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Processo nº 614/2007
Plenário
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. O pedido e o seu objecto
Ao abrigo do disposto nos artigos 281º, nº 1, alíneas a) e b), e nº 2, alínea
f), da Constituição, e dos artigos 51º, nº 1, e 62º, nº 1 da Lei nº 28/82 (Lei
do Tribunal Constitucional), veio um grupo de vinte e cinco Deputados à
Assembleia da República pedir ao Tribunal Constitucional a apreciação e
declaração, com força obrigatória geral:
a) da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma contida no artigo 46.º,
n.º 3, do Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos
ensinos básico e secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de
Abril, na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de
Janeiro;
b) da inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 10.º, n.º 8, e
15.º, n.º 5, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, que altera
o Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos
básico e secundário, bem como o regime jurídico da formação contínua de
professores.
O teor das normas questionadas é o seguinte:
Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos
básico e secundário
Artigo 46.º
Sistema de classificação
1 – (…).
2 – (…).
3 – Por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da
educação e da Administração Pública são fixadas as percentagens máximas para a
atribuição das classificações de Muito bom e Excelente, por escola não agrupada
ou agrupamento de escolas, as quais terão por referência os resultados obtidos
na avaliação externa da escola.
4 – (…).
5 – (…).
6 – (…).
7 – (…).
8 – (…).
Decreto-Lei n.º 15/2007
Artigo 10.º
Transição da carreira docente
1 – (…).
2 – (…).
3 – (…).
4 – (…).
5 – (…).
6 – (…).
7 – (…).
8 – Os docentes que à data da entrada em vigor do presente decreto-lei se
encontram posicionados nos 8.º, 9.º e 10.º escalões da carreira docente prevista
no Decreto-Lei n.º 312/99, de 10 de Agosto, transitam para a categoria de
professor da nova estrutura de carreira, mantendo os índices remuneratórios
actualmente auferidos.
9 – (…).
10 – (…).
11 – (…).
12 – (…).
13 – (…).
14 – (…).
Artigo 15.º
Recrutamento transitório para professor titular
1 – (…).
2 – (…).
3 – (…).
4 – (…).
5 – Apenas podem ser opositores aos concursos referidos no n.º 1 os docentes
integrados na carreira que preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) (…);
b) (…);
c) Não estejam na situação de dispensa total ou parcial da componente lectiva.
6 – (…).
2. Os Fundamentos do Pedido
O requerente fundamentou o pedido nos seguintes termos:
2.1. Quanto à norma contida no nº 3 do artigo 46º do Estatuto
O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 15/2007 altera o Estatuto da carreira dos
educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário,
designadamente, em matéria de avaliação do desempenho do pessoal docente. O novo
artigo 46.º, n.º 3, deste Estatuto estabelece o sistema de classificação dos
docentes e prevê quotas máximas para a atribuição das classificações mais
elevadas (Excelente e Muito bom).
Com este novo regime, a avaliação dos docentes deixa de ser igual para todos:
uns obterão, pelo seu mérito, as classificações mais elevadas e outros, que por
igual mérito seriam merecedores das mesmas classificações, não as alcançam por
mero impedimento administrativo, consubstanciado na fixação de quotas. Quer isto
dizer que a classificação final atribuída pode não derivar da equidade na
avaliação do mérito intrínseco do professor avaliado, mas sim ser imposta pelo
sistema de quotas instituído.
Este novo figurino de avaliação afronta claramente o princípio da igualdade
consagrado no artigo 13.º da Constituição, porque origina uma diferenciação não
fundada, tratando o que é igual de forma diferente.
Além disso, o artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto, ao permitir a fixação de quotas
na atribuição das duas notas mais elevadas da avaliação da carreira do docente,
restringe um direito, liberdade e garantia – a liberdade de exercício de uma
profissão, consagrada no artigo 47.º da Constituição.
Ora, os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos por lei da
Assembleia da República ou decreto-lei autorizado do Governo [artigos 18.º, n.º
2, e 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição]. Ao remeter a fixação das quotas
para despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da
Educação e da Administração Pública, o artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto viola a
reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
O artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto contraria ainda a Lei de bases que lhe serve
de fundamento, na medida em que viola o princípio geral de que a progressão na
carreira do docente deve estar ligada à avaliação de toda a actividade
desenvolvida na instituição educativa (artigo 39.º, n.º 2, da Lei de bases do
sistema educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, e alterada
pelas Leis n.º 115/97, de 19 de Setembro, e n.º 49/2005, de 30 de Agosto). Na
verdade, a imposição de quotas na avaliação do mérito dos docentes constitui um
obstáculo, nas situações em que estas estejam preenchidas, a que possa ser
avaliada toda a actividade por ele desenvolvida.
O artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto é, portanto, ilegal, na medida em que viola
uma disposição com valor reforçado (artigo 112.º, n.º 3, da Constituição).
2.2. Quanto à norma contida no nº 8 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 15/2007
Uma das alterações introduzidas no Estatuto da carreira dos educadores de
infância e dos professores dos ensinos básico e secundário consiste na criação
de uma nova categoria de professores – os professores titulares –, para quem
atinja o topo da carreira docente (artigo 34.º). Os professores que, entretanto,
já tenham chegado aos lugares cimeiros da carreira docente têm que submeter-se a
provas para poderem ascender à categoria de professor titular (artigos 37.º e
38.º).
Esta alteração na carreira docente tem implicações imprevistas, intoleráveis e
desproporcionadas em carreiras consolidadas ao longo de vários anos, que as
disposições transitórias do Decreto-Lei n.º 15/2007 não logram acautelar
devidamente. Com o efeito, o artigo 10.º, n.º 8, deste diploma, faz regredir os
professores que, entretanto, já se encontravam nos lugares cimeiros da carreira
docente (nos 8.º. 9.º e 10.º escalões), na medida em que deixam de ocupar as
posições mais elevadas da carreira e transitam para uma categoria inferior – a
de professor –, e na medida em que deixam de desenvolver certas tarefas de
coordenação e supervisão, que passam a estar cometidas somente ao professor
titular.
Ao frustrar intoleravelmente as legítimas expectativas daqueles professores que
já estavam nos lugares cimeiros da carreira docente, o artigo 10.º, n.º 8, do
Decreto-Lei n.º 15/2007 é inconstitucional, na medida em que viola o princípio
da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático [artigos 2.º
e 9.º, alínea b), da Constituição].
Acresce que o regime fixado no artigo 10.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 15/2007 é
manifestamente desproporcionado, por existir outra solução menos lesiva: a
consagração, a título transitório, de duas carreiras de topo – a carreira dos
professores nos últimos escalões (8.º a 10.º) e a carreira de professor titular
– com os mesmos conteúdos funcionais, extinguindo-se a primeira delas à medida
que os docentes deixassem de estar no activo. Nessa medida, a norma em análise é
inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no
princípio do Estado de direito democrático [artigos 2.º e 9.º, alínea b), da
Constituição].
2.3. Quanto à norma contida no artigo 15º, n.º 5, alínea c), do Decreto‑Lei
n.º 15/2007
O artigo 15.º, n.º 5, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/2007 estabelece como
requisito para o recrutamento transitório para professor titular, por parte dos
professores que à data da entrada em vigor do diploma estejam nos 8.º, 9.º e
10.º escalões, a prestação efectiva de funções, desconsiderando as situações
legalmente equiparadas a essa prestação efectiva de funções.
Na medida em que esse requisito pode levar a que sejam afastados do concurso os
professores dispensados de funções lectivas, por razões de saúde, o artigo 15.º,
n.º 5, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/2007 é inconstitucional, por violação do
direito à protecção da saúde, previsto no artigo 64.º da Constituição.
O requerente conclui, assim, pela inconstitucionalidade e ilegalidade do artigo
46.º, n.º 3, do Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos
professores dos ensinos básico e secundário, na redacção dada pelo artigo 2.º do
Decreto-Lei n.º 15/2007, e pela inconstitucionalidade dos artigos 10.º, n.º 8, e
15.º, n.º 5, alínea c), deste último diploma.
3. A resposta do órgão autor da norma
Notificado o Governo, através do Primeiro Ministro, nos termos dos artigos 54º e
55º da Lei nº 28/82, para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, veio ele
alegar, em suma, o seguinte:
3.1. Quanto ao artigo 46º, nº 3, do Estatuto
O artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos
professores dos ensinos básico e secundário, na redacção dada pelo artigo 2.º do
Decreto-Lei n.º 15/2007, não viola o artigo 13.º da Constituição, inserindo-se
antes no conjunto de soluções normativas de tratamento diferenciado que a
jurisprudência constitucional tem entendido serem constitucionalmente aceitáveis
(cf. os Pareceres n.º 1/76 e 33/81 da Comissão Constitucional, e os Acórdãos n.º
44/84, 187/90, 412/2002, 232/2003 e 289/2005 do Tribunal Constitucional). Pode o
requerente discordar da solução material constante do artigo 46.º, n.º 3, do
Estatuto, mas isso não é suficiente para justificar a intervenção do Tribunal
Constitucional, para salvaguarda do princípio da igualdade, na sua vertente de
proibição do arbítrio ou criação de soluções aleatórias. Trata-se de um caso em
que deve haver auto‑contenção do Tribunal, para assegurar que o juiz não se
substitui ao legislador (cf. Maria Lúcia Amaral, “O princípio da igualdade”, in
Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra, 2004,
pp. 52 e 53, e José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na
Constituição portuguesa de 1976, 3ª ed., Coimbra, 2004, pp. 401 e 402).
A diferenciação em apreço não viola o princípio da igualdade, por não
consubstanciar uma solução administrativa afastada da lei nem ser arbitrária ou
aleatória.
Com efeito, as classificações a que alude a norma em análise não se encontram
dependentes de meras imposições administrativas, uma vez que estão
quantitativamente dependentes da avaliação externa a que a escola está sujeita e
esta, por sua vez, é realizada de acordo com um procedimento definido por via
legislativa (artigo 8.º da Lei n.º 31/2002, de 20 de Dezembro). Este regime
condiciona a discricionariedade administrativa na fixação de percentagens
máximas das classificações Muito bom e Excelente.
Além disso, a solução adoptada na norma em análise é justificada no preâmbulo do
diploma, em razões legítimas de índole política: “sendo impossível organizar as
escolas com base na indiferenciação, é indispensável proceder à correspondente
estruturação da carreira, dotando cada estabelecimento de ensino de um corpo de
docentes reconhecido, com mais experiência, mais autoridade e mais formação, que
assegure em permanência funções de maior responsabilidade e que constitua uma
categoria diferenciada”. A solução adoptada é também justificada no contexto de
um mais amplo complexo governativo: “no sentido de assegurar que se trata de uma
avaliação efectivamente diferenciadora, determina-se, em termos semelhantes aos
do regime aplicável aos funcionários e agentes da Administração Pública, a
existência de cinco menções qualitativas possíveis e uma contingentação das duas
classificações superiores que conferem direito a um prémio de desempenho”.
A norma em análise integra-se numa área do ordenamento jurídico onde a
actividade classificatória é fundamental e, como se viu, não estabelece
critérios alheios ao normativo constitucional.
O artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto também não constitui uma restrição a direitos,
liberdades e garantias. Não estamos na esfera do artigo 47.º da Constituição,
uma vez que este se refere à liberdade de escolha de profissão (cf. o Acórdão
n.º 672/96 do Tribunal Constitucional) e os trabalhadores a que se aplica o
artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto já estão integrados no quadro docente, sendo
funcionários públicos. Estamos, sim, na esfera do artigo 58.º da Constituição
(direito ao trabalho, na vertente de liberdade de exercício de uma actividade
profissional), que pertence ao grupo dos direitos económicos, sociais e
culturais.
A liberdade de trabalhar faz parte do direito geral de liberdade (cf. J. J.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
Coimbra, 2007, p. 765) e traduz-se na liberdade de iniciar e prosseguir uma vida
laboral. Não é isso que está em causa no caso dos autos, uma vez que a norma
questionada não é uma restrição mas sim uma regulamentação do exercício de uma
profissão (sobre a distinção entre restrição e regulamentação/condicionamento de
direitos fundamentais, por parte do Tribunal Constitucional, cf. Jorge Reis
Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas
pela Constituição, Coimbra, 2003, p. 185).
Quanto à ideia da ilegalidade do artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto, ela assenta
numa interpretação do artigo 39.º, n.º 2, da Lei de bases do sistema educativo
da qual se dissente. O requerente considera que a avaliação de toda actividade
desenvolvida pelos docentes (exigida pela Lei de bases) é posta em crise pela
contingentação das classificações de Muito bom e Excelente, mas nada no
Decreto-Lei n.º 15/2007 limita, restringe ou proíbe a avaliação da actividade
efectivamente desenvolvida pelos docentes. Ao invés, o artigo 45.º deste diploma
prodigaliza itens de classificação, que fornecem aos docentes todas as
possibilidades de avaliação nos diversos domínios onde se desenvolve a sua
actividade profissional. As classificações de topo estão sujeitas a critérios
mais exigentes: as menções acima de bom dependem do cumprimento de, pelo menos,
95% das actividades lectivas (artigo 46.º, n.º 5) e a menção excelente tem que
ser justificada nos contributos relevantes do avaliado para o sucesso escolar
dos alunos e a qualidade da aprendizagem (artigo 46.º, n.º 4). Como se diz no
preâmbulo do Decreto-Lei n.º 15/2007, trata-se de “um regime de avaliação de
desempenho mais exigente e com efeitos no desenvolvimento da carreira, que
permita identificar, promover e premiar o mérito”, relativamente ao qual não se
vislumbra qualquer fenómeno de ilegalidade.
3.2. Quanto ao artigo 10.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 15/2007
O pedido de declaração de inconstitucionalidade do artigo 10.º, n.º 8, do
Decreto-Lei n.º 15/2007 suscita dúvidas e revela incerteza: o requerente afirma,
por um lado, que a dita norma altera de forma abrupta e insuportável posições
funcionais já estabilizadas, frustrando intoleravelmente as legítimas
expectativas dos professores que já estavam nos lugares cimeiros da carreira
docente e, por outro lado, que era possível acolher uma solução menos lesiva,
criando uma carreira transitória para os professores nos últimos escalões (8.º a
10.º).
A norma questionada não é incompatível com a Constituição, harmonizando da
melhor forma uma situação profissional vinda do passado (professor) e outra
criada para o futuro (professor titular). Trata-se de uma típica norma de
garantia, que garante aos docentes a manutenção da remuneração auferida. No
demais, a lei dá a todos a possibilidade de chegar ao lugar de topo.
A alteração da carreira docente levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 15/2007
integra a liberdade de conformação do legislador. Se assim não fosse,
correr-se-ia
o risco de, com base em expectativas não constitutivas de direitos, se limitar o
poder político democraticamente legitimado de pôr em prática o seu programa de
governo.
3.3. O artigo 15.º, n.º 5, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/2007
No que toca à alínea c) do n.º 5 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, o
requerente receia que uma certa interpretação da norma possa excluir professores
candidatos dispensados do exercício de funções lectivas, por razões de saúde.
Essa disposição deve ser interpretada em conformidade com a Constituição, de
modo a que não tenha consequências incompatíveis com esta. Não está em causa a
protecção do direito à saúde, não sendo a norma inconstitucional.
4. Memorando
Tendo sido discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Presidente do
Tribunal Constitucional nos termos do artigo 63º, da Lei nº 28/82, cumpre
decidir de acordo com a orientação que aí se fixou.
II
Fundamentos
A) O artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto
5. Sustenta o requerente que o artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto da carreira dos
educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário viola o
princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, porque
origina uma diferenciação não fundada, tratando de forma diferente situações
iguais.
O que está em causa é o princípio da igualdade perante a lei (artigo 13.º,
n.º 1, da Constituição), na vertente de proibição de diferenciação de situações
iguais. De acordo com jurisprudência constitucional abundante e reiterada
(constante, designadamente, dos Acórdãos n.º 142/85, 340/92, n.º 309/93, n.º
335/94 e n.º 232/2003, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol.
6.º, pp. 81 e ss., Vol. 23.º, pp. 59 e ss., Vol. 24.º, pp. 185 e ss., Vol. 27.º,
pp. 233 e ss., e Vol. 56.º, pp. 7 e ss., respectivamente), o princípio da
igualdade não proíbe em absoluto toda e qualquer diferenciação de tratamento,
mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento
razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. (Cf., também sobre
esta temática, entre muitos outros autores, Maria da Glória Ferreira Pinto,
“Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou fórmula «carregada» de sentido?”,
Boletim do Ministério da Justiça, N.º 358, Julho de 1986, pp. 47 a 52, João
Martins Claro, “O princípio da igualdade”, Nos dez anos da Constituição, INCM,
1987, pp. 34 e 35, e Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais
estruturantes da República portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pp. 109 a 115.)
O que o Tribunal Constitucional controla, neste domínio, é o respeito pela
proibição do arbítrio, enquanto critério negativo e limitador da liberdade do
legislador ordinário – cf., neste sentido, J. J. Gomes Canotilho, Constituição
dirigente e vinculação do legislador”, Coimbra Editora, 2001, pp. 382 e 387,
Almeno de Sá, Administração do Estado, administração local e princípio da
igualdade no âmbito do estatuto de funcionário, Universidade de Coimbra, 1985,
pp. 72 e 73, Bernardo Xavier e Nunes de Carvalho, “Princípio da igualdade: a
trabalho igual, salário igual”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, N.º 4,
Outubro a Dezembro de 1997, pp. 407 e 408. Nessa medida – e sempre que se não
verifiquem os sinais indiciadores de existência de discriminações proibidas,
previstas no nº 2 do artigo 13º da CRP – o juiz só deve proferir juízos de
inconstitucionalidade em caso de inexistência de qualquer relação entre o fim
prosseguido pela lei e as diferenças de regimes que, por causa desse fim, a
própria lei estatui, isto é, em caso de ausência de qualquer elo de adequação
objectiva e racionalmente comprovável entre a ratio das escolhas legislativas e
as diferenças estabelecidas pelo legislador.
Do que se disse resulta que o legislador ordinário detém uma certa margem de
liberdade de actuação, permitindo-lhe a Constituição efectuar diferenciações de
tratamento, desde que estas sejam materialmente e racionalmente fundadas.
Esclarecido o sentido da proibição constitucional do arbítrio, importa agora
atentar na norma contida no artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto, de modo a verificar
se ela conduz ao tratamento arbitrário de situações iguais.
Adianta-se, desde já, que a norma questionada, ao limitar a atribuição das notas
mais elevadas de classificação dos docentes, não implica uma diferenciação
constitucionalmente ilegítima. Para compreender porque assim é, há que explicar
e contextualizar a solução contida na norma.
Essa limitação, operada através de um sistema de quotas, é uma solução de gestão
dos recursos humanos da administração pública em geral, e não apenas dos
docentes abrangidos pela norma questionada – ela pretende ser um instrumento da
correcta avaliação do desempenho dos funcionários públicos.
Importa referir que a solução normativa em análise não é original no panorama do
direito comparado. Também em França existe contingentação na avaliação dos
funcionários públicos, incluindo os docentes – cf. o Título III e, sobretudo, o
artigo 13.º, do Décret n.º 2002-682, de 29 de Abril de 2002 (publicado no
Journal Officiel, de 2 de Maio de 2002), os artigos 17.º, 21.º e 25.º do Arrêté
du ministre de l'éducation nationale, de l'enseignement supérieur et de la
recherche, du ministre de la culture et de la communication et du ministre de la
jeunesse, des sports et de la vie associative, de 17 de Novembro de 2004
(publicado no Journal Officiel, de 24 de Novembro de 2004), o Acórdão do
Conselho de Estado, de 29 de Outubro de 2003, proferido no Processo n.º 247602
(disponível no sítio de Internet www.legifrance.gouv.fr), bem como, na doutrina,
Serge Salon e Jean-Charles Savignac, “La réforme de la notation des
fonctionnaires de l’État”, AJDA, N.º 18/2004, pp. 958 a 962. Igualmente se
encontra um sistema de quotas na progressão das carreiras de certos funcionários
da administração comunitária – cf. o artigo 45.º-A, n.º 4, do Estatuto dos
Funcionários da União Europeia, na redacção dada pelo Regulamento n.º 723/2004,
do Conselho, de 22 de Março de 2004, publicado no Jornal Oficial, N.º L 124, p.
1, de 27 de Abril de 2004.
O sistema de quotas na avaliação dos docentes surge como resposta a um problema,
identificado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 15/2007: “a avaliação de
desempenho, com raras excepções apenas, converteu-se num simples procedimento
burocrático, sem qualquer conteúdo. Nestas condições, a progressão na carreira
passou a depender fundamentalmente do decurso do tempo”. Para resolver esse
problema, o legislador criou um sistema de avaliação diferenciadora. Explica,
assim, o preâmbulo: “no sentido de assegurar que se trata de uma avaliação
efectivamente diferenciadora, determina-se, em termos semelhantes aos do regime
aplicável aos funcionários e agentes da Administração Pública, a existência de
cinco menções qualitativas possíveis e uma contingentação das duas
classificações superiores que conferem direito a um prémio de desempenho”.
Decorre do artigo 40.º, n.º 1, do Estatuto que “a avaliação do desempenho do
pessoal docente desenvolve-se (…) no respeito pelos princípios e objectivos que
enformam o sistema integrado de avaliação do desempenho da administração
pública”. A solução normativa questionada deve, assim, ser contextualizada numa
política governativa mais ampla, dirigida a toda a administração pública, que se
encontra hoje vertida, no seu essencial, na Lei n.º 66‑B/2007, de 28 de
Dezembro.
Esta lei estabelece o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na
Administração Pública, e nela encontramos a fixação de percentagens máximas para
a atribuição, quer aos dirigentes da Administração Pública quer aos seus
trabalhadores, das classificações mais elevadas em cada organismo (artigo 32º,
nº 4, para os dirigentes superiores da Administração Pública; artigo 37º, nº 5,
para a avaliação de desempenho dos dirigentes intermédios; artigo 75º, nº 1,
para a avaliação do desempenho dos trabalhadores). No caso dos educadores de
infância e professores dos ensinos básico e secundário, a fixação das
percentagens máximas das classificações superiores a Bom, em cada escola não
agrupada ou agrupamento de escolas, é remetida para despacho ministerial, mas
obedece a um critério objectivo: os resultados obtidos na avaliação externa da
escola (n.º 3 do artigo 46.º do Estatuto).
Um dos objectivos prosseguidos pelo sistema de avaliação estabelecido pela Lei
nº 66‑B/2007 é o do reconhecimento e distinção dos serviços, dirigentes e
trabalhadores da Administração Pública pelo seu desempenho e pelos resultados
obtidos, de forma a estimular «o desenvolvimento de uma cultura de excelência e
qualidade» [alínea e) do artigo 6º]. A este propósito – e comentando ainda o
regime anterior, fixado pela Lei nº 10/2004 – Olga Maia e Maria Manuel Busto
afirmam o seguinte (O novo regime laboral da administração pública, Almedina,
2006, pp. 89):
Pretende-se com este regime estabelecer uma cultura de meritocracia na
administração pública, aproximando o sistema público do privado, em que o
desempenho profissional é o factor-chave da avaliação profissional do
funcionário. A avaliação do desempenho é considerada a pedra angular em qualquer
sistema de gestão de recursos humanos, pelo que a aplicação deste modelo à
administração pública é crucial para a tão esperada reforma do sector. (…)
Sobre a necessidade de estimular os funcionários públicos em função do mérito,
designadamente através da eliminação dos estímulos decorrentes da antiguidade e
da previsão de medidas remuneratórias diferenciadas, em função da produtividade,
veja-se também Paulo Veiga e Moura, A privatização da função pública, Coimbra
Editora, 2004, pp. 413 e ss.
No caso do Estatuto dos educadores de infância e dos professores dos ensinos
básico e secundário, a distinção do mérito, prosseguida através do sistema de
quotas, pretende criar a referida cultura de meritocracia e constituir um
instrumento de “dignificação da profissão docente” e de “promoção da auto-estima
e motivação dos professores” (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 15/2007).
O reconhecimento do mérito associado à obtenção de uma classificação superior a
Bom concretiza-se, essencialmente, em benefícios no desenvolvimento da carreira
do funcionário público (n.ºs 3 e 4 do artigo 15.º da Lei n.º 10/2004), sendo a
existência de recompensas considerada essencial ao funcionamento do sistema de
avaliação de desempenho (cf. Olga Maia e Maria Manuel Busto, obra citada, p.
95). No caso dos educadores de infância e professores dos ensinos básico e
secundário, esses benefícios traduzem-se, designadamente, na redução do tempo de
serviço exigido para o acesso à categoria de professor titular (artigo 48.º,
n.ºs 1 a 4, do Estatuto) e no pagamento de um prémio pecuniário de desempenho
(artigo 63.º do Estatuto).
A solução normativa contida no artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto constitui um
instrumento de diferenciação, visando distinguir o que é diferente (em termos de
mérito) e não distinguir o que é igual. O legislador identifica, inclusivamente,
os factos que servem de fundamento a essa diferenciação: a classificação de
Muito bom pressupõe que o docente tenha cumprido, no mínimo, 95% das actividades
lectivas anuais e a classificação de Excelente pressupõe, em acréscimo, que o
docente tenha contribuído de forma relevante para o sucesso escolar dos alunos e
a qualidade da aprendizagem (artigo 46.º, n.ºs 4 e 5, do Estatuto). Pode,
portanto, dizer-se que o sistema de avaliação instituído reserva as
classificações máximas para as situações de desempenho mais relevante, servindo
as quotas para garantir a sua correcta utilização.
Ora, sendo certo que a avaliação dos docentes, com base na diferenciação em
função do mérito, nada tem de arbitrário, não pode recusar-se que o sistema de
quotas instituído pela norma questionada se apresenta como um instrumento de
gestão de recursos humanos adequado à diferenciação do desempenho dos docentes.
Importa acrescentar que não compete ao Tribunal avaliar o mérito, e nos termos
em que é feito, da utilização, neste contexto, de um sistema de quotas. Trata‑se
do exercício de escolhas de ordem política que o Governo faz, enquanto órgão de
condução da política geral do país e órgão superior da Administração Pública
(cf. artigo 182.º da Constituição). Tal como se disse no já mencionado Acórdão
n.º 142/85, não cabe ao Tribunal substituir-se ao legislador, na tarefa de
encontrar a solução justa, mas apenas averiguar se a solução por este escolhida
possui uma suficiente justificação objectiva e racional: «[o] que cabe,
portanto, fazer, na referida sede [de controlo da proibição do arbítrio] não é
‘substituírem-se’ os órgãos de controlo ao legislador, e aferirem da
justificação ou racionalidade da solução legislativa pela sua própria ideia do
que seria, no caso, a solução ‘justa’ (…) o que cabe a esses órgãos é tão
somente averiguar se a norma que têm diante de si possui uma suficiente
justificação objectiva; o que lhes cabe, por outras palavras, é ‘cassar’
unicamente ‘as soluções legais de todo o ponto insusceptíveis de credenciar‑se
racionalmente’». (Acórdão nº 142/85, publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, Vol. 6.º, pp. 127-8).
A norma do artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto não viola o princípio da igualdade,
pelo simples facto de prever a fixação de percentagens máximas para a atribuição
das classificações de Muito bom e Excelente.
Desde logo, os contingentes são definidos previamente à avaliação, de modo que
os avaliadores sabem que só podem atribuir um número limitado de classificações
acima de Bom. Além disso, a escala de classificações tem uma amplitude de um a
dez valores (artigo 46.º, n.º 1, do Estatuto), permitindo atribuir uma nota
adequada a cada avaliado, de modo a espelhar a diversidade dos desempenhos
verificados. As menções qualitativas correspondem a uma escala numérica
previamente definida (artigo 46.º, n.º 2, do Estatuto) e a nota final é
calculada a partir de um conjunto de critérios de avaliação extensos e variados,
relativos ao desempenho concreto e efectivo do avaliado (artigo 45.º do
Estatuto).
Daí decorre que uma avaliação séria e rigorosa levará a dispersar as
classificações atribuídas pelos diversos graus da escala, diminuindo a
probabilidade de os avaliados com classificação superior a Bom serem em número
superior ao das quotas fixadas.
Se, ainda assim, isso vier a suceder, não pode afirmar-se que a norma
questionada legitime os avaliadores a efectuar uma escolha arbitrária. Pelo
contrário, a lei exige dos avaliadores uma actuação ponderada e reflectida,
obrigando-os a ter em conta diversos parâmetros e a justificar as opções tomadas
– veja-se que a atribuição de classificações superiores a Bom tem que ser
expressamente fundamentada e pressupõe a verificação dos requisitos previstos no
artigo 46.º, n.ºs 4 e 5, do Estatuto. A avaliação é um acto vinculado,
desenrolando-se de acordo com um procedimento legalmente definido e
orientando-se por princípios de justiça, designadamente o princípio da igualdade
(sendo os avaliadores agentes administrativos, aplica-se-lhes o disposto no
artigo 266.º, n.º 2, da Constituição).
Acresce que a decisão dos avaliadores é controlada por diversos mecanismos: a
atribuição de uma classificação superior a Bom tem que ser confirmada pela
comissão de coordenação da avaliação [artigo 44.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4, do
Estatuto], o procedimento de avaliação contempla uma entrevista dos avaliadores
com o avaliado, para conhecimento da proposta de avaliação e apreciação do
processo [artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto], e o avaliado pode
reclamar e recorrer da classificação atribuída (artigo 47.º do Estatuto).
Hipoteticamente, no caso de a norma ora questionada ser interpretada de forma
contrária à Constituição, por conduzir a uma discriminação arbitrária na
avaliação do docente, sempre poderá o lesado recorrer à fiscalização concreta da
constitucionalidade. Tal situação não justifica, contudo, a declaração da
inconstitucionalidade da norma, no processo sub iudice. Veja-se, a este
propósito, a distinção efectuada no Acórdão n.º 679/2005 (publicado em Acórdãos
do Tribunal Constitucional, Vol. 63.º, pp. 69 e ss.), entre uma solução
normativa inconstitucional e uma interpretação normativa inconstitucional, por
violação do princípio da igualdade. No caso em presença, deve lançar-se mão do
princípio da interpretação em conformidade com a Constituição, enquanto
princípio de conservação de normas. Podendo o artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto
ser interpretado e aplicado sem violação do princípio da igualdade, conclui-se
pela improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com base
nesse fundamento.
6. O segundo fundamento de inconstitucionalidade do artigo 46.º, n.º 3, do
Estatuto a que o pedido faz referência é a violação do princípio da reserva de
lei.
Apesar de não o especificar no pedido, o requerente fundamenta a
inconstitucionalidade do artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto da carreira dos
educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário numa
dupla violação do princípio da reserva de lei. Com efeito, o requerente põe em
causa o cumprimento desse princípio no sentido de reserva de Parlamento
(enquanto princípio de repartição de competência legislativa entre a Assembleia
da República e o Governo) e no sentido de reserva de acto legislativo (enquanto
princípio de repartição entre competências legislativas e administrativas do
Governo).
Sustenta antes do mais o requerente que a norma questionada estaria sujeita a
reserva de lei, no sentido de reserva parlamentar, por se tratar de uma norma
restritiva de um direito, liberdade e garantia – a saber a liberdade de
exercício de profissão, consagrada no artigo 47º da CRP. Assim, e de acordo com
as disposições conjugadas do artigo 18º, nº 2 e a 165º, nº 1 alínea b) da
Constituição, só o legislador parlamentar (ou o Governo, quando por aquele
autorizado) estaria legitimado a restringir um tal direito. Contudo, e ainda que
se admita que a matéria regulada se relaciona com a liberdade de escolha de
profissão e o direito de acesso à função pública, expressamente consagrados no
artigo 47.º da Constituição (uma vez que este preceito constitucional abrange,
implicitamente, o direito às promoções na carreira em condições de igualdade –
cf., neste sentido, os Acórdãos n.º 157/92 e n.º 355/99 [publicados em Acórdãos
do Tribunal Constitucional, Vol. 21.º, pp. 703 e ss., e Vol. 44.º, pp. 229 e
ss., respectivamente], bem como, na doutrina, J. J. Gomes Canotilho e Vital
Moreira, obra citada, p. 660, Ana Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego
público, Coimbra Editora, 1999, pp. 328 e 329, e Paulo Veiga e Moura, obra
citada, p. 130), nada legitima a conclusão, perfilhada pelo requerente, segundo
a qual seria esta uma norma restritiva do direito consagrado no artigo 47º.
Com efeito, se se entende por restrição toda a «acção ou omissão estatal que
afecta desvantajosamente o conteúdo de um direito fundamental, seja porque se
eliminam, reduzem ou dificultam as vias de acesso ao bem nele protegido e as
possibilidades da sua fruição por parte dos titulares reais ou potenciais do
direito fundamental seja porque se enfraquecem os deveres e obrigações, em
sentido lato, que da necessidade da sua garantia e promoção resultam para o
Estado» (Jorge Reis Novais, As Restrições aos Direitos Fundamentais não
expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra Editora, 2003, pp. 157),
não se vê como é que a norma questionada possa ser entendida como uma norma
restritiva de um direito, para efeitos da aplicação da reserva de lei
parlamentar consagrada nos artigos 18º, n2 e 165, nº 1, alínea b) da CRP. A
norma regula a avaliação do desempenho dos docentes. Ora, tal avaliação, nos
termos em que é regulada pela norma questionada, não se afigura como uma
afectação negativa do bem jurídico que é protegido pelo artigo 47º, da
Constituição, não estando por esse motivo sujeita a reserva de lei.
Apesar de o requerente não ter aflorado este aspecto (o que não limita os
poderes de cognição do Tribunal, por este não estar vinculado aos fundamentos do
pedido), a matéria regulada no artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto dos educadores de
infância e dos professores dos ensinos básico e secundário encontra-se na
confluência de duas outras temáticas relativamente às quais o legislador
constitucional criou uma reserva de competência legislativa da Assembleia da
República: o sistema educativo e a função pública.
O artigo 164.º, alínea i), da Constituição, reserva em absoluto à Assembleia da
República a definição das bases do sistema educativo. Todavia, a matéria
regulada pelo artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto não integra essa reserva. Como se
disse, por exemplo, nos Acórdãos n.º 38/84, n.º 125/2000 e n.º 262/2006
(publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 3.º, pp. 75 e ss., Vol.
46.º, pp. 489 e ss., e Vol. 64.º, pp. 43 e ss., respectivamente), consideram-se
bases do sistema de ensino as opções fundamentais e a disciplina básica dos
princípios e direitos constitucionais relativos ao ensino, designadamente, a
liberdade de ensino, o direito ao ensino, o estatuto das universidades e o
direito de participação no ensino.
Ora, a imposição de percentagens máximas aos dois graus mais elevados da escala
das classificações dos docentes não assume importância suficiente para que possa
ser considerada uma opção político-legislativa fundamental sobre as bases do
sistema de ensino, em termos de integrar este conceito e determinar a
inconstitucionalidade orgânica da norma questionada.
Em conformidade com esse regime, a Lei de bases do sistema educativo (aprovada
pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, e alterada e republicada pela Lei n.º
49/2005, de 30 de Agosto) limita-se a prever, quanto à avaliação dos docentes,
duas garantias essenciais: por um lado, “a progressão na carreira deve estar
ligada à avaliação de toda a actividade desenvolvida” e, por outro lado, aos
docentes “é reconhecido o direito de recurso das decisões da avaliação” (artigo
39.º, n.ºs 2 e 3, respectivamente). Em tudo o que mais respeite às carreiras do
pessoal docente, o artigo 62.º, n.º 1, alínea c), da Lei de bases remete para
legislação de desenvolvimento.
No âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, em
matéria de bases do regime e âmbito da função pública – artigo 165.º, n.º 1,
alínea t), da Constituição –, compete ao Parlamento, sem prejuízo de autorização
ao Governo, a definição das grandes linhas de inspiração da regulação legal da
função pública e a demarcação do âmbito institucional e pessoal da aplicação
desse específico regime jurídico. A reserva compreende, assim, o estabelecimento
do quadro dos princípios básicos fundamentais daquela regulação, dos seus
princípios reitores ou orientadores – princípios esses que caberá depois ao
Governo desenvolver, concretizar e mesmo particularizar, em diplomas de espectro
mais ou menos amplo – e dos princípios que constituirão, justamente, o parâmetro
e o limite deste desenvolvimento, concretização e particularização.
Ora, esses princípios estão, em matéria de avaliação de desempenho dos
trabalhadores da administração pública, vertidos na Lei n.º 10/2004 e a norma
ora questionada constitui uma mera derivação de uma solução prevista, com
carácter geral, nesta Lei (artigo 15.º). Veja-se, inclusivamente, que o artigo
21.º, n.º 1, da Lei n.º 10/2004 prevê que “o sistema de avaliação do desempenho
(…) poderá ser adaptado à situação específica dos vários organismos e serviços
da Administração Pública, assim como à das carreiras de regime especial e corpos
especiais, desde que observados os princípios e objectivos constantes da
presente lei e as regras essenciais ao controlo e normalização de
procedimentos”. Não se verifica, assim, uma violação da reserva parlamentar em
matéria de função pública.
Como já se disse, o requerente fundamenta também a inconstitucionalidade do
artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto na violação da reserva de acto legislativo.
Discorda‑se, contudo, desse entendimento.
Dessa reserva decorre a necessidade de enquadramento legal da actuação
administrativa, tendo a volição primária que constar de acto legislativo. Ora, o
artigo 46.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 15/2007 limita-se a delegar para despacho
conjunto a fixação das percentagens máximas de classificações de Muito bom e
Excelente, de acordo com um critério legalmente definido: os resultados obtidos
na avaliação externa da escola (estando esta avaliação regulada no artigo 8.º da
Lei n.º 31/2002, de 20 de Dezembro). A actuação da administração consiste,
assim, unicamente, em concretizar uma medida (escolha primária) definida em
termos claros, suficientes e precisos por uma norma originária do poder
legislativo – cf., com semelhanças relativamente ao caso em presença, o juízo de
não inconstitucionalidade proferido no Acórdão n.º 285/92 (publicado em Acórdãos
do Tribunal Constitucional, Vol. 22.º, pp. 159 e ss.), relativamente a uma
norma que remetia para despacho ministerial a fixação das categorias e carreiras
cujo pessoal ficava autorizado a optar por medidas excepcionais de
descongestionamento da função pública, em alternativa à integração no quadro de
efectivos interdepartamentais.
A definição das percentagens máximas das classificações acima de Bom não
consubstancia, portanto, normação inovatória, em área coberta pela reserva de
acto legislativo, o que leva a concluir que a norma questionada não enferma do
vício de inconstitucionalidade alegado pelo requerente.
7. O requerente sustenta também que o artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto da
carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e
secundário contraria a Lei de bases do sistema educativo, violando o princípio
geral de que a progressão na carreira do docente deve estar ligada à avaliação
de toda a actividade desenvolvida na instituição educativa (artigo 39.º, n.º 2,
desta Lei). Tal situação consubstancia, no entender do requerente, uma
ilegalidade, por violação de uma disposição legal que, nos termos do artigo
112.º, n.º 3, da Constituição, tem valor reforçado.
Discorda-se, contudo, desse entendimento, considerando-se, ao invés, que a
imposição de quotas nas classificações máximas dos docentes não constitui um
obstáculo a que possa ser avaliada toda a actividade por eles desenvolvida e que
essa actividade se repercuta na progressão na carreira.
A norma questionada não derroga outras normas do Estatuto, de importância
fundamental para resolver o problema ora em análise.
Desde logo, o artigo 40.º, n.º 1, do Estatuto prevê que “a avaliação do
desempenho do pessoal docente desenvolve-se de acordo com os princípios
consagrados no artigo 39.º da Lei de Bases do Sistema Educativo e no respeito
pelos princípios e objectivos que enformam o sistema integrado de avaliação do
desempenho da Administração Pública, incidindo sobre a actividade desenvolvida e
tendo em conta as qualificações profissionais, pedagógicas e científicas do
docente”.
Concretizando a primeira parte da norma transcrita, o artigo 41.º, alínea a), do
Estatuto determina que “a avaliação do desempenho é obrigatoriamente considerada
para efeitos de (…) progressão e acesso na carreira”.
Concretizando a segunda parte da norma transcrita, o artigo 42.º, n.º 2, do
Estatuto estatui que a avaliação do desempenho se concretiza em quatro
dimensões, que abarcam toda a actividade desenvolvida pelo docente (a vertente
profissional e ética; o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; a
participação na escola e a relação com a comunidade escolar; o desenvolvimento e
formação profissional ao longo da vida), e o artigo 45.º do Estatuto obriga a
que na avaliação se pondere, por um lado, o envolvimento e a qualidade
científico-pedagógica do docente, tendo em conta a preparação, organização e
realização das actividades lectivas, a relação pedagógica com os alunos e o
processo de avaliação da aprendizagem dos alunos (n.º 1), e se atenda, por outro
lado, a diversos indicadores: o nível de assiduidade; o serviço distribuído; o
progresso dos resultados escolares esperados para os alunos e as taxas de
abandono escolar, tendo em conta o contexto sócio-educativo; a participação dos
docentes na instituição e a apreciação da sua colaboração em projectos de
melhoria da actividade didáctica e dos resultados das aprendizagens; as acções
de formação contínua concluídas; o exercício de outros cargos ou funções de
natureza pedagógica; a dinamização de projectos de investigação, desenvolvimento
e inovação educativa e sua correspondente avaliação; e a apreciação realizada
pelos pais e encarregados de educação dos alunos, obtida com a concordância do
docente (n.º 2).
A consideração de toda a actividade realizada pelo docente na avaliação está,
nos termos expostos, garantida pelo conjunto de normas assinaladas.
Só numa hipotética situação de igualdade total entre docentes, a utilização do
sistema de quotas poderia impedir que a actividade por eles desenvolvida se
repercutisse de forma igual na respectiva avaliação, levando à desconsideração
de parte dessa actividade, relativamente aos docentes não abrangidos pela quota.
Contudo, essa situação configuraria um problema de igualdade, semelhante ao qual
já se deu resposta no Ponto 5 da presente decisão. A adequação do sistema
valeria, assim, também, neste caso.
Quanto à contagem do período de serviço avaliado, para efeitos de progressão na
carreira, é garantida pelo artigo 48.º do Estatuto, a todos os docentes com
classificação mínima de Bom [n.º 4, alínea a)], não estando a atribuição desta
classificação sujeita a qualquer percentagem máxima. Com este regime fica
satisfeita a exigência do artigo 39.º, n.º 2, da Lei de bases, de repercutir a
actividade do docente na progressão da respectiva carreira.
Efectivamente, as classificações de Muito bom e Excelente dão apenas direito à
redução do tempo de serviço (n.ºs 1 a 3 do artigo 48.º do Estatuto),
traduzindo-se num bónus para os docentes que tiveram um melhor desempenho.
Trata-se de um benefício extraordinário, autónomo da contagem do tempo de
serviço prestado, para efeitos de progressão da carreira, que é garantida a
todos os docentes classificados com nota acima de Bom.
De tudo o exposto resulta que a norma contida no artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto
não contraria o artigo 39.º, n.º 2, da Lei de bases do sistema educativo, sendo
improcedente a questão de ilegalidade suscitada pelo requerente.
B) O artigo 10.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 15/2007
8. Sustenta o requerente que a criação da categoria de professor titular
implica uma regressão profissional dos professores que, entretanto, já tinham
chegado aos lugares cimeiros da carreira. Explica-se, no pedido, que estes
professores deixam de ocupar as posições mais elevadas da carreira (transitando
para uma categoria inferior – a de professor – e tendo de submeter-se a provas
para poder ascender à carreira de professor titular) e deixam de desenvolver
certas tarefas de coordenação e supervisão. Por essas razões, o requerente
entende que o artigo 10.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 15/2007 é inconstitucional,
violando o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito
democrático [artigos 2.º e 9.º, alínea b), da Constituição]. Por existir uma
solução menos gravosa – a consagração, a título transitório, de duas carreiras
de topo –, o requerente entende também que a mencionada norma viola o princípio
da proporcionalidade, vertido nos preceitos constitucionais acima identificados.
A temática da protecção da confiança já foi analisada por este Tribunal, em
diversas ocasiões – veja-se, por exemplo, o já citado Acórdão n.º 285/92, que
identifica um conjunto vasto de decisões sobre esta matéria. Constitui
entendimento pacífico e reiterado da jurisprudência constitucional que o
princípio do Estado de direito democrático postula uma ideia de protecção da
confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do
Estado, implicando um mínimo de certeza e de segurança relativamente aos
direitos e expectativas juridicamente criados. Em consequência, a normação que
obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva a esses mínimos de
certeza e segurança é constitucionalmente inaceitável.
Afigura-se útil, para a resolução do problema ora colocado, recordar o que se
disse no Acórdão nº 786/96 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional,
Vol. 34.º, pp. 23 e ss.):
O princípio da protecção da confiança exprime uma ideia de justiça que aprofunda
o Estado de direito democrático. Segundo ela, o Estado não pode legislar
alterando as expectativas legítimas dos cidadãos relativamente às respectivas
posições jurídicas, a não ser que razões ponderosas o ditem (…). Prevalecem,
neste último caso, a necessidade e o valor dos fins almejados, perante a
segurança e a solidez das expectativas. Mas tal sacrifício das expectativas deve
ser previsível para os cidadãos atingidos e não desproporcional à lesão dos
interesses subjacentes (…).
Mas haverá lesão de expectativas que implique a violação do princípio da
confiança?
Pressuposto de tal violação é a validade das expectativas. Isso não implica,
necessariamente, que estas correspondam a direitos subjectivos, mas apenas que
tenham um fundamento jurídico. E, por outro lado, não bastam quaisquer
expectativas tuteladas juridicamente para que se justifique a intervenção do
princípio da confiança. A validade das expectativas impõe que a previsibilidade
da manutenção de uma posição jurídica se fundamente em valores reconhecidos no
sistema e não apenas na inércia ou na manutenção do status quo.
Por ter relevância directa para o caso presentemente em análise, importa também
recordar o que se disse no Acórdão n.º 4/2003 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, Vol. 55.º, pp. 33 e ss.):
Pese embora seja possível afirmar, segundo os dados da experiência histórica, a
existência, no domínio da função pública, de uma certa
estabilidade/imutabilidade do vínculo laboral estabelecido, senão mesmo da
existência, até, de uma certa expectativa no sentido do seu desenvolvimento que
é próprio de um esquema geral de progressão nas carreiras, tal como nela está
comummente estabelecido, não se segue daí que esses vínculos laborais possam
ficar imunes, ex natura ou por qual razão especial, às contingências financeiras
supervenientes, mormente no que toca à dificuldade da administração não poder
suportar os gastos normais do funcionamento dos serviços, entre eles se contando
os relativos trabalhadores, ou à necessidade sentida pelo legislador de proceder
a uma melhor adequação dos serviços na perspectiva de uma melhor e actual
pacificação das necessidades demandadas pelos interesses públicos que lhe cabe
primacialmente definir e prosseguir. Num domínio altamente sensível às
vicissitudes da realidade económico-financeira, sob a qual os direitos
pretensamente atingidos se movem, e onde se cruzam, com sentidos por vezes
divergentes as expectativas das suas carreiras, mesmo no aspecto remuneratório,
e a necessidade sentida pelo legislador de procurar salvaguardar, por outros
meios organizatórios ou até materiais, a realização do interesse público que lhe
cabe determinar, não será possível vislumbrar a constituição de uma expectativa
materialmente fundada não só da manutenção das suas previsões anteriores sobre o
provável andamento das suas
carreiras como mesmo das situações já alcançadas em função do direito em vigor.
(sublinhado nosso)
O entendimento expresso nos dois acórdãos citados é inteiramente aplicável ao
processo sub iudice.
Note-se, desde já que, no caso em presença, não está em causa a redução dos
direitos ou regalias profissionais, designadamente, a remuneração. Bem pelo
contrário, a norma ora questionada garante aos professores que à data da sua
entrada em vigor estejam posicionados nos 8.º, 9.º e 10.º escalões a manutenção
dos índices remuneratórios auferidos. Trata-se de uma situação distinta da
apreciada no Acórdão n.º 141/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, Vol. 52.º, pp. 179 e ss.), cuja norma declarada inconstitucional
operava uma redução da remuneração global auferida pelo pessoal por ela
abrangido e que se encontrava já em exercício de funções à data da sua entrada
em vigor.
A expectativa que o requerente entende merecer protecção constitucional respeita
apenas à continuidade da posição de certos professores nos lugares de topo da
carreira. Trata-se, portanto, unicamente, de uma expectativa de manutenção de um
statu quo, que não pode considerar-se juridicamente relevante para o efeito de
merecer a tutela dispensada pelo princípio constitucional da protecção da
confiança.
Não se vê, além disso, que a situação em apreço constitua uma verdadeira
regressão profissional. Na verdade, os docentes mantêm-se numa categoria da
carreira que já existia e continua a existir: a categoria de professor. Muda
apenas a organização interna desta categoria, passando a estar repartida em seis
escalões (cf. a tabela a que se refere o artigo 59.º, n.º 1, do Estatuto,
publicada em anexo), e é criada uma nova categoria (professor titular),
hierarquicamente superior à categoria de professor, com funções de diferente
natureza, âmbito e grau de responsabilidade (artigo 34.º, n.º 3, do Estatuto) –
estas funções são, essencialmente, de coordenação, direcção e avaliação (artigo
35.º, n.º 4, do Estatuto).
Importa, também, ter em conta que o legislador, para além de garantir a
manutenção da remuneração dos professores posicionados nos 8.º e 9.º e 10.º
escalões, criou um regime transitório de recrutamento para acesso à categoria de
professor titular, prevendo a abertura de um concurso de acesso especial
destinado unicamente aos professores posicionados no 10.º escalão e,
subsequentemente, aos professores posicionados nos 8.º e 9.º escalões (artigo
15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/2007).
O regime de transição da carreira docente consagrado nos artigos 10.º e
seguintes do Decreto-Lei n.º 15/2007 corresponde, nos termos expostos, a uma
articulação razoável dos interesses do legislador subjacentes à alteração da
estruturação da carreira com os interesses dos professores na manutenção da sua
situação profissional. À semelhança do que se disse no Acórdão n.º 455/2002
(publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 54.º, pp. 707 e ss.),
“estando na disponibilidade do legislador a mudança do regime da estruturação
das carreiras da administração pública, dificilmente poderia conceber-se um modo
de resolver os problemas de transição para o novo regime que não envolvesse
soluções análogas à contida” na norma questionada. As soluções de transição
escolhidas pelo legislador para os professores posicionados nos 8.º, 9.º e 10.º
escalões – designadamente a manutenção da categoria e do índice remuneratório,
bem como o acesso especial e prioritário à categoria de professor titular – não
podem, portanto, considerar-se violadoras do princípio da protecção da
confiança.
Acrescente-se, por fim, que não é necessário determinar se a solução proposta
pelo requerente – manutenção transitória dos 8.º a 10.º escalões da categoria de
professor – é menos lesiva que a consagrada no Decreto-Lei n.º 15/2007. Basta
concluir, como sucede no caso em presença, que a solução encontrada pelo
legislador não viola o princípio da proporcionalidade (em sentido amplo,
compreendendo os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em
sentido estrito), enquanto exigência dirigida ao legislador, ínsito no princípio
do Estado de direito, a que se refere o artigo 2.º da Constituição.
Quanto a este tema, reitera-se o que se disse no Acórdão n.º 187/2001 (publicado
em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 50.º, pp. 29 e ss.):
(…) o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade
visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação
da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de
consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações complexas,
no próprio plano empírico (social e económico). É de tal avaliação complexa que
pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é adequada a
determinada finalidade. E também a ponderação suposta pela exigibilidade ou
necessidade pode não dispensar essa avaliação.
Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador (…), legitimado para tomar
as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma «prerrogativa de
avaliação», como que um «crédito de confiança», na apreciação, por vezes difícil
e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma
determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em
maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida. (…)
Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio o Tribunal não deve
substituir uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre
o teor e os efeitos das medidas, à que é efectuada pelo legislador, e que as
controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro
manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as
medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser
resolvidas contra a posição do legislador.
A violação do princípio da proporcionalidade pressupõe, pois, que se demonstre
que o legislador cometeu um erro particularmente grave e manifesto na escolha do
meio para atingir o fim por si visado, o que, como já se viu, não acontece no
caso concreto.
Tendo em conta tudo o exposto, conclui-se que o artigo 10.º, n.º 8, do
Decreto-Lei n.º 15/2007 não viola nem o princípio da protecção da confiança nem
o princípio da proporcionalidade, ínsitos no princípio do Estado de direito.
C) O artigo 15.º, n.º 5, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/2007
9. Por último, sustenta o requerente que é inconstitucional a alínea c) do
nº 5 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 15/2007, na medida em que estabelece, como
requisito para o recrutamento transitório para professor titular, por parte de
professores que à data da entrada em vigor do referido diploma estejam nos 8º,
9º e 10º escalões, a prestação efectiva de funções.
Entende o requerente que a norma agora questionada – que, recorde-se, determina
o seguinte: «Apenas podem ser opositores aos concursos referidos no nº 1 os
docentes (…) que (…) não estejam na situação de dispensa total ou parcial da
componente lectiva» (itálico nosso) – ao desconsiderar as situações legalmente
equiparadas à prestação efectiva de funções, poderá levar ao afastamento do
concurso daqueles professores que estejam em dispensa de funções lectivas por
razões de saúde, o que implicará violação do artigo 64º da Constituição (direito
à protecção da saúde).
Deve antes do mais dizer-se que hoje, face às alterações introduzidas ao
Estatuto pelo Decreto-Lei nº 15/2007, a expressão «redução da componente
lectiva» tem um significado preciso. Com efeito, tal «redução» vem agora
prevista nos artigos 79º e 80º do Estatuto, em que se admite que a «componente
lectiva do trabalho semanal» possa vir a ser «reduzida» apenas por razões
atinentes à idade e, ou, ao tempo de serviço (artigo 79º) ou por motivos
relacionados com o «exercício de outras funções pedagógicas» (artigo 80º). As
razões de saúde não integram hoje pois os motivos justificativos da figura
«redução da componente lectiva», sendo antes agora equiparadas a prestação
efectiva de serviço as «ausências» provocadas por «doença» ou «doença
prolongada» (artigo 103º, alíneas b) e c) do Estatuto). Até há pouco tempo,
porém, assim não era. Na sua versão original – aprovada pelo Decreto-Lei nº
139-A/90 – o Estatuto previa, no artigo 81º, e justamente para os casos de
doença, a «dispensa da componente lectiva», que podia ser «total» ou «parcial».
O artigo 81º veio a ser revogado pelo Decreto-lei nº 224/2006, de 13 de
Novembro, que estabeleceu – nos seus artigos 3º, 4º, 5º e 6º - um novo regime,
mais extenso e detalhado, para o procedimento a seguir em caso de obtenção, por
parte dos docentes, de «dispensa da componente lectiva» por razões de saúde. Foi
o artigo 25º, alínea g) do Decreto-Lei nº 15/2007 que revogou por seu turno todo
este procedimento, assim se explicando que, depois da entrada em vigor deste
último decreto-lei, a figura da «dispensa da componente lectiva [por razões de
saúde]» tenha pura e simplesmente deixado de existir.
No entanto, é a ela mesma que se refere a norma questionada, quando exclui do
universo dos docentes que podem ser opositores ao concurso transitório único
para lugares da categoria de professor titular, aberto após a entrada em vigor
do Decreto-Lei nº 15/2007 (nº 1 do artigo 15º), precisamente aqueles que estejam
na situação de dispensa total ou parcial da componente lectiva (alínea c) do nº
5 do artigo 15º). Pela sua própria formulação, a norma não pode deixar de
abranger todos aqueles docentes aos quais se tenha ainda aplicado os regimes que
vigoraram até 2007.
Sustenta o requerente que é inconstitucional semelhante norma, por afrontar ela
o direito à protecção da saúde, consagrado no artigo 64º da CRP.
O direito que o artigo 64º da Constituição consagra é, tanto pela sua inserção
sistemática quanto pela sua estrutura, um direito social. Ora, e como muito bem
se sabe, os direitos sociais – por serem direitos a prestações fácticas e
normativas a cargo do Estado – não têm em princípio um conteúdo que possa ser
determinado a nível constitucional. Dependendo a sua concretização desde logo de
opções do legislador, que age neste domínio de acordo com aquilo que lhe for
historicamente possível, tais direitos só acabam por adquirir conteúdo liquido e
certo no domínio da normação infraconstitucional. É por isso difícil aceitar que
funcionem eles próprios, com o seu conteúdo não determinado a nível
constitucional, como parâmetros de invalidade de acções do legislador ordinário
– das quais depende, afinal, a sua concretização última. Precisamente por isso,
diz o nº 1 do artigo 18º da Constituição que só os preceitos constitucionais
respeitantes a direitos, liberdades e garantias (que não, portanto, os
respeitantes aos direitos económicos, sociais e culturais) são directamente
aplicáveis.
Contudo, tal não implica – não pode implicar – que sejam destituídas de efeitos
as normas da Constituição relativas aos direitos sociais. Como o tem sublinhado
a doutrina, os preceitos relativos a direitos fundamentais – e a todos eles:
sejam direitos, liberdades e garantias, sejam direitos sociais – «não podem ser
pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto posições jurídicas de
que estes são titulares perante o Estado, designadamente para dele se defender,
antes valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores
ou fins que esta se propõe prosseguir» (José Carlos Vieira de Andrade, Os
direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, 3ª ed., Coimbra, 2004,
p. 115).
A ser assim, também o direito à saúde, consagrado no artigo 64º da CRP – e
apesar de não poder ser ele próprio, pelas razões já apontadas, fundamento da
invalidade da norma sob juízo –, não deixará de ter uma dimensão ou valência
objectiva, que, irradiando para outros lugares do sistema constitucional,
ajudará a esclarecer os limites que se impunham, in casu, ao legislador.
Tem sempre dito o Tribunal (cfr. supra, ponto 6, e jurisprudência aí citada),
que o direito de acesso à função pública consagrado, como direito, liberdade e
garantia pessoal, no nº 2 do artigo 47º da Constituição, inclui no seu âmbito o
direito às promoções na carreira em condições de igualdade. Como se sabe,
igualdade significa aqui uma realidade jurídica e não fáctica, pelo que, face ao
âmbito de protecção da norma contida no nº 2 do artigo 47º, serão ainda isentas
de censura aquelas normas infraconstitucionais que venham a estabelecer neste
domínio diferenças que sejam fundadas em, ou que correspondam a, critérios de
valor constitucionalmente relevantes.
Não é no entanto esse o caso da norma sob juízo.
Com efeito, ao excluir do universo de docentes que podem ser opositores ao
concurso para acesso para professores titulares aqueles que se encontrem em
situação de dispensa total ou parcial da componente lectiva – o que, como já
vimos, abrange as situações existentes até 2007, em que a figura «dispensa de
componente lectiva» era precisamente aplicável em caso de doença –, o legislador
está a introduzir, no sistema de regras relativas ao direito à promoção na
carreira da função pública, uma diferença que não é fundada em nenhum valor
constitucionalmente relevante. Para uma comunidade constitucional como a
portuguesa, que elegeu a «protecção da saúde» como valor ou fim que ela própria
deve prosseguir, nem outra conclusão se afiguraria possível, sobretudo se se
tiver em conta que, no caso, a figura da «dispensa total ou parcial de
componente lectiva» por motivos de saúde – tal como resulta do artigo 3º do
Decreto-Lei nº 224/2006 – só pode abranger: (i) doenças que afectem directamente
o exercício da função docente, e que desse mesmo exercício resultem [alíneas a)
e b) do nº 1 do artigo 3º]; e (ii) docentes que estejam aptos a desempenhar
tarefas compatíveis em estabelecimento de educação ou de ensino, e cuja
recuperação para o cumprimento integral do exercício de funções docentes seja
possível no prazo máximo de 18 meses [alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 3º].
Assim sendo, ao introduzir tal diferença no regime do irrepetível concurso de
recrutamento transitório o legislador lesa o direito consagrado no nº 2 do
artigo 47º. O bem jusfundamental que aqui se protege – e que é precisamente o da
igualdade na promoção da carreira – é negativamente afectado pela exclusão [nas
candidaturas ao concurso] operada pelo nº 5, alínea c) do artigo 15º do
Decreto-Lei nº 15/2007, sendo tal afectação negativa desproporcionada, porque
excessiva face a quaisquer outros bens ou interesses que, através dela, se
quisessem prosseguir.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não declarar a inconstitucionalidade nem a ilegalidade da norma constante do
artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos
professores dos ensinos básico e secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
139-A/90, de 28 de Abril, na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º
15/2007, de 19 de Janeiro;
b) Não declarar a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 10.º,
n.º 8 do Decreto-Lei nº 15/2007;
c) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma
contida no artigo, 15.º n.º 5, alínea c) do referido Decreto-Lei n.º 15/2007,
por violação do nº 2 do artigo 47.º da Constituição.
Lisboa, 12 de Março de 2008
Maria Lúcia Amaral
José Borges Soeiro
Benjamim Rodrigues
Carlos Fernandes Cadilha
Joaquim de Sousa Ribeiro (com declaração)
Gil Galvão (vencido quanto ao conhecimento da questão julgada na alínea c) da
decisão, no essencial, pelas razões constantes da declaração de voto do Exmo.
Conselheiro Vítor Gomes, para a qual remeto).
João Cura Mariano (vencido quanto ao conhecimento da questão abordada na alínea
c) do acórdão, pelas razões constantes da declaração de voto apresentada pelo
Conselheiro Vítor Gomes).
Vítor Gomes (vencido quanto ao conhecimento da questão versada na alínea c) do
acórdão, conforme declaração anexa).
Ana Maria Guerra Martins (vencida quanto ao conhecimento da questão julgada na
alínea c) da decisão, pelos fundamentos expostos na Declaração de voto do Exmo.
Senhor Conselheiro Vítor Gomes, para a qual remeto).
Maria João Antunes (vencida quanto à alínea a) da decisão, pelas razões
constantes da declaração que se junta).
Mário José de Araújo Torres (vencido quanto à não declaração de
inconstitucionalidade da norma do artigo 46.º , n.º 3 do Estatuto, na redacção
do artigo 2.º do Decreto – Lei n.º 15/2007, pelas razões constantes da
declaração de voto junta)
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme declaração que junto.
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não acompanho inteiramente a fundamentação quanto à decisão de
inconstitucionalidade do Artigo 15.º, n.º 5, alínea c), do Decreto-Lei n.º
15/2007 (ponto n. 9). Entendo que o direito à saúde, consagrado no artigo 64.º
da Constituição, não pode servir de fundamento de invalidade da norma sob juízo,
não por ter (na sua feição predominante) a natureza de direito social, mas por a
estatuição questionada nada ter a ver o âmbito de protecção do artigo 64.º Como
correctamente se acaba por dizer no acórdão, o bem jusfundamental aqui afectado
é o da igualdade de promoção na carreira, consagrado no n.º 2 do artigo 47.º É
apenas no quadro da apreciação da observância deste parâmetro constitucional que
cabe pertinentemente referir a protecção da saúde, para acentuar o desvalor, à
luz da Constituição, da exclusão operada pelo artigo 15.º, n.º 5, do Decreto-lei
n.º 15/2007. Seriam, assim, perfeitamente dispensáveis as largas considerações
iniciais sobre o art. 64.º e o estatuto constitucional dos direitos sociais,
cuja fundamentalidade não é suficientemente realçada.
Lisboa, 12 de Março de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido quanto ao conhecimento do pedido relativo à norma da alínea
c) do n.º 5 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, pelas seguintes razões:
A norma em apreciação integra um regime transitório. Estabelece um
requisito negativo de admissão que vale, somente, para o primeiro concurso de
provimento na categoria de professor titular que seja aberto após a entrada do
diploma, esgotando nesse concurso os seus efeitos.
Esse primeiro concurso foi objecto de uma regulação especial,
estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de Maio, com uma tramitação
determinada pela necessidade de, no mais curto período de tempo, proceder a uma
análise objectiva de um universo que se previa de mais de 60 000 candidaturas. E
veio a ser aberto – aliás, quer porque a lei configurou dois concursos distintos
em função do posicionamento dos candidatos na estrutura remuneratória, quer
porque o concurso respeitava aos lugares existentes em cada agrupamento de
escolas ou escola não agrupada, melhor se diria: os procedimentos concursais
vieram a ser abertos – conforme Despacho n.º 3/DGRHE/2007, de 3 de Maio, do
Ministério da Educação.
Os efeitos que a norma em causa possa ter produzido materializaram-se na fase de
definição das 'listas de candidatos', elaboradas e publicitadas em Julho de
2007, ao abrigo do artigo 16.º do citado Decreto-Lei n.º 200/2007, sendo que,
como é do conhecimento geral, até a fase subsequente do concurso (aplicação dos
métodos de selecção e elaboração da lista de classificação final) se encontra já
finda. E nesse acto de aplicação se esgotaram, cessando com isso a vigência da
norma enquanto regra de acção para os interessados e para a Administração.
Consequentemente, a situação é em tudo semelhante à de um pedido de fiscalização
abstracta sucessiva de normas (já ou entretanto) revogadas.
É certo que, de acordo com reiterada jurisprudência deste Tribunal –
inteiramente transponível para uma norma transitória aplicável a um único
processo concursal e de efeitos administrativos exauridos – o facto de as normas
objecto de um pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, haverem sido, entretanto, revogadas não impossibilita
automaticamente o conhecimento desse pedido (atentos os efeitos ex tunc que
aquela declaração, em princípio, produzirá: artigo 282.º, n.º 1, da CRP). Mas
exige-se que o conhecimento do pedido conserve, no caso, utilidade ou interesse
relevantes, o que depende da indagação sobre se a eventual declaração da
inconstitucionalidade da norma poderá ter alguma projecção significativa sobre
os efeitos por ela já produzidos (cfr., a título exemplificativo, por mais
recente, acórdão n.º 497/2007, publicado no Diário da República, II Série, de 21
de Novembro de 2007 e, por respeitar também a um requisito impeditivo de
admissão a um concurso, acórdão n.º 587/93, publicado no Diário da República, II
Série, de 24 de Dezembro de 1993).
Ora, a exclusão do concurso traduz-se num acto administrativo que,
por falta de oportuna impugnação, se consolida na ordem jurídica, como caso
decidido ou resolvido. Assim, relativamente aos casos em que eventuais
interessados espontaneamente se abstiveram de apresentar candidatura ou em que,
tendo concorrido, se conformaram com os actos de exclusão alicerçados nessa
norma, nenhum efeito útil derivaria de eventual declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.
Assim, só poderia conjecturar-se a subsistência de alguma utilidade
da eventual declaração de inconstitucionalidade quanto a situações residuais,
respeitantes a impugnações pendentes ou em que o prazo de impugnação pelos
interessados, por circunstâncias anormais, ainda se não tenha esgotado (cfr.
artigo 58.º do CPTA). Sucede que o Tribunal Constitucional tem entendido que, em
tal tipo de hipóteses, o conhecimento do pedido de declaração de
inconstitucionalidade deixa de ter interesse juridicamente relevante, já que
seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e
abstracta para os (residuais) casos concretos em que a aplicação da norma
subsistiu. Nestes casos residuais, os possíveis beneficiários da eventual
declaração de inconstitucionalidade poderão obter idêntico efeito suscitando a
inconstitucionalidade da norma sub judice em impugnação contenciosa do acto
que, com esse fundamento, os tenha excluído do concurso.
Acresce, apesar do carácter pouco explícito da resposta do
Ministério da Educação ao pedido de esclarecimento que lhe foi formulado, que
não há notícia de litigiosidade significativa a propósito da aplicação da norma
em causa que faça prever a pendência de um número elevado de processos em que a
questão tivesse sido suscitada de modo que a apreciação abstracta da
constitucionalidade da norma se apresente como decisiva para o respectivo
desfecho nos tribunais administrativos.
Consequentemente, o conhecimento do pedido de declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral não tem, quanto a esta norma,
utilidade relevante.
Vítor Gomes
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não votei a decisão de não declarar inconstitucional a norma constante do artigo
46º, nº 3, do Estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores
dos ensinos básico e secundário.
Acompanho a fundamentação do acórdão de onde se extrai a conclusão de que “a
norma do artigo 46º, nº 3, do Estatuto não viola o princípio da igualdade pelo
simples facto de prever a fixação de percentagens máximas para a atribuição das
classificações de Muito bom e Excelente”. Entendo, contudo, que a circunstância
de a fixação das percentagens máximas para a atribuição destas classificações
ser por escola não agrupada ou agrupamento de escolas por referência aos
resultados obtidos na avaliação externa da escola conduz a uma diferenciação de
situações iguais.
Maria João Antunes
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto à não declaração de
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto da
Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e
Secundário, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 139‑A/90, de 28 de Abril, na redacção
dada pelo artigo 2.º do Decreto‑Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, pois reputo
tal norma – que prevê que “por despacho conjunto dos membros do Governo
responsáveis pelas áreas da educação e da Administração Pública são fixadas as
percentagens máximas para a atribuição das classificações de Muito bom e
Excelente, por escola não agrupada ou agrupamento de escolas, as quais terão por
referência os resultados obtidos na avaliação externa da escola” – violadora dos
princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.
1. Para a completa compreensão do alcance desta norma
importa anotar que a avaliação do desempenho do pessoal docente, cuja
caracterização e objectivos são definidos no artigo 40.º do referido Estatuto,
na redacção do Decreto‑Lei n.º 15/2007 (diploma e versão a que pertencerão os
preceitos legais doravante citados sem outra referência), é obrigatoriamente
considerada para efeitos de progressão e acesso na carreira, conversão da
nomeação provisória em nomeação definitiva no termo do período probatório,
renovação do contrato e atribuição do prémio de desempenho (artigo 41.º). No
processo de avaliação do desempenho da generalidade dos docentes (abstraindo,
por irrelevante para o caso em apreço, da avaliação dos professores titulares)
intervêm dois avaliadores e a comissão de coordenação da avaliação de desempenho
(artigo 43.º, n.º 1). Um dos avaliadores (o coordenador do conselho de docentes
ou do departamento curricular ou o professor titular que por ele for designado
quando o número de docentes a avaliar o justifique – artigo 43.º, n.º 1, alínea
a)) pondera o envolvimento e a qualidade científico‑pedagógica do docente, com
base na apreciação dos seguintes quatro parâmetros classificativos: preparação e
organização das actividades lectivas; realização das actividades lectivas;
relação pedagógica com os alunos; e processo de avaliação das aprendizagens dos
alunos (artigo 45.º, n.º 1). O outro avaliador é o presidente do conselho
executivo ou o director da escola ou agrupamento de escolas em que o docente
presta serviço, ou um membro da direcção executiva por ele designado (artigo
43.º, n.º 1, alínea c)), competindo‑lhe ponderar os seguintes oito indicadores
de classificação: nível de assiduidade; serviço distribuído; progresso dos
resultados escolares esperados para os alunos e taxas de abandono escolar, tendo
em conta o contexto sócio‑educativo; participação dos docentes no agrupamento ou
escola não agrupada e apreciação do seu trabalho colaborativo em projectos
conjuntos de melhoria da actividade didáctica e dos resultados das
aprendizagens; acções de formação contínua concluídas; exercício de outros
cargos ou funções de natureza pedagógica; dinamização de projectos de
investigação, desenvolvimento e inovação educativa e sua correspondente
avaliação; e apreciação realizada pelos pais e encarregados de educação dos
alunos (artigo 45.º, n.º 2).
O processo de avaliação do desempenho compreende as
seguintes fases: preenchimento de fichas de avaliação por cada um dos
avaliadores; preenchimento pelo avaliado de uma ficha de auto‑avaliação sobre os
objectivos alcançados na sua prática profissional, na qual identificará a
formação contínua realizada; conferência e validação dos dados constantes da
proposta de classificação, quando esta apresente as menções de Excelente, Muito
bom e Insuficiente, pela comissão de coordenação da avaliação; entrevista dos
avaliadores com o avaliado para conhecimento da proposta de avaliação e
apreciação do processo, em particular da ficha de auto‑avaliação; e reunião
conjunta dos avaliadores para atribuição da classificação final (artigo 44.º,
n.º 1).
Quanto ao sistema de classificação, o artigo 46.º prevê
que a avaliação de cada uma das componentes de classificação e respectivos
subgrupos é feita numa escala de avaliação de 1 a 10, devendo as classificações
ser atribuídas em números inteiros (n.º 1), correspondendo o resultado final da
avaliação do docente à classificação média das pontuações obtidas em cada uma
das fichas de avaliação e sendo expresso através das seguintes menções
qualitativas: Excelente (de 9 a 10 valores), Muito bom (de 8 a 8,9 valores),
Bom (de 6,5 a 7,9 valores), Regular (de 5 a 6,4 valores) e Insuficiente (de 1 a
4,9 valores) (n.º 2). O n.º 4 deste artigo 46.º impõe que a atribuição da menção
de Excelente deve ainda especificar os contributos relevantes proporcionados
pelo avaliado para o sucesso escolar dos alunos e para a qualidade das suas
aprendizagens, e o subsequente n.º 5 faz depender a atribuição de menção
qualitativa igual ou superior a Bom do cumprimento de, pelo menos, 95% das
actividades lectivas em cada um dos anos do período escolar a que se reporta a
avaliação. Inovatoriamente, o n.º 5 do artigo 21.º do Decreto Regulamentar n.º
2/2008, de 10 de Janeiro, veio tornar dependente a atribuição da menção
qualitativa de Excelente do cumprimento de 100% do serviço lectivo distribuído
em cada um dos anos escolares a que se reporta o período em avaliação.
Como se referiu, quando das avaliações realizadas pelos
dois avaliadores resultar proposta de classificação de Excelente ou de Muito
bom, fica a mesma sujeita a validação por parte da comissão de coordenação da
avaliação (artigo 43.º, n.º 6, alínea b)), comissão constituída pelo presidente
do conselho pedagógico e mais quatro membros do mesmo conselho com a categoria
de professor titular (artigo 43.º, n.º 5), validação essa que é meramente formal
e consiste na verificação de que foram respeitadas as correspondentes
percentagens máximas dessas duas classificações (artigo 44.º), percentagens
fixadas pelo aludido despacho conjunto, nos termos do questionado n.º 3 do
artigo 46.º.
A atribuição das duas mais elevadas menções qualitativas
tem relevantes efeitos: implicam redução do tempo de serviço docente exigido
para efeitos de acesso à categoria de professor titular (que é, em regra, de 18
anos – artigo 38.º, n.º 2, alínea b)), redução que é de quatro anos se for
atribuída a menção de Excelente durante dois períodos consecutivos, de três anos
se forem atribuídas as menções de Excelente e Muito bom durante dois períodos
consecutivos, e de dois anos se for atribuída a menção de Muito bom durante dois
períodos consecutivos seguidos (artigo 48.º, n.ºs 1, 2 e 3).
3. Perante este complexo procedimento, surge logo como
desadequada a solução legal ora em apreço se confrontada com o objectivo
proclamado no preâmbulo do Decreto‑Lei n.º 15/2007, de combater a automatismo
burocrático, desprovido de conteúdo, do precedente sistema, que faria depender a
progressão na carreira fundamentalmente do decurso do tempo. A intervenção de
uma pluralidade de avaliadores, a multiplicidade dos factores a atender e, no
que às duas mais altas classificações releva, o seu condicionamento a
elevadíssimas taxas de cumprimento das actividades lectivas (95%, para as
menções qualitativas iguais ou superiores a Bom, nos termos do artigo 46.º, n.º
5, do Estatuto, ou mesmo 100% para a atribuição de Excelente, agora exigida pelo
n.º 5 do artigo 21.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2008, norma regulamentar de
mais do que duvidosa legalidade) integram requisitos bastantes para a devida
ponderação das menções a atribuir.
Ao que acresce, no caso da atribuição da menção de
Excelente, a exigência de uma específica fundamentação da proposta, com
explicitação dos contributos relevantes proporcionados pelo avaliado para o
sucesso escolar dos alunos e para a qualidade das suas aprendizagens (artigo
46.º, n.º 4).
A suficiência dos novos mecanismos instituídos para
assegurar um sistema de avaliação rigoroso torna desnecessária, e por isso
desproporcionada, a imposição de um sistema “cego” de quotas.
Mas, para além da violação do princípio da
proporcionalidade (por se tratar de solução desnecessária e excessiva), o
sistema em causa viola ainda mais flagrantemente o princípio da igualdade.
Ele propicia que dois professores com igual mérito – que
obtiveram como classificação média das pontuações atribuídas, por dois
avaliadores credenciados, em cada uma das fichas de avaliação valores a que
correspondiam as menções de Muito bom (de 8 a 8,9 valores) ou de Excelente (de 9
a 10 valores), e que, além disso, preencheram os requisitos do cumprimento de
95% (ou de 100%, a ter‑se por legal a exigência do n.º 5 do artigo 21.º do
Decreto Regulamentar n.º 2/2008) das actividades lectivas em cada um dos anos do
período escolar a que se reporta a avaliação, e ainda, no caso da atribuição da
menção de Excelente, lhes foram especificamente reconhecidos, através de
fundamentação expressa da proposta classificativa, os contributos relevantes por
eles proporcionados para o sucesso escolar dos alunos e para a qualidade das
suas aprendizagens – venham a ser diferentemente classificados pela
circunstância, meramente aleatória e a que são de todo estranhos, de um deles
ter o “azar” de exercer funções em escola não agrupada ou agrupamento de escolas
onde já foi atingida a percentagem máxima dessas classificações fixadas no
despacho previsto no n.º 3 do artigo 46.º, e o outro ter a “sorte” de exercer
funções em escola ou agrupamento onde essa quota ainda não foi atingida.
A arbitrariedade e iniquidade da solução agrava‑se
porque, diferentemente do que sucedia e sucede na avaliação do desempenho da
Administração Pública em geral, em que as percentagens máximas de classificações
estavam e estão previamente fixadas por diploma regulamentar (5% de Excelente e
25% de Muito bom – artigo 9.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 19‑A/2004, de
14 de Maio) ou legal (5% de Desempenho Excelente para os dirigentes superiores;
25% de Desempenho relevante e 5% de Desempenho excelente para os dirigentes
intermédios e restantes trabalhadores – artigos 32.º, n.º 4, 37.º, n.º 5, e
75.º, n.º 1, da Lei n.º 66‑B/2007, de 28 de Dezembro), o estabelecimento das
percentagens máximas de menções qualitativas relativamente aos professores ser
feita através de despacho ministerial conjunto, cuja data de prolação não se
mostra determinada, e que tem como único referente “os resultados obtidos na
avaliação externa da escola”. O carácter extremamente vago deste pretenso
“critério” de fixação das percentagens máximas torna intoleravelmente
indeterminado o sistema instituído, o que ainda exaspera a arbitrariedade
intrínseca da solução.
Eis, sumariamente expostas, as razões pelas quais votei
no sentido de que o Tribunal Constitucional devia declarar, com força
obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 46.º, n.º 3, do
Estatuto em causa, na redacção da Lei n.º 15/2007, por violação dos princípios
da igualdade e da proporcionalidade.
Mário José de Araújo Torres
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido quanto à alínea c) da decisão.
Ultrapassando as dúvidas quanto ao conhecimento da questão relativa ao artigo
15º n.º 5 alínea c) do Decreto-Lei n.º 15/2007, dúvidas reflectidas na
declaração de voto do senhor Conselheiro Victor Gomes, que, em boa parte,
acompanho, o certo é que se me afigura que o invocado 'direito à saúde' não
justifica o juízo de desconformidade da norma com o princípio da igualdade que,
no entendimento expresso no Acórdão, vai provocar reflexamente a violação do
disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição. Com efeito, o legislador não
está constitucionalmente impedido de proteger o direito à saúde dos
trabalhadores da função pública (é este o âmbito da norma que está em causa) por
outra via, sem adoptar um estatuto funcional de absoluta equiparação entre os
trabalhadores no activo e aqueles que, por razões de saúde, não podem
desempenhar em plenitude as suas funções; esta circunstância é, a meu ver,
suficiente para assegurar a conformidade constitucional da diferenciação,
constituindo, por isso, um critério de valor constitucionalmente relevante para
tal efeito.
Votei, em consequência, no sentido de não declarar a inconstitucionalidade da
norma contida no artigo 15º n.º 5 alínea c) do Decreto-Lei n.º 15/2007 de 19 de
Janeiro.
Carlos Pamplona de Oliveira