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Processo n.º 1064/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o
Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do
objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«[…] 2. Verificando-se não estarem reunidos os pressupostos necessários ao
conhecimento do objecto do recuso, justifica-se a prolação de decisão sumária,
ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
Como resulta da resposta do recorrente ao convite ao aperfeiçoamento, o presente
recurso vem interposto, em primeiro lugar, do acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra, de 11.07.2007, para apreciação da constitucionalidade das normas dos
artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 425.º, n.º 6, do Código de Processo Penal,
quando interpretados no sentido de que a notificação da decisão condenatória
tomada pelo tribunal de recurso, poder ser feita unicamente ao defensor do
arguido, assim não tendo de lhe ser notificada pessoalmente, por violação das
garantias de defesa postuladas pelo n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.
Independentemente de se saber se o recorrente suscitou, de forma adequada, uma
questão de inconstitucionalidade normativa, constata-se que o referido acórdão
de 11.07.2007 (a fls. 171/176 dos autos) não aplicou tais normas, desde logo por
ter considerado que a questão não se incluía no objecto da recurso, como
resulta, com evidência da seguinte passagem:
«Finalmente, no seu requerimento de fls. 137 (ex. 396) diz o arguido:
“à cautela, e face à eventualidade de em conferência, assim não entender este
Venerando Tribunal, desde já se argúi a interpretação inconstitucional do art.
113.°, n.° 9, 411.°, n.° 1 e 425.°, n.° 6 do CPP quando interpretadas no sentido
de que a notificação da decisão condenatória tomada pelo tribunal de recurso,
poder ser feita unicamente ao defensor do arguido, assim não tendo de lhe ser
notificada pessoalmente, por violação das garantias de defesa postuladas pelo
n.º 1 do art. 32.° da nossa Lei Fundamental, o que desde já se suscita para ser
apreciado por V.Exas em conferência, para os devidos e legais efeitos.”
Ora, o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questões novas. Se está
apenas em causa a apreciação de arguição de nulidade do despacho proferido pela
juiz relatora, despacho esse que expressamente não tratou da questão agora
suscitada, não pode o arguido pretender, à cautela, que este tribunal conheça de
tal matéria.»
O que, só por si, impede o conhecimento do objecto do recurso, interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Em segundo lugar, o presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra, datado de 08.11.2006, na parte em que teria feito aplicação
do artigo 720.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 4.º [e não n.º 4, como se refere o
recorrente] do CPP, quando não estão esgotadas todas as vias de recurso,
nomeadamente em caso de se considerar extemporâneo requerimento que incidiu
sobre acórdão do Tribunal da Relação ainda susceptível de recurso para o
Tribunal Constitucional, o que, no entender do recorrente, é inconstitucional
por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Lei Fundamental.
Manifestamente, também nesta parte o recurso não pode ser admitido.
Desde logo porque a questão suscitada não consubstancia uma questão de
inconstitucionalidade normativa, idónea a constituir objecto de um recurso de
constitucionalidade e porque, ainda que aquele acórdão de 08.11.2006 admitisse
recurso para o Tribunal Constitucional, sempre se dirá que foi interposto
intempestivamente (artigo 75.º, n.º 1, da LTC). […]»
2. Notificado desta decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos termos seguintes:
«[…] Quanto à 1.ª questão, se é certo que a decisão recorrida de 11.07.2007
referiu que o tribunal de recurso não se pode pronunciar sobre questões novas,
também não é menos certo que na sua fundamentação acabou por aplicar e
interpretar as normas que em tempo se arguíram de inconstitucionais.
Tanto assim foi que as normas por nós suscitadas (quanto 1.ª questão), foram
interpretadas e originaram a decisão no sentido de que : “Ora, se como
mencionámos quando o arguido, na 1.ª instância, não está presente em audiência
se considera notificado da sentença na pessoa do seu defensor, deverá tomar-se o
mesmo entendimento quanto aos acórdãos proferidos em 2.ª instância (em que o
arguido também não esteve presente em audiência). “.
Foi ou não foi esta a decisão que levou ao indeferimento do nosso
requerimento?!... Pensamos que sim.
A não ser assim está aberta uma porta para NUNCA poderem os interessados
conhecer de questões de inconstitucionalidade, bastando para tal que as decisões
decidam as questões que lhe são colocadas sem fundamentação de facto e de
direito.
Ou seja, bastando dizer que foi “intempestivo” ou não tem “razão” deve “ser
indeferido” porque assim se entende...
E assim quando suscitamos a arguição de nulidades dessa decisão por falta de
fundamentação, e eventual interpretação e aplicação de normas (nem que sejam
tacitamente), inconstitucionais, nunca serão conhecidas porque expressamente não
indicadas.
Ora sempre ressalvado o devido respeito por douta e superior opinião e
independentemente da volta que se queira dar-lhe o certo é que como não somos
leigos, sabemos que a decisão se baseou numa dada interpretação para julgar, no
caso concreto, extemporâneo dado requerimento.
Ou seja, interpretou que o prazo para a prática do acto processual começou a
correr com a notificação ao defensor não sendo necessário a notificação ao
arguido.
Parece-nos claro como a água.
A não ser assim qual a interpretação e a aplicação da norma pelo acórdão
recorrido para entender que o acto praticado pelo recorrente foi
intempestivo?!...
Por outro lado parece-nos que as questões que se queriam ver apreciadas já tem
solução para a decisão recorrida.
Pois que “ainda que aquele acórdão de 08.11.2006 admitisse recurso para o
tribunal Constitucional, sempre se dirá que foi interposto intempestivamente
(artigo 75.°, n.° 1 da LTC).”.
Mas essa intempestividade está dependente de se considerar ou não que a
notificação de acórdão do tribunal superior se basta ao defensor do arguido não
sendo necessária a notificação ao arguido.
E no fundo era essa interpretação que se queria ver apreciada para daí se poder
aferir se tal requerimento é ou não tempestivo.
Além disso a decisão recorrida entende que a questão da aplicação do artigo
720.º n.° 2 do CPC ao Processo Penal “ não consubstancia uma questão de
inconstitucionalidade normativa, idónea a constituir objecto de um recurso de
constitucionalidade”, sem explicitar a razão de tal afirmação, quando no fundo
essa aplicação normativa ao processo penal viola entre outros o principio da
presunção da inocência até ao trânsito em julgado da decisão, sempre ressalvado
o devido respeito.
Basta pensar que com qualquer requerimento que se faça em sede de recurso,
sempre o tribunal podia aplicar tal artigo (720.° do CPC), para daí o recorrente
passar a eventualmente a cumprir pena, sendo certo que em caso de provimento
posterior de eventual recurso superior, seria dada sem efeito a dita prisão!!!
[…]»
3. O representante do Ministério Público neste Tribunal apresentou resposta
sustentando a manifesta improcedência da reclamação e salientando que a
argumentação do reclamante «em nada abala os fundamentos da decisão reclamada no
que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso interposto.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Como é salientado pelo representante do Ministério Público neste Tribunal, o
reclamante não aduz qualquer fundamento susceptível de contradizer o decidido na
decisão sumária reclamada.
Em primeiro lugar, contrariamente ao defendido pelo recorrente, o acórdão do
Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.07.2007, não aplicou, como sua ratio
decidendi, as normas dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 425.º, n.º 6, do
Código de Processo Penal, (o que resulta, com cristalina evidência, da passagem
do acórdão transcrita na decisão sumária), sendo tais disposições mencionadas na
decisão recorrida como simples obiter dictum.
Em segundo lugar, no que respeita ao recurso interposto do acórdão do Tribunal
da Relação de Coimbra, de 08.11.2006, na parte em que teria feito aplicação do
artigo 720.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP, e independentemente da sua
intempestividade, o recorrente não enuncia − nem a decisão recorrida aplica −
qualquer interpretação normativa, ou seja, indissociável do resultado de
aplicação da norma ao caso concreto, idónea a constituir objecto de um recurso
de constitucionalidade.
É, por isso, de manter a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
5. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 30 de Abril de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos