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Processo n.º 131/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figura
como recorrente A. e como recorrida B., SAD, foi proferido acórdão, em 31 de
Outubro de 2007, que negou provimento ao recurso que o ora recorrente havia
interposto de anterior decisão do Tribunal de Trabalho de Lisboa, que, por sua
vez, havia julgado improcedente o pedido por ele formulado de declaração de
ilicitude do seu despedimento. Na sequência, veio o ora recorrente arguir a
nulidade do referido acórdão, arguição julgada improcedente pelo acórdão de 13
de Dezembro de 2007.
2. Inconformado, veio o recorrente, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), interpor recurso para este
Tribunal, através de um requerimento em que afirma, nomeadamente, o seguinte:
“[...] Assim sendo, a título de reapreciação da matéria, nos termos do disposto
no artigo 712º do CPC, o Tribunal a quo nem analisou nem fundamentou,
efectivamente, em concreto e de forma expressa, os factos impugnados pelo
Recorrente, nomeadamente os seguintes: [...]
Fazendo, assim, uma interpretação errada do art. 712º CPC e, em consequência,
violando o princípio do acesso ao direito, consagrado no art. 20º da CRP,
porquanto foi negado ao ora Recorrente o direito a um duplo grau de jurisdição a
matéria de facto.
A questão da inconstitucionalidade da interpretação do art. 712º do CPC foi
levantada pelo ora recorrente no seu requerimento de arguição de nulidade do
Acórdão. [...]”
3. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte agora relevante, o seu teor:
“Importa, antes de mais, decidir se se pode conhecer do objecto do recurso, uma
vez que a decisão que o admitiu não vincula este Tribunal (cf. art. 76º, n.º 3,
da LTC).
O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas
jurídicas - ou, se for o caso, de uma determinada interpretação normativa - e
pressupõe, nomeadamente, que o recorrente tenha suscitado “de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida”
(cf. artigo 72º, n.º 2, do mesmo diploma) a exacta questão de
constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada e, não obstante, que a
decisão recorrida tenha aplicado tal norma ou interpretação normativa, como
ratio decidendi, no julgamento do caso. No caso, porém, como veremos
sumariamente já de seguida, nada disto acontece.
3.1. Em primeiro lugar, não tendo o recorrente indicado qual o acórdão recorrido
- se o de 31 de Outubro de 2007, se o de 13 de Dezembro do mesmo ano -, importa
desde já excluir a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso em
relação a este último, uma vez que tal decisão não aplicou, de todo em todo,
como ratio decidendi, a norma do artigo 712º do Código de Processo Civil, mas
apenas as normas que regem as causas de nulidade da sentença, nomeadamente a
nulidade por omissão de pronúncia.
3.2. Mas a mesma impossibilidade de conhecimento acontece no caso de se
considerar que a decisão ora recorrida é o acórdão de 31 de Outubro de 2007.
Vejamos.
3.2.1. Desde logo, porque uma leitura atenta do requerimento de interposição do
recurso permite facilmente concluir que, em rigor, o que o recorrente pretende
ver sindicado por este Tribunal não é a constitucionalidade de uma norma
jurídica, mas a correcção do modo como, no caso concreto, foi (erradamente, do
seu ponto de vista) interpretado o artigo 712º do Código de Processo Civil. Ora,
constitui jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, estando em
causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta
do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82, e
assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Tanto
basta para que se não possa conhecer do recurso, também .
3.2.2. Por outro lado, porque, tendo a questão de constitucionalidade de ser
suscitada durante o processo, constitui desde há muito jurisprudência assente
neste Tribunal que a inconstitucionalidade de uma norma só se suscita durante o
processo quando tal se faz em tempo de o tribunal recorrido ficar a saber que
tem essa questão para resolver e, consequentemente, que a pode e deve decidir.
Tal implica, em suma, que a questão de constitucionalidade seja suscitada antes
de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma
inconstitucionalidade respeita; ou seja: em regra, antes da prolação da decisão
recorrida (veja-se, entre muitos nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 62/85, 90/85 e
450/87, in Acórdãos do T.C., 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., pp. 573,
respectivamente). Em consequência, tem este Tribunal afirmado repetidamente que,
em regra, o requerimento de arguição de nulidade não constitui meio ou momento
processualmente adequado para suscitar, pela primeira vez, a questão de
inconstitucionalidade de uma norma aplicada pela decisão alegadamente nula,
como, no presente caso, de acordo com a afirmação feita pelo recorrente no seu
requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, terá acontecido.
3.2.3. Finalmente, porque, ainda que assim se não entendesse, o recorrente, ao
contrário do que refere no requerimento de interposição do recurso para este
Tribunal, nem no “requerimento de arguição de nulidade do Acórdão” confrontou o
Tribunal da Relação de Lisboa, como exige o n.º 2 do artigo 72º da LTC, com
qualquer questão de constitucionalidade normativa susceptível de integrar o
recurso que agora pretende interpor. Com efeito, compulsados os autos,
verifica-se que o recorrente, nesse requerimento, não suscitou qualquer questão
de constitucionalidade normativa. Para o demonstrar, transcrevem-se as
conclusões das alegações de recurso que apresentou naquele Tribunal onde o
recorrente se refere a uma alegada violação da Constituição:
“[…] 15) Também, neste ponto, o Acórdão é nulo, uma vez que viola o princípio de
acesso ao direito, consagrado no art. 20º da CRP.
16) Ora, a título de reapreciação da matéria, nos termos do disposto no art.
712° do CPC, o Tribunal ad quem nem analisou nem fundamentou, efectivamente, em
concreto e de forma expressa, os factos impugnados pelo Recorrente!
17) Pelo que, e nessa medida, existiu omissão de pronúncia, nos termos do
disposto na al. d) do n.° 1 do art. 668° do CPC, sendo, assim, o Acórdão nulo.
18) Assim sendo, não só o Acórdão é nulo, por omissão de pronúncia, bem como é
inconstitucional por violação do disposto no art. 20° da CRP, por ter negado ao
Recorrente o direito ao duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto
impugnada.
19) Nestes termos, requer-se a apreciação da questão em causa, reformando‑se o
Acórdão e sanando-se o arguido vício com a reapreciação concreta e detalhada da
matéria de facto impugnada, sob pena do Acórdão ser inconstitucional por
violação do disposto no art. 20º da CRP. […]”.
4. Em face do exposto, e sem necessidade de quaisquer outras considerações,
torna-se evidente que não pode, no caso dos autos, conhecer-se do objecto do
presente recurso, já que não estão presentes os pressupostos da sua
admissibilidade.”
4. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto
no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, a presente reclamação para a Conferência, onde
afirma, nomeadamente, para o que ora releva, o seguinte:
“[...] Ora,
E, em primeiro lugar, considerou que o Recorrente não suscitou em tempo útil
qualquer questão de constitucionalidade.
Todavia, e salvo o devido respeito, discorda-se [d]esta posição, porquanto no
recurso de apelação interposto pelo Recorrente é alegado que a sentença viola o
disposto no art. 396° do Código do Trabalho, bem como o princípio da adequação e
da proporcionalidade da sanção.
Contudo, e tendo em conta a falta de pronúncia no Acórdão da Relação de Lisboa,
de 31/10/2007, o Recorrente, através do requerimento de nulidade do Acórdão,
arguiu a nulidade de falta de pronúncia, bem como a violação do disposto no art.
20° da CRP, por ter negado ao Recorrente o direito ao duplo grau de jurisdição
quanto à matéria de facto impugnada.
Nessa medida, a questão da inconstitucionalidade foi suscitada em tempo útil
pela Recorrente, devendo este pressuposto ser considerado como preenchido, nos
termos legais.[...]”
5. Notificado para responder à reclamação do recorrente, a recorrida nada disse.
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
6. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não conhecer do objecto do recurso,
por um lado, por não ter o Acórdão de 13 de Dezembro de 2007 aplicado o preceito
questionado; por outro, por não ter o recorrente colocado qualquer questão de
constitucionalidade normativa, nem ter suscitado, em caso algum, de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (no
caso de estar em causa o Acórdão de 31 de Outubro de 2007), como exige o n.º 2
do art. 72º da Lei do Tribunal Constitucional, qualquer questão de
constitucionalidade susceptível de integrar o recurso que interpôs.
7. Vem agora o ora reclamante procurar demonstrar que terá suscitado a questão
de constitucionalidade e que o Tribunal Constitucional deverá conhecer do
recurso. Fá-lo, porém, em termos que não só em nada abalam a fundamentação que
sustenta a decisão sumária reclamada mas inclusivamente a confirmam. De facto,
ao afirmar que suscitou a questão, uma vez que alegou que “a sentença viola o
disposto no art. 396º do Código do Trabalho, bem como o princípio da adequação e
proporcionalidade da sanção”, confirma, inequivocamente, que nunca colocou neste
processo, como se demonstrou na decisão ora reclamada, qualquer questão de
constitucionalidade normativa, mas antes, apenas, uma questão de
constitucionalidade da decisão judicial, insusceptível de lhe abrir via de
recurso para este Tribunal.
Tanto basta para improceder a presente reclamação, sendo inteiramente
irrelevantes as considerações agora expendidas a propósito da interpretação do
artigo 712º do Código de Processo Civil.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 01 de Abril de 2008
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos