Imprimir acórdão
Processo n.º 640/07
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., inconformada com a decisão do Exmo. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca
de Guimarães que não admitiu o recurso por ela apresentado da sentença
condenatória proferida nos autos, dado ter considerado perdido o direito de
praticar o acto devido à falta de pagamento da multa a que alude o artigo 145.º,
n.º 6 do Código de Processo Civil, reclamou da decisão alegando o seguinte:
“- o prazo de quinze dias para a interposição do recurso relativo a matéria de
facto só se inicia quando o recorrente está em condições de poder preparar tal
motivação vista a partir do momento em que lhe são facultadas as cassetes;
- assim tendo as cassetes em causa sido entregues a 18 de Setembro de 2006 o
recurso apresentado em 27 de Setembro de 2006 foi interposto no prazo legal.”
O Exmo. Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães indeferiu a reclamação
por despacho de fls. 42 e 43, sustentando, nomeadamente, o seguinte:
“ […] Já várias vezes tomamos posição sobre esta matéria (…).
Na verdade, no caso, a nossa posição coincide com a fundamentação constante do
despacho de sustentação do Mmo. Juiz de 14/12/06, que aqui se dá como
reproduzida.
Com efeito, nos termos do DLei 39/95, seu artº 7.º, o pedido das cassetes devia
ter sido feito logo após a audiência de julgamento; ou mesmo ‘imediatamente
antes’ de ela terminar.
A requerente, ao deixar tal pedido para o tempo do decurso do prazo de recurso,
não usou da diligência devida.
‘Sibi imputat.’
Caso tivesse requerido as cassetes no seu tempo legal tê-las-ia já – a terem
ocorrido normalmente os factos – quando interpôs recurso; e não careceria dos
dias que agora reivindica.
xxx
Mas podia ter ainda pago a multa mesmo que continuasse a discutir a sua
legalidade; teria sido previdente se o tivesse feito. Optou por não fazê-lo.
xxx
Certamente poderia ter sido mais célere na motivação do recurso já que precisou
de apenas mais um dia… […]”
Vem então a Recorrente interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao
abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g) da Lei do Tribunal
Constitucional.
Referiu, nas suas alegações, nomeadamente, o seguinte:
“ (…) O Tribunal Constitucional, já se pronunciou, mais do que uma vez, no
sentido de julgar inconstitucional, por violação do artigo 32°, n°1 da C.R.P., a
norma constante do artigo 411º do C.P.P., interpretando no sentido de que o
prazo para a interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de
facto e as provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre
a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não da data de
disponibilização das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas
pelo arguido recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do
direito de recurso – cfr. Ac. 545/2006 e 194/07.
VI – DA INCONSTITUCIONALIDADE DO DESPACHO RECORRIDO
Não há dúvida que o despacho recorrido é inconstitucional, por violação no
disposto no artigo 32°, n° da C.R.P. e vai contra as decisões anteriormente
referidos.
Nestes termos, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência,
determinar-se a reformulação da decisão recorrida, no sentido de julgar
tempestivo o requerimento de recurso apresentado pela ora recorrente.”
2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto a este Tribunal, notificado
para contra-alegar, concluiu o seguinte:
“1.º
O recurso tipificado na alínea g) do n° 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional pressupõe a estrita e integral coincidência normativa entre o
precedente jurisprudencial invocado e a interpretação ou aplicação feita pela
decisão recorrida.
2°
No caso dos autos, tendo a decisão recorrida considerado intempestivo o pedido
de entrega de cópia dos suportes magnéticos de que consta a reprodução de prova,
com base no disposto em norma que não foi questionada pelo recorrente, é
evidente que não se mostra realizada a interpretação normativa julgada
inconstitucional naquele ‘acórdão fundamento’.
3º
Termos em que não deverá conhecer-se do recurso.”
Não foram apresentadas contra-alegações pela Recorrida B..
Notificada a responder à questão prévia suscitada pelo Ministério Público e a
apresentar as conclusões das alegações de recurso, veio a Recorrente dizer:
“Não tem qualquer razão o M.P., e porquê?
Porque não há dúvidas que existe contradição entre a decisão recorrida e os
acórdãos do Tribunal Constitucional indicados nas alegações de recurso – 545/06
e 194/07, e, assim, aplicada a alínea g) do n° 1 do artigo 70.º da Lei de 28/82
de 15-11.
Pelo que deve ser indeferida a questão prévia suscitada e recebido o recurso.
[…]”
Concluindo nos seguintes termos:
“1° A sentença foi depositada em 11-09-2006.
2° No dia 14-09-2006 foi requerida a cópia das cassetes.
3º As cassetes foram entregues no dia 18-09-2006.
4° O requerimento de recurso deu entrada em 27-09-2006
5° As cassetes foram tempestivamente requeridas pela arguida.
6° As cassetes áudio são fundamentais para que se possa recorrer da matéria de
facto.
7° A interpretação do artigo 411° do C.P.P. no sentido de que o prazo para a
interposição de recurso em que se impugne a matéria de facto e as provas
produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da data
do depósito da sentença e não da data da disponibilização das cópias dos
suportes magnéticos, tempestivamente requeridas, foi julgada inconstitucional,
por violação do disposto no artigo 32°, n° 1 da C.R.P.
8° Há contradição entre a decisão recorrida e os acórdãos do Tribunal
constitucional nºs. 545/2006 e 194/07.
9º Assim, deve a reclamação contra a não admissão de recurso ser deferida.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da
alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos
da qual “Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões
dos tribunais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou
ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional.”
Como salienta o Ministério Público nas suas contra-alegações, o conhecimento de
recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da Lei do
Tribunal Constitucional pressupõe a estrita identidade e perfeita coincidência
entre a norma ou interpretação normativa questionada nos autos e a que foi
anteriormente julgada inconstitucional no Acórdão ou Acórdãos indicados pelo
Recorrente como fundamento do recurso.
Ora, tal identidade ou coincidência não se verifica na concreta situação dos
autos.
Vejamos:
4. O Recorrente invoca, em sede de alegações, dois Acórdãos deste Tribunal, como
fundamento do recurso interposto. São eles os Acórdãos n.ºs 545/2006 e 194/2007,
publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 6 de Novembro
de 2006 e 16 de Maio de 2007. E refere estes arestos alegando que ambos são
coincidentes com a situação em análise.
Nenhum dos arestos indicados como fundamento deste recurso se enquadra no caso
sub judicio.
Com efeito, o Tribunal da Relação de Guimarães utilizou um argumento diferente
para a sua decisão, a qual constitui, precisamente, o objecto do presente
recurso.
A ratio decidendi de tal decisão assentou no entendimento de que, nos termos do
disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, a
Recorrente deveria ter requerido as fitas magnéticas logo após a audiência do
julgamento ou ainda no decurso da mesma. Não o tendo feito, como se pode ler no
referido despacho, a Recorrente não actuou “com a diligência devida.”
Por aqui se vê que a ratio decidendi da decisão recorrida não contende com o
objecto dos recursos a que se reportam aqueles dois Acórdãos mencionados. Com
efeito, nestes arestos, o juízo de inconstitucionalidade material relativo ao
artigo 411.º, n.º 1 do Código de Processo Penal foi condicionado à circunstância
de que as cópias das gravações tivessem sido “tempestivamente requeridas” pelos
recorrentes, não tendo sequer sido cotejada a norma contida no artigo 7.º do
referido Decreto-Lei n.º 39/95.
5. Face ao sentido da decisão final, a qual, aliás, aderiu à posição do despacho
de não admissão do recurso proferido em primeira instância, restava à Recorrente
um outro meio processual para tutela da sua posição – o recurso de
constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal
Constitucional.
Concluindo-se, assim, que não se verifica a identidade normativa entre os
Acórdãos indicados pela Recorrente como fundamento (sendo certo que sobre
impendia o ónus de proceder a tal especificação), não se encontra preenchido,
por conseguinte, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto ao
abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g) da Lei do Tribunal Constitucional.
III – Decisão
Em face do exposto, acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, em não
conhecer do objecto do recurso.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em ( 12 ) UCs.
Lisboa, 14 de Novembro de 2007
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos