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Processo n.º 809/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I.
Relatório.
A. recorre para o Tribunal Constitucional (fls. 543), ao abrigo do disposto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção
dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), do acórdão da Relação do
Porto (fls. 520 e ss.), proferido em 6 de Dezembro de 2006, que negou provimento
ao recurso interposto pela recorrente (fls. 384 e ss.) do despacho proferido
pelo juiz de instrução no processo crime que corre os seus termos no Tribunal
Judicial de Gondomar, por via do qual foi liminarmente rejeitado o seu pedido de
abertura de instrução.
O requerimento de interposição do recurso foi objecto da seguinte decisão
sumária:
“ (...)
1. A., assistente no processo crime que corre os seus termos no Tribunal
Judicial de Gondomar, não se conformando com o despacho proferido pelo juiz de
instrução (fls. 368), por via do qual foi liminarmente rejeitado o seu pedido de
abertura da instrução, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto
(fls. 384 e ss.). Aí, apresentou as suas alegações, tendo concluído as mesmas,
para o que ora interessa considerar, da seguinte forma:
“(…)
1. O Assistente procedeu à narração dos factos concretos susceptíveis de se
subsumirem à hipótese legal de Crime de Homicídio por Negligência, p.p. artigo
137º do Código Penal;
2. Pelo que, devidamente delimitou e fixou o objecto do processo, vinculando
tematicamente o Juiz no que tange à pronúncia da arguida pela prática do
referido crime;
3. O assistente procedeu também à indicação das disposições legais aplicáveis,
expôs as razões de facto e de direito de discordância relativamente ao
arquivamento, indicou os actos de instrução a realizar e os meios de prova não
considerados no inquérito, mais tendo indicado os factos que pretende provar
através de tais meios de prova;
4. Assim, a rejeição do requerimento de abertura de instrução com fundamento em
nulidade, está desconforme com o que vem previsto nos artigos 287º/ 1-b), n.º 2
e n.º 3, já que o referido requerimento não é extemporâneo, legalmente
inadmissível ou nulo:
5. A Lei 29/99 de 12 de Maio não se aplica «in casu», já que o crime de
homicídio por negligência (art. 137º CP) é punido com pena de prisão até 3 anos,
ascendendo ao limite máximo de 5 anos no caso de negligência grosseira;
6. E mesmo que os factos perpetrados pela arguida se não enquadrassem no tipo
legal de crime de homicídio por negligência, dir-se-ia sempre que indícios
existem também de prática de crime de ofensa à integridade física grave (art.
148º do CP), com pena de prisão até 2 anos.
7. A nulidade a que alude o n.º 3 do artigo 283.º do CPP é sanável e depende de
arguição, nos termos dos artigos 118º/ 1, 119º a contrario, 120.º/1 não sendo
permitido o respectivo conhecimento oficioso.
8. A alegada nulidade de que padece o requerimento de abertura de instrução,
declarada através do despacho recorrido, não lendo sido invocada pelo Ministério
Público ou pela Arguida, não podia ter sido conhecida e declarada pelo Tribunal,
pelo que ficou a mesma sanada, tornando-se o acto válido;
9. E assim, em face da sanação do vício, qualquer deficiência detectada no
requerimento de abertura de instrução geraria mera irregularidade, susceptível
de reparação nos termos do previsto no artigo 123º/2 do CPP;
10. Pelo que deveria o Meritíssimo JIC ter admitido o dito requerimento e, caso
considerasse padecer o mesmo de alguma deficiência, deveria ter notificado o
assistente no sentido de proceder à respectiva reparação, aperfeiçoando o
requerimento de abertura de instrução.
11. Assim não tendo procedido, o Meritíssimo JIC proferiu decisão contrária aos
artigos 283º/3, 119º a contrario, 120º/l e 123º do Código Processo Penal;
12. Tendo declarado a nulidade do referido requerimento sem que previamente
tenha sido a mesma suscitada pelo Ministério Público ou pela Arguida, o JIC
adoptou uma postura formalmente parcial, já que se substituiu às partes
interessadas na referida arguição, respectivamente o Ministério Público e a
Arguida, actuando em desconformidade com os artigos 13º/1. 202º/1,2 e 203º da
Constituição da República Portuguesa;
13. São inconstitucionais, as normas dos artigos 287º/2 e 283º/3-h) e c) do CPP,
interpretadas e aplicadas no sentido de poder ser declarada pelo Juiz de
Instrução Criminal a nulidade de que enferma o requerimento de abertura de
instrução, sem que tenha sido a mesma previamente suscitada pelo Ministério
Público ou pelo Arguido;
14. Tal inconstitucionalidade assenta na violação dos artigos 13º/1, 32º/7,
202º/1, 2 e 203º da Constituição da República Portuguesa;
15. Mostra-se igualmente o despacho recorrido desconforme com a Constituição, na
parte em que faz aplicar a Jurisprudência contida no Acórdão do STJ de 7/2005 a
um processo cuja abertura da fase instrutória havia sido requerida cerca de 7
meses antes da publicação do mesmo, resultando por isso violado o artigo 13º/1
da Constituição da República Portuguesa (…)”.
Por acórdão de 6 de Dezembro de 2006, a Relação negou provimento ao recurso,
tendo fundamentado a decisão, no que ao caso interessa considerar, nos seguintes
termos:'[…]'
2. Novamente inconformada, a assistente interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional (fls. 543), ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º1 do artigo
70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
– Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro (LTC) – suscitando as seguintes questões de constitucionalidade:
“(…)
C) Normas cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie, e normas e
princípios constitucionais violados:
1) São inconstitucionais as normas dos artigos 287º/2, 283º/3-b) e c) do Código
de Processo Penal, quando interpretadas e aplicadas no sentido de poder ser
declarada, pelo Juiz de Instrução Criminal, a nulidade do requerimento de
abertura de instrução, com a consequente rejeição do mesmo nos termos do 287º/3
do CPP, sem que tenha sido a mesma nulidade previamente suscitada pelo
Ministério Público ou pelo Arguido, nos termos do previsto nos artigos 118º /1,
119º a contrario e 120º do Código de Processo Penal.
2) Tal inconstitucionalidade assenta na violação dos artigos 13º/1, 32º/7,
202º/1,2 e 203º da Constituição da República Portuguesa;
3) O Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, tendo declarado a nulidade do
requerimento de abertura de instrução sem que tenha sido a mesma previamente
suscitada pelo Ministério Público ou pelo Arguido, adoptou uma postura
formalmente parcial, porquanto ter-se substituído às partes interessadas na
referida arguição, actuando em desconformidade com os artigos 13º/1, 202º/1, 2 e
203º da Constituição da República Portuguesa.
4) É inconstitucional a aplicação da Jurisprudência contida no Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de 7/2005, a um processo cuja abertura da fase
instrutória foi requerida cerca de 7 meses antes da publicação do mesmo Acórdão,
resultando por isso violado a artigo 13º/1 da Constituição da República
Portuguesa.
5) É inconstitucional a interpretação dada aos artigos 287º nº1, nº3 e 123º nº2
do Código Processo Penal, quando, com base na peremptoriedade do prazo previsto
no nº1 do artigo 287º, e a fim de obstar à compressão dos direitos de defesa do
arguido, se entende não dever ser formulado um convite ao aperfeiçoamento do
requerimento de abertura de instrução para reparação de irregularidade, se a
nulidade de que este padecia ficou sanada por falta de prévia arguição pelo
Ministério Público e pelo Arguido, nos termos do previsto nos artigos 118º/1,
119º «a contrario» e 120º nº1 do Código Processo Penal.
6) A inconstitucionalidade destes artigos 287º/ n.º1, n.º3 e 123.º/2 do Código
Processo Penal é agora suscitada, dada a fundamentação expendida no douto
Acórdão recorrido, respectivamente parágrafos 3, 4, 5, 6 da página 11 e página
12 do mesmo, e fundamenta-se na violação dos artigos 2º, 3º12 13º/1, 20º/1, 4
32º/7, 202º/1,2, 203º, 221º da Constituição da República Portuguesa (…).
3. São, pois, três as questões de (in)constitucionalidade que a recorrente
pretende suscitar, todas ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo
70.º da LTC.
3.1. Quanto à primeira questão enunciada – serem inconstitucionais, no entender
da recorrente, as normas dos artigos 287º/2, 283º/3-b) e c) do Código de
Processo Penal, quando interpretadas e aplicadas no sentido de poder ser
declarada, pelo Juiz de Instrução Criminal, a nulidade do requerimento de
abertura de instrução, com a consequente rejeição do mesmo nos termos do 287º/3
do CPP, sem que tenha sido a mesma nulidade previamente suscitada pelo
Ministério Público ou pelo Arguido, nos termos do previsto nos artigos 118º/1,
119º a contrario e 120º do Código de Processo Penal – é a mesma manifestamente
infundada.
Na verdade, o problema apenas poderia existir, no âmbito deste recurso, se a
Constituição vedasse ao legislador ordinário o estabelecimento de nulidades
processuais de conhecimento oficioso, o que, obviamente, não acontece.
É, pois, a presente questão manifestamente infundada.
3.2. Quanto à segunda questão — ser inconstitucional a aplicação da
Jurisprudência contida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/2005, a um
processo cuja abertura da fase instrutória foi requerida cerca de 7 meses antes
da publicação do mesmo Acórdão — não encerra a mesma qualquer questão de
constitucionalidade que deva ser submetida à apreciação deste Tribunal.
Na verdade, o que a recorrente invoca é uma discordância relativamente à decisão
de que recorre, imputando a inconstitucionalidade à própria decisão recorrida,
pois discorda do aresto proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, como,
sobretudo, da “aplicação da Jurisprudência contida no Acórdão” à decisão em
crise.
É pressuposto, entre outros, do recurso de constitucionalidade interposto ao
abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional
(Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro) que a questão de constitucionalidade seja reportada a uma norma ou a
uma sua determinada interpretação normativa, pois a actividade jurisdicional
deste órgão de fiscalização da constitucionalidade, visando a fiscalização
concreta, é reportado a um conceito funcional de norma e não actos jurídicos: o
contencioso da constitucionalidade é sempre dirigido a normas em que se fundam
as decisões recorridas e não um contencioso das próprias decisões, seja qual for
a sua natureza.
Cabe acentuar, como inúmeras vezes já o fez este Tribunal (ver, por todos,
exemplificativamente, os Acórdãos n.ºs 239/89, 285/90, 135/93, 678/06 e 171/07,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), que o legislador elegeu como
objecto da actividade jurisdicional do Tribunal Constitucional uma norma
jurídica ou uma sua interpretação normativa, pelo que apenas estas podem ser
objecto de sindicância em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.
As decisões proferidas pelas diversas instâncias não são, por si só,
sindicáveis, pois não é permitido interpor recurso de constitucionalidade de uma
decisão qua tale considerada.
3.3. Por último, quanto à terceira questão de constitucionalidade — a
interpretação dada aos artigos 287º n.º 1, n.º 3 e 123.º n.º 2 do Código
Processo Penal, quando, com base na peremptoriedade do prazo previsto no n.º 1
do artigo 287º, e a fim de obstar à compressão dos direitos de defesa do
arguido, se entende não dever ser formulado um convite ao aperfeiçoamento do
requerimento de abertura de instrução para reparação de irregularidade, se a
nulidade de que este padecia ficou sanada por falta de prévia arguição pelo
Ministério Público e pelo Arguido, nos termos do previsto nos artigos 118º/1,
119º a contrario e 120º nº1 do Código Processo Penal – também ela não procede.
E, desde logo, porque não foi adequadamente suscitada perante o Tribunal
recorrido. Além disso, a decisão recorrida efectivamente não fez aplicação desta
fórmula normativa, pois, como já se viu, considerou que a citada nulidade era de
conhecimento oficioso, diferentemente do que aqui se diz quanto a uma pretensa
sanação 'por falta de prévia arguição pelo Ministério Público e pelo Arguido'.
Tais razões impedem que se conheça do recurso, nesta parte.
Em consequência, nos termos do artigo 78.º-A n.º 1 da LTC decide-se não
conhecer de uma parte do recurso e julgar o restante manifestamente infundado
(…)”.
II.
Fundamentos.
A recorrente reclama para a Conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da
LTC, mostrando-se inconformada, segundo diz, com a parte em que, no item 3.1 da
decisão sumária considera infundada a primeira questão enunciada constante nos
pontos 1 e 2, ou seja, na parte em que foi julgada manifestamente infundada a
acusação de serem inconstitucionais as normas dos artigos 287º n.º 2, 283º n.º 3
alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, quando interpretadas e aplicadas no
sentido de poder ser declarada, pelo juiz de instrução criminal, a nulidade do
requerimento de abertura de instrução, com a consequente rejeição do mesmo nos
termos do 287º n.º 3 do Código de Processo Penal, sem que tenha sido a mesma
nulidade previamente suscitada pelo Ministério Público ou pelo arguido, nos
termos do previsto nos artigos 118º n.º 1, 119º a contrario e 120º do Código de
Processo Penal.
O representante do Ministério Público neste Tribunal é de parecer de que a
reclamação é 'manifestamente infundada'.
A reclamação não se apresenta substanciada, uma vez que a reclamante se limita a
'dar por reproduzida' a alegação que, a este propósito, apresentara já ao
Tribunal.
Acontece que, nessa peça, a reclamante esgrime argumentos tendentes a demonstrar
o erro de julgamento da questão, à face do direito infra-constitucional. Ora,
não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a decisão recorrida para apurar se
esta aplicou correctamente as regras jurídicas que a fundamentam; na verdade, a
tarefa do Tribunal cinge-se ao controle da conformidade constitucional das
normas aplicadas, sem questionar a correcção do julgado quanto à oportunidade e
rigor da selecção do direito e da sua subsunção ao caso concreto.
Mas, tal como já se afirmou na decisão reclamada, sob ponto de vista da invocada
desconformidade constitucional da norma em causa, o problema colocado apenas
poderia existir, no âmbito deste recurso, se a Constituição vedasse ao
legislador ordinário o estabelecimento de nulidades processuais de conhecimento
oficioso; o que, manifestamente, não acontece.
Mantém-se, pois, o entendimento adoptado na decisão reclamada.
III.
Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, mantendo a
decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 26 de Novembro de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão