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Processo n.º 236‑A/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Pelo Acórdão n.º 365/2007, de 22 de Junho de 2007,
foi determinada, ao abrigo do disposto no artigo 84.º, n.º 8, da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada
pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º
13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC) e no artigo 720.º do Código de Processo
Civil (CPC), a extracção de traslado, no qual se daria seguimento ao incidente
de condenação da reclamante A. por litigância de má fé suscitado na resposta
dos reclamados e ao incidente anómalo suscitado pelo requerimento da reclamante
de 6 de Junho de 2007 (e de outros requerimentos que a mesma viesse apresentar),
mas este apenas depois de pagas as custas (e eventuais multa e indemnização) da
sua responsabilidade.
Pelo Acórdão n.º 561/2007, de 13 de Novembro de 2007,
decidiu‑se que, por ora, ainda não se justificava a condenação da reclamante
como litigante de má fé.
Por comunicação do Tribunal Judicial de Paredes foi dada
conta de que a reclamante beneficia de apoio judiciário, na modalidade de
dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo
que nada obsta a que se aprecie o aludido requerimento de 6 de Junho de 2007.
2. Pelo Acórdão n.º 226/2007, de 28 de Março de 2007,
foi indeferida reclamação apresentada por A., ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º
da LTC, contra o despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça
(STJ), de 15 de Janeiro de 2007, que não admitira recurso de constitucionalidade
interposto do acórdão do STJ, de 7 de Dezembro de 2006, por (esse despacho)
haver entendido que nesse acórdão “não se mostra aplicada qualquer norma (seu
segmento ou interpretação) que, no decurso do processo, a recorrente tivesse
assacado de não conforme à Constituição”.
Pelo Acórdão n.º 310/2007, de 16 de Maio de 2007, foi
desatendida arguição de nulidade do Acórdão n.º 226/2007.
Notificada deste último acórdão, a reclamante
apresentou, em 6 de Junho de 2007, requerimento em cujo cabeçalho refere vir
“alegar a inconstitucionalidade do douto acórdão” [n.º 310/2007], a que se
seguem as seguintes considerações (que constituem, na sua quase totalidade,
reprodução ipsis verbis o teor da arguição de nulidade do Acórdão n.º 226/2007):
“Veio a presente reclamação do douto acórdão de 30 [aliás, 28] de
Março de 2007, que não admite o recurso interposto pela recorrente para o
Tribunal Constitucional.
Refere o douto despacho que «não se mostra aplicada qualquer norma
(nem segmento ou interpretação) que, no decurso do processo, a recorrente
tivesse assacado de não conforme à Constituição».
Salvo o devido respeito e que é muito por opinião contrária, o que é
certo é que desde a sua contestação em sede de Tribunal de Comarca de Paredes e
subsequentes agravos e apelação para o Tribunal da Relação do Porto e finalmente
com o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça,
sempre a recorrente defendeu a inconstitucionalidade de norma e
interpretação aplicada no processo.
Atente‑se ao alegado pela recorrente nas suas alegações de revista
em que claramente se refere à inconstitucionalidade do entendimento do Tribunal
da Comarca de Paredes e do Tribunal da Relação do Porto das normas aplicadas e
violadoras dos artigos 13.º e 204.º da CRP.
Aliás, a essa alegação de inconstitucionalidade se refere o douto
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Outubro de 2006, a fls. 2.
Pelo que dizer‑se que a recorrente nunca suscitou a
inconstitucionalidade no decurso do processo se nos afigura errado e mais uma
vez violadora dos seus direitos constitucionais,
No presente caso de recurso para o Tribunal Constitucional.
E atente‑se que essa questão é relevante para a decisão da causa.
Assim, é facto que a recorrente sempre assacou à aplicação e
interpretação das normas do Código do Arrendamento Urbano efectuada quer em
sede de Tribunal de 1.ª Instância, quer em sede de 2.ª Instância, a sua
inconstitucionalidade.
O que também agora faz em sede de recurso de revista no Supremo
Tribunal de Justiça,
defendendo que o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça viola
os artigos 13.º e 204.º da CRP, por errada interpretação, pelo que
inconstitucional, dos artigos 143.º, 144.º e 668.º do CPC, 28.º e 35.º do
Decreto‑Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, e 328.º, 329.º, 333.º e 334.º do
Código Civil.
Pelo que se afigura estarem preenchidos os requisitos do artigo
70.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, da Lei n.º 28/82, pela aplicação da norma após
a sua submissão a um juízo de constitucionalidade;
suscitação da inconstitucionalidade no decurso do processo, pela
recorrente.
Ora,
A competência para fiscalizar a constitucionalidade das normas é
reconhecida a todos os tribunais que, quer por impugnação das partes, quer ex
officio pelo juiz, apreciam a inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao
caso concreto submetido a decisão judicial (cf. artigos 204.º e 280.º da CRP).
O processo de fiscalização concreta de norma jurídicas, designado
também por processo incidental ou acção judicial de inconstitucionalidade,
traduz a consagração do direito / dever de fiscalização dos juízes relativamente
a normas a aplicar a um caso concreto.
Uma norma em desconformidade material, formal ou procedimental com a
Constituição é nula, devendo o juiz, antes de decidir qualquer caso concreto de
acordo com esta norma, examinar se ela viola as normas e princípios da
Constituição.
O que, salvo melhor opinião, não foi feito.
Desta forma, os juízes têm acesso directo à Constituição, aplicando
ou desaplicando normas cuja inconstitucionalidade foi impugnada.
A competência dos Tribunais para exercerem a fiscalização judicial
consta do artigo 204.º da CRP e o seu regime básico está fundamentalmente
consagrado no artigo 280.º da CRP e nos artigos 69.º e seguintes da LTC.
É este o regime geral de acesso ao Tribunal Constitucional.
Das decisões do juiz a quo, quer de acolhimento, quer de rejeição da
inconstitucionalidade, cabe recurso, por via incidental, para o Tribunal
Constitucional – artigo 280.º da CRP.
Como das decisões dos juízes pode haver recursos de
inconstitucionalidade para o TC, diz‑se também que a fiscalização concreta,
incidental e difusa, é uma introdução necessária dos recursos para o TC.
Este poderá vir a revogar a decisão do juiz a quo.
A questão da inconstitucionalidade foi levantada pela recorrente num
feito submetido a julgamento perante um Tribunal – artigo 204.º da CRP.
A questão colocada pela recorrente e suscitada perante o juiz a quo
é uma questão de inconstitucionalidade, isto é, coloca‑se o problema da
conformidade ou desconformidade de normas com a Constituição.
É uma questão concreta de inconstitucionalidade, ou seja, trata‑se
de questão de desconformidade constitucional de um acto normativo [a] aplicar
num caso submetido a decisão perante o juiz a quo.
In casu, artigos 28.º e 35.º do Decreto‑Lei n.º 385/88.
É uma questão objectiva e pressupõe um juízo de conformidade de um
acto normativo com normas e princípios dotados de escalão constitucional e valor
legal reforçado, e foi suscitada durante o processo.
A descodificação da fórmula questão suscitada durante o processo tem
dado origem a vasta jurisprudência.
O Tribunal Constitucional tem recortado este requisito sob uma
perspectiva marcadamente funcional.
Suscitar‑se a questão da inconstitucionalidade significa que essa
invocação pode e deve ser feita em momento em que o Tribunal a quo ainda possa
conhecer da questão.
O que é o caso.
A inconstitucionalidade foi suscitada pela recorrente antes de
esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a
inconstitucionalidade respeita – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 94/98,
Diário da República, II Série, de 22 de Setembro de 1998.
Como se disse, a questão da constitucionalidade suscitada é
relevante para a decisão da causa.
A causa, o feito submetido a decisão judicial, diz respeito a um
outro assunto, questão de fundo, questão de mérito, mas depende também da
validade ou invalidade de uma norma [a] aplicar ao caso.
A questão da constitucionalidade não representa a questão principal,
é antes uma questão incidental relevante para a solução da questão principal.
A noção de questão relevante oscila entre duas posições principais:
Questão relevante é aquela que é decisiva para a decisão do
Tribunal, não podendo esta ser proferida sem a resolução do problema prévio da
inconstitucionalidade;
Questão relevante existe também quando [a] aplicação da norma cuja
constitucionalidade é posta em causa parece necessária ao Juiz a quo, ou quando
este admite como possível vir essa norma a ser aplicada ao feito submetido a
julgamento, mas afasta a sua aplicação por motivo de inconstitucionalidade.
De qualquer modo, não é suficiente afirmar, na decisão do tribunal a
quo, que determinada norma é inconstitucional.
Ela deve ser efectivamente desaplicada por motivos de
inconstitucionalidade, ou aplicada não obstante em vocação [sic] de
constitucionalidade, no feito submetido a apreciação judicial.
Por isso se diz que no juízo sob a aplicação ou desaplicação de uma
norma esta foi aplicada como ratio decidend[i] e não como um simples ob[i]ter
dictum da decisão recorrida.
A questão da inconstitucionalidade deve ter por objecto normas que
tenham de ser aplicadas na causa.
O que é manifestamente o caso sub judice.
Não há, porém, qualquer restrição quanto à natureza das normas
impugnadas, que podem ser normas materiais ou processuais, podem incidir sob
[sic] o mérito da causa ou apenas sob [sic] meios probatórios ou pressupostos
processuais, podem lesar ou não direitos fundamentais ou interesses legítimos
das partes.
Isto não significa que os problemas de inconstitucionalidade digam
apenas respeito a actos normativos, pois podem existir hipóteses de actos
privados directamente violadores da Constituição.
Nestes casos, o juiz deverá considerar estes actos como ilícitos,
contrários à ordem pública constitucional e desaplicá‑los‑á, mas não
configurará o problema como questão autónoma de inconstitucionalidade.
Salvo melhor entendimento, a situação acima referida configura a
atitude tomada pela recorrente nos presentes autos.
Por isso, além da relevância da questão da inconstitucionalidade,
expressa nas regras tradicionais da prejudicialidade e da indispensabilidade, ao
juiz da causa cabe pronunciar‑se sobre a procedência da questão.
O que se nos afigura não aconteceu quer na primeira instância, quer
nas instâncias de recurso.
E como se trata de um verdadeiro controlo concreto a efectuar pelo
Tribunal, compreende‑se que exista aqui não só no juízo sobre a manifesta ou
evidente improcedência, mas também sobre o fundamento ou a justeza do
incidente.
De acordo com os princípios do controle concreto, isto significa
pertencer ao juiz da causa decidir se é fundada ou não a pretensão da parte
quanto à inconstitucionalidade.
Sendo certo que uma decisão sobre o incidente da
inconstitucionalidade não impede o juiz da causa, de acordo com os princípios
gerais do processo, [de] apreciar se [se] trata ou não de uma questão
inexistente ou manifestamente improcedente.
Em último termo, é ao Tribunal Constitucional que vai pertencer, a
título definitivo, a qualificação do vício conducente à desaplicação da norma.
Ora, das decisões dos tribunais relativas às questões de
inconstitucionalidade cabe recurso para o Tribunal Constitucional.
E, sendo certo que o objecto do recurso não é [a] decisão do
tribunal a quo sob [sic] o mérito da questão, mas sim o segmento da decisão
judicial relativo à questão de inconstitucionalidade, todavia, trata‑se sempre
de uma norma interpretativamente mediatizada pela decisão recorrida, porque a
norma deve ser apreciada no recurso segundo a interpretação que lhe foi dada
nessa decisão.
O caso presente é um recurso de decisão que aplica uma norma, não
obstante a sua inconstitucionalidade ter sido arguida no processo, efectuado
pela parte de acordo com as regras gerais do processo e é facultativo.
É também de chamar [a] atenção para o facto de o recurso para o
Tribunal Constitucional não se circunscrever às decisões que aplicam actos
normativos de valor legislativo, pois pode ter como objecto quaisquer normas,
desde que elas tenham sido consideradas pelo juiz a quo relevantes para a causa.
No entendimento da recorrente, esta cumpriu com o princípio da
exaustão de recursos – LTC, artigo 70.º; com o princípio da legitimidade – CRP,
artigo 280.º;
com o princípio da tempestividade processual – LTC, artigo 70.º;
com o princípio da viabilidade do recurso – LTC, artigo 76.º;
e com o princípio da individualização das normas constitucionais
infringidas e das normas infraconstitucionais infringentes – LTC, artigo 75.º.
Atente‑se que um recurso é fundado quando tiver utilidade para a
decisão de fundo.
Por fim se dirá que o ónus de suscitação da questão da
inconstitucionalidade perante o Tribunal da questão não impede [que] no recurso
para o Tribunal Constitucional possam ser invocados, pela parte recorrente,
fundamentos diversos dos alegados em sede do tribunal da causa.
Tal é pedido ao juiz a quo – CRP, artigo 204.º, e ao Tribunal
Constitucional – LTC, artigo 79.º‑C, não havendo pois razões processuais ou
materiais para impedir o recorrente que, de forma processualmente adequada,
suscitou a questão da inconstitucionalidade, proceda a um recorte mais rigoroso
da questão de direito imbricada na questão da inconstitucionalidade.
Posto isto, se dirá que a não admissão do recurso violou o direito
da recorrente a colocar perante o Tribunal Constitucional a questão da
inconstitucionalidade suscitada no decurso do processo.
Pelo que veio arguir a nulidade do Acórdão n.º 226/2007, de 30
[aliás, 28] de Março de 2007, deste Tribunal, proferido em reclamação para a
conferência de decisão sumária do relator, que decidiu não tomar conhecimento
do recurso de constitucionalidade que tinha interposto.
Fundamentando o pedido, refere que «não pode ficar ao arbítrio do
Tribunal Constitucional a selecção dos recursos de constitucionalidade ‘em
termos processualmente adequados’ (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), porque essa
norma adjectiva de contornos indefinidos e indeterminados esmaga a textura dos
princípios estruturantes dos artigos 20.º e 204.º da Lei Fundamental».
O Tribunal Constitucional deveria conhecer dos recursos admitidos
pelo tribunal recorrido.
Mais se refere que suscitou a inconstitucionalidade de normas do
Código Civil e do RAU, «mas o TC, em termos processualmente desadequados,
silenciou, pelo que o acórdão é nulo (artigos 660.º, n.º 1, 664.º e 668.º, n.º
1, alínea d), do CPC)».
Ora, como resulta do douto acórdão, este não dá cumprimento ao
artigo 78.º‑A da LTC, não convidando o recorrente a indicar integralmente os
elementos exigidos pelos n.ºs 1 a 4 do artigo 75.º‑A.
Mais como se revela pelo douto Acórdão n.º 226/2007, o parecer do
Ministério Público é posterior ao exame preliminar e decisão sumária do
relator.
A nulidade absoluta implica ineficácia do acto por si mesmo, sem
necessidade da intervenção do juiz.
Além disso, a nulidade absoluta tem carácter geral, podendo qualquer
pessoa invocá‑la a seu favor e contra quem quer que seja.
O juiz pode e deve, ex officio, por sua iniciativa e em qualquer
momento, apreciar a nulidade.
A fiscalização judicial da conformidade dos actos legislativos
segundo a medida parâmetro da Constituição significa estender o princípio da
legalidade aos órgãos legislativos no exercício da função legislativa.
Justifica‑se por isso saber como concebia a doutrina administrativa
a figura da ilicitude dos actos administrativos que violassem normas jurídicas.
A nulidade significa a invalidade de um acto administrativo a que
faltam elementos essenciais quanto à competência, quanto à forma e quanto ao
conteúdo.
A nulidade opera ipso jure, tendo as decisões jurisdicionais ou
administrativas reconhecedoras da nulidade efeito meramente declarativo.
A desconformidade dos actos normativos com o parâmetro
constitucional dá origem ao vício da inconstitucionalidade.
A doutrina costuma distinguir entre vícios formais, vícios materiais
e vícios procedimentais.
Ao tratarmos da nulidade parcial da lei, verificar‑se‑á que a
irregularidade substancial de uma ou várias disposições pode implicar a
anulação da lei in toto [sic].
As normas relacionadas com o procedimento são de ordem pública.
Os tribunais devem declarar oficiosamente a nulidade das actuações
quando tenham sido infringidos os trâmites essenciais do procedimento.
O exame da observância das normas de procedimento deverá preceder o
de qualquer outro aspecto relacionado com o acto impugnado.
Esta prioridade afecta inclusivamente a alegação da
inadmissibilidade do recurso, ou seja, se ocorrer vicio de procedimento o acto
deverá ser anulado e reposta a actuação até ao momento em que se verificou tal
vício.
O procedimento deverá caracterizar‑se pela unidade de actos que o
constituem e pelo seu carácter teleológico, já que os ditos actos visam atingir
um determinado fim.
Vem a recorrente arguir a nulidade do referido acórdão, suscitando a
nulidade da decisão sumária proferida pelo Doutor Conselheiro Relator.
Por conseguinte, o meio processual de que lançou mão não foi o da
«reclamação para a conferência», nos termos do artigo 68.º‑A [sic] da Lei do
Tribunal Constitucional, mas antes a invalidade decorrente do incumprimento do
n.º 5 do artigo 75.º‑A do mesmo diploma.
Como assim, arguindo-se a nulidade de um[a] decisão do Ex.mo
Relator, cabia a este Ex.mo Julgador, nos termos da alínea f) do n.º 1 do
artigo 706.º do Código de Processo Civil [assim, no original], não submeter o
citado despacho à conferência, mas antes proferir outro despacho que
d[i]rimisse o incidente suscitado.
Com efeito, ao submeter a arguição de nulidade, desde logo, o M.mo
Senhor Conselheiro Relator prejudicou a ora recorrente, ao cercear‑lhe a
hipótese de, em caso de vontade de reclamação para a conferência, de os
Senhores Juízes que a compuseram se verem confrontados com novos elementos
eventualmente carreados pela reclamante.
É que, lido e relido, com atenção, o relatório do acórdão proferido
nos autos, colhe‑se a certeza, ex adverso do que vem referido, de que o recurso,
tal como interposto, reunia e reúne todas as condições formais para que os seus
termos venham a ser objecto de conhecimento, sobretudo, do acórdão.
Por isso, não consegue a recorrente entender, salvo o devido
respeito, a afirmação precipitada do acórdão.
Ora, se a aqui recorrente invocou, expressamente, outra norma e
outra pretensão, não parece que possa o Tribunal Constitucional, a seu
bel-talante, proceder a uma interpretação correctiva da vontade claramente
expressa pelo reclamante e, posto isto, dar o que não lhe foi pedido, denegando
o que lhe fora impetrado.
Termos em que, face ao exposto, se conclui pela nulidade do
«entendimento» a que o Tribunal «entendeu» proceder, sem ter curado de explicar
esse «entendimento», pelo que deverá V.ª Exa. Senhor Juiz Conselheiro Relator
anular todo o processado posterior ao requerimento apresentado pelo reclamante
e que deu origem a um acórdão que não devia ter sido proferido, mas antes a um
despacho, como é de lei.
Pelo que a decisão do douto Tribunal Constitucional é de per si
inconstitucional.
O direito processual constitucional em sentido estrito tem por objecto o
processo constitucional.
O processo constitucional reconduz[‑se] a um complexo de actos e formalidades
tendentes à prolação de um decisão judicial relativa à conformidade ou
desconformidade constitucional de actos normativos públicos.
O processo só se inicia sob o impulso das entidades às quais é
constitucionalmente reconhecida legitimidade processual activa.
Não podemos, pois, esquecer o sentido do princípio da congruêncía que exige que
entre a sentença proferida pelo tribunal e as pretensões deduzidas pelas partes
exista uma relação de congruência, que consiste fundamentalmente em o tribunal
apreciar apenas o pedido, mas sem deixar de apreciar e resolver todo o pedido.
A decisão do Tribunal Constitucional pode ser uma sentença de rejeição ou de não
acolhimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade.
A Constituição regula expressamente os efeitos das sentenças de acolhimento,
mas não contém preceito algum sobre os efeitos das sentenças de rejeição de
inconstitucionalidade.
Do articulado constitucional não se deduzem elementos suficientes para a
configuração, como caso julgado, da sentença de rejeição.
Não há, pois, que equiparar as decisões do Tribunal Constitucional que declarem
a inconstitucionalidade de uma norma com as decisões que não a declaram.
Estas não têm, por conseguinte, efeito preclusivo, pois não impedem que o mesmo
ou outro requerente venha de novo solicitar ao Tribunal Constitucional a
apreciação da constitucionalidade da norma anteriormente não declarada
inconstitucional.
Desde logo, a não declaração carece de quaisquer efeitos purgativos, sendo
admissível a repropositura de uma acção directa [de] «fiscalização abstracta»
por outras entidades, constitucionalmente legitimadas, e a interposição de
recursos em via incidental.
Nestes termos, nos de direito e com o sempre mui douto suprimento de
V.ªs Ex.ªs, requer‑se apreciação da inconstitucionalidade dos autos de
reclamação n.º 236/07, por violação clara do artigo 280.º, n.º 4, da CRP e
artigo 72.º, n.º 2, da LTC.”
3. Notificados da apresentação deste requerimento, os
reclamados responderam nos seguintes termos:
“1 – A recorrente A. vem alegar inexplicavelmente a inconstitucionalidade do
Acórdão.
2 – Contudo, com o devido respeito, no máximo poderia alegar a
inconstitucionalidade de normas jurídicas.
3 – Para além de que não lhe assiste qualquer razão de facto para alegar tal
inconstitucionalidade.
4 – O Acórdão é imerecedor de qualquer censura, fazendo uma correcta e ponderada
aplicação do direito, quanto mais de inconstitucionalidade.
5 – O douto acórdão fez uma ponderada qualificação das questões a si submetidas.
6 – Aliás, a recorrente tem, sem sucesso, e exaustivamente, tentado, por todos
os meios, atrasar o presente processo.
7 – Todas as questões, agora mais uma vez submetidas à apreciação, já foram, em
tempo devido, minuciosamente discutidas.
8 – E, quando não foram, foi por falta de contestação da recorrente,
nomeadamente na 1.ª Instância.
9 – A recorrente pretende única e exclusivamente prolongar o presente processo,
com reclamações sobre reclamações.”
4. Como já se assinalou no Acórdão n.º 365/2007, o
referido requerimento de 6 de Junho de 2007, em que substancialmente se reproduz
anterior requerimento já decidido, ostensivamente se ignora o objecto, o sentido
e a fundamentação das duas anteriores decisões do Tribunal Constitucional
proferidas nestes autos e formula pretensão incompreensível, pretensamente
alicerçada em considerações abstractas sobre os tipos e efeitos das decisões de
inconstitucionalidade, que nada têm a ver com o objecto deste processo
(reclamação de decisão de não admissão de recurso).
Com efeito, a reclamante persiste em afirmar que na sua
reclamação estava em causa uma decisão sumária de não conhecimento do recurso,
proferida pelo relator do Tribunal Constitucional ao abrigo ao n.º 1 do artigo
78.º‑A da LTC, quando o objecto da presente reclamação, deduzida nos termos dos
artigos 76.º, n.º 4, e 77.º da LTC, consistia no despacho do Conselheiro Relator
do STJ, de 15 de Janeiro de 2007, de não admissão do recurso interposto para o
Tribunal Constitucional. Ora, no âmbito deste tipo de reclamações, é incabível a
formulação de convite, ao abrigo do n.º 6 do artigo 75.º‑A da LTC, ao
aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, pois esse convite, a
formular pelo relator no Tribunal Constitucional, pressupõe que o recurso foi
admitido pelo tribunal a quo apesar das deficiências do respectivo requerimento
de interposição.
O Acórdão n.º 226/2007 indeferiu a reclamação contra o
despacho de não admissão de recurso da autoria do Conselheiro Relator do STJ e
o Acórdão n.º 310/2007 indeferiu a arguição de nulidade deduzida contra o
anterior Acórdão, em ambos os casos tendo o Tribunal Constitucional cingido a
sua apreciação às questões sobre que se tinha de pronunciar, não se
vislumbrando, assim, que o Tribunal haja exorbitado dos seus poderes de
cognição nem infringido qualquer norma ou princípios constitucionais.
5. Em face do exposto, acordam em indeferir o
requerimento apresentado em 6 de Junho de 2007, de arguição de
inconstitucionalidade do Acórdão n.º 310/2007.
Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2007.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos