Imprimir acórdão
Processo n.º 596/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO,
o primeiro vem interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, do
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Abril de 2007 (fls. 130 a
144), que recusou conhecer do objecto de recurso interposto pelo recorrente,
relativo a decisão que julgou improcedente acção de impugnação da decisão
administrativa que indeferiu pedido de apoio judiciário, “por se considerar o
mesmo não admissível nos termos do estatuído nos artºs 27º e 28º da Lei n.º
34/2004, de 29/VII, conjugados com os artºs 400º, nº 1, al. g) 414º nº 2 e 420º
nº 1, ambos do C.P.P.” (fls. 143).
2. Notificado para alegar, o recorrente apresentou as suas
alegações, cujas conclusões foram as seguintes:
“1ª A apreciação de petição do instituto de
Protecção Jurídica não configura bagatela jurídica, antes se apresenta como
questão essencial por, a montante da questão principal trazida a juízo, poder
cercear ou impedir o acesso ao direito e aos tribunais pelo cidadão
economicamente carenciado.
2ª O recurso da decisão judicial tirada sobre a impugnação do acto
administrativo que tenha indeferido a concessão desse instituto é, na realidade,
o primeiro e único recurso jurisdicional.
3ª A sua admissibilidade não está vedada por lei, nem nas excepções
previstas no art.º 400.º do Código de Processo Penal, nem no n.º 1 do art.° 28.°
da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, não podendo existir qualquer razão para
interpretar esta norma de modo diverso do que a sua letra expressa, por absoluta
omissão.
4ª Sendo a regra geral, a do art.º 399.º da aludida lei adjectiva penal,
a aplicável pois que a irrecorribilidade tem que estar expressa taxativamente.
5ª Sem que sequer se possam esgrimir quaisquer outros motivos,
designadamente de índole histórico ou de celeridade, que obstem a esta
interpretação.
6ª Muito menos a expressão “Alcance da decisão final” plasmada a artº
29.º da mesma Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, pode ser entendida noutro sentido
que não como sendo a definitiva, a que já não admite recurso judicial, a
transitada em julgado.
7ª É, pois, recorrível por nada estar expresso nessas normas legais no
sentido contrário, devendo estar se o não fosse, segundo a regra do citado art.º
399.º do Código de Processo Penal.
8ª A interpretação legislativa das normas arguidas plasmada pelo
Tribunal a quo viola o direito do cidadão carenciado a aceder de forma célere e
equitativa ao direito e aos tribunais, sindicando as decisões judiciais que se
lhe afigurem de erradas e/ou ilegais, competindo aos tribunais, em primeira
linha, tutelar tais direitos, assegurando o seu exercício, em submissão à lei,
seja qual for a posição desse cidadão na acção a dirimir.
9ª Devendo, em conformidade, ser declarada a inconstitucionalidade das
normas dos artigos 28.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e do art.º
399.º do Código de Processo Penal, na interpretação dada, contrária ao sentido
emergente da norma do n.º 2 do art.º 9.º do Código Civil, de que a decisão
judicial tirada da impugnação do acto administrativo é irrecorrível por violar
os imperativos dos artigo 20.º, n.º s 1, 4 e 5, e artigo 32.º, n.º s 1 e 7, sem
perder de vista o que acrescentado”. (fls. 157 a 163)
3. Por sua vez, o Ministério Público veio contra-alegar o seguinte:
“O presente recurso vem interposto pelo recorrente A. do acórdão, proferido pelo
Tribunal da Relação, que considerou irrecorrível, nos termos dos artigos 27º e
28º da Lei nº 34/2004, a decisão, proferida pela 1ª instância, que havia julgado
improcedente a impugnação deduzida contra a decisão da Segurança Social que
tinha indeferido o pedido de protecção jurídica.
Note-se liminarmente que é dificilmente compreensível a delimitação do objecto
do recurso, realizada pelo recorrente — não se entendendo a inclusão — para além
das normas da Lei nº 3 4/04 que efectivamente foram aplicadas como limitativas
do direito ao recurso, no caso de indeferimento do peticionado apoio judiciário
— dos artigos 9º do Código Civil e 399º do Código Processo Penal.
Como é evidente, a “questão” que se pretende suscitar em torno do primeiro de
tais preceitos é manifestamente desprovida de natureza “normativa”: em termos
substanciais, o que o recorrente sustenta é que a decisão recorrida teria
violado, ao interpretar o nº 1 do artigo 28º da Lei nº 34/04, os cânones
interpretativos consagrados no Código Civil: ora, como é evidente e
incontroverso, não compete ao Tribunal Constitucional sindicar da “correcção” da
interpretação que as instâncias fazem dos preceitos de direito
infraconstitucional — mas tão somente verificar se essa interpretação — bem ou
mal alcançada — viola, porventura, algum preceito ou princípio da Lei
Fundamental.
Do mesmo modo, não faz sentido a inclusão no objecto do recurso da norma
constante do artigo 399º do Código Processo Penal: para além de esta não
constituir “ratio decidendi” do acórdão recorrido, não se vê como poderia ser
“inconstitucional” um regime legal que estabelece, como regra, a admissibilidade
do recurso em processo penal: na verdade, o que poderá seguramente afrontar a
garantia do duplo grau de jurisdição serão naturalmente os regimes especiais ou
excepcionais que contrariam tal regra da recorribilidade, consagrada
explicitamente no referido artigo 399º. Aliás, se bem entendemos a argumentação
do recorrente, o que ele pretenderá questionar é a limitação do direito ao
recurso, relativamente às decisões judiciais que, em primeira instância,
deneguem à “parte” o apoio judiciário, quando o interessado tiver a posição de
assistente em processo penal.
Só que — mesmo com tal especificação — é evidente que o “direito ao recurso” não
está — face ao entendimento reiterado da jurisprudência constitucional sobre o
tema — garantido, já que não estamos confrontados com a impugnação de decisão
“condenatória” ou incidente sobre medidas privativas ou restritivas da liberdade
do arguido (cf. sobre questão exactamente idêntica, o decidido no recente
acórdão nº 427/07).
Por outro lado, é manifestamente improcedente a invocação, como parâmetros de
aferição da constitucionalidade — e para além de tal “direito ao recurso, ínsito
no artigo 32º, nº 7, da Lei Fundamental — do direito de acesso aos tribunais
(que seguramente não comporta a atribuição de um generalizado acesso ao duplo
grau de jurisdição) — e dos artigos 202º e 203º da Constituição da República
Portuguesa (sendo, aliás, ininteligível a conexão do referido “direito ao
recurso” com o conteúdo e independência do exercício da função jurisdicional
pelos tribunais).
2. Conclusão
Nestes termos e pelo exposto conclui-se:
1º
A norma constante do artigo 28º, nº 1, da Lei nº 34/04, interpretada em termos
de consagrar a irrecorribilidade da decisão, proferida pelo tribunal de 1ª
instância, que haja julgado improcedente a impugnação deduzida pelo interessado
em obter o apoio judiciário, não viola qualquer preceito ou princípio
constitucional.
2°
Termos em deverá improceder o presente recurso.” (fls. 165 a 167)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Importa começar por determinar o objecto preciso deste recurso. Conforme bem
notado pelo Ministério Público, o artigo 9º do Código Civil e o artigo 399º do
Código de Processo Penal não foram aplicados pela decisão recorrida como “ratio
decidendi”, pelo que, conforme jurisprudência uniforme neste Tribunal, não pode
conhecer-se do objecto das mesmas (neste sentido, a mero título de exemplo, ver
Acórdãos n.º 327/07, de 29 de Maio de 2007, e n.º 495/07, de 08 de Outubro de
2007, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt). O que sucede é que o
recorrente optou por invocar aqueles preceitos enquanto mero instrumento do
raciocínio interpretativo que expende a propósito do n.º 1 do artigo 28º da Lei
n.º 34/2004, ainda que aquelas normas não tenham sido efectivamente aplicadas
pelo tribunal “a quo”.
5. Aliás, ao longo das suas alegações perante este Tribunal, o recorrente parece
descurar os limites dos poderes que a Constituição e a lei atribuem a este órgão
jurisdicional concentrado de garantia da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, o recorrente apenas aponta uma alegada violação de preceitos
constitucionais no 2º parágrafo das alegações e na respectiva 8ª conclusão. Em
todo o restante articulado de alegações, limita-se a questionar e a contestar a
interpretação do Direito infra-constitucional aplicado pela decisão recorrida,
não apontando qualquer inconstitucionalidade específica.
Sucede, porém, que este Tribunal apenas dispõe poderes para sindicar a
constitucionalidade de normas jurídicas, mas não já a bondade dos juízos
hermenêuticos levados a cabo pelos tribunais comuns, a propósito da aplicação do
Direito infra-constitucional. Por outras palavras, este Tribunal não pode – nem
pretende – colocar em causa o juízo interpretativo da decisão recorrida sobre a
norma contida nos artigos 27º e 28º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho,
determinando se aqueles preceitos legais obstam ou não à interposição de
recurso.
6. Salvo, bem entendido, se o mesmo tivesse implicado o desrespeito de normas ou
de princípios constitucionais. O recorrente não logrou, contudo, demonstrar que
a interpretação adoptada pela decisão recorrida tivesse colocado em causa
qualquer parâmetro de validade constitucionalmente consagrado.
Em primeiro lugar, os nºs 1, 4 e 5 do artigo 20º da CRP não atribuem aos
particulares qualquer direito absoluto a que uma decisão proferida por um
tribunal de primeira instância seja aferida por uma instância de recurso.
Conforme jurisprudência consolidada deste Tribunal, o direito à tutela
jurisdicional efectiva não garante – necessária e obrigatoriamente – um direito
ao recurso:
“Sobre o direito de acesso à justiça tem o Tribunal Constitucional firmado uma
extensa jurisprudência, interpretando-o no sentido de que ele é ‘um direito à
solução dos conflitos por banda de um órgão independente e imparcial face ao que
concerne à apresentação das respectivas perspectivas, não decorrendo desse
direito (nomeadamente, no que ora releva, se em causa estiver a litigância civil
obrigacional) o asseguramento às partes da garantia de recurso das decisões que
lhes sejam desfavoráveis (cf, por todos, o Acórdão nº 210/92, publicado na II
Série do Diário da República, de 12 de Setembro de 1992)’ (Acórdão n.° 208/93,
in Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 1993).
A este propósito, lê-se também no Acórdão n.º 501/96, in Diário da República, II
Série, de 3 de Julho de 1996:
«O Tribunal Constitucional tem entendido que a garantia judiciária (...) engloba
o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais (Acórdão n.º 287/90, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.° vol., 1990, pp. 159 e segs.;
identicamente, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 162). E este
direito só pode ser exercido mediante o recurso para (outros) tribunais. Por
outro lado, a expressa previsão da existência de tribunais de 1ª instância e de
recurso também fornece um argumento a favor da dignidade constitucional do
direito de recurso (assim, Acórdão n.º 287/90, citado, e RIBEIRO MENDES, Direito
Processual Civil – Recursos, 2. ed., 1992, p. 100).
Todavia, não se pode concluir que haja, na ordem jurídica portuguesa, um
ilimitado direito de recurso, o que implicaria, por exemplo, a
inconstitucionalidade do instituto das alçadas judiciais. O Tribunal
Constitucional tem entendido – tal como já sustentara a Comissão Constitucional
– que o direito de recurso não é absoluto ou irrestringível (Acórdãos nºs 31/87
e 65/88, in Diário da República, II série, de 1 de Abril de 1987 e 20 de Agosto
de 1988, respectivamente, e parecer n.º 9/82, in Pareceres da Comissão
Constitucional, 19. ° vol., pp. 29 e segs.).» (cfr. Acórdão n.º 83/99, de 09 de
Fevereiro de 1999, disponível in www.tribunalconstitucional.pt)
Ora, no caso concreto em apreço, o recorrente não conseguiu demonstrar que o
direito à tutela jurisdicional efectiva, decorrente do n.º 1 do artigo 20º da
CRP ficasse irremediavelmente prejudicado, por força da não permissão de recurso
de uma decisão proferida por um tribunal de primeira instância, independente e
imparcial, sobre um acto administrativo de recusa de concessão de apoio
judiciário.
Em segundo lugar, apenas em sede de processo penal se garante um direito ao
recurso (cfr. artigo 32º, n.º 1 da CRP), o qual, aliás, de acordo com a
jurisprudência assente do Tribunal Constitucional, não determina a sua concepção
enquanto direito absoluto e irrestringível.
Com efeito, como este Tribunal tem repetidamente afirmado, o direito fundamental
consagrado (e enfatizado, pela revisão constitucional de 1997) no n.º 1 do
artigo 32º da CRP não gera qualquer direito a um duplo grau de recurso ou sequer
um direito irrestringível a recorrer de toda e qualquer decisão jurisdicional,
mas apenas daquelas que impliquem a adopção de medidas restritivas da liberdade
ou de outros direitos fundamentais do arguido. A este propósito, acompanha-se
integralmente a jurisprudência consolidada neste Tribunal que ora se reproduz, a
mero título de exemplo:
a) Acórdão n.º 265/94, in «Diário da República», IIª
Série, n.º 165, 19 de Julho de 1994, pp. 7239 e segs.
“7. A Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas normas a
garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos
das diferentes espécies.
É certo que a Constituição garante a todos 'o acesso ao direito e aos tribunais
para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos' (art. 20º, nº 1) e, em matéria
penal, afirma que 'o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa'
(art. 32º, nº 1). Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal
Constitucional a regra de que há-de ser assegurado o duplo grau de jurisdição
quanto a todas as decisões proferidas em processo penal.
A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto as decisões penais
condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do
arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros
direitos fundamentais.
Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma tradução da expressão
do direito de defesa (veja-se nesse sentido o acórdão nº 8/87 do Tribunal
Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º volume, pág. 235), a
verdade é que, como se escreveu no acórdão nº 31/87 do mesmo Tribunal, 'se há-de
admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas
fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não
existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma
faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido.' E, mais à frente, lê-se no
mesmo aresto:
«Ora, a salvaguarda desse direito de defesa impõe seguramente que se consagre a
faculdade de recorrer da sentença condenatória, como se determina, aliás, de
forma expressa no nº 5 do artigo 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos
Civis e Políticos, aprovado para ratificação pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho:
«Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por
uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em
conformidade com a lei»; como imporá, também, que a lei preveja o recurso dos
actos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a
restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido. Mas já não
impõe que se possibilite o recurso de todo e qualquer acto do juiz'. (in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol. págs. 467-468; no mesmo sentido,
veja-se o acórdão nº 178/88, in Acórdãos, vol. 12º, págs. 569 e seguintes)».
b) Acórdão n.º 189/2001, in «Acórdãos do Tribunal Constitucional», n.º
50, pp. 285 e segs.
“Porém, mesmo aqui e face a este específico fundamento da garantia do segundo
grau de jurisdição no âmbito penal, não pode decorrer desse fundamento que os
sujeitos processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz
nas diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto às
decisões penais condenatórias e também quanto às respeitantes à situação do
arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros
direitos fundamentais (veja‑se, neste sentido, o Acórdão n.º 265/94, in Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 27.º vol., pág. 751 e seguintes).
Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional,
o recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no
n.º 1 do artigo 32.º (O processo criminal assegura todas as garantias de
defesa, incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha
vindo a considerar como conformes à Constituição determinadas normas
processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de
determinados despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v. g.,
quer de despachos interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos nºs
118/90, 259/88 e 353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 15.º, pág.
397, vol. 12.º, pág. 735, e vol. 19.º, pág. 563, respectivamente, e Acórdão n.º
30/2001, sobre a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncie o
arguido pelos factos constantes da acusação particular quando o Ministério
Público acompanhe tal acusação, ainda inédito), como também tenha já entendido
que, mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente
assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se garantindo a todos os
arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ (veja‑se, neste
sentido, o Acórdão n.º 209/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º
vol., pág. 553).
Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a
instância superior da ordem judiciária accionada fique avassalada com questões
de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta
limitação à recorribilidade das decisões penais condenatórias tem, assim, um
fundamento razoável.”
No mesmo sentido, ver ainda:
“Salientando que não lhe cabe a apreciação do acerto da decisão no plano da mera
interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal,
o Tribunal lembra que, em conformidade com a jurisprudência posta em evidência
na decisão reclamada, toda no sentido de que o artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição, quando estabelece que “o processo criminal assegura todas as
garantias de defesa, incluindo o recurso”, não consagra a garantia de um triplo
grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, o que
tem de perguntar-se é se será desrazoável, arbitrário ou desproporcionado não
admitir o recurso para o Supremo nos casos, como o dos autos, em que a Relação
mantém os factos provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a
medida concreta das penas parcelares e unitária (esta última para sete anos),
revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância.
Ora a menor certeza na aplicação do direito ao caso que possa imputar-se à
inexistência de uma rígida 'dupla conforme' nas instâncias não tem
constitucionalmente que ser superada pelo acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
Não podendo essa garantia ser reconhecida em todos os casos, tal resolução exige
necessariamente a ponderação da razoabilidade, arbitrariedade ou
desproporcionalidade da não admissão desse terceiro grau, na hipótese normativa
considerada. E, repete-se, não é constitucionalmente censurável que a exclusão
do terceiro grau de jurisdição resulte de se “qualificar como confirmatório da
decisão condenatória, proferida em 1ª instância, o acórdão da Relação que – sem
qualquer alteração ou convolação dos fundamentos essenciais ou substanciais – se
limite, em mera «redução quantitativa», a atenuar a medida concreta da pena
aplicada ao arguido, reduzindo a que lhe havia sido cominada na 1ª instância,
por diversa reponderação do quadro de circunstâncias atenuantes. Não é
desrazoável, quer reservar a possibilidade de recurso para Supremo para os casos
mais graves em função da medida da pena quer, num sistema assim concebido,
tratar do mesmo modo os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a
oito anos, confirma totalmente a decisão da 1.ª instância e os casos em que a
Relação, aplicando pena não superior a oito anos, reduz a pena aplicada pela 1.ª
instância” (Acórdão n.º 20/2007, acessível in www.tribunalconstitucional.pt).
Acresce a tudo isto que, nos autos recorridos, o ora recorrente
assume a função processual de assistente e não de arguido. Ora, como é bom de
ver, o n.º 1 do artigo 32º da CRP apenas assegura o direito ao recurso enquanto
“garantia[s] de defesa” e não como garantia de qualquer uma das partes no
processo penal. Razão pela qual o recorrente não pode invocar aquela norma em
seu favor.
Já quanto à norma constante do n.º 7 do artigo 32º da CRP, não se
vislumbra de que modo é que a impossibilidade de recurso para uma segunda
instância poderá impedir o assistente de intervir no processo penal, visto que
quer a Segurança Social quer o tribunal “a quo” confirmaram – questão que ora
não se discute, nem se reabre – que o recorrente dispõe dos meios económicos
suficientes para suportar os custos da lide processual.
Por último, é manifestamente incompreensível a alegada violação dos artigos
202º, nºs 1 e 2, e 203º da CRP pela interpretação normativa vertida na decisão
recorrida, visto que o recorrente a esgrime sem densificar as razões pelas quais
essas normas exigiriam interpretação diversa. Note-se, contudo, que não se
vislumbram quaisquer razões para aquelas normas serem interpretadas no sentido
de exigirem a possibilidade de recurso da decisão de um tribunal de primeira
instância que julgue improcedente acção de impugnação de decisão administrativa
de indeferimento de pedido de apoio judiciário.
III – DECISÃO
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º
1 do artigo 28º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, quando interpretada no
sentido de que não é admissível recurso da decisão judicial tirada sobre
impugnação de decisão administrativa que indefere requerimento de apoio
judiciário.
b) Não conceder provimento ao recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos
termos do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 28 de Novembro de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão