantes dos Acórdãos n.º 299/05, de 07 de
Junho e n.º 114/06, de 08 de Fevereiro de 2006, decide-se negar provimento ao
recurso interposto.´
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos
termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.»
2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência,
contra a improcedência do recurso, com os seguintes fundamentos:
«1. Nos presentes autos foi proferida decisão sumária, por se entender que este
Tribunal já “teve oportunidade de concluir, sem oscilações, pela não
inconstitucionalidade das normas em causa”.
2. Nesta mesma decisão é ainda acrescentado que o Decreto-Lei n.º 96/2002 visou
repor a constitucionalidade no Estatuto dos Funcionários Judiciais ao permitir
uma decisão final do conselho superior competente de acordo com o pessoal que
integram.
3. Ora, o que o Recorrente entende é que esse alargamento extravasa o âmbito
constitucional, na medida em que atribui competências aos diversos Conselhos
Superiores quando a Constituição apenas aborda a questão do Conselho Superior da
Magistratura.
4. E a argumentação expendida a fls. 5 e 6 da douta decisão sumária ora
reclamada, especialmente na parte em que remete para Acórdãos anteriores,
refere-se á anterior questão da inconstitucionalidade suscitada dos artigos 111º
e 118º. do Estatuto dos Funcionários Judiciais.
5. Ou seja, se apenas o Conselho dos Oficiais de Justiça poderia apreciar o
mérito e exercer o poder disciplinar sobre os funcionários judiciais em
exclusividade ou se outro Conselho o poderia fazer.
6. Nesse sentido é referido no ponto 2.1 “já que“ não se encontra nesse preceito
nem a proibição de conferir tal competência em especial ao Conselho dos Oficiais
de Justiça, nem a reserva exclusiva ao Conselho Superior da Magistratura do
exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça”.
7. Assim, quando nesse Acórdão se falou em reserva exclusiva ao Conselho
Superior da Magistratura é em confronto com o Conselho dos Oficiais de Justiça,
e não em confronto com outros Conselhos Superiores, até porque esse era o
problema que se colocava na altura.
8. Por outro lado, a decisão ora reclamada admite que “cumpre analisar o caso
objecto do presente recurso que tem a especificidade de, pela primeira vez,
versar sobre a constitucionalidade da atribuição ao Conselho Superior do
Ministério Público de competência para conhecer dos recursos das deliberações do
COJ naquelas matérias quando estejam em causa funcionários dos serviços do
Ministério Público” - ponto 2.2.
9. Ou seja, trata-se de uma questão nova a analisar.
10. Apesar de os fundamentos serem retirados de outros Acórdãos relativos a
questões em que não se discutia a mesma questão.
11. Sendo por isso injusto que o Recorrente fique impossibilitado de apresentar
alegações.
12. Por outro lado a fls. 7 da decisão ora reclamada, é citado novo acórdão em
que se refere o seguinte:
“Não procedem assim também as observações que complementam o segundo argumento
da resposta do Primeiro-Ministro, relativas á apreciação do mérito e ao
exercício da disciplina sobre os funcionários adstritos ao Ministério Público e
aos tribunais administrativos, sendo certo, aliás, que tais funcionários não
integram quaisquer quadros próprios, mas justamente o quadro comum dos
funcionários de justiça”.
13. Ora, se todos integram o quadro comum, se o artigo 218º nº 3 da Constituição
faz referencia aos funcionários de justiça sem fazer distinções (judiciais, do
ministério público, dos tribunais administrativos), porque devem ser Conselhos
Superiores diferentes a apreciar situações iguais mas relativas a funcionários
de serviços diferentes?
14. Quando a única competência que aparece consagrada na Constituição é do
Conselho Superior da Magistratura, sendo a lei omissa neste aspecto.
15. E quando a alteração ao Estatuto dos Funcionários Judiciais é um mero
decreto-lei sem qualquer lei autorizativa prévia.
16. Por outro lado, é da competência da Assembleia da República (ainda que em
reserva relativa) a definição e alteração do Estatuto dos Magistrados do
Ministério Público.
17. Pelo que não pode ser um mero Decreto-Lei a atribuir competências novas a um
Conselho Superior como acontece com o Decreto-lei nº 96/2992 de 12 de Abril
18. Nem basta dizer que a lei já estabeleceu em tempos que o Conselho Superior
do Ministério Público teve tais competências e que elas foram repristinadas.
19. Até porque se tal tivesse ocorrido, teria de ser uma lei, ou um decreto-lei
resultante de lei de autorização a inclui-las no estatuto próprio ou noutro
análogo.
20. O que não ocorreu no presente caso, visto que um mero decreto-lei decidiu
atribuir competências a vários Conselhos Superiores (se bem que o Conselho
Superior da Magistratura esteja legitimado constitucionalmente).
21. Pelo que, segundo o aqui Recorrente, o legislador não seguiu uma opção
constitucional ao atribuir competências ao Conselho Superior do Ministério
Público para apreciar o mérito e exercer a acção disciplinar sobre os seus
funcionários.
22. Por outro lado, o Recorrente foi alvo de um processo disciplinar que
culminou com a aplicação de uma pena de aposentação compulsiva (uma das mais
gravosas) que implica o seu afastamento da função pública.
23. Assim, com a presente reclamação e por se tratar de uma questão nova (ainda
que a nível de fundamentação se esteja a utilizar argumentos de outros
acórdãos), entende o recorrente ter direito a ser notificado para apresentar
alegações que sustentem a sua posição.»
3. Notificado da reclamação, o recorrido deixou expirar o prazo para resposta
sem que viesse aos autos pronunciar-se.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. O principal fundamento da reclamação resulta de um inequívoco erro de
compreensão do teor da decisão reclamada. No § 8, o reclamante labora em erro
quando afirma que a decisão reclamada admitiu estar perante uma questão nova, o
que inviabilizaria a prolação de decisão sumária ao abrigo do n.º 1 do artigo
78º-A da LTC. Ora, se bem lida, resulta da decisão sumária que o trecho “cumpre
analisar o caso objecto do presente recurso que tem a especificidade de, pela
primeira vez, versar sobre a constitucionalidade da atribuição ao Conselho
Superior do Ministério Público (CSMP) de competência para conhecer dos recursos
das deliberações do COJ naquelas matérias quando estejam em causa funcionários
dos serviços do Ministério Público” constitui uma mera reprodução do Acórdão n.º
299/05, de 07 de Junho de 2005, que poderia ter sido consultado pelo reclamante
online. Aliás, o referido trecho encontra-se transcrito, sob o formato itálico e
com dimensão de parágrafo distinta do texto da decisão sumária, pelo que dúvidas
não restam de que constitui mera transcrição.
Desta simples circunstância resulta que toda a argumentação do reclamante cai
por terra. Com efeito, se aquela fosse a primeira vez que o Tribunal
Constitucional apreciava a questão ora em apreço, razões não existiriam para a
prolação de decisão sumária. Sucede, porém, que esta não é, efectivamente, a
primeira vez em que este Tribunal se depara com a questão que o reclamante
pretendia ver apreciada.
5. Quanto ao mais, o reclamante limita-se a impugnar o juízo de não
inconstitucionalidade plasmado no Acórdão n.º 299/05, de 07 de Junho de 2005,
cujo teor esta conferência acompanha e reitera.
Deste modo, não subsiste fundamento para alteração da decisão reclamada, na
medida em que a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal de Justiça ao n.º
2 do artigo 111º e ao n.º 2 do artigo 118º do Estatuto dos Funcionários
Judiciais, segundo a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de
Abril, não é inconstitucional pois não atenta contra o n.º 3 do artigo 218º da
Constituição da República Portuguesa. Neste sentido, não pode considerar-se como
constitucionalmente imposta a intervenção do Conselho Superior de Magistratura
quanto à apreciação de processos disciplinares instaurados contra funcionários
de Justiça que exerçam funções sob a dependência funcional de magistrados do
Ministério Público, na medida em que o legislador ordinário dispunha de uma
larga margem de conformação legislativa face à diversidade de soluções
constitucionalmente admissíveis.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 31 de Março de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão