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Processo nº 939/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. reclamou do despacho proferido em 14-5-2007 pelo Vice-Presidente do S.T.A.,
em substituição do Presidente desse Tribunal, por impedimento deste, que não
admitiu o recurso interposto do seu despacho de 18-4-2007, o qual indeferiu
liminarmente incidente de suspeição deduzido por aquele.
O Vice-Presidente do S.T.A., em substituição do Presidente desse Tribunal, por
impedimento deste, indeferiu a reclamação apresentada, por despacho de 6-6-2007,
com os seguintes fundamentos:
“Aquele normativo (art.º 668.º) prevê reclamação contra o indeferimento ou
retenção do recurso para o presidente do tribunal que seria competente para
conhecer do mesmo – nº 1.
Todavia, como se mostra nos autos, o vice-presidente subscritor do despacho em
causa actuou em substituição e consequentemente na qualidade de presidente do
STA, dado o impedimento deste e dos demais vice-presidentes do tribunal.
Ora, a referida norma legal não consagra qualquer reclamação do despacho do
presidente do tribunal, antes a proíbe; tal decisão, nos expressos termos
legais, “não pode ser impugnado” – art. 689 nº 2 do dito Código…”.
O reclamante arguiu a nulidade deste despacho, a qual foi desatendida por
despacho proferido em 12-7-2007, com o seguinte conteúdo:
“QUANTO À ALÍNEA A)
Pretende-se “a declaração de nulidade do despacho do Vice-Presidente, de 6 de
Junho de 2007, que não admitiu a reclamação nos termos do artigo 688.º do CPC
uma vez que proferido por juiz impedido”.
O impedimento resultaria de se ter “decidido em causa própria”.
Mas, desde logo, tal despacho foi proferido na qualidade de Presidente,
limitando-se a referir que a reclamação não é admissível nos estritos termos
legais – artigo 689.º, n.º 2, do citado Código.
No entendimento do requerente poderiam multiplicar-se, ad nauseam, as
reclamações e respectivos impedimentos devendo sempre ser o juiz seguinte, em
antiguidade, a decidi-las, recte, a não as admitir.
Por absurdo, pode até raciocinar-se no sentido de que, finalmente, já não
haveria no Tribunal qualquer juiz apto a tomar a pertinente decisão.
Não se verifica, pois, qualquer impedimento ou nulidade.
QUANTO À ALÍNEA B): o referido segmento normativo constante do artigo 689.º, n.º
2, seria não só inconstitucional como violaria a Convenção Europeia dos Direitos
do Homem.
Pretende o requerente que a decisão seria recorrível ou impugnável.
Deve referir-se preliminarmente que não é correcto o constante da conclusão XV:
o próprio requerente refere textualmente – fls. 2 –, como aliás se assinalou
devidamente no despacho em causa, que “vem, nos termos do artigo 688.º do CPC,
reclamar contra o indeferimento do recurso”.
De qualquer modo, como é sabido, nenhum daqueles diplomas obriga à existência de
um duplo grau de jurisdição, salvo em determinadas matérias penais, como o
Tribunal Constitucional vem reiteradamente afirmando.
Cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Novembro de 2006 – recurso n.º 658/06, de
21 de Novembro de 2006 in Diário da República, II Série, de 8 de Novembro de
2006 e de 3 de Janeiro de 2006, n.º 02/06.
E o dito artigo 6.º não tem rigorosamente nada a ver com o duplo grau de
decisão, mas, antes, com um grau de jurisdição.
Cfr. IRENEU CABRAL BARRETO, CEDH Anotada, 3ª edição, p. 112 ss.
Não se mostram, pois, violados os aludidos diplomas.
Finalmente, os demais pedidos são meramente conclusivos pelo que, quanto a eles,
nada mais há a acrescentar.
Em suma, reafirma-se: nos termos do artigo 130.º, n.º 3, do Código de Processo
Civil, “o presidente decide sem recurso”; e, de acordo com o previsto no artigo
689.º, n.º 2, “a decisão do Presidente não pode ser impugnada” (tendo sido na
qualidade de Presidente que liminarmente se não admitiu, por extemporaneidade, a
petição de suspeição, nem se admitiu o recurso).
Termos em que igualmente se indefere o requerido.”
O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional dos despachos
proferidos pelo Vice-Presidente do S.T.A., em 6-6-2007 e 12-7-2007, ao abrigo do
disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, nos seguintes termos:
“1. Os despachos em causa aplicaram normas legais cuja constitucionalidade foi
questionada durante o processo.
2. Tais despachos não admitem recurso ordinário, pois a tal se opõe o disposto
no artº 689º, nº 2, 1ª parte, do CPC.
3. A legitimidade do recorrente assenta na circunstância de ter ficado vencido
(i) no pedido (indeferido liminarmente) de que seja verificada a suspeição da
adjunta Dra Fernanda Xavier Nunes, impedindo-a de participar na decisão no
Recurso nº 44884 da 1ª Secção, 2ª Subsecção, do STA e (ii) no de interposição de
recurso jurisdicional de tal indeferimento liminar.
4. Os despachos de 6.6.2007 e de 12.7.2007, fizeram interpretação e aplicação
dos artº 130º, nº 3, do CPC e artº 689º, nº 2, do CPC, arguidos de
inconstitucionalidade em requerimento entrados, respectivamente em 29.5.2007 e
19.6.2007.
5. Concretizando:
6. A) o segmento normativo “o presidente decide sem recurso” (artº 130º, nº 3,
do CPC), obsta ao recurso jurisdicional que o recorrente pretende interpor
contra o despacho de indeferimento liminar da suspeição aposta à Dra Fernanda
Nunes, e por isso, deve ser desaplicado com fundamento na circunstância de
violar o direito fundamental do recorrente de acesso a um tribunal imparcial
para obter a declaração de ilegalidade do acto administrativo punitivo da
co-autoria do CSTAF e do presidente do STA que o afastou definitivamente do
exercício do cargo de juiz, e lhe impôs ainda a suspensão por um ano do direito
de recebimento dos ordenados ou pensões de aposentação, pondo em causa a sua
sobrevivência e a do agregado familiar – segmento que viola a norma dada pelo
conjunto normativo dos artºs 20º, nºs 1 e 4, 18º, nº 1, da CRP, e 6º, nº 1, da
CEDH, e artºs 202º, nº 2, 203º, 204º, 209º, nº1, b), e 212º, da CRP;
7. B) o segmento normativo “a decisão do presidente não pode ser impugnada”
(artº 689º, nº 2, do CPC), obsta à reclamação para o presidente do tribunal ad
quem contra o despacho de indeferimento do recurso jurisdicional interposto do
já referido indeferimento liminar do pedido da verificação da suspeição da
adjunta Drª Fernanda Xavier Nunes, sendo impedida a sua participação no Recurso
nº 44884 da 1ª Secção, 2ª Subsecção, do STA; por isso deve ser desaplicado com
fundamento na circunstância de violar o direito fundamental do recorrente de
acesso a um tribunal imparcial para obter a declaração de ilegalidade do acto
administrativo punitivo da co-autoria do CSTAF e do presidente do STA que o
afastou definitivamente do exercício do cargo de juiz, e lhe impôs ainda a
suspensão por um ano do direito de recebimento dos ordenados ou pensões de
aposentação, pondo em causa a sua sobrevivência e a do agregado familiar –
segmento que viola a norma dada pelo conjunto normativo dos artºs 20º, nºs 1 e
4, 18º, nº 1, da CRP, e 6º, nº 1, da CEDH, e artºs 202º, nº 2, 203º, 204º, 209º,
nº 1, b), e 212º, da CRP”.
Foi proferida decisão sumária que julgou o recurso manifestamente improcedente,
com a seguinte fundamentação:
“1. Do objecto do recurso
O recorrente vem questionar a inconstitucionalidade dos seguintes segmentos
normativos:
- “…o presidente decide sem recurso…”, constante do art.º 130.º, n.º 3, do
C.P.C..
- “A decisão do presidente não pode ser impugnada…”, constante do art.º 689.º,
n.º 2, do C.P.C..
Independentemente da correcção da aplicação destes normativos ao caso concreto,
que não compete a este Tribunal sindicar, da leitura dos despachos do
Vice-Presidente do S.T.A., proferidos em 6-6-2007 e 12-7-2007, verifica-se que
os mesmos foram utilizados para fundamentar as decisões recorridas, pelo que
cumpre apurar da sua constitucionalidade, considerando que o art.º 130.º, n.º 3,
foi aplicado por remissão do disposto no art.º 131.º, do C.P.C..
2. Da manifesta improcedência do recurso
O recorrente alega que os mesmos violam os art.º 20.º, n.º 1 e 4, 18.º, n.º 1,
da CRP, e 6.º, nº 1, da CEDH, e art.º 202.º, n.º 2, 203.º, 204.º, 209.º, n.º 1,
b), e 212.º, da CRP.
Determinam estes preceitos constitucionais que a todos é assegurado o acesso aos
tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos
(art.º 20.º, n.º 1, da C.R.P.), assegurando a lei que todos tenham direito a uma
causa tramitada mediante processo equitativo (art.º 20º, n.º 4, da C.R.P.), o
que é aplicável aos tribunais administrativos, nomeadamente ao S.T.A. (art.º
209.º, nº 1, b) e 212.º, da C.R.P.).
Conforme este Tribunal tem afirmado insistentemente o direito a uma segunda
apreciação jurisidicional apenas se encontra constitucionalmente exigido em
processo penal, não sendo esta exigência extensível aos demais processos
judiciais, inscrevendo‑se assim no âmbito da liberdade de conformação
legislativa própria do legislador a estatuição das situações em que se
justifique a possibilidade duma dupla apreciação da impugnação judicial, desde
que efectuada de forma não arbitrária e proporcional.
O artº 130.º, nº 3, do C.P.C., determina que o incidente de suspeição é decidido
sem recurso pelo Presidente do Tribunal competente.
Por sua vez, o art.º 689.º, n.º 2, do C.P.C., determina que a decisão do
Presidente do Tribunal superior que indefere a reclamação sobre despacho que
não admitiu um recurso interposto não pode ser impugnada.
A não consagração pelo legislador ordinário duma segunda apreciação
jurisdicional nestas matérias não se revela desproporcionada nem arbitrária,
encontrando-se, pelo contrário, plenamente justificada quando o Tribunal em
causa, como sucede neste caso é o órgão superior da hierarquia dos tribunais
administrativos.
Estando assegurada uma decisão em matéria processual proferida pelo Presidente
de Tribunal da instância situada no topo da hierarquia de determinada
jurisdição, é perfeitamente proporcionada a opção do legislador de não admitir
uma segunda apreciação dessa matéria.
O artº 6º, da Convenção dos Direitos do Homem, também não impõe a existência de
um duplo grau de jurisdição, limitando-se também a exigir um processo
equitativo, o qual, como já se viu, não contempla tal obrigatoriedade.
Assim sendo, o recurso é manifestamente infundado, pelo que nos termos do art.º
78.º - A, n.º 1, da LTC, deve ser proferida decisão sumária de improcedência do
mesmo.”
O recorrente reclamou para a conferência desta decisão, com os seguintes
fundamentos:
“Factos
1º. Os autos principais – STA, 1ª Secção, 2 Subsecção, Recurso nº 44884 – tratam
da invalidade da deliberação de 8.3.99 do Conselho Superior dos Tribunais
Administrativos e Fiscais (co-subscrita pelo presidente actual simultaneamente
do CSTAF e do STA) que aplicou ao recorrente, então juiz em exercício de
funções, a pena de inactividade graduada em um ano.
2º. A 2ª Subsecção referida é constituída, entre outros juízes, pela Drª
Fernanda Xavier Nunes, pessoa que – como abundantemente se narra na petição de
oposição de suspeição – em 1992 prejudicou gravemente o recorrente, sendo ambos
juízes do Tribunal Tributário da 1ª instância de Lisboa, e que desde essa data
está de relações cortadas com o recorrente.
3º. Se a dita Drª Fernanda não teve escrúpulos em prejudicar o recorrente em
1992, porque razão agora os terá, tanto mais que escondeu do processo os
imbróglios em que voluntariamente se meteu em 1992?
4º. Por isso, o recorrente solicitou que fosse impedida, por suspeição, a sua
participação no julgamento do referido Recurso nº 44884.
5º. O despacho de 20.4.2007, da autoria do presidente do STA, substituído pelo
vice-presidente Dr Brandão de Pinho, indeferiu liminarmente o pedido de que
fosse julgada verificada a suspeição da adjunta Drª Fernanda Xavier Nunes.
6º. Porque manifestamente inexiste a invocada extemporaneidade na dedução da
suspeição, o recorrente interpôs recurso jurisdicional para a Secção de
contencioso administrativo do STA.
7º. O despacho de 14.5.2007, da autoria do presidente do STA, substituído pelo
vice-presidente Dr Brandão de Pinho, não admitiu o referido recurso, invocando
que tal decisão é irrecorrível nos termos do artº 130º, nº 3, do CPC.
8º. Porque a decisão final sobre a admissão ou não de recurso jurisdicional é da
competência do presidente do STA (presidente do tribunal ad quem), o recorrente,
por requerimento entrado em 29.5.2007, reclamou contra o indeferimento do
recurso constante do despacho de 14.5.2007, nos termos do artº 688º do CPC,
alegando a inconstitucionalidade do artº 130º, nº 3, do CPC, tal como tinha sido
interpretado e aplicado no referido despacho de 14.5.2007.
9º. O despacho de 6.6.2007, da autoria do presidente do STA, substituído pelo
vice-presidente Dr Brandão de Pinho, não admitiu tal reclamação invocando que o
despacho de 14.5.2007 não pode ser impugnado nos termos do artº 689º, nº 2, do
CPC.
10º. Porque entendeu que o presidente do STA, substituído pelo vice-presidente
Dr Brandão de Pinho, tinha decidido em causa própria (do presidente do STA,
substituído pelo vice-presidente Dr Brandão de Pinho), o recorrente, em
requerimento entrado em 19.6.2007, invocando tal impedimento, requereu ao
presidente do STA a nulidade do despacho de 6.6.2007, alegando a
inconstitucionalidade do artº 689º, nº 2, do CPC, tal como tinha sido
interpretado e aplicado no referido despacho de 6.6.2007.
11º. O despacho de 12.7.2007, da autoria do presidente do STA, substituído pelo
vice-presidente Dr Brandão de Pinho, e portanto em causa própria (do presidente
do STA, substituído pelo vice-presidente Dr Brandão de Pinho), indeferiu a
nulidade, invocando que não há qualquer inconstitucionalidade, e reafirmando o
anteriormente decidido com invocação dos artº 130º, nº 3, e artº 689º, nº 2,
ambos do CPC.
12º. O recorrente interpôs recurso para o TC dos despachos do presidente do STA,
substituído pelo vice-presidente Dr Brandão de Pinto, de 6.6.2007 e de
12.7.2007, supra referidos.
A prática no STA da imparcialidade
13º. No STA vem-se verificando, pelo menos, no tocante ao presente processo e
aos autos principais uma prática “peculiar” da imparcialidade dos juízes, com
repercussões na imparcialidade da 1ª Secção, 2ª Subsecção, e que se sintetiza
pelas circunstâncias de no recurso contencioso em que o recorrente pretende a
declaração de ilegalidade do acto administrativo punitivo da co-autoria do CSTAF
e do actual presidente do STA que o afastou definitivamente do exercício do
cargo de juiz, e lhe impôs ainda a suspensão por um ano do direito de
recebimento dos ordenados ou pensões de aposentação, pondo em causa a sua
sobrevivência e a do agregado familiar, os próprios juízes escolhem se intervêm
ou não (cinco juízes auto-declararam-se impedidos, dois pediram escusa),
chegando-se ao cúmulo de um juiz co-titular do órgão recorrido decidir contra o
recorrente, e de o presidente do STA e co-réu no processo declarar impedimentos
de outros juízes e determinar qual o juiz que decide a suspeição suscitada pelo
recorrente.
14º. Em todos estes casos, se bem que solicitada a intervenção correctora do
STA, este se tem quedado pela pura inércia.
15º. Também é de salientar a actuação do Ministério Público, enquanto garante da
legalidade, coonestando todas as ilegalidades apontadas pelo recorrente, sem
qualquer reacção, ignorando os deveres que lhe incumbem, desde logo por força do
art.º 3.º, n.º 1, alínea f) do Estatuto do Ministério Público.
16º. Todo este circunstancialismo justifica que cause justa apreensão a
intervenção dos juízes nos presentes autos, no sentido de questionar as razões
que os levaram a optar por intervir – no caso da Drª Fernanda Xavier, de
relações cortadas com o reclamante, o que a move? Consegue a Drª Fernanda
Xavier, ultrapassar a inimizade que entendeu manifestar pelo recorrente, ao
cortar e manter o corte de relações? Consegue a Drª Fernanda Xavier, não
prejudicar o recorrente, sendo certo que o prejudicou e bastante em 1992?
17º. Quanto ao recorrente a resposta não pode deixar de ser negativa, atenta a
posição em que a Drª Fernanda Xavier, voluntaria e insensatamente se colocou ao
persistir em julgar os autos principais, apesar de todo o passado que não pode
reescrever.
18º. Todos os juízes que intervêm nos autos, incluindo a Drª Fernanda Xavier,
foram nomeados pelo CSTAF, presidido pelo co-autor do acto recorrido, e actual
presidente do STA.
19º. Todos os juízes do STA, têm, sucessiva e ininterruptamente, de há 10 anos a
esta parte, eleito para o cargo de presidente do STA, o co-autor da decisão
administrativa que há nove anos puniu o recorrente afastando-o do exercício do
cargo de juiz.
20º. Dado que frequentam o edifício do STA, todos os juízes que intervieram e
intervêm nos presentes autos, bem como os que optaram por o não fazer, conhecem
pessoalmente e convivem com o co-autor da decisão administrativa recorrida, o
actual presidente do STA.
21º. Todo este circunstancialismo traduz a existência de uma ligação evidente
entre os juízes, o objecto do litígio e uma das partes (o CSTAF e o seu
presidente que é simultaneamente presidente do STA), perigosamente geradora de
riscos de contaminação da independência e imparcialidade da 1ª Secção, 2ª
Subsecção do STA, enquanto decisor jurisdicional do Recurso 44884.
22º. Salientando o dever do tribunal de ser independente em relação às partes
(in casu, em relação ao co-réu presidente do STA), vide, por exemplo, TEDH, caso
RINGEISEN V AUSTRIA, sentença de 16.7.1971, § 95.
Decisão sumária
23º. Contrariamente ao referido na decisão sumária, o presidente do STA previsto
nas hipóteses dos artºs 130º, nº 3, e 689º, nº 2, do CPC, não é um tribunal e
muito menos é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos – o
STA é que é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos, no
seio do qual se constituem vários tribunais, quais sejam a Secção do contencioso
administrativo (artº 24º do ETAF), o pleno da Secção do contencioso
administrativo (artº 25º), a Secção do contencioso tributário (artº 26º), o
pleno da Secção do contencioso tributário (artº 27º), e o plenário (artº 29º).
24º. A excepção que Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do
Homem Anotada, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2005, pág. 378, aponta à
desnecessidade de duplo grau de jurisdição é precisamente a hipótese de um
julgamento em 1ª instância pelo Plenário do STJ, a mais alta jurisdição (artº
26º, a), da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro).
25º. Vide, igualmente um outro caso de mais alta jurisdição no decidido pelo
Acórdão do TC nº 557/2006, de 11.10.2006, in site do TC – em que estava em causa
a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos pelo plenário do Tribunal
Constitucional.
26º. O acesso unicamente ao presidente do STA para garantir a imparcialidade da
1ª Secção, 2ª Subsecção, do STA, no julgamento do Recurso nº 44884, sem admissão
de recurso jurisdicional, vem a configurar o acesso a uma entidade
administrativa, sem qualquer acesso a um tribunal para garantir e tutelar um
direito conferido pela CEDH e pela CRP – direito de acesso a tribunal imparcial
–, não se podendo falar aqui do direito a uma segunda apreciação jurisdicional.
27º. Do que efectivamente se trata é do direito à apreciação jurisdicional da
eventual parcialidade de um juiz do STA e consequentemente da Subsecção em que
o mesmo se integra.
28º. Daí que, no entender do recorrente, se imponha o conhecimento do recurso de
constitucionalidade, até porque ao permitir-se o recurso jurisdicional
pretendido pelo recorrente, nada mais se faz do que garantir ao recorrente o
direito a um recurso eficaz previsto pelo arte 13º da CEDH, contra a violação do
direito de acesso a um tribunal imparcial também garantido ao recorrente pelo
arte 6º, nº 1, da mesma Convenção.
29º. Em causa está também a garantia dos direitos e liberdades consagrados na
CEDH pelas jurisdições internas, com o acesso ao TEDH depois de esgotadas as
vias de recurso internas, nas quais se insere o TC – art 35º, nº 1, da CEDH – de
acordo com a RECOMENDAÇÃO REC(2004)6 DO COMITÉ DE MINISTROS DO CONSELHO DA
EUROPA, adoptada em 12.5.2004, aquando da 114ª sessão, pela qual recomenda aos
Estados membros que criem recursos internos que possam ser invocados por todos
para defesa de uma violação da CEDH e que esses recursos sejam efectivos, na
medida em que permitam uma decisão sobre o bem fundado duma queixa e remedeiem
apropriadamente toda a violação constatada.
Para o conhecimento do recurso
30º. Como decorre do Acórdão do TC nº 450/2007 (DR, 2ª, nº 205, de 14.10.2007),
ao TC cabe a tarefa de interpretar aqui e agora a norma questionada de
inconstitucional, e interpretá-la em função da Constituição – cfr artº 80º, nº
3, da LTC.
31º. O que acarreta que a interpretação normativa que o TC deva efectuar seja
uma interpretação que tenha em conta as vicissitudes do aparecimento da norma no
discurso jurídico constituído em litígio constitucional, já que se trata de uma
fiscalização concreta e não de uma fiscalização abstracta.
As normas inconstitucionais
32º. A norma do artº 130º, nº 3, do CPC, insere-se no procedimento de recusa de
juiz deduzido pelo recorrente, regulado nos artes 129º a 131º do CPC, que
determinam que a suspeição é decidida pelo presidente (do STA, in casu) sem
recurso.
33º. Não fora o segmento normativo “o presidente decide sem recurso” (artº 130º,
nº 3 do CPC), o despacho do vice-presidente, em substituição do presidente do
STA, de 14.5.2007 seria objecto de recurso jurisdicional para a 1ª Secção do
STA, recurso este que foi interposto pelo recorrente oportunamente.
34º. A norma do artº 689º, nº 2, do CPC insere-se no procedimento de reclamação
contra o indeferimento de recurso, regulado nos artºs 688º e s, do CPC.
35º. Não fora o segmento normativo “a decisão do presidente não pode ser
impugnada” (arte 689º, nº2, do CPC), o despacho do Vice-presidente de 14.5.2007
seria objecto de reclamação contra o indeferimento do recurso, no processo de
oposição de suspeição em causa.
Contexto das normas inconstitucionais
36º. A dedução da suspeição pelo recorrente visa manter a imparcialidade da 1ª
Secção,
2ª Subsecção, do STA no julgamento do Recurso nº 44884, em que o recorrente
pretende a declaração de ilegalidade do acto administrativo punitivo da
co-autoria do CSTAF e do actual presidente do STA.
37º. A oposição da suspeição em causa visa manter a imparcialidade da 2ª
Subsecção referida, porque a juiz adjunta Drª Fernanda Xavier Nunes omitiu
circunstâncias que objectivamente a colocam numa posição em que
justificadamente se duvida da sua imparcialidade.
38º. Como refere o TEDH, caso TOCONO AND PROFESORII PROMETEITI v. MOLDOVA,
sentença de 26.6.2007, § 31, o artº 6º, nº 1, da CEDH impõe a obrigação a todos
os tribunais domésticos de verificarem se constituem um “tribunal imparcial” nos
termos daquela disposição convencional.
39º. Com o comportamento omissivo referido, a Drª Fernanda Xavier violou tal
obrigação, constituindo o Estado português em situação objectiva de violação da
CEDH.
Direito de acesso ao tribunal para defesa de direitos fundamentais
40º. O artº 20º da CRP assegura a todos o “acesso ao direito e aos tribunais
para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” (nº 1),
garantindo que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja
objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” (nº 4).
41º. De acordo com o artº 8º, nº 2, da CRP, o Direito Internacional
convencional, vigora na ordem interna sujeito à condição prévia da publicação
oficial das convenções, pelo que, em Portugal, o Direito Internacional aplica-se
directamente, isto é, sem necessidade de interposição de qualquer acto
legislativo, regulamentar ou administrativo da parte do Estado.
42º. Acresce que há áreas em que a vigência do Direito Internacional na ordem
interna se impõe por via do instituto do jus cogens – é o caso do Direito
Internacional dos Direitos do Homem, na medida em que é composto por princípios
gerais de Direito e por normas do costume internacional geral, de carácter
obrigatório para os Estados, encontrando-se, nesta situação a CEDH,
referenciada como um caso de jus cogens regional.
43º. Daí que haja que integrar o artº 20º, nºs 1 e 4, com os direitos
proclamados e garantidos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, publicada
pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, especialmente com o seu artº 6º, epigrafado
de “direito a um processo equitativo”.
44º. Como refere o Acórdão do TC nº 416/2007 (DR, 2ª, nº 196, de 11.10.2007), o
Direito Internacional, em que se integra a CEDH, “por força dos nºs 2 do artigo
8º e 1 do artigo 16º da CRP, vincula [...] imediatamente o legislador português
e – em particular – este Tribunal Constitucional”, devendo “também ser tido em
conta, para efeitos de interpretação do âmbito normativo” dos nºs 1 e 4 do
artigo 20º da CRP.
45º. Ambos os instrumentos de consagração de direitos do homem (CEDH e CRP),
impõem ao Estado uma obrigação de resultado – fornecer a boa administração da
justiça (por um tribunal independente e imparcial, devendo a justiça ser
equitativa, pública, contraditória); e uma obrigação positiva – o Estado tem de
fornecer uma protecção efectiva dos direitos.
Independência do tribunal
46º. Restringindo a análise às características do tribunal, assinala-se que o
mesmo deve ser independente, desde logo no modo de designação de juízes, na
existência de meios de protecção contra pressões, venham elas de onde vierem, e
na existência de uma posição que permita afirmar uma aparência de independência
– cfr TEDH, caso LAVENTS V LETÓNIA, sentença de 28.11.2002, § 117.
47º. Os autos principais traduzem-se num recurso contencioso interposto para a
1ª Secção do STA contra um acto administrativo punitivo de juiz em exercício de
funções, praticado pelo CSTAF presidido pelo actual presidente do STA.
48º. Os juízes que devem julgar tal recurso contencioso, entre eles, a recusada
Drª Fernanda Xavier, foram todos nomeados pelo CSTAF e seu presidente que é
simultaneamente o presidente do STA, sendo certo que o CSTAF é o réu nos autos
principais.
49º. Inexistem quaisquer meios de protecção dos juízes do STA ou de outro
tribunal da mesma jurisdição contra pressões do CSTAF, o que é patente no caso
do recorrente que, sendo juiz em exercício de funções no Tribunal Central
Administrativo foi punido pelo CSTAF e seu presidente (em simultâneo presidente
do STA), há nove anos, sem que o STA se mostre em condições de julgar o caso de
acordo com o processo equitativo.
50º. O TEDH, caso HIRSCHHORN c. ROUMANIE, sentença de 26.7.2007, § 70, reafirma
a importância da existência de uma protecção dos juízes contra pressões
exteriores, a fim de se assegurar o respeito pela condição de «independência» do
tribunal imposta pelo artº 6º, nº 1.
51º. No caso em análise, tratada de protecção dos juízes do STA contra pressões
do presidente do CSTAF, simultaneamente presidente do STA.
52º. As circunstâncias apontadas e a posição de mera ressonância das decisões
administrativas do CSTAF em que os juízes e agentes do MP, em serviço no STA,
vem a cair, denotam que não é possível afirmar a sua independência perante o
CSTAF, pelo que inexiste aqui qualquer aparência de independência.
Imparcialidade do tribunal
53º. De acordo com o TEDH, caso TIERCE ET AUTRES V SÃO MARINHO, sentença de
25.7.2000, § 75 e 76, a imparcialidade do tribunal deve apreciar-se de um ponto
de vista subjectivo, que consiste em averiguar da convicção pessoal do juiz na
ocasião de julgar, e de um ponto de vista objectivo que assegura que o juiz
apresenta garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima, sendo
aqui que relevam as aparências, atenta a confiança de que, numa sociedade
democrática, os tribunais se devem revestir e inspirar aos cidadãos que recorram
à justiça. Neste sentido cfr TEDH, caso REMLI V FRANÇA, sentença de 23.4.1996, §
48, TEDH, caso THOMANN V SUÍÇA, sentença de 10.6.1996, § 30, TEDH, caso DE HAAN
V HOLANDA, sentença de 26.8.1997, §§ 49 e ss.
54º. No caso HAUSCHILDT V DINAMARCA, sentença de 24.5.1989, § 48, o TEDH
considerou que em matéria de imparcialidade do juiz, as aparências podem ter
importância, no apuramento da confiança que os tribunais numa sociedade
democrática devem inspirar aos cidadãos que recorrem ao tribunal; aqui, tendo em
linha de conta o ponto de vista do cidadão, o elemento determinante consiste em
saber se as apreensões do interessado são objectivamente justificadas, tendo em
atenção o adágio inglês “Justice must not only be done, it must be seen to be
done”.
Desenvolvendo esta ideia, cfr TEDH, caso PESCADOR VALERO V ESPANHA, sentença de
17.6.2003, §§ 24 e ss.
55º. Por outro lado, o TEDH, no caso LAVENTS V LETÓNIA, sentença de 28.11.2002,
§ 114, relembra que qualquer tribunal deve ser um tribunal “estabelecido pela
lei”, isto é, um tribunal estabelecido de acordo com a vontade do legislador,
abrangendo a base legal da própria existência do tribunal, a sua composição, a
sua competência, bem como todas as normas relativas ao exercício da função de
juiz, desde a nomeação, às incompatibilidades e à respectiva recusa.
A suspeita Drª Fernanda Xavier
56º. O recorrente, ao aperceber-se que a Drª Fernanda Xavier é um dos três
juízes que decide o recurso contra o acto punitivo do CSTAF que o afastou do
exercício do cargo de juiz, e uma vez que aquela insensatamente resolveu omitir
a forte inimizade que mantém para com a pessoa do recorrente, desde 1992,
solicitou o seu afastamento do processo, por suspeição.
57º. Visa o recorrente assegurar a imparcialidade tão precária da 2ª Subsecção
da 1ª Secção do STA.
58º. Para além de ter sido nomeada pelo CSTAF (o réu nos autos principais),
cabendo-lhe julgar da legalidade de um acto da co-autoria do actual presidente
do STA e do CSTAF, inexistindo qualquer mecanismo de protecção dos juízes do STA
contra pressões do CSTAF, estando até os agentes do MP numa posição de
fragilidade perante o CSTAF que os tem massivamente nomeado juízes, a Drª
Fernanda Xavier mantém desde 1992 contra a pessoa do recorrente uma forte
inimizade, pelo que as apreensões deste em relação à imparcialidade desta, e
consequentemente da 2ª Subsecção da 1ª Secção do STA em que ela se integra, são
objectivamente justificadas.
59º. A Drª Fernanda Xavier prejudicou o recorrente em 1992, pelos imbróglios que
criou no Tribunal Tributário de 1ª instância de Lisboa, mantendo uma reunião
secreta com o presidente da agora parte contrária e denunciando-lhe
comportamentos do recorrente, sendo certo que tudo deu origem a uma inspecção
que, simultaneamente, puniu o recorrente baixando a sua classificação de BOM COM
DISTINÇÃO para SUFICIENTE, e a premiou, subindo a sua classificação de BOM COM
DISTINÇÃO para MUITO BOM.
60º. A circunstância de a Drª Fernanda Nunes Xavier ter omitido os imbróglios em
que se envolveu em 1992, com os prejuízos que causou ao recorrente, faz duvidar
das intenções que intimamente terá ao optar por intervir no julgamento do
recurso contencioso que o recorrente move contra o acto punitivo praticado pelo
CSTAF em co-autoria com o actual presidente do STA e do CSTAF, atenta a
inimizade que patenteia para com a pessoa do recorrente.
61º. Consegue a Drª Fernanda Nunes Xavier decidir a favor do recorrente e
simultaneamente contra o CSTAF?
62º. Estará a Drª Fernanda Xavier, em condições subjectivas de reconhecer e
declarar a ilegalidade manifesta do acto punitivo do CSTAF em co-autoria com o
presidente do STA?
63º. Como há muito o TEDH vem referindo, deve ser recusado o juiz de que
legitimamente se suspeite de quebra de imparcialidade – cfr caso PIERSACK V
BELGICA, sentença de 1.10.1982, § 33, e caso HAUSCHILDT V DINAMARCA, sentença de
24.5.1989, § 48.
Necessidade de recurso jurisdicional
64º. Face ao estado a que o incidente de suspeição chegou, a única via para se
evitar a imparcialidade da 2ª Subsecção da 1ª Secção do STA (tribunal que a lei
configura como competente para conhecer daquele recurso contencioso que o
recorrente instaurou contra o acto administrativo punitivo praticado pelo CSTAF
em co-autoria com o presidente do STA) é o recurso jurisdicional do despacho do
vice-presidente de 18.4.2007 (indefere liminarmente o pedido no incidente de
suspeição oposta à adjunta do Processo 44884, pendente na 1ª Secção, 2ª
Subsecção do STA Drª Fernanda Xavier).
65º. O fundamento normativo para a interposição do recurso jurisdicional em
causa encontra-se na admissibilidade genérica de recurso jurisdicional, sendo a
sua inadmissibilidade excepcional, excepção consubstanciada na norma do artº
130º, nº 3, do CPC.
66º. Aliás, o TEDH, caso LIAKOPOULOU c. GRÈCE, sentença de 24.5.2006, § 18,
relembra que o artº 6 da CEDH não obriga os Estados contratantes a criarem
tribunais superiores, mas que se eles existem, as garantias do artº 6º devem ser
respeitadas na medida em que asseguram um efectivo direito de acesso aos
tribunais, para defesa de direitos consignados na CEDH, § 19, sendo que a
regulamentação relativa ao recurso jurisdicional visa assegurar a boa
administração da justiça.
67º. Ora, os procedimentos jurisdicionais relativos a assegurar a imparcialidade
da 1ª Subsecção da 1ª Secção do STA, incluído o recurso jurisdicional da decisão
do presidente do STA que indeferiu liminarmente a suspeição da Drª Fernanda
Xavier, caem dentro do conceito de “boa administração da justiça”, no caso de
violação do direito a tribunal imparcial consagrado pelo artº 6º, nº 1, da CEDH.
A inconstitucionalidade do segmento normativo “o presidente decide sem recurso”
(artº 130º, nº 3, do CPC)
68º. Analisando o procedimento para se obter o afastamento de um juiz parcial da
decisão de uma causa – artºs 127º e ss do CPC – verifica-se que, se se
compreende que seja um órgão singular a tramitar o incidente em primeira
instância – atenta a produção de prova que o mesmo implica –, já suscita fortes
reservas que seja o mesmo órgão singular a decidir em primeira e última
instância da verificação ou não da suspeição.
69º. Do elenco de competências do presidente e dos vice-presidentes do STA,
verifica-se que carecem de qualquer competência jurisdicional, configurando-se
antes como órgãos de administração judiciária.
70º. A imparcialidade de um tribunal, constitui matéria jurisdicional e não
administrativa – o TEDH, no caso LAVENTS V LETÓNIA, sentença de 28.11.2002, §
114 (acima citado), refere que qualquer tribunal deve ser um tribunal
“estabelecido pela lei”, isto é, um tribunal estabelecido de acordo com a
vontade do legislador, abrangendo a base legal da própria existência do
tribunal, a sua composição, a sua competência, bem como todas as normas
relativas ao exercício da função de juiz, desde a nomeação, às
incompatibilidades e à respectiva recusa e no caso TOCONO AND PROFESORII
PROMETEI$TI v. MOLDOVA, sentença de 26.6.2007, § 31, considerou que o artº 6º,
nº 1, da CEDH impõe a obrigação a todos os tribunais domésticos de verificarem
se constituem um “tribunal imparcial” nos termos daquela disposição convencional
(realce nosso).
71º. Assim a importância que a imparcialidade da 2ª Subsecção da 1ª Secção do
STA suscita na ordem pública, não só do Estado português, mas também na dos
países democráticos configurados como Estados de direito e unidos no Conselho da
Europa, implica que se ultrapassam quaisquer questões de hierarquização do
órgão singular administrativo chamado a decidir daquela questão, sendo
inadequado considerar o presidente do STA, suposto nos artºs 130º, nº 3, e 689º,
nº 2, do CPC, como “órgão superior da hierarquia dos tribunais
administrativos”, para assim fundamentar que “a não consagração pelo legislador
ordinário duma segunda apreciação jurisdicional nestas matérias [de
imparcialidade de juiz de tribunal superior e por inerência da formação em que
se insere] não se revela desproporcionada nem arbitrária, encontrando-se, pelo
contrário, plenamente justificada”.
72º. Aliás, nos termos do artº 29º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, a
apreciação da suspeição dos juízes do TC compete ao Tribunal Constitucional, e
não ao seu presidente.
73º. Será que haja a pretensão de que o presidente do STA, ou seu substituto,
não erram?
74º. O despacho do Vice-presidente de 18.4.2007 (indefere liminarmente o pedido
no incidente de suspeição oposta à adjunta do Processo 44884, pendente na 1ª
Secção, 2ª Subsecção do STA Drª Fernanda Xavier) é manifesta e ostensivamente
errado, contrariando o decidido pelo TEDH, caso REMLI v FRANÇA, sentença de
23.4.1996, § 48, no sentido de que toda a contestação da imparcialidade do
tribunal deve ser verificada, a menos que se apresente como “manifestamente
desprovida de seriedade” – o que, in casu, não acontece.
75º. De acordo com o TEDH, caso TATISHVILI V. RUSSIA, sentença de 22.2.2007, §
63, uma fundamentação manifestamente deficiente e inadequada constitui a
violação do direito ao processo equitativo e portanto do artº 6º, nº 1, da CEDH.
76º. Também no caso WAGNER ET J.M.W.L. V LUXEMBOURG, sentença de 28.6.2007, §
89, o TEDH relembra que o direito a um processo equitativo garantido pelo artº
6º, nº 1, da CEDH compreende o direito das partes a apresentarem as observações
que entendam pertinentes ao seu caso; a CEDH não visa garantir direitos teóricos
ou ilusórios, mas sim direitos concretos e efectivos, pelo que aquele direito só
será efectivo se as observações das partes forem verdadeiramente “ouvidas”,
isto é, devidamente examinadas pelo tribunal – o que implica a obrigação para o
tribunal de examinar os meios, argumentos e provas oferecidos pelas partes;
sobretudo, § 96, quando estão em causa direitos e liberdades garantidas pela
CEDH, os tribunais estão vinculados a examinar os meios e argumentos com um
rigor e um cuidado particulares.
77º. Manifesta e ostensivamente, o vice-presidente do STA Dr Brandão de Pinho
assim não procedeu.
78º. A CRP e a lei ordinária configuram os tribunais que se constituem no seio
do STA como órgãos colegiais, por entenderem que um juízo de ponderação
colectivo é mais adequado e transparente ao equilíbrio dos interesses em causa,
do que o juízo solitário de um órgão singular, para mais carente de
competências jurisdicionais.
79º. Também é de considerar que os juízes, e nomeadamente os portugueses, não
são super homens, antes são como todos os seus concidadãos de carne e de osso,
com ódios, amores e interesses.
80º. A humildade democrática exige que os interesses se subordinem, no caso dos
autos e agora, ao desiderato de obter a imparcialidade da 1ª Subsecção da 1ª
Secção do STA, na decisão do recurso contencioso que o recorrente instaurou
contra o acto administrativo punitivo praticado pelo CSTAF em co-autoria com o
actual presidente do STA, e que constitui os autos principais.
81º. Há, pois, que afastar a Dra Fernanda Nunes Xavier da decisão do Recurso
44884.
82º. Assim sendo, e porque o segmento normativo “o presidente decide sem
recurso” (artº 130º, nº 3, do CPC) impede o recurso jurisdicional do despacho do
vice-presidente de 18.4.2007 (indefere liminarmente o pedido no incidente de
suspeição oposta à adjunta do Processo 44884, pendente na 1ª Secção, 2ª
Subsecção do STA Drª Fernanda Xavier), manifesta e ostensivamente errado,
impedindo o afastamento de juiz parcial da decisão dos autos principais,
impõe-se que seja desaplicado nos presentes autos.
83º. O fundamento da desaplicação do segmento normativo “o presidente decide sem
recurso” (artº 130º, nº 3, do CPC) assenta na circunstância de violar o direito
fundamental do recorrente de acesso a um tribunal imparcial para obter a
declaração de ilegalidade do acto administrativo punitivo da co-autoria do CSTAF
e do presidente do STA que o afastou definitivamente do exercício do cargo de
juiz, e lhe impôs ainda a suspensão por um ano do direito de recebimento dos
ordenados ou pensões de aposentação, pondo em causa a sua sobrevivência e a do
agregado familiar.
84º. Tal direito de acesso encontra-se garantido pelos artºs 20º, nºs 1 e 4, da
CRP, e 6º, nº 1, da CEDH, os quais são directamente aplicáveis e vinculam as
entidades públicas, incluindo TC, nos termos do artº 18º, nº 1, da CRP.
85º. Daí que o segmento normativo “o presidente decide sem recurso” (artº 130º,
nº 3, do CPC) viola o disposto nos artºs 20º, nºs 1 e 4, 18º, nº 1, da CRP, e
6º, nº 1, da CEDH, sendo inconstitucional (artº 277º, nº 1, da CRP).
A inconstitucionalidade do segmento normativo “a decisão do presidente não pode
ser impugnada” (artº 689º, nº 2, do CPC)
86º. No mesmo vício de inconstitucionalidade, e pelos mesmos fundamentos,
incorre o segmento normativo “a decisão do presidente não pode ser impugnada”
(artº 689º, nº 2, do CPC), na medida em que impede a reclamação contra o
despacho de indeferimento do recurso jurisdicional do despacho do
vice-presidente de 18.4.2007 (indefere liminarmente o pedido no incidente de
suspeição oposta à adjunta do Processo 44884, pendente na 1ª Secção, 2ª
Subsecção do STA Drª Fernanda Xavier), manifesta e ostensivamente errado,
impedindo o afastamento de juiz parcial da decisão dos autos principais, pelo
que se impõe que seja igualmente desaplicado nos presentes autos.
Termos em que requer que o Tribunal Constitucional conheça do objecto do
recurso, notificando-se o recorrente para apresentar alegações.”
*
Fundamentação
Em primeiro lugar, perante a ampla abrangência temática das alegações
apresentadas pelo recorrente, importa reafirmar que não compete a este Tribunal
apurar da bondade da decisão que indeferiu o incidente de suspeição de juiz
formulado pelo recorrente, nem da sua conformidade com o direito dos cidadãos a
que as suas causas sejam julgadas por um tribunal independente.
O objecto do recurso, delimitado pelo respectivo requerimento de interposição, é
apenas o da conformidade constitucional dos seguintes segmentos normativos:
- “…o presidente decide sem recurso…”, constante do artigo 130.º, n.º 3, do
C.P.C., relativo ao incidente de suspeição de juiz.
- “A decisão do presidente não pode ser impugnada…”, constante do artigo 689.º,
n.º 2, do C.P.C., relativo ao incidente de reclamação do despacho que não
admitiu o recurso.
A decisão reclamada considerou que tais segmentos normativos não violavam
quaisquer preceitos constitucionais, nomeadamente o direito a um processo
equitativo, uma vez que “conforme este Tribunal tem afirmado insistentemente o
direito a uma segunda apreciação jurisidicional apenas se encontra
constitucionalmente exigido em processo penal, não sendo esta exigência
extensível aos demais processos judiciais, inscrevendo‑se assim no âmbito da
liberdade de conformação legislativa própria do legislador a estatuição das
situações em que se justifique a possibilidade duma dupla apreciação da
impugnação judicial”. E, sendo as decisões em causa proferidas, em matéria
processual, pelo Presidente de Tribunal da instância situada no topo da
hierarquia de determinada jurisdição, foi considerada perfeitamente
proporcionada a opção do legislador de não admitir uma segunda apreciação dessas
matérias.
Nas extensas alegações que apoiam a reclamação, constata-se que no âmbito do
objecto do recurso, o recorrente discorda deste juízo de conformidade
constitucional, por entender que a decisão de que se pretende recorrer é
proferida por um órgão singular, com meras funções administrativas e não
jurisdicionais, o que justificaria que a mesma fosse recorrível, tal como o
próprio despacho que não admitiu o recurso.
Ora, sobre a irrecorribilidade das decisões proferidas pelos Presidentes dos
tribunais superiores dos tribunais judiciais, atenta a sua natureza, já se
pronunciou o Tribunal Constitucional, nomeadamente no acórdão nº 351/2007 (pub.
no Diário da República de 29-8-2007), onde se escreveu o seguinte:
“O artº 202º, nº 1, da C.R.P., atribui aos tribunais, enquanto órgão de
soberania, a competência para o exercício da função jurisdicional, sendo os
juízes os titulares desse órgão.
Os juízes presidentes dos tribunais superiores são, antes de mais, juízes,
recrutados e nomeados nos termos prescritos no artigo 215º da Constituição, e,
quando exercem funções de presidentes dos tribunais superiores, têm o seu leque
de competências definido nos artigos 43º e 59,º da Lei nº 3/99, de 13 de
Janeiro, sendo umas de natureza jurisdicional e outras de índole administrativa.
Além das competências que constam expressamente destes preceitos, compete ainda
aos presidentes dos tribunais superiores 'exercer as demais funções conferidas
por lei' (cf, artigo 43º nº 1, alínea f), e 59º, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro),
como é o caso da norma do artigo 405º do Código de Processo Penal, enquanto lhes
atribui competência para decidir as reclamações dos despachos de não admissão ou
retenção de recursos.
Ora, quando o presidente do tribunal superior se pronuncia sobre a reclamação de
um despacho que não admitiu ou reteve um recurso proveniente de um tribunal de
hierarquia inferior está a dirimir um conflito, apreciando a decisão reclamada
que é contrária à pretensão do reclamante e, nessa medida, actua no exercício de
funções jurisdicionais. E, tanto assim é que a Lei nº 28/82, de 15 de Novembro
(Lei do Tribunal Constitucional), faz equiparar a recursos ordinários as
reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não
admissão ou de retenção de recursos, para efeitos de considerar verificado o
requisito da exaustão dos recursos ordinários, que é condição da admissibilidade
do recurso de constitucionalidade.
Assim, apesar dos presidentes dos tribunais superiores serem eleitos pelos seus
pares para estes cargos, por tempo determinado, não perdem a qualidade de juízes
em efectividade de funções, aos quais pode a lei continuar a atribuir as
funções jurisdicionais que entenda justificarem-se.
Igualmente se a regra nos tribunais superiores é a decisão colegial, sem que
isso obedeça a qualquer imposição constitucional, nada impede que o legislador
ordinário para determinadas decisões opte, por razões de celeridade, pela
decisão singular, como sucede no presente caso.
O julgamento das reclamações em análise não é efectuado pelos presidentes dos
tribunais de recurso no uso das suas competências administrativas, que também
possuem, mas sim no uso das suas competências jurisdicionais, os quais, sendo
juízes, não as perdem pelo facto de serem eleitos para o cargo de Presidente de
tribunal de recurso.”
Estas considerações, que também foram perfilhadas no acórdão nº 525/07
(disponível no site www.tribunalconstitucional.pt), são inteiramente aplicáveis
às decisões proferidas pelo Presidente do S.T.A., quer nos incidentes de
suspeição de juiz, quer nos de não admissão de recurso.
Na verdade, o artigo 212º, nº 2, da C.R.P., determina que o Presidente do
Supremo Tribunal Administrativo é eleito de entre e pelos respectivos juízes, e
o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei 13/2002, de
19 de Fevereiro, estabelece as suas competências administrativas e
jurisidicionais no n.º 1, do artigo 23.º, constando na alínea t), que lhe
compete exercer as demais funções estabelecidas na lei, como é o caso das duas
normas aqui em análise.
As decisões em causa foram proferidas no exercício de funções jurisdicionais que
são atribuídas por lei aos Presidentes dos tribunais superiores, não
justificando o cargo que estas entidades exercem que as mesmas sejam objecto
duma segunda apreciação jurisidicional. Antes, pelo contrário, sendo o seu autor
o Presidente do Tribunal situado no topo da hierarquia de determinada
jurisdição, tal circunstância é uma razão acrescida para que a opção do
legislador de estabelecer a irrecorribilidade dessas decisões não possa ser
considerada arbitrária ou desproporcionada, apesar de ser proferida por juiz
singular.
E, conforme se referiu na decisão reclamada, o artº 6º, da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, também não impõe a existência de um duplo grau de
jurisdição, limitando-se a exigir um processo equitativo, o qual, como já se
viu, não contempla tal obrigatoriedade.
Assim, as razões apresentadas pelo recorrente não justificam a alteração do
juízo de manifesta improcedência que foi proferida sobre o mérito do recurso
interposto, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. da decisão sumária
proferida nestes autos em 30 de Outubro de 2007.
*
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios do artigo 9º, nº 1, do D.L. nº 303/98 (artº 7º, do D.L.
nº 303/98, de 7 de Outubro).
*
Lisboa, 7 de Dezembro de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos