Imprimir acórdão
Processo n.º 180/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao
abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 28 de Janeiro de 2008, que
decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, negar
provimento ao recurso, por julgar manifestamente infundada a questão da
inconstitucionalidade, face ao artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa (CRP), da norma do artigo 754.º, n.º 2, do Código de Processo Civil
(CPC), na redacção resultante da reforma de 1995/1996, que estabelece a regra da
inadmissibilidade de recurso de agravo na 2.ª instância, para o Supremo
Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos pela Relação que confirmem, ainda
que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão proferida na
primeira instância.
1.1. A decisão sumária reclamada tem a seguinte
fundamentação:
“1. Por despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de
Justiça (STJ), de 6 de Novembro de 2007, proferido após audição das partes, nos
termos do artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), foi decidido
alterar a espécie do recurso – interposto pelo réu A. contra o acórdão do
Tribunal da Relação do Porto, de 5 de Fevereiro de 2007 – de revista para
agravo, e não conhecer do recurso, por inadmissibilidade do mesmo, face ao
disposto no artigo 754.º, n.º 2, do CPC, na redacção dada pela reforma de
1995/1996 («Não é admitido recurso [de agravo na 2.ª instância] do acórdão da
Relação que confirme, ainda que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a
decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão estiver em oposição
com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de
Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos
termos dos artigos 732.º‑A e 732.º‑B, jurisprudência com ele conforme»). De
facto, o acórdão da Relação negara provimento, sem votos de vencido, aos agravos
interpostos pelo réu contra despachos da 1.ª instância, designadamente o
despacho que determinou o desentranhamento da contestação, por
extemporaneidade, e não se verificava a excepção prevista na parte final do n.º
2 do citado artigo 754.º
O recorrente deduziu reclamação para a conferência contra o referido
despacho, sustentando, além do mais, que «é inconstitucional o sistema travão
do agravo de 2.ª instância em caso de dupla sentença conforme, por infringir o
due processo of law, isto é, o princípio constitucional da garantia de um
julgamento leal e justo pelos tribunais, que vem aflorado no artigo 20.º da
CRP».
Por acórdão de 22 de Janeiro de 2008, o STJ indeferiu a reclamação,
reiterando que «estamos perante uma confirmação [pela Relação] dos despachos
agravados, pelo que se trata de duas decisões conformes, não sendo legalmente
permitida uma reapreciação do objecto do agravo por este STJ (cf. artigo 754.º,
n.ºs 2 e 3, do CPC)» e julgando improcedente a questão de inconstitucionalidade
suscitada, pelas razões desenvolvidas no despacho reclamado, que considerara,
em suma, caber ao legislador ordinário, por se tratar de matéria de política
legislativa, definir o regime dos recursos, «tendo em conta a natureza ou o
valor da acção, bem como a chamada sucumbência, em conjugação com as alçadas
atribuídas aos diversos tribunais», e, designadamente, definir «as situações em
que se justifica a possibilidade de reapreciação de uma decisão judicial por um
ou mais tribunais superiores».
É contra este acórdão que pelo réu recorrente vem interposto o
presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a
inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e do «princípio constitucional da orientação normativa
anti‑discriminatória, quando impõe soluções concretas de discriminação positiva
em favor dos incapacitados mentais», da norma do artigo 754.º, n.º 2, do CPC,
«na interpretação de que não previne a subida ao Supremo Tribunal de Justiça do
agravo em que se impugna a nulidade da citação por anomalia psíquica do réu».
O objecto do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC cinge‑se à específica dimensão
normativa aplicada, como ratio decidendi, na decisão recorrida, apesar de
previamente ter sido suscitada a questão da sua inconstitucionalidade pela parte
recorrente, o que significa que, no presente caso, integra tal objecto do
recurso a questão da inconstitucionalidade, face ao artigo 20.º, n.º 1, da CRP,
da norma do artigo 754.º, n.º 2, do CPC, na redacção resultante da reforma de
1995/1996, que estabelece a regra da inadmissibilidade de recurso de agravo na
2.ª instância, para o STJ, de acórdãos proferidos pela Relação que confirmem,
ainda que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão proferida na
primeira instância.
2. Assim definido o objecto do recurso, a questão de
inconstitucionalidade que o integra surge como manifestamente infundada, o que
possibilita a prolação de decisão sumária, ao abrigo do artigo 78.º‑A, n.º 1, da
LTC.
Com efeito, como reiterada e uniformemente tem sido decidido por
este Tribunal, a Constituição não consagra um direito geral ao recurso de
decisões judiciais (com excepção das decisões condenatórias e das que afectem
direitos fundamentais do arguido em processo penal e ainda, como
inovatoriamente se reconheceu no recente Acórdão n.º 40/2008, naqueles casos em
que a lesão de direitos fundamentais é directamente imputável, em primeira
linha, a uma actuação ou decisão dos tribunais) e, muito menos, como pretende o
recorrente, o direito a um terceiro grau de jurisdição ou um duplo direito de
recurso.
Já no Acórdão n.º 447/93 se referiu:
«O Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme, que
remonta a 1985, e que fora antecedida já por uma orientação idêntica da
Comissão Constitucional. Assim, no domínio do processo criminal, essa
jurisprudência reconhece que, por força dos artigos 27.º, 28.º e 32.º, n.º 1,
da Constituição, se acha constitucionalmente assegurado o duplo grau de
recurso quanto às decisões condenatórias e às decisões respeitantes à situação
do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou a qualquer outros
direitos fundamentais (v., por todos, os Acórdãos n.ºs 31/87, 178/88, 340/90 e
401/91, o primeiro publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º vol.,
pp. 463 e seguintes, e os outros no Diário da República, II Série, n.º 277, de
30 de Novembro de 1988, n.º 65, de 19 de Março de 1991, e I Série‑A, n.º 6, de 8
de Janeiro de 1992, respectivamente). Mas tal garantia de duplo grau de recurso
não abrange outras decisões proferidas em processo penal (o Tribunal tem
sustentado em sucessivas decisões que não sofre de inconstitucionalidade o
artigo 390.º, n.º 2, do Código de Processo Penal de 1929).
No domínio dos outros ramos de direito processual, o Tribunal
Constitucional tem entendido que o duplo grau de recurso não se acha
constitucionalmente garantido, reconhecendo‑se ampla liberdade de conformação
ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos,
nomeadamente em função do valor da causa. Assim, no Acórdão n.º 859/86
considerou‑se que a Constituição não garantia em todos os casos o acesso ao
Supremo Tribunal de Justiça (triplo grau de jurisdição), muito embora o
princípio da igualdade vedasse qualquer discriminação no acesso ao Supremo
Tribunal de Justiça em função da natureza sindical de uma associação, face ao
regime aplicável às outras associações (in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 8.º vol., pp. 605 e seguintes). E em numerosos arestos
posteriores reconheceu‑se que o n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo
Civil não está afectado de inconstitucionalidade (v. os Acórdãos n.ºs 163/90 e
210/92, in Diário da República, II Série, n.º 240, de 18 de Outubro de 1991, e
n.º 211, de 12 de Setembro de 1992).»
Como se sintetizou no Acórdão n.º 489/95:
«2 – Tem este Tribunal dito e redito, apoiando‑se na doutrina e na
sua já vasta jurisprudência a propósito tirada, que o direito de acesso aos
tribunais postulado pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei Fundamental não garante,
necessariamente, em todos os casos e por si só, o direito a um duplo ou a um
triplo grau de jurisdição, sendo que a garantia de um duplo grau de jurisdição
referentemente a réus condenados em processo criminal não é imposta por aquele
normativo constitucional, antes decorrendo do que se preceitua no n.º 1 do
artigo 32.º da Constituição.
E, igualmente, tem defendido que o Diploma Básico não consagra um
direito geral de recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza
criminal e condenatória, recurso esse, porém, que deflui da necessidade de
previsão de um segundo grau de jurisdição, necessidade essa, repete‑se, imposta
pelo n.º 1 do artigo 32.º), mormente para o Supremo Tribunal de Justiça.
Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina, que, uma vez que a
Constituição prevê ‘a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais
judiciais’ e que lei infraconstitucional, designadamente os diplomas adjectivos
fundamentais e os que regem a organização judiciária, também prevêem esses
órgãos de administração de justiça funcionando como tribunais vocacionados para
decidir em sede de impugnação das decisões emanadas de tribunais de hierarquia
inferior, então não será lícito ao legislador ordinário ‘suprimir em bloco os
tribunais de recurso e os próprios recursos’ ou ‘ir até ao ponto de limitar de
tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse de concluir que os
recursos tinham sido suprimidos’ (as expressões em itálico são extraídas da obra
Recursos em Processo Civil, de Armindo Ribeiro Mendes, Lisboa, 1992, pp. 100,
101 e 102; cf., como exemplo da jurisprudência do Tribunal, e com mais recente
publicação, quanto ao tema em análise, o Acórdão n.º 447/93, no Diário da
República, II Série, de 23 de Abril de 1994).»
Orientação que foi reafirmada no Acórdão n.º 1124/96,
onde se lê:
«De um modo geral, pode afirmar‑se que, fora do domínio penal, o
princípio da efectividade do direito ao recurso, a implicar duplo grau de
recurso, não constitui garantia constitucional, tendo apenas, como se observou
noutro Acórdão deste Tribunal – o n.º 310/94, publicado no Diário da
República, II Série, de 29 de Agosto de 1994 – ‘o alcance de uma proibição ao
legislador de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e
qualquer caso ou de a inviabilizar na prática’.»
E, mais recentemente, no referido Acórdão n.º 40/2008,
consignou‑se:
«(…) relativamente ao direito de acesso aos tribunais, constitui
reiterado entendimento deste Tribunal o de que do artigo 20.º, n.º 1, da CRP
não decorre um direito geral a um duplo grau de jurisdição, como já se
explicitou nos atrás parcialmente transcritos Acórdãos n.ºs 489/95 e 1124/96.
Como se referiu no Acórdão n.º 638/98 (na senda do já exposto, entre outros, nos
Acórdãos n.ºs 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 715/96,
328/97, 234/98 e 276/98, e explicitando orientação posteriormente reiterada em
numerosos arestos, designadamente nos Acórdãos n.ºs 202/99, 373/99, 415/2001,
261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007):
‘7. O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição assegura a todos “o acesso
ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de
meios económicos”.
Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos,
segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e
independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena
igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista
(designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar
tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia
geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos.
Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição,
incluindo‑se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de
jurisdição?
A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito
ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em
processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional
(constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), passou a
incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de
defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a
esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de
jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao
recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele
artigo 32.º
Para além disso, algumas vozes têm considerado como
constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o
direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias
constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este
respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António
Vitorino, respectivamente no Acórdão n.º 65/88, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 11.º, p. 653, e no Acórdão n.º 202/90, id., vol. 16.º, p.
505).
Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não
poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com
A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III – Recursos, AAFDL, Lisboa,
1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais
judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da
competência própria do Tribunal Constitucional – artigo 210.º), terá de
admitir‑se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais
de recurso e os próprios recursos” (cf., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87,
Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9.º, p. 463, e n.º 340/90, id.,
vol. 17.º, p. 349).
Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso,
pode concluir‑se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente
a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na
prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de
liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cf. os
citados Acórdãos n.ºs 31/87 e 65/88, e ainda n.º 178/88 (Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 12.º, p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional,
ainda Acórdãos n.º 359/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, p.
605), n.º 24/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 525) e n.º
450/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13.º, p. 1307)).
O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das
decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de
quaisquer decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e
garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza
de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde
que não suprima em globo a faculdade de recorrer.’»
No citado Acórdão n.º 40/2008 adiantou‑se,
porém, que:
«(…) afigura‑se que – para além dos casos em que este Tribunal tem
tradicionalmente afirmado a imposição constitucional de um direito ao recurso
jurisdicional (ou direito a um duplo grau de jurisdição), a saber: as decisões
condenatórias em processo penal ou que impliquem a adopção de medidas
restritivas da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido (…) – é
sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais
contra quaisquer actos lesivos dos direitos dos cidadãos (maxime dos direitos,
liberdades e garantias), sejam esses actos provenientes de particulares ou de
órgãos do Estado, forçoso é que se garanta o direito à impugnação judicial de
actos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou actuações materiais) que
constituam a causa primeira e directa da afectação de tais direitos.
Considera‑se, pois, que quando uma actuação de um tribunal, por si mesma,
afecta, de forma directa, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da
área penal, a este deve ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa
situação.»
Mas mesmo este alargamento do reconhecimento do direito ao recurso
se cinge à admissibilidade de um duplo grau de jurisdição, sendo, de todo em
todo, insustentável que da Constituição, designadamente do seu artigo 20.º, n.º
1, possa retirar‑se a consagração do direito a um triplo grau de jurisdição ou
do direito a um duplo recurso, como pretende o recorrente.
Surge, assim, como manifestamente infundada, porque insusceptível de
encontrar no texto constitucional o mínimo suporte, a questão de
inconstitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso.
3. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do artigo 78.º‑A, n.º 1,
da LTC:
a) negar provimento ao recurso, por ser manifestamente infundada a
questão da inconstitucionalidade, face ao artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa, da norma do artigo 754.º, n.º 2, do Código de Processo
Civil, na redacção resultante da reforma de 1995/1996, que estabelece a regra da
inadmissibilidade de recurso de agravo na 2.ª instância, para o Supremo
Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos pela Relação que confirmem, ainda
que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão proferida na
primeira instância; e, consequentemente,
b) confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.”
1.2. A reclamação para a conferência apresentada pelo
recorrente desenvolve a seguinte argumentação:
“1. O despacho reclamado reafirma a doutrina canónica do Tribunal
Constitucional: o legislador está impedido de eliminar, pura e simplesmente, a
faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática;
já não está, porém, impedido de regular com larga margem de liberdade a
existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
2. Larga margem que, todavia, se restringe quando uma actuação de um
tribunal, por si mesma, afecta de forma directa um direito fundamental de um
cidadão, mesmo fora da área penal, devendo nestes casos ser reconhecido um
direito à apreciação judicial dessa situação.
3. É justamente neste derradeiro intervalo do tema da
recorribilidade que o recurso do reclamante foi intentado, questão que o
despacho imediato não considerou.
4. Com efeito, trata‑se, no caso do recurso não recebido, de recurso
de agravo, inicialmente qualificado como recurso de revista, interposto de
despacho da 1.ª instância que indeferiu a nulidade arguida de ausência de
citação.
5. É que o recorrente, quando pretensamente foi citado por carta,
estava pura e simplesmente internado por afecção psíquica grave.
6. Depois, seguiu‑se a confissão ficta, por não ter apresentado a
contestação: ... pois se não teve consciência de ter sido citado!
7. Logo: a perda da causa, isto é, de um interesse patrimonial, mas
sobretudo familiar e afectivo, muito relevante.
8. Acontece que tudo isto seriam argumentos de todo improcedentes se
o quadro do problema recursivo se pudesse manter no campo teórico convocado
pelo despacho, este que o reclamante não aceita.
9. Na verdade, a ausência de citação é a mais grave nulidade de
processo, porque põe em causa o Direito em si mesmo: sem contraditório
efectivamente respeitado não há, sem dúvida, Estado de Direito, sequer.
10. E o problema então é este: a compressão dos recursos pode ir até
ao ponto de aceitar decisões a despeito do contraditório e do Direito, enquanto
há ainda uma possibilidade institucional de serem reformadas?
11. Ou dito de outro modo: a limitação dos recursos perante as duas
decisões conformes, de 1.ª e 2.ª Instância, não atinge e inutiliza o direito
fundamental ao contraditório, quando torna insindicável em última instância a
ausência de citação, isto é, quando se admite um não direito a meio caminho das
possibilidades de remédio recursivo?
12. A resposta a estas perguntas parece ser, para o reclamante, de
clareza cristalina: sim, no sentido do alargamento do cânon do Tribunal
Constitucional acima referido.
13. Em suma: não pode haver num Estado de Direito decisões por de
cima do contraditório sem que o vértice do sistema judicial as reexamine.
14. É neste sentido que o reclamante pede a inflexão do Tribunal
Constitucional, não obstante o brilho do despacho reclamado.”
1.3. Os recorridos, notificados da apresentação da
reclamação, nada disseram.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Os argumentos aduzidos pelo reclamante em nada abalam
os fundamentos da decisão sumária impugnada.
A questão da extemporaneidade da apresentação da
contestação por parte do ora recorrente, a que estava associada a questão da
nulidade da sua citação, foi primeiramente decidida pelo Tribunal Cível do
Porto, que não admitiu a contestação por extemporânea e, consequentemente,
considerou provados os factos alegados pelos autores, e, depois, em sede de
recurso, pelo acórdão de 5 de Fevereiro de 2007 do Tribunal da Relação do Porto,
que, sem votos de vencido, confirmou a decisão então impugnada, consignando
expressamente que, não resultando dos autos a incapacidade do réu, não se
verificava a excepção prevista no artigo 485.º, alínea b), do CPC. Isso é: sobre
a aludida questão já foram proferidas duas decisões judiciais, e segunda em via
de recurso e com integral respeito pelo princípio do contraditório.
Neste quadro e face à reiterada jurisprudência deste
Tribunal (largamente referenciada na decisão sumária reclamada) sobre a
inexistência da consagração constitucional de um direito geral de recurso de
decisões judiciais e, muito menos, do direito a um duplo recurso (ou um triplo
grau de jurisdição), é manifestamente infundada a questão da
inconstitucionalidade da não admissão de recurso para o STJ do acórdão da
Relação, proferido em sede de recurso de agravo, que confirmou a decisão da 1.ª
instância.
3. Termos em que, sem necessidade de mais desenvolvidas
considerações, acordam em indeferir a presente reclamação, confirmando a
decisão sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 22 de Abril de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos