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Processo n.º 1215/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A., e recorrido o
Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do
objecto do recurso, nos termos seguintes:
«1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC para apreciação da
«inconstitucionalidade da norma contida no artigo 29.º, n.º 5, alínea b), da Lei
n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com o artigo 74.º, n.º 1, do Código das
Custas Judiciais, na interpretação que lhe foi dada na decisão judicial
proferida em 1ª instância, agora confirmada pelo acórdão recorrido, no sentido
de que é devido o pagamento prévio de taxa de justiça para admissão e subida do
recurso interposto da decisão judicial que confirme o indeferimento
administrativo do benefício de protecção jurídica».
2. O presente recurso tem como pressuposto que a decisão recorrida aplique norma
cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Independentemente de se saber se a interpretação normativa que o recorrente
pretende ver apreciada pode basear-se (pelo menos, na sua totalidade) nos dois
preceitos legais indicados no requerimento de interposição do recurso, a verdade
é que essa interpretação não foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
Desde logo porque o recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora e
decidido pelo acórdão de 30.10.2007, ora recorrido, tinha por objecto o despacho
do Tribunal de Instrução Criminal de Évora de 01.02.2007 que declarou sem
efeito, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 3, do Código das Custas
Judiciais, os recursos interpostos pelo arguido A. a fls. 233/239 e 266/272.
Ora, estes recursos, por seu turno, tinham por objecto, respectivamente, os
despachos de fls. 204 e 216 e de fls. 242, sendo certo que nenhum deles versava
sobre «o pagamento prévio de taxa de justiça para admissão e subida do recurso
interposto da decisão judicial que confirme o indeferimento administrativo do
benefício de protecção jurídica».
Falta, assim, o pressuposto da efectiva aplicação, pela decisão recorrida, da
interpretação normativa cuja inconstitucionalidade é suscitada (artigos 70.º,
n.º 1, alínea b) da LTC).
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do presente recurso.»
2. Notificado desta decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com fundamento, em síntese, no seguinte:
«(…) A doutíssima decisão sumária ancora-se na falta de aplicação, pela decisão
recorrida, da norma do art.º 29.°, n.° 5, al. b) da Lei n.° 34/2004, de 29 de
Julho, o que impede este Subido Tribunal de conhecer o recurso de
inconstitucionalidade interpretativa de norma concreta, na submissão ao
dispositivo contido no art.° 70.°, n.° 1, al. b), da LTC.
Salvo o devido e merecido respeito, que é muito, afigura-se-nos que a decisão
assim tomada está errada porquanto, apreciando o objecto do recurso, claramente
delimitado pelo texto da conclusão e) do recurso que apreciava, e sob essa mesma
epígrafe, no item 3.2 da decisão em crise interpretativa, o venerando tribunal a
quo sustenta-se exactamente na norma do art.° 29.° da LPJ, transcrevendo-a
integralmente para concluir:
“Afigura-se-nos que a interpretação que o recorrente colhe da al. b) do n.º 5 do
art. 29.º da Lei n.º 34/2004 está muito para além da letra, do texto, que a
predita norma consente. (…) No caso que se nos depara, a norma não consente a
restrição que o recorrente invoca. (...) O pagamento a que se refere a norma em
causa está sujeito à condição resolutiva de a decisão judicial proferida no
âmbito da impugnação revogar ou alterar a decisão administrativa denegatória do
pedido de apoio judiciário”, apreciando mesmo a cautelarmente invocada
inconstitucionalidade ao assentar: “Em suma, não existe qualquer
inconstitucionalidade material do art.° 29.º, n.º 5, al. b) da Lei n.º 34/2004,
na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal a quo, sendo certo que os
recursos que foram dados sem efeito já foram interpostos depois de se ter
consolidado na 1.ª instância a decisão denegatória do apoio judiciário.”.
Parece assim inequívoco que a questão interpretativa daquela norma foi apreciada
na Relação de Évora, em consequência da sua expressa suscitação na instância
antecedente, apoiando-se nela para confirmar a exigibilidade de taxa de justiça
para a admissão e seguimento de recursos tirados sobre o instituto de apoio
judiciário, num entendimento cerceador do direito ao acesso ao direito e aos
tribunais que impede agora o recorrente de sindicar a exigência de pagamento
prévio de quantias que não possui, e se as não tem não pode recorrer e não terá
assim acesso a defender-se plena e eficazmente enquanto arguido em processo
penal porque o mesmo lhe é negado em consequência da fragilidade económica, à
revelia do espírito legislativo, constitucional e de direitos humanos.
E também assim à revelia do acórdão n.º 420/06, da 1.ª secção deste Tribunal,
expressamente invocado na alínea c) das sobreditas conclusões, com contornos
filosófico-jurídicos de aplicação prática à vexata quaestio versada no presente
recurso.
Desta feita, verificou-se a suscitação expressa e cautelar, de modo formalmente
correcto, da questão da inconstitucionalidade interpretativa daquela norma
específica em associação com a do art.º 74.°, n.° 1, do Código de Custas
Judiciais, sendo por isso de apreciar e decidir o presente recurso, o que se
reitera.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal respondeu nos
termos seguintes:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, a questão suscitada pelo reclamante — consubstanciada na aplicação
do regime constante do artigo 29.°, n.º 5, alínea b), ao recurso interposto da
decisão, proferida em 1.ª Instância, que tenha confirmado a rejeição
administrativa do apoio judiciário — carece, pura e simplesmente, de sentido, já
que tal via recursória não existe no nosso ordenamento jurídico, por força da
interpretação que se fez dos artigos 27.° e 28.° da Lei n.º 34/04.
3.º
Daí que a “ratio decidendi” do acórdão recorrido seja precisamente a de que os
ditos recursos, julgados sem efeito nos termos do artigo 80.°, n.° 3, do Código
das Custas Judiciais (norma que, apesar da sua relevância decisiva, o recorrente
não incluiu no objecto do recurso de constitucionalidade), foram interpostos “já
depois de se ter consolidado a denegação do apoio judiciário na 1.ª Instância” —
ou seja, após se ter tomado inimpugnável a decisão jurisdicional que denegou o
apoio judiciário.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada pronunciou-se no sentido do não conhecimento do
objecto do recurso, com fundamento na não aplicação, pela decisão recorrida, da
interpretação normativa cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver
apreciada.
A reclamação ora apresentada em nada abala esta conclusão.
De facto, o acórdão recorrido não aplicou, como ratio decidendi, as normas do
artigo 29.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 34/2004, em conjugação com o artigo
74.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, mas antes considerou que «os
recursos dados sem efeito pelo despacho sob recurso foram interpostos já depois
de se ter consolidado a denegação do apoio judiciário na 1ª instância», ou seja,
entendeu que o recurso tinha sido interposto depois de se ter tornado
inimpugnável a decisão jurisdicional que denegou o apoio judiciário.
Assim, a razão determinante da decisão não foi, nem poderia ter sido, a
exigência do pagamento prévio da taxa de justiça para a admissão e subida do
recurso, única questão que o reclamante pretendia ver apreciada no recurso de
constitucionalidade.
A presente reclamação é, pois, manifestamente improcedente.
III. Decisão
5. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 2 de Abril de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos