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Processo n.º 436/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A., S.A., e
recorrido a Câmara Municipal de Lisboa, foi proferida decisão sumária que negou
provimento ao recurso, concluindo pela não inconstitucionalidade da norma do
artigo 77.º do Regulamento Geral das Canalizações e Esgotos da Cidade de Lisboa,
constante do Edital n.º 145/60, alterado pelo Edital n.° 76/96, com os seguintes
fundamentos:
«(…) 2. O Tribunal Constitucional já apreciou a questão de inconstitucionalidade
que constitui objecto do presente recurso. Com efeito, no Acórdão n.º 68/2007
(www.tribunalconstitucional.pt), este Tribunal decidiu não julgar
inconstitucional a norma agora em apreciação.
No citado aresto, concluiu-se que a norma do artigo 77.° do Edital n.° 145/60,
com a redacção dada pelo Edital n.° 76/96, da Câmara Municipal de Lisboa - que
prevê a tarifa de conservação de esgotos — contempla um tributo que é ainda de
qualificar como taxa e não como imposto. De modo decisivo, afirmou-se então, em
abono desta qualificação jurídica (como taxa), que não se pode considerar que o
critério da determinação do montante do tributo, isto é, o valor patrimonial do
prédio, seja completamente alheio à utilidade que o particular retira dele,
justamente por evitar a depreciação do valor desse mesmo prédio.
Não suscitando o presente recurso qualquer questão nova que deva ser apreciada
agora, remete-se para os fundamentos do Acórdão n.° 68/2007, concluindo-se pela
não inconstitucionalidade da interpretação impugnada.
III
Decisão
3. Em face do exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso,
confirmando-se, consequentemente, a decisão recorrida quanto à questão de
constitucionalidade suscitada. (…)».
2. Notificada desta decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com fundamento, em síntese, no seguinte:
«1. Entendem as ora Reclamantes que, ao procurar determinar as questões de
inconstitucionalidade suscitadas, o Venerando Conselheiro Relator adoptou um
entendimento de tal forma estreito, que acabou por considerar apenas a vertente
da inconstitucionalidade orgânica, não se pronunciando sobre a
inconstitucionalidade material suscitada, consubstanciada na violação do
princípio da igualdade.
2. Quer na petição inicial do recurso contencioso, quer ainda nas alegações de
recurso apresentadas junto do Tribunal Central Administrativo Sul, a Recorrente
imputa à disposição do art.° 77° do Regulamento Geral das Canalizações de
Esgotos da Cidade de Lisboa, constante do Edital n.° 145/60, aprovado em reunião
da Câmara Municipal de Lisboa de 22 de Junho de 1960 e por despacho de Sua Exa.
o Ministro das Obras Públicas de 1960/09/12, publicado no Diário Municipal n.°
7649 de 1960/09/24, (constante de fls. 6 a 14) e alterado pelo Edital n.° 60/90,
publicado em Diário Municipal n.° 15933 de 1990/08/07 (constante a fls. 1484 e
1485) e pelo Edital n.° 76/96, publicado no Boletim Municipal n.° 130 de
1996/08/13 (constante a fls. 1897 e 1898), dois vícios de desconformidade
constitucional:
a) orgânica, por se tratar verdadeiramente de um imposto e não de uma taxa,
assim violando o disposto nos art.°s 103° e 165°, n.° 1, i) da Constituição da
República Portuguesa, mas sobretudo
b) material, por violação do princípio da igualdade, com consagração
constitucional no art.° 13° da Lei Fundamental.
3. Na acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, entendem os
Venerandos Desembargadores que a tarifa de conservação em causa “tem sido
objecto de inúmeras decisões unânimes pelos nossos tribunais superiores,
designadamente por este Tribunal e pelo STA, (…) sempre no sentido de que as
mesmas não padecem de qualquer ilegalidade ou de inconstitucionalidade, sendo
verdadeiras taxas, revestindo carácter bilateral e sinalagmático (...)” (cf.
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.° 1272/06).
4. Continua aquele douto Tribunal afirmando que “Face a tal jurisprudência
fixada e não avançando a ora recorrente com novos argumentos que nos levem a
reponderar essa invocada inconstitucionalidade, é de fazer uso do disposto no
art. 8º, n. ° 3 do Código Civil, e, com essa fundamentação, declarar não
inconstitucional a norma do art.º 77° do RGCECL, em qualquer uma das suas
vertentes peticionadas, já que não criou qualquer imposto mas sim uma verdadeira
taxa, tendo em vista contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do
direito, que aos tribunais de grau hierárquico inferior especialmente cabe
observar relativamente aos situados em escala hierárquica superior e com a mesma
se negar provimento ao recurso” - sublinhado nosso (cf. Acórdão do Tribunal
Central Administrativo Sul no processo nº 1272/06).
5. Embora considere a norma em causa não inconstitucional em qualquer uma das
vertentes peticionadas, o Tribunal Central Administrativo Sul pronuncia-se
apenas sobre a desconformidade constitucional orgânica e fundamenta a sua
decisão por remissão para os argumentos deixados em anterior jurisprudência, que
igualmente versa sobre a constitucionalidade orgânica, consubstanciada no facto
de a tarifa de conservação em causa se tratar (de acordo com tal jurisprudência)
de uma verdadeira taxa e não de um imposto.
6. Sobre a suscitada não constitucionalidade material, por violação do princípio
da igualdade, o Tribunal Central Administrativo Sul não expende uma só palavra,
e na jurisprudência para a qual remete, apenas o acórdão proferido pelo Supremo
Tribunal Administrativo em 31 de Março de 2004, no processo 1921/03 faz uma
breve referência, ao afirmar que “Não havendo pois violação do princípio da
proporcionalidade ou de proibição do excesso não se vê igualmente onde esteja a
violação do princípio da igualdade (igualdade em relação a quê?) com previsão no
artº. 13° da CRP.
Na verdade, o facto de alegadamente a equivalência e a cobertura do custo estar
anexada ao valor patrimonial dos imóveis e não ao custo especificamente
suportado pela edilidade tem a ver com o princípio da proporcionalidade e não
com o princípio da igualdade, pois não alega nem demonstra a recorrente que os
outros imóveis são tributados (taxados) de forma diferente.”
7. Ora, a questão da inconstitucionalidade material suscitada pela ora
Reclamante por violação do princípio da igualdade foi detalhadamente enunciada,
recorrendo-se até a um exemplo prático que por clareza de exposição aqui
retomamos.
8. Suponha-se um prédio em regime de propriedade horizontal, construído e
inscrito na matriz no ano de 1997.
9. Suponha-se ainda que existem duas fracções do mesmo prédio exactamente iguais
em tipologia e área, e que são obviamente servidas pela mesma rede de esgotos.
10. Por último, imagine-se que uma de tais fracções tinha um valor patrimonial
constante da matriz de € 100.000,00; e que a outra fracção, exactamente igual e
servida pela mesma rede de esgotos, havia sido sujeita a uma avaliação e
actualização em 2000, e apresentava, na matriz, um valor de € 170.000,00.
11. Por via desta diferença nos valores matriciais, o proprietário da primeira
fracção ver-se-ia obrigado ao pagamento de uma tarifa de conservação de esgotos
no valor de € 250,00, ao passo que o proprietário da segunda fracção pagaria €
425,00.
12. Estamos pois perante dois proprietários, titulares de duas fracções
autónomas exactamente iguais, servidos pela mesma rede de esgotos, cujo custo de
manutenção é necessariamente o mesmo, que são, por força da citada norma,
injustificadamente tratados de forma desigual.
13. Como afirma, e bem, o Prof. J.J. Gomes Canotilho, o princípio da igualdade
consagrado no art.° 13° da CRP exige “uma igualdade material através da lei,
devendo tratar-se por «igual o que é igual e desigualmente o que é desigual»”
(cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Almedina, pg
428).
14. De acordo com o citado autor “O princípio da igualdade, no sentido de
igualdade da própria lei, é um postulado de racionalidade prática: para todos os
indivíduos com as mesmas características devem prever-se, através da lei, iguais
situações ou resultados jurídicos” (op. citada, pg 428).
15. Parece pois evidente que a norma em causa, que impõe a mesma tarifa a todos
os proprietários que detenham prédios com o mesmo valor patrimonial, embora seja
formalmente igual, é contudo desigual quanto ao seu conteúdo, permitindo
resultados jurídicos aberrantes e desiguais como o que antes se expôs.
16. A jurisprudência citada pelo aresto do Tribunal Central Administrativo Sul
não versa sobre esta questão, e nem o referido acórdão o faz, concluindo
contudo, ainda que sem o fundamentar, que a norma em causa não é desconforme ao
princípio constitucional da igualdade.
17. A ora Reclamante entendeu que a disposição em causa, na interpretação dada
pelo Tribunal a quo segundo a qual a sua aplicação não conduz a qualquer
desigualdade material, é violadora do referido art.° 13° da CRP, motivo pelo
qual interpôs recurso para este douto Tribunal.
18. Por decisão sumária proferida em 27 de Abril de 2007, o Venerando
Conselheiro Relator entendeu que o recurso apresentado não suscitava qualquer
questão nova, negando provimento ao recurso com os fundamentos já deixados no
Acórdão n.° 68/2007, para o qual remete.
19. Tal como sucede com a jurisprudência citada pelo Acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul, também o referido Acórdão n.º 68/2007 se pronuncia
demoradamente sobre a inconstitucionalidade orgânica suscitada, concluindo pela
natureza da tarifa em causa como taxa e não como imposto, mas não aprecia a
inconstitucionalidade material consistente na violação do princípio da
igualdade.
20. Com o respeito devido a este douto Tribunal, que é muito, não pode a ora
Reclamante concordar com a interpretação da decisão ora reclamada, segundo a
qual a violação do princípio da igualdade suscitada não é uma questão nova.
21. Efectivamente, a invocada inconstitucionalidade - a aplicação da disposição
constante do art.° 77° do Regulamento Geral das Canalizações de Esgotos da
Cidade de Lisboa na interpretação segundo a qual esta norma não viola o
princípio da igualdade - sobre a qual se pretende a pronúncia deste Venerando
Tribunal, é uma questão nova, não apreciada no Acórdão n.° 68/2007 nem na
decisão sumária reclamada.
22. Entende por isso a ora Reclamante que a douta decisão do Venerando
Conselheiro Relator deverá ser revista em conformidade, e substituída por outra
que aprecie a suscitada questão.»
3. A recorrida Câmara Municipal de Lisboa respondeu, pugnando pela improcedência
da reclamação e pela confirmação da não inconstitucionalidade da norma
sindicada, em todas as suas vertentes.
4. Por despacho de fls. 511 notificou-se a reclamante para se pronunciar quanto
à eventualidade de não conhecimento da questão posta na presente reclamação, por
se afigurar que ela não foi adequadamente suscitada perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida.
Em resposta, a reclamante pugnou pelo entendimento de que a questão da
inconstitucionalidade material foi suscitada de modo processualmente adequado
durante o processo.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. A decisão sumária reclamada foi proferida com base no entendimento de que o
Tribunal já anteriormente decidira, no Acórdão n.º 68/2007, não julgar
inconstitucional a norma impugnada – o artigo 77.º do Regulamento Geral das
Canalizações de Esgotos da Cidade de Lisboa (Edital n.º 145/60, alterado pelo
Edital n.° 76/96) − , sem que no recurso a decidir tenha sido suscitada qualquer
nova questão de constitucionalidade. Em conformidade, entendeu-se bastante, para
decidir no mesmo sentido do citado Acórdão, remeter para os respectivos
fundamentos.
Divergindo deste entendimento, a reclamante sustenta que a invocada
inconstitucionalidade material da referida norma, por violação do princípio da
igualdade, constitui uma questão nova, não apreciada no Acórdão n.º 68/2007.
Cumpre reconhecer, antes de mais, que a recorrente, no requerimento de
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, mencionou separadamente
dois vícios de inconstitucionalidade. Um, de natureza orgânica, resultaria do
facto de estarmos perante um imposto e não uma taxa; o outro, de natureza
material, decorreria da violação do princípio da igualdade, assente no artigo
13.º da CRP.
Também corresponde à verdade a afirmação de que este segundo vício de que
padeceria o mencionado artigo 77.º esteve fora do âmbito decisório do Acórdão
n.º 68/2007, o qual, tendo em conta o objecto do recurso, apenas se pronunciou
quanto à inconstitucionalidade orgânica.
Mas, se isso é certo, menos certo não é que, para se pronunciar no sentido de
que a norma impugnada não padece desse vício, o Tribunal ponderou, nesse
Acórdão, em extenso arrazoado argumentativo, o fundamento material da
qualificação como taxa da “tarifa de conservação” que a norma impugnada prevê.
E, ao fazê-lo, problematizou sobretudo a adequação e a proporcionalidade de
tomar como base de determinação do montante do tributo o “valor patrimonial do
prédio”, tendo encarado, a este propósito, a questão de saber «se o montante do
tributo se torna, devido ao critério utilizado para a sua fixação,
“completamente alheio” ao custo da prestação deste ou à utilidade que o
particular dele retira». Em caso afirmativo, teríamos que concluir que não
estamos já perante uma taxa, «sendo esta qualificação infirmada pelo próprio
critério de fixação do respectivo montante, e seus resultados».
Concluiu o Tribunal que aquele índice apresentava «uma tendencial ligação
àqueles custos e utilidade». Para chegar a essa conclusão, argumentou do
seguinte modo:
«Com efeito, não pode dizer-se que o critério de determinação do montante do
tributo – o valor patrimonial do prédio – seja completamente alheio à utilidade
que o particular dele retira, justamente por evitar a depreciação do valor
patrimonial elevado do prédio. Recorde-se, também a este propósito, que, como se
disse na decisão recorrida, “são os proprietários dos prédios quem retira
vantagem directa do facto de os seus prédios disporem da rede geral de esgotos
em bom estado de conservação e manutenção, o que os valoriza pela comodidade que
proporcionam, quer sejam habitados pelos próprios, quer sejam arrendados, quer
façam muito ou pouco uso da rede”. E, daqui, “a relevância do seu valor
patrimonial como base tributável desta taxa/tarifa”, não de acordo com um
“princípio da cobertura dos custos”, mas segundo uma ideia de equivalência em
relação à utilidade extraída do serviço, reflectida em parte do valor
patrimonial. Não pode efectivamente negar-se que a diminuição do valor de um
prédio pelo facto de não possuir ligação à rede de esgotos tende a ser maior
para prédios com elevado valor patrimonial do que para prédios com baixo valor
patrimonial – e, inversamente, pode dizer-se que a valorização do prédio por
essa ligação, tornada possível pelo serviço de conservação da rede de esgotos, é
também maior quanto mais elevado for o valor patrimonial do prédio.»
Ora, nas considerações que a recorrente desenvolve, a violação do princípio da
igualdade é invocada argumentativamente, de forma reiterada e em medida quase
exclusiva, para contestação da adequação e proporcionalidade da escolha do valor
patrimonial do prédio como critério de determinação do montante do tributo, no
quadro da impugnação da sua qualificação como taxa.
É assim que, da caracterização do valor patrimonial dos prédios como “um valor
reconhecidamente desadequado, desactualizado e gerador de iniquidades
tributárias”, no artigo 81.º da petição inicial do recurso contencioso
interposto junto do então Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, se
retira a conclusão, no artigo seguinte, da «desqualificação desta figura como
taxa ao retirar-lhe o seu carácter sinalagmático».
A mesma linha argumentativa é prosseguida no artigo 94.º da mesma peça
processual, através da formulação da pergunta retórica: «Pergunta a Recorrente
que proporcionalidade e correspondência económica haverá quando proprietários de
prédios sitos na mesma rua, utilizando, por isso, a mesma canalização de esgoto,
estão sujeitos a taxas de conservação de esgotos diferentes, apenas e tão só,
porque os respectivos imóveis têm valores matriciais distintos?».
Não resultando o pagamento de taxas diferentes «da maior ou menor intensidade de
utilização do serviço» (artigo 100.º), mas «apenas e tão só do facto de o valor
matricial dos prédios de que são proprietários ser diferente» (artigo 101.º), a
forma de liquidação «não garante a proporcionalidade entre as prestações
recíprocas do contribuinte e do Município de Lisboa» (artigo 102.º), o que leva
à conclusão de que «não garantindo esta proporção, a referida taxa deverá ser,
antes, qualificada como imposto» (artigo 103.º).
Mesmo depois da expressa alegação, no artigo 105.º, de que a norma padece de
inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, a
recorrente não abandona essa linha argumentativa, continuando presa à
qualificação do tributo como taxa. Só nesta óptica se compreende que a apontada
falta de fundamento material para a diferença de tratamento seja imputada ao
facto de que ela «não resulta, necessariamente, de uma diferença de capacidade
contributiva» (artigo 108.º), uma vez que «ninguém considera que os valores
matriciais dos imóveis sejam um factor relevante de determinação da capacidade
contributiva de qualquer contribuinte» (artigo 109.º). Sendo a capacidade
contributiva um índice só atendível no domínio fiscal, a afirmação de que a
consagração do valor patrimonial como critério é fonte de desigualdades
injustificadas por não reflectir adequadamente essa capacidade só faz, na
verdade, sentido no quadro da prévia qualificação do tributo como imposto, e
como projecção consequencial dessa conclusão.
Dificilmente se pode ver neste arrazoado argumentativo a formulação adequada de
uma questão constitucional autónoma, em termos de ser claramente perceptível
para o tribunal recorrido que a tem de apreciar e resolver.
No recurso interposto da decisão daquele tribunal para o Tribunal Central
Administrativo Sul (fls. 364/385), é ainda mais patente a falta de autonomia da
invocação da violação do princípio da igualdade, como resulta evidente da
leitura das suas alíneas PPPPP), TTTTT) e XXXXX), pois a recorrente limita-se a
uma breve alusão ao princípio da igualdade, sempre a propósito da questão do
critério de fixação do montante do tributo, da desproporção do mesmo e da quebra
da característica de bilateralidade, exigida para a sua qualificação como taxa.
Atente-se, muito em particular, no teor conclusivo da alínea XXXXX):
«Não garantindo esta proporção [entre as prestações recíprocas do contribuinte e
do Município de Lisboa], a referida taxa deverá, antes, ser qualificada como um
imposto, pelo que aquela norma padece de inconstitucionalidade orgânica por
violação do art. 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i) da C.R.P., uma vez que não foi
aprovada pelo órgão com competência para a sua fixação, e de
inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade […]».
Ou seja, o vício de inconstitucionalidade material (tal como o de
inconstitucionalidade orgânica) é expressamente visto como uma resultante
directa da qualificação do tributo como imposto, sendo esta, por sua vez, uma
decorrência da desproporção entre o seu montante e o serviço auferido.
De modo que a decisão reclamada, ao absorver os fundamentos do Acórdão n.º
68/2007, o que lhe permitiu concluir que o tributo em causa é ainda de
qualificar como taxa (nomeadamente, porque «não se pode considerar que o
critério da determinação do montante do tributo, isto é, o valor patrimonial do
prédio, seja completamente alheio à utilidade que o particular retira dele,
justamente por evitar a depreciação do valor desse mesmo prédio»), responde
expressamente à questão colocada pela recorrente e, expressa ou implicitamente,
refuta todos os argumentos em sentido contrário, incluindo a alegada violação do
princípio da igualdade.
Em suma, ao referir-se a uma “inconstitucionalidade material, por violação do
princípio da igualdade”, a recorrente está apenas a aduzir outro fundamento para
sustentar a impropriedade da qualificação daquele tributo como taxa.
Decidindo-se que a utilização do valor patrimonial dos prédios como base de
cálculo do montante a pagar não quebra a correspectividade entre a taxa e o
benefício, dá-se também resposta a esse argumento, que deporia em sentido
oposto.
Só nalguns passos do recurso contencioso junto do Tribunal Tributário de 1ª
Instância de Lisboa a questão da violação do princípio da igualdade é colocada
com relativa autonomia. Tal acontece quando se invoca a desactualização dos
valores matriciais, que pode desencadear diferenças de tratamento não
correspondentes a diferenças do valor real dos imóveis (cfr., designadamente, os
artigos 95.º, 110.º e 111.º).
Mas essa colocação da questão é inteiramente abandonada no recurso para o
Tribunal Central Administrativo Sul. Aí a alegada violação do princípio da
igualdade surge sempre coenvolta na “questão fulcral da existência ou não de um
verdadeiro sinalagma”, com ela se confundindo.
E nem se diga que as alegações de recurso remetem para o conteúdo da petição
inicial do recurso contencioso apresentado, pois também essa remissão − mesmo
sem pôr em causa a sua virtualidade integrativa − é feita no contexto desta
perspectivação do problema (cfr. a alínea VVVVV).
Nas alegações que sustentam a sua reclamação, o requerente não logrou contrariar
este entendimento, que seguramente subjaz à decisão reclamada.
Bem ao invés, não escasseiam aí considerações em que as questões da existência
do sinalagma e do respeito (ou desrespeito) pelo princípio da igualdade
continuam a ser tratadas como uma só (cfr., por exemplo, os n.ºs 16 e 17).
Não se descortina, pois, qualquer fundamento que leve à alteração da decisão
reclamada.
III. Decisão
6. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Dezembro de 2007
Joaquim Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos