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Processo nº 108/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão daquele Tribunal de 27 de Novembro de 2007.
2. Em 20 de Fevereiro de 2008 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do
disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, pela qual se entendeu não tomar
conhecimento do objecto do recurso, com o seguinte fundamento:
«Decorre da leitura do requerimento de interposição de recurso acima reproduzido
que este não observa o disposto no artigo 75º-A da LTC. Designadamente, por o
recorrente não ter indicado qual a interpretação do artigo 217º do Código Penal
aplicada na decisão recorrida cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal
aprecie (parte final do nº 1 do citado artigo). Não se justifica, porém, neste
caso, a formulação do convite a que se refere o nº 6 do artigo 75º-A, uma vez
que, ainda que tal indicação viesse a ser feita, subsistiriam sempre razões para
não conhecer do objecto do recurso interposto.
Estabelece a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC – ao abrigo da qual foi
interposto o presente recurso – que cabe recurso para o Tribunal Constitucional
das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo.
No requerimento de interposição de recurso, em cumprimento do disposto na parte
final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC, o recorrente afirma que a questão da
inconstitucionalidade já havia sido referida nas suas alegações de recurso.
Porém, consultada a motivação do recurso (fl. 750 e segs.), verifica-se que não
foi ali suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Uma vez que o recorrente não suscitou, durante o processo, a
inconstitucionalidade de qualquer norma, nunca poderia conhecer-se do objecto do
recurso: “(…) se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de
constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o
Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir
reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex
novo” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 569/94, Diário da República, II
Série, de 10 de Janeiro de 1995)».
3. Notificado desta decisão, o recorrente vem agora reclamar para a conferência,
nos termos do nº 3 do artigo 78º-A da LCT, com os fundamentos seguintes:
«1 - O recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do
art. 217 do C. P. com interpretação com que foi aplicada a decisão no Tribunal
da Relação.
2 - Tal interpretação viola o art. 32 da Constituição da Republica
Portuguesa
3 - Essa interpretação inconstitucional foi aplicada pelo Douto Acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa, tendo por isso sendo suscitada no processo,
designadamente nas suas alegações de recurso.
4 - Donde, salvo o devido respeito, a questão da inconstitucionalidade foi
levantada durante o processo e deve ser apreciada por esse Venerando Tribunal
Constitucional».
4. Notificado do teor da reclamação, o Ministério Público pronunciou-se pela
forma seguinte:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão
reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso
interposto».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da
LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso com fundamento na não
suscitação, durante o processo, de uma qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa.
Repetindo a indicação que já havia feito no requerimento de interposição de
recurso, o reclamante refere as “alegações de recurso” para contrariar o
fundamento da decisão reclamada. Sucede, porém, que em tal peça processual não
foi suscitada, de facto, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa
(fl. 750 e ss. dos autos). Confrontada a peça processual em causa é de concluir
que nela não é feita qualquer referência à Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado, quanto ao artigo 217º do Código Penal – disposição legal
indicada no requerimento de interposição de recurso – é dito apenas o seguinte:
«(…) a dívida a B., tem o valor de 2.500 euros acrescidos as despesas, salvo
melhor análise, esse valor não excede as 50 unidades de conta, a altura da
prática dos factos, pelo que o arguido deveria ser julgado somente pelo Art.º
217 nº 1, do C. Penal, sendo que era necessário apresentação de queixa, que o
único lesado o Sr. B. não fez, porque sabia que existia um processo cível contra
o arguido A. pela venda da viatura Nissan, com a dívida do valor de 2.500 euros,
acrescido das suas despesas».
Resta, pois, confirmar a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 27 de Março de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão