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Processo n.º 123/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu a seguinte
decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público,
foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b) da CRP e do
artigo 70º, n.º 1, alínea b) da LTC, do acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa, proferido em 11 de Dezembro de 2007, para que fosse apreciada a
constitucionalidade “dos arts. 283, 126, 187 e 188 do CPP por violação dos arts.
205 e 32 da Lei Fundamental” e ainda “dos arts. 91-2, 92-2 e 120- 2- C) do CPP
por violação do art. 6º -3 –E) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
quando entendido que pode ser nomeado intérprete qualquer pessoa cujas
habilitações técnicas se desconhecem… sem se demonstrar a «idoneidade»” (fls.
99).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls.
3113), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o
Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo
que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de
admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator constatar que não foram preenchidos os pressupostos de interposição
de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta
do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC. Ora, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC; a
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da LTC, pressupõe que a decisão recorrida tenha aplicado
uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
É certo que, no último parágrafo do seu requerimento de recurso, o recorrente
alega que “as supra suscitadas inconstitucionalidades foram arguidas nas
Conclusões 4ª, 5ª e ss pelo que por tempestivo deve o recurso ser admitido”
(fls. 99). Porém, compulsadas a motivação de recurso e respectivas conclusões
apresentadas perante o tribunal “a quo” (fls. 10 a 17), consta-se que o
recorrente não colocou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa
àquele tribunal, tendo antes optado por discorrer sobre uma pretensa nulidade
das escutas telefónicas, afirmando expressamente que aquelas tinham violado
diversos preceitos processuais penais. Senão veja-se, a título de exemplo:
“16 – A PROVA INDICIÁRIA É NULA – art. 126 CPP.
17 – A intercepção e transcrição das conversas telefónicas não
respeita os arts. 187 e 188 do CPP (…).
20 – (…)
Foram violados os arts. 282, 126, 187, 188 e 92- 2 CPP” (fls. 16 e 17).
Assim, afigura-se evidente que o recorrente nunca suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, relativamente àqueles preceitos normativos,
razão pela qual se torna impossível conhecer do recurso interposto, por força do
n.º 2 do artigo 72º da LTC.
3. Já quanto à alegada inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos
91, n.º 2, 92º, n.º 2 e 120º, n.º 2, alínea c), todos do CPP, por alegada
violação da alínea e) do n.º 3 do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem [de ora em diante, apenas CEDH], deve frisar-se bem que o presente
recurso foi exclusivamente interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da LTC. Tal circunstância exigiria que o recorrente tivesse sustentado a
inconstitucionalidade daquelas normas, por força de uma recepção pela Lei
Fundamental do direito constante da referida alínea e) do n.º 3 do artigo 6º da
CEDH.
Ora, mais uma vez, o recorrente nunca invocou perante o tribunal “a quo” a
inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 91, n.º 2, 92º, n.º 2 e
120º, n.º 2, alínea c), todos do CPP, , tendo antes optado – por decisão que só
a si pode ser imputada – por qualificar os actos de transcrição e tradução como
feridos de nulidade, por violação directa daquele preceito da CEDH. É
precisamente isso que decorre da sua motivação e respectivas conclusões de
recurso:
“9 – Só o JUÍZO TÉCNICO ou a CERTEZA na TRADUÇÃO com FORMAÇÃO nas TÉCNICAS de
TRADUÇÃO da LÍNGUA do escutado, da LÍNGUA da NACIONALIDADE de ORIGEM pode evitar
a violação do disposto no ARTIGO 6º-3-E) da Convenção Europeia Direitos do
Homem…
(…)
11 – As transcrições / traduções devem ser consideradas NULAS e de
NENHUM VALOR: arts. 91-2, 92- 2, 120-2-c) do Cód. Proc. Penal e art. 6º.-3 – E)-
CONVENÇÃO EUROPEIA DIREITOS HOMEM.” (fls. 15).
Daqui decorre que o recorrente nunca suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa relativamente aos artigos supra mencionados,
tendo antes colocado em causa a nulidade das transcrições e traduções, por
violação daqueles preceitos e, ainda, da alínea e) do n.º 3 do artigo 6º da
CEDH. Assim, o recorrente nunca afirmou perante o tribunal recorrido que os
preceitos processuais penais em causa eram inconstitucionais por violação da
CEDH, tendo antes optado por qualificá-los como nulos.
Em suma, por não ter suscitado oportunamente qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, impõe-se o não conhecimento do objecto do
presente recurso, ao abrigo do n.º 2 do artigo 72º da LTC.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98,
de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência,
contra a não admissão do recurso, nestes precisos termos:
«(…) vem reclamar para a conferência ao abrigo da Lei 13-A/98 de 26/2 – arguindo
ipsis verbis a nulidade já invocada.
A nulidade já foi objecto de apreciação no Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem e, por relevante, deve ser julgada procedente.» (fls. 112)
3. Notificado da reclamação, o Representante do Ministério Público junto deste
Tribunal pronunciou-se no seguinte sentido:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º
Na verdade, o reclamante nada diz que possa abalar a decisão reclamada, no que
toca à inverificação dos pressupostos do recurso.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Com efeito, o reclamante limita-se a repetir – nas suas palavras: “ipsis
verbis” – a argumentação que já havia tecido perante os tribunais recorridos, ou
seja, a invocação da nulidade das escutas telefónicas realizadas e das traduções
constantes dos autos recorridos. Ora, conforme já demonstrado na decisão
reclamada, este Tribunal apenas dispõe de poderes para sindicar, em sede de
recurso, questões de inconstitucionalidade normativa que tenham sido colocadas
perante os tribunais recorridos. O que nunca foi, efectivamente, feito.
Deste modo, não subsiste fundamento para alteração da decisão reclamada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 31 de Março de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão