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Processo nº 185/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é
recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão daquele Tribunal de 6 de Dezembro de 2006.
2. O Supremo Tribunal Administrativo acordou em conceder provimento ao recurso
jurisdicional interposto e revogar o acórdão recorrido; e em conceder provimento
ao recurso contencioso e anular o acto contenciosamente impugnado, com os
seguintes fundamentos:
«A única questão que aqui se discute é a de saber se o recorrente, nomeado para
cargo de chefia tributária antes da entrada em vigor do DL 557/99, de 17.12, que
aprovou o novo estatuto de pessoal e regime de carreiras dos funcionários da
DGCI, podia beneficiar, a partir de 01.01.2001, do disposto no art°45° desse
diploma, como aquele pretende, ou este preceito legal não lhe era aplicável por
se aplicar apenas aos funcionários que ao abrigo do novo regime são nomeados
para cargo de chefia, como entendeu o acórdão recorrido.
Como resulta da matéria de facto provada, o recorrente, perito tributário de 2°
classe, que já exercia, o cargo de Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de
Nível 1, vencendo pelo escalão 2, índice 590 (art°4° do DL 187/90, de 07.06, na
redacção do art°2° do DL 42/97, de 07.02) à data da entrada em vigor do já
citado DL 557/99, transitou para a nova carreira, sendo provido no cargo de
Chefe de Finanças Adjunto Nível 1, vencendo pelo escalão 1, índice 610, nos
termos dos 67° e 69° do DL 557/99, não lhe tendo sido aplicado o art°45° do
mesmo diploma legal.
O recorrente entende que, a partir de 01.01.2001, deveria ter sido integrado no
escalão 2, índice 640, correspondente ao cargo em que foi provido, de acordo com
o art°45° do citado DL 557/99, conjugado com os art°67° e 69° do mesmo diploma e
que a interpretação feita, pelo acórdão recorrido, do citado art°45°, no sentido
de que só se aplica a futuras nomeações para cargos de chefia, viola os art° 13°
e 59°, n°1. a) da CRP.
Vejamos:
Dispõem os citados preceitos do DL 557/99:
(…)
O acórdão recorrido, apoiando-se na jurisprudência constante do acórdão deste
STA de 12.12.2004, rec.449/04, considerou que o citado art°45° do DL. 557/99,
não era aplicável ao recorrente, porque e passamos a citar «... Trata-se de
preceito incorporado, como se referiu, na normação ordinária do diploma. É uma
regra de vigência futura e para incidir sobre as situações jurídicas que à sua
sombra se venham a criar.
São, aliás, diferentes os alcances dos preceitos, segundo no-lo revelam os seus
próprios lermos. Enquanto o art°45° alude aos funcionários que sejam nomeados
(venham a ser nomeados, diremos nós), o art°58º n°1, ao abrigo do qual o
recorrente transitou, refere-se aos funcionários que, por via do diploma, tenham
sido providos em comissão de serviço (n°6 do art°58° cit. E 17°).
Ou seja, porque o art°45° se refere à nomeação, parece claro que alude às
situações e regras previstas nos art°25° (recrutamento) e 16° (nomeação), sendo
certo que, como dispõe o n°5 deste normativo, «o processo de nomeação.. não se
aplica aos funcionários que já estejam providos em cargos de chefia
tributária...»
Ora, o recorrente não foi nomeado em virtude deste diploma (nem podia, aliás, de
acordo com a disposição atrás mencionada), até porque já vinha exercendo tais
funções por nomeação ocorrida em 1999, razão por que, e só por isso, mereceu
protecção específica pelo diploma em análise.
Donde não poder, neste momento, e em resultado de uma disposição especial e
«transitória», uma graça derivada da transição e da integração escalonar e,
simultaneamente, colher um benefício que é próprio do desenvolvimento futuro de
situações criadas a coberto do diploma.
Assim, e porque transitou para o lugar de Adjunto de Chefe de Finanças, nível 1,
o escalão mais aproximado ao anterior seria o 1º, com o índice 610. E só ao fim
de três anos ascenderia ao escalão seguinte, com o índice 640 (art°44º, n°3 do
citado diploma) (...)»
Ora, se bem que inicialmente este STA tenha acolhido maioritariamente o
entendimento agora sufragado pelo acórdão recorrido (…), a jurisprudência veio,
posteriormente, a evoluir no sentido defendido pelo aqui recorrente, sobretudo a
partir do acórdão do Tribunal Constitucional n°105/06, proferido em 07.02.2006,
no Proc. N° 125/05 da 2ª Secção, cuja cópia se encontra a fls. 99 e segs., onde
foi objecto de apreciação a constitucionalidade da interpretação dada ao art°45°
do DL 557/99, no acórdão do STA de 02.12.04, rec. 449/04, que se debruça sobre
situação idêntica à destes autos e em que se apoia o acórdão objecto do presente
recurso jurisdicional.
Refere o citado acórdão do Tribunal Constitucional, depois de reafirmar a
doutrina daquele Tribunal, em matéria do princípio da igualdade, que: « (...) À
primeira vista, parece verificar-se, no caso em apreço, como, aliás, ajuizou o
acórdão recorrido, uma situação em que se afigura existir razão material
bastante para fundar uma discriminação dos adjuntos de chefe de repartição de
finanças resultante da sua integração em escalões diferentes desta categoria,
consoante tenham, nela, sido integrados por força do DL 557/99 por mera
conversão da nomeação para esse cargo de chefia, em comissão de serviço,
efectuada anteriormente à sua vigência, em nomeação para a categoria, ou por
virtude de nomeação efectuada segundo as regras de recrutamento estabelecidas no
seu ar°15º n°1, alínea c). Na verdade, segundo este preceito, a nomeação para a
categoria de adjunto do chefe de finanças passou a ficar dependente, a mais de
outros requisitos anteriormente exigidos, da obtenção de uma habilitação
própria- a aptidão no curso de chefia tributária, regulado no art°38° do mesmo
diploma- a partir da entrada em vigor do diploma. Tem-se por certo, tendo em
conta o acima afirmado, que a exigência desta habilitação específica, enquanto
encarnando da perspectiva do legislador uma maior aptidão para o exercício das
funções jurídicas e materiais próprias da categoria em causa, constitui
fundamento bastante para sustentar a atribuição de um escalão de vencimento
superior por parte de quem tem de o satisfazer em relação a quem não está
sujeito a ela. Nesta perspectiva, a interpretação do conjunto dos referidos
preceitos, segundo a qual a regra de integração nas escalas salariais dos cargos
de chefia, prevista no referido art°45º, abrange apenas os funcionários que
sejam nomeados após a entrada em vigor do DL 557/99, apresenta-se prima facie,
isenta de censura constitucional Acontece, porém, que o legislador, no art°58º,
n°1 do DL 557/99, deu por satisfeita tal condição de recrutamento para a
categoria em causa em relação aos “funcionários abrangidos por este artigo
(chefes de repartição de finanças e adjuntos de chefe de repartição de
finanças), bem como os actuais peritos tributários e peritos de fiscalização
tributária”, considerando-os “como possuindo o curso de chefia tributária”. Ora,
o entendimento segundo o qual a integração prevista no art°45° do DL 557/99 se
aplica apenas aos funcionários que sejam nomeados para o cargo depois d sua
entrada em vigor, conjugado com o facto de o mesmo diploma considerar, sem mais,
como habilitados com o curso de chefia tributária os funcionários a que alude o
n°9 do art°58º, conduz já, todavia, a que peritos tributários de 2ª classe,
tidos ao mesmo título, por mera atribuição legal, como habilitados com o curso
de chefia tributária, possam ser integrados na categoria de adjunto de chefe de
repartição de finanças, em escalão inferior, não obstante terem igual
antiguidade na categoria de peritos tributários de 2ª classe (que pelo diploma
foi convertida na categoria de técnico de administração tributária- art°52º,
n°1, alínea c)) e maior antiguidade na categoria de adjunto de chefe de
repartição de finanças, apenas porque foram nomeados para este cargo antes da
entrada em vigor e os outros depois da entrada em vigor do mesmo diploma. A
possibilidade de verificação de um tal efeito normativo, que se mostra
concretizado nos autos, não é já constitucionalmente tolerável, ofendendo o
disposto no art°59º, n°1, alínea a) da Constituição, enquanto corolário do
princípio da igualdade, consagrado no seu art°13º, entendido nos termos acima
expostos.»
E face ao entendimento supra exposto, foi decidido «Julgar inconstitucionais,
por violação do art°59, n°1, a) da Constituição, enquanto corolário do princípio
da igualdade consagrado no seu art°13º, as normas constantes dos art°69º, 67° e
45° do Decreto-Lei n°557/99, de 17 de Dezembro, na interpretação segundo a qual
os funcionários com a mesma antiguidade na mesma categoria de origem- perito
tributário de 2ª classe- mas com maior antiguidade no cargo de chefia
tributária- adjunto de chefe de repartição de finanças de nível 1- auferem
remuneração inferior aqueles que têm menor antiguidade no cargo de chefia e que
foram nele investidos após a entrada em vigor do mesmo diploma legal (…)».
Ora, na sequência deste acórdão do Tribunal Constitucional, veio a ser proferido
novo acórdão neste STA, em 10.05.2006. no referido rec.n°449/04, em que foi
acolhido o entendimento subjacente ao juízo de inconstitucionalidade, tendo-se,
a partir daí, invertido, como se referiu, a orientação jurisprudencial anterior
sobre a matéria, como se vê de recentes acórdãos, que apreciaram situações
idênticas à do recorrente destes autos e onde também se concluiu pela
incompatibilidade constitucional dos citados art°69°, 67° e 45° do DL 557/90, na
interpretação dada pela autoridade recorrida, em situações como a dos autos (…).
Assim, concordando, no essencial, com a doutrina vertida nos recentes arestos do
STA e do Tribunal Constitucional e transpondo-a para a situação dos autos, há
que concluir que o acto contenciosamente recorrido, ao indeferir o requerimento
em que o recorrente contencioso pediu o processamento do seu vencimento pelo
escalão 2, índice 640, do cargo de Chefe de Finanças Adjunto, nível 1 ou Chefe
de Finanças, nível 2, a partir de 1-1-2001, enferma de vício de violação de lei,
conducente à sua anulação (art. 135.° do CPA).
Daí que o recurso jurisdicional e o recurso contencioso devam ser providos».
3. Desta decisão foi interposto o presente recurso, para apreciação das normas
dos artigos 69º, 67º e 45º do Decreto-Lei nº 557/99, de 17 de Dezembro, na
interpretação segundo a qual funcionários com a mesma antiguidade no cargo de
chefia tributária, auferem remuneração inferior àqueles que têm menor
antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos após a entrada em
vigor do mesmo diploma.
4. Notificado para alegar, o Ministério Público, conclui o seguinte:
«1º
São inconstitucionais, por violação do artigo 59°, n° 1, alínea a), da
Constituição, enquanto corolário do princípio da igualdade consagrada no artigo
13°, as normas constantes dos artigos 45°, 67° e 69° do Decreto Lei n° 557/99,
de 17/12, na interpretação segundo a qual os funcionários com a mesma
antiguidade na categoria de origem (perito tributário de 2ª classe), mas com
maior antiguidade no cargo de chefia tributária, auferem remuneração inferior
àqueles que têm menor antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos
após a entrada em vigor do mesmo diploma.
2°
Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado no
acórdão recorrido».
Notificado, o recorrido não contra-alegou.
5. Por despacho da relatora, o recorrente e o recorrido foram notificados para
se pronunciarem sobre a possibilidade de vir a ser proferida decisão de não
conhecimento do objecto do recurso, por ser configurável que a decisão recorrida
não recusou a aplicação de qualquer norma, com fundamento em
inconstitucionalidade, tendo antes procedido à escolha de um dos sentidos
interpretativos possíveis dos artigos 45º, 67º e 69º do Decreto-Lei nº 557/99,
de 17 de Dezembro, afastando a interpretação que considerou colidir com a
Constituição.
Sobre isto pronunciou-se apenas o Ministério Público, nos seguintes termos:
«1°
Parece-nos manifesto que a “ratio decidendi” do acórdão recorrido assentou
decisivamente um juízo de inconstitucionalidade material acerca da interpretação
normativa que integra o objecto do presente recurso.
2°
A questão suscitada pelo douto despacho a que se reporta a presente peça
processual prende-se com a exacta delimitação das figuras da recusa de aplicação
de uma norma e da interpretação normativa em conformidade com a Constituição.
3º
Apesar de alguma “oscilação” da jurisprudência constitucional sobre o tema
(cf.v.g. os Acórdãos nos 170/85 e 425/89, por um lado, e os Acórdãos nos 172/96,
500/96, 1020/96, 524/97 e 319/00, por outro) afigura-se que deverão – segundo
esta linha orientadora – caber no âmbito da alínea a) do n° 1 do artigo 70° da
Lei do Tribunal Constitucional, como casos em que existe “verdadeira” recusa de
aplicação normativa, as situações em que, perante duas interpretações possíveis
ou plausíveis de certo preceito legal, o tribunal “a quo” afasta uma delas,
considerando-a lesiva de normas ou princípios constitucionais, aplicando a
segunda interpretação à dirimição do caso.
4º
Como sustenta, aliás, Rui Medeiros (A Decisão de Inconstitucionalidade, pg. 331)
basta, para ser admissível o recurso tipificado na alínea a) do n° 1 do artigo
70° da Lei n° 28/82, que o juízo de inaplicabilidade de certa interpretação
normativa se não funde, única ou primacialmente, no princípio da interpretação
conforme à Constituição, não desempenhando o apelo à Constituição, em sede
hermenêutica, uma função de apoio ou de confirmação de um sentido normativo já
sugerido pelos restantes elementos interpretativos da norma em causa.
5º
Ora, no caso dos autos, a longa transcrição dos fundamentos do juízo de
inconstitucionalidade, já formulado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n°
105/06, não poderá deixar de implicar que a decisão de “concordância” e
“transposição” para a situação dos autos de tal fundamentação significa
precisamente que o apelo aos princípios constitucionais desempenha uma função
“constitutiva” e decisiva na dirimição do caso – havendo, deste modo, uma
verdadeira “recusa de aplicação” do sentido normativo a que vem reportado o
presente recurso».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo
70º da LTC, segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das
decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento
na sua inconstitucionalidade.
Face ao teor da decisão recorrida, na parte em que afasta um sentido
interpretativo dos artigos 45º, 67º e 69º do Decreto-Lei nº 557/99, de 17 de
Dezembro, com fundamento na violação do artigo 59º, nº 1, alínea a), da
Constituição da República Portuguesa, põe-se a questão de saber se o acórdão do
Supremo Tribunal Administrativo recusou a aplicação de uma norma com fundamento
na sua inconstitucionalidade, abrindo a via do recurso previsto na alínea a) do
nº 1 do artigo 70º da LTC.
Sobre a questão aqui implicada, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender
que há recusa (implícita) de aplicação de uma norma, admitindo-se o
correspondente recurso, nos casos de interpretação em conformidade com a
Constituição em que há afastamento de outra possibilidade interpretativa,
mormente da interpretação literal ou «natural», com fundamento na sua
inconstitucionalidade, desde que este afastamento constitua a ratio decidendi da
decisão recorrida e não um mero obiter dictum (cf. Cardoso da Costa, A
Jurisdição Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 73, nota 93, e, entre
outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 41/95, 172/96, 1020/96, 219/2002
e 8/2008, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Seguindo este critério, é de concluir pelo conhecimento do objecto do recurso
interposto: para o decidido no acórdão recorrido foi decisivo o juízo de que são
inconstitucionais, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea a), da Constituição,
enquanto corolário do princípio da igualdade consagrado no seu artigo 13º, as
normas constantes dos artigos 69º, 67º e 45º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de
Dezembro, na interpretação segundo a qual funcionários com a mesma antiguidade
na categoria de origem – perito tributário de 2ª classe – mas com maior
antiguidade no cargo de chefia tributária – adjunto de chefe de repartição de
finanças de nível 1 – auferem remuneração inferior àqueles que têm menor
antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos após a entrada em
vigor do mesmo diploma.
2. A norma cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade e
que constitui o objecto do presente recurso extrai-se das seguintes disposições
do Decreto-Lei nº 557/99, de 17 de Dezembro:
“Artigo 45º
Integração nas escalas salariais dos cargos de chefia tributária
1 - Os funcionários que sejam nomeados para cargos de chefia tributária
integram-se na escala indiciária própria dos referidos cargos, em escalão
idêntico ao que possuem na escala indiciária da categoria de origem.
2 - Os funcionários providos em lugares correspondentes a cargos de chefia
tributária e que sejam promovidos no âmbito das carreiras do GAT são integrados
na nova categoria, no escalão que resultar da aplicação das regras previstas nos
nºs 1 e 2 do artigo anterior”;
“Artigo 67º
Integração nas categorias do GAT
1 - A integração nas novas categorias do GAT resultante das regras de transição
previstas no presente diploma faz-se para o escalão da nova categoria a que
corresponda o índice salarial igual ao que os funcionários detêm na categoria de
origem ou para o que corresponder ao índice imediatamente superior, no caso de
não haver coincidência de índice.
2 - Nos casos em que da aplicação da regra constante do número anterior resulte
um impulso salarial igual ou inferior a 10 pontos, conta para efeitos de
progressão o tempo de permanência no escalão de origem.
3 - Aos funcionários que em 2000 adquirissem por progressão na anterior escala
salarial o direito a remuneração superior à que lhes é atribuída pela transição
do presente diploma é garantida, a partir do momento em que se verificasse
aquela progressão, a remuneração correspondente ao índice para o qual
progrediriam naquela escala salarial.
4 - Os funcionários cuja primeira e segunda progressões após a transição para a
escala salarial correspondente à nova categoria se faça para índice inferior ao
que lhe teria sido atribuído na escala actualmente em vigor serão pagos pelo
índice que lhes caberia na escala anterior até perfazerem o tempo legalmente
previsto para a nova progressão.
5 - Das transições decorrentes do presente diploma não podem resultar durante o
período de um ano após a sua entrada em vigor impulsos salariais superiores a 20
pontos indiciários.
6 - Nos casos em que se verificam impulsos salariais superiores aos referidos no
número anterior, o direito à totalidade da remuneração só se adquire após ter
decorrido o período de um ano sobre aquela transição.
7 - O disposto nos números anteriores não impede a integração formal no escalão
que resultar das regras de transição.
8 - Os funcionários e agentes que se aposentem durante o ano da entrada em vigor
do presente diploma terão a sua pensão de aposentação calculada com base no
índice que couber ao escalão em que foram posicionados”;
“Artigo 69º
Integração dos chefes e adjuntos dos chefes de finanças
A integração dos chefes e adjuntos dos chefes de finanças nas respectivas
escalas salariais faz-se de acordo com a regra prevista no artigo 67º do
presente diploma.”
3. A questão de constitucionalidade que importa apreciar e decidir já foi
objecto de decisões anteriores do Tribunal Constitucional: no Acórdão nº
105/2006, a partiu do qual o Supremo Tribunal Administrativo inverteu o
entendimento maioritário que sobre a matéria se vinha firmando, e, recentemente,
no Acórdão nº 167/2008 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Pode ler-se nesta última decisão, que acolhe o julgamento feito no Acórdão nº
105/2006, o seguinte:
«5. No referido acórdão n.º 105/2006, em situação que só difere da presente por
se tratar de apreciar um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por
violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, enquanto corolário
do princípio da igualdade consagrado no seu artigo 13º, as normas constantes dos
artigos 69.º, 67.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, na
interpretação segundo a qual os funcionários com a mesma antiguidade na mesma
categoria de origem – perito tributário de 2ª classe –, mas com maior
antiguidade no cargo de chefia tributária – adjunto de chefe de repartição de
finanças de nível I –, auferem remuneração inferior àqueles que têm menor
antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos após a entrada em
vigor do mesmo diploma.
Para tanto, ponderou-se o seguinte:
“9 – À primeira vista, parece verificar-se, no caso em apreço, como, aliás,
ajuizou o acórdão recorrido, uma situação em que se afigura existir razão
material bastante para fundar uma discriminação dos adjuntos de chefe de
repartição de finanças resultante da sua integração em escalões diferentes desta
categoria, consoante tenham, nela, sido integrados por força do Decreto-Lei n.º
557/99, por mera conversão da nomeação para esse cargo de chefia, em comissão de
serviço, efectuada anteriormente à sua vigência, em nomeação para a categoria,
ou por virtude de nomeação efectuada segundo as regras de recrutamento
estabelecidas no seu art. 15º, n.º 1, alínea c).
Na verdade, segundo este preceito, a nomeação para a categoria de adjunto do
chefe de finanças passou a ficar dependente, a mais de outros requisitos
anteriormente exigidos, da obtenção de uma habilitação própria – a aptidão no
curso de chefia tributária, regulado no art. 38º do mesmo diploma – a partir da
entrada em vigor do diploma.
Tem-se por certo, tendo em conta o acima afirmado, que a exigência desta
habilitação específica, enquanto encarnando, da perspectiva do legislador, uma
maior aptidão para o exercício das funções jurídicas e materiais próprias da
categoria em causa, constitui fundamento bastante para sustentar a atribuição de
um escalão de vencimento superior por parte de quem tem de a satisfazer em
relação a quem não está sujeito a ela.
Nesta perspectiva, a interpretação do conjunto dos referidos preceitos, segundo
a qual a regra de integração nas escalas salariais dos cargos de chefia,
prevista no referido art. 45º, abrange apenas os funcionários que sejam nomeados
após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 557/99, apresenta-se, prima facie,
isenta de censura constitucional.
Acontece, porém, que o legislador, no art. 58º, n.º 9, do Decreto-Lei n.º
557/99, deu por satisfeita tal condição de recrutamento para a categoria em
causa em relação aos “funcionários abrangidos por este artigo [chefes de
repartição de finanças e adjuntos de chefe de repartição de finanças], bem como
os actuais peritos tributários e peritos de fiscalização tributária”,
considerando-os “como possuindo o curso de chefia tributária”.
Ora, o entendimento, segundo o qual a integração prevista no art. 45º do
Decreto-Lei nº 557/99 se aplica apenas aos funcionários que sejam nomeados para
o cargo depois da sua entrada em vigor, conjugado com o facto de o mesmo diploma
considerar, sem mais, como habilitados com o curso de chefia tributária os
funcionários a que alude o n.º 9 do art. 58º, conduz, já, todavia, a que peritos
tributários de 2ª classe, tidos, ao mesmo título (por mera atribuição legal)
como habilitados com o curso de chefia tributária, possam ser integrados, na
categoria de adjunto de chefe de repartição de finanças, em escalão inferior,
não obstante terem igual antiguidade na categoria de peritos tributários de 2ª
classe [que pelo diploma foi convertida na categoria de técnico de administração
tributária – art. 52º, n.º 1, alínea c)] e maior antiguidade na categoria de
adjunto de chefe de repartição de finanças, apenas porque foram nomeados para
este cargo antes da entrada em vigor e os outros depois da entrada em vigor do
mesmo diploma.
A possibilidade de verificação de um tal efeito normativo, que se mostra
concretizado no caso dos autos, não é, já, constitucionalmente tolerável,
ofendendo o disposto no art. 59º, n.º 1, alínea a) da Constituição, enquanto
corolário do princípio da igualdade, consagrado no seu artigo 13º, entendido nos
termos acima expostos.”
6. Acompanha-se este entendimento, que corresponde a jurisprudência consolidada
do Tribunal na apreciação de normas do regime da função pública que conduzam a
que funcionários mais antigos numa dada categoria passem a auferir remuneração
inferior à de outros com menor antiguidade e idênticas habilitações, por virtude
de reestruturações de carreiras ou de alterações do sistema retributivo em que
interfiram factores anómalos, de circunstância puramente temporal, estranhos à
equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a
natureza do trabalho ou com as qualificações, a experiência ou o desempenho dos
funcionários confrontados (cfr. acórdão n.º 323/2005, Diário da República, I
Série-A, de 14 de Outubro de 2005 e jurisprudência aí referida).
Com efeito, os funcionários que em 31 de Dezembro de 1999 não exercessem funções
de chefia e detivessem, como o recorrente, a categoria de peritos de
fiscalização tributária de 2.ª classe e fossem remunerados pelo escalão 2 dessa
categoria, transitariam para a categoria de técnicos de administração tributária
de nível I, nos termos do artigo 52.º, n.º 1, alínea c), daquele diploma, sendo
integrados no escalão 2 desta categoria. Face ao preceituado no n.º 9 do artigo
58.º, que os dispensa do curso de habilitação exigido pelo artigo 15.º, passaram
a poder ser imediatamente nomeados para cargos de chefia idênticos ao do
recorrido e a ser remunerados pelo escalão 2 do cargo respectivo, por força do
disposto no n.º 1 do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 557/99. Ele, sujeito às
regras específicas da transição do pessoal em exercício de cargos de chefia à
data da entrada em vigor da nova estrutura remuneratória (artigos 67.º e 69.º),
continuaria a ser remunerado pelo escalão 1, até perfazer o módulo de tempo e as
mais condições necessárias para a progressão.
E não estamos perante uma anomalia da concepção do regime de transição sem
efectiva concretização na situação remuneratória dos funcionários que
potencialmente se aplica. Segundo o acórdão de 16 de Maio de 2006, Proc. 20/06,
do Supremo Tribunal Administrativo (http://www.dgsi.pt/jsta), terão ocorrido
nomeações susceptíveis de produzir esta diferenciação remuneratória,
designadamente as constantes do Despacho publicado no Diário da República, II
Série, de 31 de Maio de 2001 (aviso 7514/2001). Trata-se, seguramente, de
funcionários a que não detinham o curso de chefia tributária, pois o respectivo
regulamento só veio a ser aprovado pelo Despacho do Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais n.º 26160/2005 (2.ª série), Diário da República, II Série, de
20‑12‑2005.
7. Poderia objectar-se que o interessado sempre teria a possibilidade de evitar
a percepção de remuneração inferior à de outros funcionários com a mesma
categoria de origem e com menor antiguidade em cargo de chefia concorrendo, como
eles, a lugares postos a concurso ao abrigo do novo regime, com o consequente
posicionamento na escala remuneratória ao abrigo do n.º 1 do artigo 45.º do
Decreto-Lei n.º 557/99.
Não parece, todavia, que esta possibilidade de eliminar a distorção afaste a
violação do princípio “a trabalho igual salário igual” que resulta do bloco
legal considerado, no seu funcionamento normal. Comporta um sacrifício
desproporcionado – basta pensar na álea do concurso ou, até, em não lhe
interessarem os novos lugares em que pudesse ser provido sem hiato temporal –,
exigir a um funcionário que renuncie ao cargo que ocupa e se candidate a novo
lugar de chefia como expediente para evitar ter remuneração inferior a outro,
sem melhores habilitações que venha a ser nomeado posteriormente para o
exercício de cargo idêntico».
É este entendimento que agora se reitera, negando, consequentemente, provimento
ao recurso interposto.
III. Decisão
Em face do exposto decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma que resulta dos artigos 69º, 67º e 45º do
Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, na interpretação segundo a qual
funcionários com a mesma ou superior antiguidade na categoria de origem e com a
mesma ou superior antiguidade no cargo de chefia tributária auferem remuneração
inferior àqueles que têm menor antiguidade no cargo de chefia e que foram nele
investidos após a entrada em vigor do mesmo diploma, por violação do artigo 59º,
nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que à questão
de constitucionalidade respeita.
Sem custas, face à isenção do recorrente.
Lisboa, 1 de Abril de 2008
Maria João Antunes
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido quanto ao conhecimento,
conforme declaração.
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Começo por esclarecer que acompanho as objecções levantadas ao conhecimento do
objecto do recurso que ficaram expressas nos votos apostos ao Acórdão n.º
105/2006, por entender que o Tribunal recorrido não aplicara, como ratio
decidendi, a formulação normativa então impugnada, tal como desenvolvidamente se
explica no Acórdão n.º 710/2005 deste Tribunal, que trata de um caso semelhante.
Além disso, entendo que essa determinação jurídica não apresenta sequer natureza
normativa, sendo mesmo um trecho pretensamente retirado da decisão então
recorrida, mas que essa decisão, na verdade, não adoptou.
Tais razões são também pertinentes no presente caso, em que – diversamente do
anterior – está em causa um recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1
do artigo 70º da LTC.
Na verdade, na essência do julgamento operado em contencioso administrativo por
via de recurso interposto de um acto de indeferimento tácito, o tribunal
limita-se a verificar se o acto administrativo recorrido enferma da invocada
violação de lei cuja ocorrência determinará a procedência do recurso e a
anulação desse acto.
Ora, a interferência de um raciocínio de desconformidade constitucional de
determinadas normas só mediatamente constitui a ratio decidendi da decisão
anulatória; esta resulta, na verdade, directamente da circunstância de o acto
que constitui o objecto do recurso contencioso estar contaminado na sua origem
por uma errada interpretação e aplicação de normas jurídicas.
Nestes termos, a adopção, na decisão aqui recorrida, de um raciocínio de
desconformidade constitucional de normas jurídicas constitui um argumento, mas
não o fundamento da decisão, situação que obrigatoriamente demandaria a adopção
de um processo de aplicação ao caso de normas repristinadas por efeito do vazio
normativo provocado pela desaplicação da norma inconstitucional, o que,
efectivamente, não ocorre.
Entendo, por isso, que não se verificou a desaplicação de norma que constitui o
pressuposto do recurso previsto na citada alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC.
Carlos Pamplona de Oliveira