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Processo n.º 931/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério
Público e Outros, foi proferida decisão sumária, que julgou improcedente o
recurso, com o seguinte teor:
«1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de
05.09.2007, que rejeitou o recurso interposto contra o acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra, de 01.03.2007, o qual confirmou, na íntegra, o acórdão da
primeira instância. Este, por sua vez, condenara o arguido na pena única de 8
anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares: 4
anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido
pelos artigos 203.°/1, 204,°/2/ a) e e) e 202.°/b) e e) do Código Penal; 1 ano e
4 meses de prisão pela prática de um crime de roubo, p. e p. no artigo 210.°/1
do Código Penal; 2 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de furto
qualificado, p. e p. nos artigos 203°/1 e 204°/2/ e) e 202.°/d) do Código Penal;
8 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, na forma
tentada, p. e p. pelos artigos 203°/1 e 204°/2/e), 202.°/d), 22°, 23.°/1 e 2 e
73.º do Código Penal; 45 dias de prisão pela prática de um crime de introdução
em lugar vedado ao público, p. e p. no artigo 191.° do Código Penal; 3 anos de
prisão pela prática um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203°/1 e
204°/2/e) e 202.°/e) do Código Penal; 1 ano de prisão pela prática de um crime
de burla informática, sob a forma continuada, p. e p. pelos artigos 221°/1,
30°/2 e 79° do Código Penal; 4 meses de prisão pela prática de um crime de furto
qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203°/1 e 204°/2/ e),
202.°/c), 22°, 23.°/1 e 2 e 73.° do Código Penal; e 6 meses de prisão pela
prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. nos artigos
203°/1 e 204°/2/e), 202.°/d), 22°, 23.°/1 e 2 e 73.° do Código Penal.
Na resposta ao parecer do Procurador-Geral Adjunto, em exercício de funções no
Supremo Tribunal de Justiça, o ora recorrente invocou o seguinte:
“(…) o artigo 400º n° 1 alínea f) do C.P.P. quando interpretando no sentido de
que em caso de concurso de infracções apenas há que atender às molduras penais
correspondentes a cada um dos crimes em concurso, é materialmente
inconstitucional por violação do disposto nos artigos 13°; 20º e 32.° n° 1 da
CRP.
Inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para os devidos efeitos.
Isto porque, desde logo, não se vislumbra qualquer razão suficientemente
persuasiva para conceder um tratamento diferente ao caso em que a moldura penal
abstracta aplicável resulte apenas de um único crime — situação em que seria
admissível o recurso de revista para o STJ - ou do somatório (concurso) das
penas aplicáveis a vários crimes — caso em que, segundo aquela interpretação, já
não seria admissível recurso para o STJ.
O que se pretendeu com a alínea f) do artigo 400º n° 1 do C.P.P. foi limitar o
recurso de revista a um limitado número de casos, isto é, àquelas situações em
que a correspondesse uma moldura penal abstracta elevada.
Ora, sempre com o devido respeito por opinião contrária, é indiferente que essa
condição se alcance através da pena aplicável a um único crime ou resulte das
penas aplicáveis a um concurso de crimes.
A não ser assim a lei deixa sem protecção situações materialmente idênticas.
Desta forma, o acesso ao direito e aos tribunais, na vertente do direito ao
recurso, a salvaguarda do direito de defesa (respectivamente artigos 20º e 32°
nº 1 da CRP), nos casos em que do concurso de crimes resulte uma pena
abstractamente aplicável superior a oito anos, impõe seguramente que se consagre
a faculdade de recorrer do acórdão condenatória proferido pela relação.”
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.09.2007, rejeitou o recurso, por
inadmissibilidade legal, com os seguintes fundamentos:
“(…) Tendo em conta que a moldura legal abstracta da pena de prisão referente ao
crime de moldura penal mais grave, por que foi condenado o arguido,
independentemente do concurso de infracções, não é superior a oito anos —sendo
que o crimes de introdução em lugar vedado ao público e de burla informática,
são punidos com pena de máximo inferior a cinco anos de prisão (o crime p. e p.
pelo art° 191° do CP é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de
multa até 6o dias; e, o crime p. e p. no artigo 221° n° 1 é punido com pena de
prisão até 3 anos ou com pena de multa - , resulta que no caso concreto, face à
“dupla conforme”, não é admissível o recurso interposto pelo arguido, do acórdão
da Relação, relativamente aos referenciados crimes de burla qualificada, sendo
que relativamente ao crime de falsificação, é também insusceptível de recurso,
face à alínea d) do mesmo art° 400º do CPP.
Conforme jurisprudência firme deste Supremo Tribunal, nos termos do art. 400.°,
al. f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos,
em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª instância, cm processo
por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em
caso de concurso de infracções (dupla conforme) - Ac. de 08-11-2006, Proc. n.º
3113/06 - .3ª Secção, entre outros.
A expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n
° 1 do art. 400.° do CPP, significa que, apesar de no caso se configurar um
concurso de infracções, a regra primária da referida norma continua a valer,
incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrem nos
limites da primeira referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas
aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapasse 8 anos de prisão havendo
identidade de condenação nas instâncias. V. aliás, Ac. de 08-11-2006, deste
Supremo, in Proc. nº 3176/06 – 3ª Secção, entre outros.
É, assim, legalmente evidente que, in casu, não é admissível o recurso
interposto para este Supremo Tribunal.
O facto de ser admitido o recurso, não vincula o tribunal superior, - art° 414°
nº 3 do CPP.
Há pois que rejeitar o recurso, art°s 414° n° 2 e 420°n°1 do CPP.
Termos em que, decidindo:
Rejeitam o recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos dos artigos 400°
al.s d) e f), 414° nº 2 e 420º nº 1 do CPP.”
2. É deste acórdão que vem interposto o presente recurso, invocando-se a
inconstitucionalidade material da norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do
Código de Processo Penal, por violação dos artigos 13.°, 20.° e 32.°, n° 1, da
Constituição, quando interpretada no sentido de que a expressão “mesmo em caso
de concurso de infracções”, constante da alínea f), do nº 1 do art. 400.º do
CPP, significa que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a
regra primária da referida norma continua a valer, incluindo nela também as
situações em que os crimes do concurso se integrem nos limites da primeira
referência a “pena aplicável”, isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos
crimes do concurso não ultrapasse 8 anos de prisão havendo identidade de
condenação nas instâncias.
3. A questão enunciada apresenta-se como uma questão simples, por já ter sido
objecto de jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional, pelo que se
justifica a prolação de decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da
LTC.
Efectivamente, sobre a interpretação normativa objecto do presente recurso − a
da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, interpretada no sentido de que, em
caso de concurso de infracções, é relativamente às penas parcelares aplicáveis
aos crimes singulares que se tem de aferir a superação do limiar máximo de oito
anos de prisão, necessário para abrir a via de recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça contra acórdão da relação que confirme decisão da primeira instância
− já diversas vezes o Tribunal se pronunciou pela sua não inconstitucionalidade,
por não violar nem o artigo 13.º, nem o artigo 20.º, nem o artigo 32.º da
Constituição (vd. Acórdão n.º 189/2001, cuja jurisprudência foi reiterada nos
Acórdãos n.ºs 336/2001, 369/2001, 435/2001, 490/2003, 102/2004, 610/2004,
2/2006, 162/2006 e 36/2007).
Escreveu-se no Acórdão n.º 189/2001:
“(…) A norma que vem questionada refere-se claramente à moldura geral abstracta
do crime que preveja pena aplicável não superior a 8 anos: é este o limite
máximo abstractamente aplicável, mesmo em caso de concurso de infracções que
define os casos em que não é admitido recurso para o STJ de acórdãos
condenatórios das relações que confirmem a decisão de primeira instância.
Significa isto que o patamar a partir do qual a decisão da relação é
irrecorrível é o que fixa em pena não superior a 8 anos a pena aplicável a
determinado crime, independentemente de, no caso, terem sido várias as
infracções cometidas em concurso. Relevante, para efeitos de (in)admissibilidade
de recurso é a pena aplicável ao crime cometido e não a soma das molduras
abstractas de cada um dos crimes em concurso.
Como já se referiu, mesmo em processo penal, a Constituição não impõe ao
legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer
acto do juiz e, mesmo admitindo-se o direito a um duplo grau de jurisdição como
decorrência, no processo penal, da exigência constitucional das garantias de
defesa, tem de aceitar-se que o legislador penal possa fixar um limite acima do
qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição: ponto é que, com tal
limitação, se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
Ora, no caso dos autos, o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido
consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não
abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma
instância superior.
Existe, assim, alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos
graus de recurso. No caso, o fundamento da limitação – não ver a instância
superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de casos de
pequena ou média gravidade e que já foram apreciados em duas instâncias – é um
fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado e que corresponde aos
objectivos da última reforma do processo penal.
Tem, por isso de se concluir que a norma do artigo 400º, nº1, alínea f) do CPP
não viola o princípio das garantias de defesa, constante do artigo 32º, nº1 da
Constituição.
8. – Mas também não viola o princípio do acesso ao direito e à tutela judicial
efectiva, constante do artigo 20º, nem o princípio da igualdade, consagrado no
artigo 13º, ambos da Constituição.
De facto, o artigo 20º estabelece que “a todos é assegurado o acesso ao direito
e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos” e ainda que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham
seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” (nºs 1
e 4). Ora, no caso em apreço, a questão foi objecto de apreciação por duas
instâncias, pelo que não se pode afirmar que tenha havido violação do preceito,
uma vez que dele apenas resulta que o legislador terá de assegurar
imperativamente e sem restrições o acesso a um grau de jurisdição.
Também quanto ao princípio da igualdade não foi violado uma vez que a limitação
estabelecida na norma questionada não se afigura como arbitrária ou
desproporcionada, sendo admissível desde que não atinja o conteúdo essencial das
garantias de defesa do arguido que, como de referiu, não abrangem o direito ao
exame de questão já reexaminada em duas instâncias. (...)”
Os fundamentos acima transcritos, a que se adere na íntegra, são inteiramente
aplicáveis ao caso sub judice.
4. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se julgar
improcedente o recurso. […]».
2. Notificado desta decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com fundamento, em síntese, no seguinte:
«[…] 8°
Se é correcta a jurisprudência indicada na decisão sumária à qual o Ilustre
Conselheiro aderiu na integra.
9°
Também não é menos verdade que, esse mesmo Tribunal Constitucional já se
pronunciou pela inconstitucionalidade, por violação do direito ao recurso
conjugado com o princípio da igualdade (arts. 32.° n.° 1 e 13.° n.° 1 da
Constituição), a norma constante da alínea f) do n.° 1 do artigo 400° do Código
de Processo Penal (Neste exacto sentido douto Acórdão n.° 628/2005, processo .º
707/2005, 2ª Secção em que foi Relatora a Conselheira Maria Fernanda Palma).
10º
De facto, neste particular aderimos, in totum, à douta fundamentação do mesmo,
dando por inteiramente reproduzido tudo o quanto ali se dispõe.
[…]
41º
Termos em que, em face do exposto, deve o Tribunal Constitucional julgar
inconstitucional, por violação do direito ao recurso conjugado com o princípio
da igualdade (artigos 32°, nº 1, e 13º, n° 1, da Constituição), a norma
constante da alínea f) do n° 1 do artigo 400° do Código de Processo Penal, na
interpretação segundo a qual “a expressão “mesmo em caso de concurso de
infracções “, constante da al. f) do n.° 1 do art. 400º do CP, significa que,
apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da
referida norma continua a valer, incluindo nela também as situações em que os
crimes do concurso se integrem nos limites da primeira referência a “pena
aplicável”, isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso
não ultrapasse 8 anos de prisão havendo identidade de condenação nas instâncias.
42°
A única interpretação compatível com a Constituição da República Portuguesa é
aquela segundo a qual a “expressão mesmo em caso de concurso de infracções “,
constante da alínea f) do n.° 1 do artigo 400° do CPP, deve ser entendida como
significando que “no caso de prática pelo arguido de várias infracções, ainda
que cada uma delas não exceda a pena abstracta de oito anos de prisão, se o
cúmulo jurídico correspondente exceder essa pena, o recurso é admissível” (Neste
exacto sentido, Acs. do STJ de 02/05/2002, processo n.° 220/02-3ª Secção, e de
25/09/2002, processo n.° l68/02-3ª Secção).
43°
Desde logo, não se vislumbra qualquer razão suficientemente persuasiva para
conceder um tratamento diferente ao caso em que a moldura penal abstracta
aplicável resulte apenas de um único crime — situação em que seria admissível o
recurso de revista para o STJ - ou do somatório (concurso) das penas aplicáveis
a vários crimes — caso em que, segundo aquela interpretação, já não seria
admissível recurso para o STJ.
44°
O que se pretendeu com a alínea f) do artigo 400.° n.° 1 do C.P.P. foi limitar o
recurso de revista a um limitado número de casos, isto é, àquelas situações em
que a correspondesse uma moldura penal abstracta elevada.
45°
Ora, sempre com o devido respeito por opinião contrária, é indiferente que essa
condição se alcance através da pena aplicável a um único crime ou resulte das
penas aplicáveis a um concurso de crimes.
46°
A não ser assim a lei deixa sem protecção situações materialmente idênticas.
Assim, formulam-se as seguintes conclusões,
1. O art.° 400º alínea f) do C.P.P., se interpretado com a dimensão e o alcance
em que o faz a decisão reclamada e o S.T.J. (impossibilitando o recurso de um
acórdão da Relação que confirmou a pena de 8 anos de prisão em concurso de
crimes punidos com moldura penal abstracta bastante superior a esse limite),
mostra-se ferida de inconstitucionalidade material, por violação, entre outros,
dos art°s 32° nº 1 e 18° n° 2 da Lei Fundamental.
2. Numa interpretação de um homem/mulher médios, o legislador, ao escrever, no
mencionado artigo (o 400° alínea f) do C.P.P.) a expressão “a que seja aplicável
pena de prisão não superior a oito anos”, quis dizer “cuja moldura penal
aplicável não exceda os oito anos de prisão”, não fazendo qualquer sentido outra
interpretação.
3. A interpretação restritiva da Lei feita pelas instâncias do referido art°
400° alínea f) do C.P.P. - viola a Constituição da República, mormente o direito
ao recurso conjugado com o princípio da igualdade (artigos 32°, n° 1, e 13°, n°
1, da Constituição), operando, inclusive, por via interpretativa uma restrição
do direito de recurso dos arguidos em caso de não haverem sido condenados com
pena de prisão superior a 8 (oito) anos.
4. Se dúvida existir na redacção da Lei, a mesma deve ser decidida a favor e não
contra o arguido.»
3. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da
reclamação, com fundamento em que «tendo naturalmente em conta apenas a
específica dimensão normativa que integra o objecto do recurso, tal como tratou
de o delinear o recorrente, no respectivo requerimento de interposição, os
argumentos ora aduzidos em nada abalam a firme e reiterada corrente
jurisprudencial invocada como base da decisão reclamada».
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Como resulta da argumentação expendida na decisão sumária cujo teor se
transcreveu, concluiu-se aí negar provimento ao recurso interposto na medida em
que a questão submetida a juízo se apresenta como “simples”, tendo já sido
objecto de jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional.
O reclamante contesta esta decisão com fundamento, em síntese, no teor do
Acórdão n.º 628/2005, deste Tribunal, cujos pontos 5. a 9. da respectiva
fundamentação transcreve (ainda que sem o dizer expressamente) nos artigos 11.º
a 40.º da reclamação.
A invocação deste aresto em nada infirma, no entanto, a decisão reclamada.
Na situação em apreço, como resulta do requerimento de interposição do recurso,
foi sujeita à apreciação do Tribunal a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo
400.º do CPP, quando interpretada no sentido de que, em caso de concurso de
infracções, é relativamente às penas parcelares aplicáveis aos crimes singulares
que se tem de aferir a superação do limiar máximo de oito anos de prisão,
necessário para abrir a via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça contra
acórdão da relação que confirme decisão da primeira instância.
No caso do Acórdão n.º 628/2005, foi julgada inconstitucional (por violação do
direito ao recurso conjugado com o princípio da igualdade) a norma constante da
alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na interpretação segundo a qual «não
é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de
Justiça, quando a pena de prisão prevista no tipo legal de crime for superior a
oito anos, mas a pena concretamente aplicada ao arguido − insusceptível de
agravação por força da proibição da reformatio in pejus − tenha sido inferior a
oito anos».
Independentemente de, como salienta o Ministério Público, os presentes autos não
versarem sobre a mesma exacta dimensão normativa do preceito que foi apreciada
no Acórdão n.º 628/2005 (já que, no caso vertente, a questão tem directamente a
ver com a pena aplicável em caso de concurso de infracções, tal como era o caso
do Acórdão n.º 189/2001, citado na decisão reclamada), sempre se dirá, como tem
sido várias vezes salientado na jurisprudência deste Tribunal, que a
simplicidade da questão, para os fins consignados no artigo 78.º-A, n.º 1, «não
implica que a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre tal matéria seja
unânime, bastando, para aquele efeito, que seja reiterada» (v., entre outros, os
Acórdãos n.ºs 257/2000 e 346/2007), o que sobejamente sucede no caso dos autos.
Acrescente-se, também, que no Acórdão n.º 62/2006, tirado em Plenário, o
Tribunal decidiu em sentido diverso ao acolhido naquele Acórdão n.º 628/2005,
ainda que com votos de vencido, reafirmando o juízo de não inconstitucionalidade
constante do Acórdão n.º 640/2004, cuja fundamentação aí se transcreve e na qual
se citam diversos acórdãos no mesmo sentido, aos quais também se faz alusão na
decisão sumária.
Reafirma-se, assim, que a questão constitucionalidade objecto do presente
recurso − a do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal,
interpretado no sentido de que, em caso de concurso de infracções, é
relativamente às penas parcelares aplicáveis aos crimes singulares que se tem de
aferir a superação do limiar máximo de oito anos de prisão, necessário para
abrir a via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça contra acórdão da
relação que confirme decisão da primeira instância − se reporta a uma norma já
por várias vezes julgada não inconstitucional por este Tribunal, nada havendo a
acrescentar aos fundamentos da jurisprudência citada.
III. Decisão
5. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Dezembro de 2007
Joaquim Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos