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Processo n.º 1147/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, nos termos do n.º 1 do
artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC):
«1. A., Lda., melhor identificada nos autos, interpôs recurso para o
Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal
de Lisboa, que julgou improcedente a acção que intentou para reconhecimento do
direito a juros indemnizatórios, em consequência do deferimento da reclamação
graciosa que havia interposto do acto de liquidação adicional de IRC e juros
compensatórios, relativos ao ano de 1992, no valor global de 257.727.353$00, com
os fundamentos que resumiu nas seguintes conclusões da sua alegação de recurso:
“1. A douta sentença do Tribunal a quo deve ser anulada por sofrer de erro na
interpretação da lei, quando decidiu que o pedido de constituição do direito a
juros indemnizatórios deveria ter constado na petição de reclamação graciosa e
da respectiva decisão;
2. O direito a juros indemnizatórios deriva directamente da lei quando
verificados os respectivos pressupostos que constam do nº 1 do artº 43 da LGT,
ou seja, que
3. Esteja pago o imposto que indevidamente foi pago e que seja anulada a
respectiva a liquidação por erro imputável aos serviços;
4. A lei não prevê qualquer necessidade de pedido, sendo, portanto, ilegais as
decisões que imponham para o respectivo reconhecimento a necessidade de
solicitação de pedido expresso e a necessidade de que esse reconhecimento conste
da decisão anulatória;
5. O reconhecimento só pode referir-se ao erro dos serviços.
6. A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou
parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito
passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação
objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios a contar
da data do pagamento até à data da emissão da nota de crédito.
7. Sendo o direito a juros um efeito jurídico que resulta directamente da lei em
resultado da verificação dos respectivos pressupostos, não seria previsível para
a recorrente saber que os mesmos não lhe iam ser pagos aquando da devolução do
imposto anteriormente pago, na sequência da decisão da reclamação graciosa.
8. Em face desse facto, é legítimo o recurso à acção para o reconhecimento de um
direito ou interesse legítimo quanto ao pagamento daqueles juros que resultaram
da decisão administrativa;
9. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo decidiu contra a lei ao não
compreender no artº 145º do CPPT este tipo de pedido porque, indevidamente, o
incluiu como sendo enquadrável no nº 4 do artº 61º da LGT;
10. A própria AF, em instruções administrativas emitidas para os serviços
determinou no Oficio Circulado nº 60052, da Direcção de Serviços de justiça
Tributária, de 3/10/2006, que deveriam ser pagos juros indemnizatórios sempre
que estivessem verificados os pressupostos de facto e de direito constantes do
artº 43º da LGT, mesmo que não exista pedido nesse sentido, bastando que esteja
reconhecido que o erro é imputável aos Serviços.
11. Ao não entender que o que está em causa é o reconhecimento do direito ao
pagamento e não o direito ao surgimento de juros indemnizatórios e ao considerar
que ao caso é aplicável o referido nº 4 do artº 61º da LGT, a douta sentença
padece de erro de julgamento por violação de lei.
12. Finalmente entende a recorrente que o Tribunal, ao interpretar o artº 145º
do CPPT, por força da leitura que, segundo a decisão, resulta do nº 4 do artº
61º do CPPT, está a violar o nº 4 do artº 268º da CRP, sendo aquelas normas
inconstitucionais quando interpretadas no sentido que foi pela sentença
recorrida de que à recorrente está vedado o recurso à acção para o
reconhecimento de um direito prevista no nº 1 do artº 145º do CPPT;
13. Com efeito, tratando-se de uma decisão administrativa, o sujeito passivo não
dispõe de um meio judicial similar ao que a lei prevê para a execução das
decisões judiciais;
14. Negando o acesso a este meio processual, está a impedir-se o exercício da
tutela judicial dos direitos constitucionais previsto no normativo citado, que
garante aos administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos.”
2. Por acórdão de 17 de Outubro de 2007 o Supremo Tribunal Administrativo
negou provimento ao recurso, fundamentando-se no seguinte:
“3 - A recorrente intentou contra a Administração Fiscal a presente acção para
reconhecimento do seu direito a receber juros indemnizatórios sobre a quantia
que, em 17/6/97, pagou, indevidamente, de IRC, liquidada com a fundamentação que
consta do nº 3 do probatório.
Alegou em abono da sua pretensão que conhecido, pela Administração Fiscal, o
erro cometido, determinando a anulação do acto de liquidação em sede de
reclamação graciosa, estaria implícito o reconhecimento do direito do
contribuinte a receber juros indemnizatórios, não podendo a entidade fiscal
pretender que a requerente tivesse reclamado ou impugnado do despacho de omissão
do reconhecimento do erro imputável aos serviços.
O Tribunal recorrido, que apreciou e decidiu a causa, fê-lo de modo desfavorável
à ora recorrente, por entender que “não se pode determinar o pagamento de juros
indemnizatórios quando, no processo gracioso ou judicial em que é exigida a
anulação do erro, não tenha sido feito pedido de pagamento a eles atinente e,
portanto, não tenha sido proferida decisão a reconhecer o direito do
contribuinte aos mesmos” e ainda por que a reclamação ou impugnação autónoma dos
juros indemnizatórios só é possível nos casos em que o pagamento do tributo não
tenha sido efectuado depois do termo do prazo geral de reclamação ou impugnação
– o que não é o caso dos autos.
Do que fica exposto ressalta que a pretensão que a recorrente quer ver
judicialmente reconhecida com a presente acção é a de que, tendo sido anulada a
liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, respeitante ao exercício de
1992, determinada por decisão proferida em processo de reclamação graciosa, tem
o direito de receber da Administração Fiscal juros indemnizatórios.
4 - Antes do mais e por dever de oficio, importa abordar a questão da
propriedade do meio escolhido pela recorrente para fazer valer a sua pretensão
em juízo.
Como é hoje jurisprudência quase pacífica deste STA, a acção para reconhecimento
de um direito ou interesse legítimo constitui um meio complementar dos restantes
meios contenciosos previstos no contencioso tributário, destinados a servir
aqueles casos em que a lei não faculta aos administrados os instrumentos
processuais adequados à tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e
interesses legítimos. Daí que se recuse a este meio processual a função de uma
segunda garantia de recurso aos tribunais, perdida a primeira pela preclusão do
respectivo prazo.
O que, aliás, resulta do artº 145º, nº 3 do CPPT, aqui aplicável, que tem um
teor idêntico ao nº 2 do artº 69º da LPTA e ao artº 165º, nº 2 do CPT, ao dispor
que as acções para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria
tributária podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais
adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou
interesse legalmente protegido.
É o que se tem vindo a designar por teoria do alcance médio (vide Jorge Sousa,
in CPPT anotado, 4ª ed., pág. 621 e segs.).
Também no sentido da constitucionalidade deste entendimento, se pronunciou já o
Tribunal Constitucional no Ac. de 16/ 7/98, in rec. nº 435/98, DR, II Série, de
10/12/98, citado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer.
Aí se escreve que “o legislador constitucional pretendeu assim criar, no quadro
da justiça administrativa, um modelo garantístico completo, de forma a facultar
ao administrado uma tutela jurisdicional adequada sempre que esteja em causa um
interesse ou direito legalmente protegido....
Porém, não pode afirmar-se que o legislador constitucional tenha pretendido uma
duplicação de mecanismos contenciosos utilizáveis. Com efeito, o que decorre do
n.º 5 do artigo 268º da Constituição é que qualquer procedimento da
Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem
de poder ser sindicado jurisdicionalmente. E nesta total abrangência da tutela
jurisdicional que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos
administrados”.
Neste sentido, pode ver-se, entre outros, os Acórdãos da Secção do Contencioso
Administrativo de 3/3/94, in rec. nº 33.290; de 12/3/96, in rec. nº 38.367 e de
1/10/02, in rec. nº 47.063 e do Pleno de 5/6/00, in rec. nº 41.915 e desta
Secção de 2/5/01, in rec. nº 23.829; de 14/1/04, in rec. nº 1.693/03; de
6/10/05, in rec. nº 607/05 e de 18/1/06, in rec. nº 1.152/05.
Voltando ao caso dos autos e como vimos, o que está em causa é a pretensão da
recorrente em receber da Administração Fiscal juros indemnizatórios em
consequência de ter sido anulada, por decisão proferida em processo de
reclamação graciosa, por si, oportunamente, intentada, a liquidação do tributo
em causa e respectivos juros compensatórios.
Ora, não se pode dizer que, no caso em apreço, a presente acção seja o meio mais
adequado para a recorrente assegurar a tutela efectiva do seu direito, já que
dispunha de outros meios processuais para obter a condenação da Administração
Fiscal e, consequentemente, obter o pagamento dos juros agora peticionados.
Desde logo, podia ter deduzido recurso hierárquico, mas não o fez.
Podia ainda ter recorrido a juízo, intentando impugnação judicial, quer da
decisão da reclamação graciosa (artº 102º, nº 2 do CPPT), quer do subsequente
recurso hierárquico (artº 76º do mesmo diploma legal), sendo a decisão deste
“passível de recurso contencioso (acção administrativa especial), salvo se de
tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto”, bem
como pedir a execução da sentença anulatória proferida no processo de impugnação
judicial ou na acção administrativa especial e requerer, então, que a
Administração fosse condenada a pagar os referidos juros, mas também não o fez.
Como refere Jorge Sousa, in ob. cit., págs. 627e 628, a “possibilidade de
utilizar a acção para obter o reconhecimento judicial de um direito não
reconhecido, por força da referida regra da complementaridade, estará
condicionada à inexistência de outro meio contencioso, que permita assegurar
adequadamente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos...
Assim, à face do preceituado no n.º 3 do art. 145.º, só quando por estes meios
não for possível obter uma tutela judicial efectiva, nos termos atrás indicados,
poderá utilizar-se a acção para obter a tutela judicial do direito ou interesse
legítimo em matéria tributária”.
Se a recorrente não usou desses meios não se pode queixar de falta de tutela
legal.
Pelo que a acção que intentou está, assim, votada ao insucesso.
Neste sentido, pode ver-se, também, os acórdãos desta Secção do STA de 17/4/02,
in rec. nº 26.470; de 6/10/05, in rec. nº 607/05; de 17/5/06, in rec. nº
1.252/05; de 18/1/06, in rec. nº 1.152/05 e de 28/3/07, in rec. nº 41/07.
5 - Mas será possível convolar a presente acção nas formas de processo supra
referidas?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Com efeito, dispõe o artº 97º, nº 3 da LGT que deverá ordenar-se “a correcção do
processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”.
Por outro lado, estabelece o artº 98º, nº 4 do CPPT que “em caso de erro na
forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos
da lei”.
Todavia, tem vindo esta Secção do STA a entender que a convolação é admitida
sempre desde que não seja manifesta a improcedência ou intempestividade desta,
além da idoneidade da respectiva petição para o efeito.
Ora, dos elementos recolhidos nos autos resulta com toda a evidência que não é
possível agora proceder à referida convolação, uma vez que vão já decorridos os
prazos para o efeito fixados nos artºs 76º, nº 1 e 102º, nº 2 do CPPT e 176º,
nºs 1 e 2 e 58º, nºs 2 e 3 do CPTA, aqui aplicável, respectivamente, pelo que a
petição agora deduzida não era tempestiva para os processos supra referidos.
E tanto basta para que o recurso não possa proceder.
6 - Nestes termos e com estes fundamentos, se acorda em negar provimento ao
presente recurso.”
3. Inconformada com este aresto veio a recorrente A., Lda., interpor
recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, nos seguintes termos:
“1. O presente recurso de fiscalização concreta da inconstitucionalidade é
interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, requerendo-se como seu objecto que seja apreciada a
inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 145º do Código de
Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por força da leitura que, segundo
o acórdão recorrido, resulta do n.º 4 do artigo 61º do CPPT e que viola disposto
no n.º 4 do artigo 268º da CRP, sendo aquelas normas inconstitucionais quando
interpretadas no sentido de que à Recorrente está vedado o recurso à acção para
o reconhecimento de um direito prevista no nº 1 do artigo 145º do CPPT para
obtenção do pagamento dos juros indemnizatórios pela Administração Fiscal em
consequência da anulação da liquidação do tributo indevidamente pago pela
Recorrente;
2. Nos termos do nº 2 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na
redacção dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, a inconstitucionalidade a
apreciar da interpretação dada à conjugação dos artigos 145º e 61º, nº. 4, ambos
do Código de Procedimento e de Processo Tributário, foi expressamente suscitada
pela aqui Recorrente nas suas alegações de recurso (conclusão 12), apresentadas
em juízo em 8 de Março de 2007, dirigidas a esse Venerando Supremo Tribunal
Administrativo, sequencialmente ao conteúdo da douta sentença proferida pelo
Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa em 19 de Dezembro de 2006.
3. Assim, são inconstitucionais, por violação do nº 4 do artigo 268º da
Constituição da República Portuguesa, os artigos 145º e 61º nº 4 do Código de
Procedimento e de Processo Tributário, quando interpretados no sentido em que o
foram pelas doutas decisões recorridas de que à Recorrente está vedado o recurso
à acção para o reconhecimento de um direito prevista no nº 1 do artigo 145º do
mesmo Código, em que se peticiona o reconhecimento da obrigação da Administração
Fiscal de efectuar o pagamento de juros indemnizatórios por não o ter feito na
execução da decisão que ela própria tomou após reconhecer que a liquidação era
ilegal.
4. Com efeito, aqueles artigos são inconstitucionais se interpretados no sentido
de que à Recorrente está vedada a possibilidade de propor uma acção para
reconhecimento de um direito contra a Administração Fiscal para o pagamento de
juros indemnizatórios nos quatro anos subsequentes à data em que esta reconheceu
ser ilegal o imposto liquidado, por violação do princípio da tutela
jurisdicional efectiva consagrado no nº 4 do artigo 268º da CRP, uma vez que
suprime o direito da Recorrente a impugnar o incumprimento da Administração
Fiscal de uma obrigação que lhe incumbe e que por esta é reconhecida.”
4. De acordo com o requerimento de interposição de recurso, pretende o
recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 145.º e
61.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpretadas
no sentido de que à Recorrente está vedado o recurso à acção para o
reconhecimento de um direito prevista no n.º 1 do artigo 145.º do CPPT para
obtenção do pagamento dos juros indemnizatórios pela Administração Fiscal em
consequência da anulação da liquidação do tributo indevidamente pago pela
Recorrente, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva
consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.
Sobre esta questão, a decisão recorrida, sufragou o entendimento consagrado na
doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que cita, no
sentido de que a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo
constitui um meio complementar dos restantes meios contenciosos previstos no
contencioso tributário, destinados a servir aqueles casos em que a lei não
faculta aos administrados os instrumentos processuais adequados à tutela
jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos, recusando a
este meio processual a função de uma segunda garantia de recurso aos tribunais,
perdida a primeira pela preclusão do respectivo prazo.
Assim, consignou-se que, face ao preceituado no n.º 3 do artigo 145.º a
possibilidade de utilizar a acção para obter o reconhecimento judicial de um
direito ou interesse legítimo em matéria tributária, por força da referida regra
da complementaridade, está condicionada à inexistência de outro meio
contencioso, que permita assegurar adequadamente a obtenção dos efeitos
jurídicos pretendidos.
Como se entendeu que, no caso, a recorrente podia ter deduzido recurso
hierárquico e que podia ainda ter recorrido a juízo, intentando impugnação
judicial, quer da decisão da reclamação graciosa (artº 102.º, nº 2 do CPPT),
quer do subsequente recurso hierárquico (artº 76.º do mesmo diploma legal),
sendo a decisão deste “passível de recurso contencioso (acção administrativa
especial), salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial
com o mesmo objecto”, bem como pedir a execução da sentença anulatória proferida
no processo de impugnação judicial ou na acção administrativa especial e
requerer, então, que a Administração fosse condenada a pagar os referidos juros,
mas não o fez, concluiu-se que não podia fazer uso da acção prevista no artigo
145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
5. No presente recurso de constitucionalidade está em causa o problema de saber
se, é ou não, desconforme à Constituição o entendimento de que, tendo ao seu
dispor os meios graciosos e contenciosos a que se refere a decisão recorrida, o
interessado não podia fazer uso da acção, prevista no artigo 145.º do Código de
Procedimento e de Processo Tributário, para obter o reconhecimento judicial de
um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, dada a aludida regra da
complementaridade deste meio.
O Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou sobre a constitucionalidade da
norma do artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mais
especificamente na norma do seu n.º 3, mas já apreciou a questão do
estabelecimento de idêntica regra de “complementaridade” da acção para
reconhecimento de direitos ou interesses legalmente previstos, com referência a
outras normas de conteúdo e alcance semelhantes, como as extraídas do n.º 2 do
artigo 69.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, o que sucedeu nos
acórdãos n.ºs 84/99, 104/99, 105/99, 469/99, 187/2004 e 180/2005 (todos
disponíveis em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), que se
pronunciaram no sentido na não inconstitucionalidade, por não violarem o
disposto no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, de interpretações daquele
preceito que vedavam o recurso àquela acção quando o interessado teve à sua
disposição outros meios, designadamente contenciosos, que não utilizou, e que
asseguravam a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa, o
que justifica a qualificação da questão em apreço como “simples” e a prolação de
decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
6. Assim, no acórdão n.º 104/99, escreveu-se o seguinte:
«4.1. A revisão constitucional de 1989 - para além de continuar a garantir aos
interessados “recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra
quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os
seus direitos ou interesses legalmente protegidos” (cf. artigo 268.º, n.º 4) –
aditou um n.º 5 a este artigo 268.º, assim redigido:
5. É igualmente sempre garantido aos administrados o acesso à justiça
administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente
protegidos.
Na expressão de J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3ª edição, 1993, página 942), o texto constitucional
reconhece aos administrados “uma protecção jurisdicional administrativa sem
lacunas”.
No que concerne à questão de saber quando é que o administrado pode lançar mão
da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido,
têm sido defendidas, essencialmente, três posições.
Para uma delas, designada por teoria do alcance mínimo, a acção constitui um
meio puramente residual, que o particular só pode utilizar quando, no
ordenamento jurídico processual administrativo, não exista, em abstracto, outro
meio de que ele possa lançar mão para uma tutela eficaz da sua posição jurídica.
Para outra, colocada no pólo oposto - e, por isso mesmo, conhecida como teoria
do alcance máximo - a acção é um instrumento de que o particular pode lançar
mão, sempre que o recurso contencioso de anulação ou os outros meios processuais
não forneçam, em concreto, uma tutela plena, é dizer, uma protecção máxima, como
sucede, por exemplo, em matéria de direitos, liberdades e garantias, em que a
condenação da Administração é seguramente mais eficaz do que a declaração de
nulidade do acto administrativo. Para este entendimento, a acção em causa assume
um carácter funcional.
Para uma terceira posição, intermédia - conhecida como teoria do alcance médio –
a acção deve ser entendida como um meio complementar, mas não residual, dos
outros meios processuais, em especial do contencioso de anulação: ela seria,
desde logo - nos dizeres de JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (A Justiça
Administrativa, Lições, Coimbra, 1998, página 108) – “o meio próprio e adequado
para os casos em que não existisse (e não tivesse que existir) um acto
administrativo (por exemplo, situações de incumprimento de deveres relativos a
direitos subjectivos dos particulares, de prática ou omissão de actos materiais
lesivos de direitos, ou de dúvida, de incerteza ou de receio fundado de mau
entendimento pela Administração relativamente à existência ou ao alcance de um
direito)”; e seria também o meio a utilizar “nos casos em que, embora existindo
ou havendo lugar à prática de um acto, o recurso de anulação se revelasse, no
caso, manifestamente inapto para assegurar uma tutela efectiva dos direitos do
particular (por exemplo, no caso de ser decisiva a prova testemunhal, que não é
legalmente admitida nos processos de recurso contra actos da Administração
estadual) ou implicasse comportamentos que não fossem exigíveis a um particular
normalmente diligente”.
Como a teoria do alcance mínimo nem sempre é capaz de assegurar uma tutela
efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados; e
como a teoria do alcance máximo pode implicar uma subversão do sistema de
justiça administrativa; o acórdão recorrido, seguindo na esteira de alguma
doutrina que cita [além de VIEIRA DE ANDRADE (ob. cit., página 88), SOUSA
FÁBRICA (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 365, página 60 e seguintes) e
JOSÉ EDUARDO O. F. DIAS (Tutela Ambiental e Contencioso Administrativo, página
295)], optou, justamente, como decorre do que se disse atrás, pela teoria do
alcance médio e concluiu que a norma do artigo 69.º, n.º 2, da Lei de Processo
dos Tribunais Administrativos não é inconstitucional, antes, é perfeitamente
compatível com o artigo 268.º, n.º 5, da Constituição (hoje, artigo 268.º, n.º
4).
Este Tribunal também já teve oportunidade de abordar esta questão. Fê-lo no
acórdão n.º 452/95 (publicado no Diário da República, II série, de 21 de
Novembro de 1995).
Nesse aresto, o Tribunal, depois de ponderar que “o recurso contencioso de
anulação possibilita [...] aos tribunais administrativos o controlo da
observância, em todos os ‘momentos estruturais’ do acto administrativo (sujeito,
objecto, procedimento, conteúdo, forma e fim) e dos princípios gerais de direito
administrativo”; e de sublinhar que, na execução das sentenças que anulam ou
declaram a nulidade de actos administrativos, os poderes dos tribunais
administrativos são de plena jurisdição, pois que o tribunal “não se limita a
reafirmar o que já tinha decidido no processo de recurso, antes redefine a
situação jurídica em função da situação, em grande medida nova, que resulta da
intervenção administrativa intermédia”; disse:
No ordenamento jurídico positivo, existe um instrumento de protecção
jurisdicional dos cidadãos, que, apesar de ter surgido ainda no domínio da
vigência do artigo 268.º, n.º 3, da Constituição, na versão de 1982, constitui
uma concretização da garantia consagrada no n.º 5 do artigo 268.º da Lei
Fundamental: é a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legalmente
protegido, prevista nos artigos 69.º e 70.º da LPTA. Mas a força irradiante e
conformadora deste preceito constitucional exige que o nº 2 do artigo 69.º da
LPTA – norma que estabelece o âmbito de aplicação daquelas acções, estatuindo
que elas 'só podem ser propostas quando os restantes meios contenciosos,
incluindo os relativos à execução de sentenças, não assegurem a efectiva tutela
jurisdicional do direito ou interesse em causa' - seja interpretado, em termos
de consentir ao particular, mesmo na hipótese de existir um acto administrativo,
a propositura de uma acção de reconhecimento de um direito ou de um interesse
legítimo, desde que demonstre que o recurso contencioso não é susceptível de
assegurar, num determinado caso concreto, uma adequada e efectiva tutela
jurisdicional dos direitos ou interesses legítimos afectados. De facto, a
doutrina administrativa mais representativa vem defendendo que a acção para
reconhecimento de um direito ou interesse legítimo pode ser utilizada não apenas
nos casos em que não exista ou não tenha de existir um acto administrativo (por
exemplo, situações de incumprimento de deveres relativos a certos direitos
subjectivos dos particulares - direitos ao pagamento de uma quantia em dinheiro,
à entrega de uma quantia certa ou a uma prestação de facto determinada -, de
prática ou omissão de actos materiais lesivos de direitos, ou de dúvidas, de
incerteza ou de receio fundado de mau entendimento pela Administração
relativamente à existência ou ao alcance de um direito ou interesse legítimo),
mas também nos casos em que, embora existindo ou havendo lugar à prática de um
acto administrativo, o recurso contencioso se revele manifestamente inadequado
para assegurar uma tutela efectiva dos direitos do particular [cfr., sobre este
ponto, embora nem sempre com posições idênticas às expostas, Rui Machete, “A
Garantia Contenciosa para Obter o Reconhecimento de um Direito ou Interesse
Legalmente Protegido”, in Estudos de Direito Público e Ciência Política, Lisboa,
Fundação Oliveira Martins, 1991, p. 423 ss.; Rui Medeiros, “Estrutura e Âmbito
da Acção para o Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legalmente Protegido”,
in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXXI (1989), Nºs 1/2, p.60 ss.;
L. M. Sousa Fábrica, “A Acção para o Reconhecimento de Direitos e Interesses
Legalmente Protegidos”, in Boletim do Ministério da Justiça, 365 (1987), p. 21
ss.; e D. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. IV, cit., p. 288-297.
Cfr. também A. Barbosa de Melo, Direito Administrativo II, cit., p. 94].
A interpretação que vem de ser exposta do artigo 69.º, n.º 2, da LPTA
corresponde à denominada teoria do alcance médio da acção para o reconhecimento
de um direito ou de um interesse legítimo, nos termos da qual este meio
processual assume um carácter complementar dos outros meios processuais – e não
um carácter puramente residual, como pretende a teoria do alcance mínimo,
utilizável apenas quando não existisse, em abstracto, no ordenamento processual
outro meio à disposição do particular para obter uma tutela eficaz da sua
posição jurídica, nem um carácter funcional, como defende a teoria do alcance
máximo, que admite a utilização do referido instrumento processual sempre que o
contencioso de anulação ou os outros meios não fornecessem em concreto ao
particular uma protecção máxima. J. C. Vieira de Andrade, depois de referir que
uma interpretação do artigo 69.º, n.º 2, da LPTA em conformidade com o princípio
da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 268.º, n.º 5, da
Constituição, apontará, pelo menos, para a teoria do alcance médio e de
considerar excessivas as soluções dos Acórdãos da 1ª Secção do Supremo Tribunal
Administrativo de 4 de Maio de 1993, 13 de Julho de 1993 e 19 de Abril de 1994,
proferidos nos Recursos nºs. 31976, 31754 e 33191, nos quais aquele Tribunal
entendeu que, após a revisão constitucional de 1989, o nº 2 do artigo 69º da
LPTA deve ter-se por revogado, com a consequência de o direito de acção
jurisdicional perante os tribunais administrativos para reconhecimento de
direito e interesse legítimo perante (contra) a Administração não encontrar hoje
obstáculos de natureza processual, fundados em erro na forma de processo,
ilegitimidade ou excepção dilatória inominada que se pretendiam consagradas
naquele preceito, justifica do seguinte modo a interpretação acima avançada do
âmbito de aplicação da “acção de reconhecimento de um direito ou interesse
legítimo”:
“A posição a adoptar deve, quanto a nós, ser uma de equilíbrio, aproveitando
todas as potencialidades do recurso contencioso e respeitando a estrutura do
sistema de administração executiva, quando exista ou haja lugar à prática de um
verdadeiro acto administrativo (tese estrutural), mas não hesitando em
preconizar o uso de outros meios, quando se prove que eles sejam necessários a
uma protecção judicial efectiva do particular (tese funcional) - em suma,
destruído o dogma da impossibilidade de os tribunais condenarem a Administração,
devem alargar-se ao máximo os poderes de fiscalização jurisdicional, mas, em
contrapartida, tem de respeitar-se o núcleo essencial da autonomia do poder
administrativo, isto é, a estabilidade do caso decidido e a discricionaridade
quanto ao mérito das decisões” (cfr. ob. cit., p. 99,100).
Significa isto que, nesse aresto, conquanto se não tivesse que decidir a questão
de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso – a saber: a
questão da constitucionalidade da norma que se contém no n.º 2 do artigo 69.º da
Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada em termos de que,
estando em causa um acto administrativo, o particular pode lançar mão da acção
para o reconhecimento de um direito ou de um interesse legítimo, mas apenas
desde que demonstre que, no caso concreto, o recurso contencioso não é
susceptível de assegurar uma adequada e efectiva tutela jurisdicional dos
direitos ou interesses legítimos afectados – o Tribunal acabou por se pronunciar
no sentido de que uma tal interpretação era compatível com o artigo 268.º, n.º
5, da Constituição.
É essa interpretação que aqui se reitera. E, justamente, pelas razões já
aduzidas [cf., neste sentido, o acórdão n.º 435/98 (Diário da República, II
série, de 10 de Dezembro de 1998)].
4.2. Claro é que, na revisão constitucional de 1997, esta matéria foi
reformulada, achando-se, hoje, o n.º 4 do artigo 268.º assim redigido:
4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos
ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento
desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos
que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos
administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.
Não se vê, porém, que, no que diz respeito às acções para o reconhecimento de um
direito ou um interesse legalmente protegidos, se deva hoje concluir
diferentemente.
O que o preceito constitucional fez foi deixar claro que o princípio da
plenitude da garantia jurisdicional administrativa – a mais do que obrigar o
legislador a manter um meio processual, visando a impugnação de actos
administrativos, que pode bem ser o clássico recurso contencioso, e a manter,
bem assim, um meio processual de acesso à justiça administrativa para tutela dos
direitos ou interesses legalmente protegidos (nomeadamente, as acções para o
reconhecimento desses direitos ou interesses) – obriga-o a prever meios
processuais que permitam ao administrado exigir da Administração a prática de
actos administrativos legalmente devidos (acções cominatórias) e, quando for o
caso, poder lançar mão de medidas cautelares adequadas.
É que tudo são manifestações (concretizações) do direito de acesso aos tribunais
para defesa, por banda dos administrados, dos “seus direitos e interesses
legalmente protegidos”, como dispõe o n.º 1 do artigo 20º da Constituição.
As formas processuais de que os particulares se hão-de socorrer relevam,
obviamente, das opções do legislador, pois que o texto constitucional não as
impõe.
A este propósito, é significativa a intervenção do deputado BARBOSA DE MELO, que
o Diário da Assembleia da República (VII legislatura, 2ª sessão legislativa,
reunião plenária de 30 de Julho de 1997) regista na página 3955. Disse ele:
O sistema de tutela jurisdicional que hoje pretendemos constitucionalizar nestes
dois números assenta na ideia de que a providência jurisdicional garantida aos
cidadãos é que é aqui consagrada e não, como, de algum modo, vem sendo
tradicional desde 1971, a forma processual através da qual essa providência
há‑de ser concretizada.
Assim, o texto constitucional garante aos cidadãos a possibilidade de obterem
dos juízes da Administração cinco providências que se traduzem no seguinte: a
primeira, no reconhecimento dos seus direitos; a segunda, na eliminação de actos
administrativos em sentido técnico e próprio, portanto individuais e concretos;
a terceira, a determinação ou a imposição da prática de actos administrativos
legalmente devidos – é um passo fundamental; a quarta, a tomada de medidas
cautelares; e a quinta, a eliminação de normas regulamentares.
Agora, as formas processuais ou tipos de acção através dos quais estas
providências hão-de ser pedidas e, sendo caso disso, decretadas, não fazem parte
da previsão constitucional, tudo isso é devolvido para o legislador ordinário.
Assim se compreende que o texto constitucional abandone a referência ao recurso
contencioso, que a Constituição de 1933, após a revisão de 1971, já continha e
se mantém no texto vigente.
Aliás, nada impede e tudo aconselha que a lei ordinária conserve o recurso
contencioso, que, na configuração histórica que entre nós assumiu, é o meio
processual através do qual podem ser implementadas várias das providências
jurisdicionais que passam a estar previstas nos nºs 4 e 5 agora em discussão.
E concluiu, afirmando:
Termino com uma reflexão geral. Essas alterações, em si mesmo, pouco mudam no
direito ordinário vigente, o que lembram é ao legislador o seu dever de melhorar
continuamente as garantias jurisdicionais dos administrados e o seu dever – é um
outro dever também – de racionalizar, tornando cada vez mais compreensível para
todos o sistema destas garantias.
4.3. Conclusão: conclui-se, assim, que o n.º 2 do artigo 69.º da Lei de Processo
nos Tribunais Administrativos, interpretado como foi pelo acórdão recorrido, não
é inconstitucional.»
Concordando-se com estes fundamentos, que foram acolhidos nos arestos já
mencionados, que mantém actualidade e são transponíveis para o caso dos autos,
conclui-se pela não inconstitucionalidade da interpretação normativa em apreço.
7. Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, decide-se julgar improcedente o recurso.»
2. A recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do
citado artigo 78.º-A da LTC, alegando o seguinte:
«A tese expendida na, aliás, mui douta decisão sumária tem subjacente o
entendimento de que não é admissível a coexistência no ordenamento jurídico de
duas definições contraditórias da mesma situação jurídica, a decisão da
Administração e uma eventual sentença favorável ao Autor na acção para
reconhecimento de um direito, uma vez que ambas seriam dotadas de
características autoritárias, ambas possuindo força executória.
Acontece que, no caso vertente, a Administração não proferiu qualquer decisão
que negasse o direito a juros à Recorrente. Logo, não há que anular qualquer
acto da Administração Fiscal de forma a coexistir na ordem jurídica em harmonia
com uma decisão judicial.
Mas, mais, que utilidade teria a acção para reconhecimento de um direito no
âmbito do direito fiscal se não a que se alcança do n.º 1 do artigo 145.º do
Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja, se a Administração
sabe e reconhece que tem de pagar juros indemnizatórios ao contribuinte não há
que impugnar ou recorrer de um acto de negação de direitos inexistente. Neste
caso, o meio próprio para reagir ao silêncio da Administração é a acção para
reconhecimento de um direito que pode ser instaurada nos quatro anos previstos
naquele preceito.
Enfim, se um contribuinte se dirigisse à Administração Fiscal e solicitasse o
pagamento dos juros e estes lhe fossem negados faria sentido a tese da decisão
controvertida; já se o contribuinte se cingir a instaurar a acção para
reconhecimento de um direito em reacção à atitude passiva da Administração
Fiscal poderá fazê-lo nos quatro anos subsequentes à decisão que declarou ilegal
a liquidação do imposto.
A proceder a tese recorrida em que situações poderá o contribuinte recorrer a
esta acção?
Os meios contenciosos e graciosos previstos na Lei Fiscal não visam,
essencialmente, a defesa do contribuinte relativamente a actos em que a
Administração Fiscal se apresenta na posição activa?
Não deverá ser a acção para reconhecimento de direito o meio por excelência para
obrigar a Administração Fiscal ao pagamento de juros indemnizatórios a favor do
contribuinte, destinando-se os demais meios graciosos e contenciosos a destruir
actos proferidos pela Administração Fiscal contra o contribuinte?
Assim, o contribuinte não pode impugnar judicialmente uma liquidação de imposto
inexistente; o contribuinte não pode obrigar a Administração Fiscal a liquidar o
imposto através de uma impugnação judicial.
Estas também são atitudes omissivas da Administração Fiscal.
E se o contribuinte pretender que um determinado imposto lhe seja liquidado que
meio processual lhe restaria?
Doutro passo, a tese recorrida propicia o litígio e o confronto judicial do
contribuinte contra a Administração Fiscal; com efeito, se o interessado dispõe
de 4 anos para instaurar a acção, é razoável que não recorra de imediato às vias
judiciais nos 90 dias subsequentes ao da anulação do tributo; acresce que o
Estado é uma pessoa de bem e espera-se que paute a sua conduta por princípios de
boa fé pelo que é razoável que o contribuinte espere que a Administração Fiscal
proceda ao pagamento de juros que reconhecidamente lhe são devidos - como se
espera e também em obediência ao princípio constitucional da protecção da
confiança consagrado no artº 266º, nº 2 da CRP que impõe que Administração
Fiscal deva agir de acordo com os princípios da justiça e da boa fé.
Com o entendimento perfilhado na douta decisão sumária, viola-se ainda o
princípio da máxima efectividade ou princípio da eficiência ou princípio da
interpretação efectiva, ou seja, a uma norma constitucional deve ser atribuído o
sentido que maior eficácia lhe dê.
Por último, como se afirma na douta decisão sumária ora em crise, o Tribunal
Constitucional ainda não se pronunciou sobre a constitucionalidade da norma do
artigo 145.º do CPPT, por um lado, e, por outro, socorre-se do n.º 2 do artigo
69.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos entendendo-se que esta
norma tem conteúdo e alcance semelhantes à disposição legal contida no n.º 3
daquele artigo 145.º do CPPT.
Ora, os invocados conteúdo e alcance semelhantes não se encontram fundamentados
na decisão e também não se verificam. O juízo de constitucionalidade do preceito
da LPTA não determina o tratamento desigual entre administrados; já o juízo de
constitucionalidade do artº 145º do CPPT vai permitir que a Administração Fiscal
proceda ao pagamento de juros aos contribuintes que entender no prazo dos 4 anos
ali fixados e os denegue àqueles que de boa fé esperaram ser tratados como os
demais e recorreram a este já único meio processual de que dispunham. Não é este
o momento azado para se indagar da solução a dar ao problema de fundo em causa;
mais, com a procedência da presente Reclamação surgirá o momento para a
delimitação e aprofundamento do tema em apreço, com o cuidado que uma tal
análise reclama.
Será que se vislumbra a possibilidade de vir a formular-se um juízo de
inconstitucionalidade da solução consagrada no art.º 145.º do CPPT? Em termos de
prognose, será possível que o Tribunal Constitucional venha a produzir um tal
entendimento?
É de crer que sim, pois se nos afigura ser a mais justa e a que melhor se adequa
aos princípios constitucionais acima enunciados. Certamente que o Direito terá
ganhos acrescidos com a pronúncia que, sobre a questão de fundo enunciada - a da
constitucionalidade ou da inconstitucionalidade do art.º 145.º do CPPT -, o
Tribunal Constitucional venha a proferir.
Pelo exposto, sempre com o mui douto suprimento, deverá ser revogada a douta
decisão sumária que conheceu da questão suscitada perante esse Venerando
Tribunal Constitucional, substituindo-a por outra que, nos termos do n.º 5 do
art.º 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, determine que se assegure a ulterior tramitação do recurso com
vista à concreta fiscalização da constitucionalidade da solução do art.º 145.º
do CPPT, ordenando-se, em
consequência, a notificação da Recorrente para apresentação das suas alegações.»
A recorrida não respondeu.
3. Os argumentos aduzidos na reclamação não são susceptíveis de
abalar os fundamentos da decisão sumária.
A pretensão que a recorrente queria ver judicialmente reconhecida com a acção de
reconhecimento de direito é a de que, tendo sido anulada por decisão proferida
em processo de reclamação graciosa a liquidação adicional de IRC e juros
compensatórios, tem direito de receber da Administração Fiscal juros
indemnizatórios, calculados sobre a quantia que indevidamente pagou e pelo tempo
que dela esteve privada.
O acórdão recorrido não emitiu uma pronúncia de mérito (nem sequer
apreciou o fundamento que levara o tribunal de 1.ª instância a julgar a acção
improcedente: a falta de pedido de pagamento dos juros no processo que conduziu
à anulação do acto tributário), antes abordou a questão da propriedade do meio
escolhido pela reclamante para fazer valer a sua pretensão em juízo, alinhando
pelo entendimento de que “… a acção para reconhecimento de um direito ou
interesse legítimo constitui um meio complementar dos restantes meios
contenciosos previstos no contencioso tributário, destinados a servir aqueles
casos em que a lei não faculta aos administrados os instrumentos processuais
adequados à tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses
legítimos. Daí que se recuse a este meio processual a função de uma segunda
garantia de recurso aos tribunais, perdida a primeira pela preclusão do
respectivo prazo”.
Nesta perspectiva, concluiu, por aplicação do n.º 3 do artigo 145.º
do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que a acção de
reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária não era o
meio mais adequado para a recorrente assegurar a tutela efectiva do seu direito,
já que dispunha de outros meios processuais, que não utilizou, para obter a
condenação da Administração Fiscal e, consequentemente, obter o pagamento dos
juros agora peticionados. Podia, segundo o acórdão recorrido: i) ter deduzido
recurso hierárquico; ii) ter recorrido a juízo, intentando impugnação judicial,
quer da decisão da reclamação graciosa (artigo 102.º, n.º 2 do Código de
Procedimento e de Processo Tributário), quer do subsequente recurso hierárquico
(artigo 76.º do mesmo diploma legal), sendo a decisão deste “passível de recurso
contencioso (acção administrativa especial), salvo se de tal decisão já tiver
sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto”; iii) bem como pedir a
execução da sentença anulatória proferida no processo de impugnação judicial ou
na acção administrativa especial e requerer, então, que a Administração fosse
condenada a pagar os referidos juros.
4. Como se sabe, não integra o âmbito do recurso de
constitucionalidade a apreciação da decisão recorrida ao nível da interpretação
e aplicação do direito ordinário ao caso concreto. Ao Tribunal Constitucional
apenas cabe dizer se esse direito, tal como interpretado, é conforme à
Constituição. O que importava saber era se, reconhecendo a decisão recorrida que
o sistema de contencioso tributário facultava à recorrente esses outros meios
nela referidos para exigir da Administração fiscal juros indemnizatórios, o
entendimento de que a acção de reconhecimento de direito só poderia ser usada de
modo complementar violava o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
A resolução da questão por transposição das ponderações efectuadas a
propósito de leitura idêntica da norma do n.º 2 do artigo 69.º da LPTA, adoptada
pela decisão sumária reclamada, justifica-se plenamente, considerando que a
configuração do caso concreto escapa ao poder cognitivo do Tribunal e que apenas
lhe cabe apreciar se um sistema que não permita a acção de reconhecimento de
direito, quando os meios impugnatórios e de execução da sentença neles proferida
sejam idóneos para satisfazer a pretensão, viola a garantia da tutela
jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo
268.º, n.º 4, da CRP).
As dificuldades concretas que a reclamante apresenta não convencem de que o
condicionamento processual à acção de reconhecimento de direito em matéria
tributária redunde numa restrição do seu direito de acesso ao tribunal para ver
reconhecido o seu direito a ser indemnizada pela deslocação patrimonial
temporária indevida (o pagamento da quantia correspondente à liquidação
adicional depois administrativamente anulada) imputável a erro dos serviços da
Administração Fiscal.
O que sucede é que a reclamante, na perspectiva de que os juros
indemnizatórios lhe seriam oficiosamente pagos, não accionou os meios legais
que, segundo o acórdão recorrido, estavam ao seu dispor para obter esse
pagamento, confiante que tinha o prazo de 4 anos para instaurar a acção prevista
no artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
É certo que o acórdão recorrido pressupõe a existência de um acto susceptível de
assegurar o acesso à via judiciária por essa outra via, cujo prazo de impugnação
a reclamante terá deixado transcorrer. Pode tal pressuposto ser duvidoso, mas
sobre tal realidade não pode recair apreciação por parte do Tribunal
Constitucional.
5. Sustenta a reclamante que, a manter-se o entendimento perfilhado
na decisão sumária, se violaria o princípio de que à norma constitucional deve
ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.
Como resulta da decisão recorrida e dos acórdãos respeitantes à
norma do artigo 69.º, n.º 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos,
que constituíram fundamento da decisão sumária, no que concerne à questão de
saber quando é que o administrado pode lançar mão da acção para o reconhecimento
de um direito ou interesse legalmente protegido, a interpretação adoptada e que
foi objecto de apreciação sob o ponto de vista da constitucionalidade,
corresponde à denominada teoria do alcance médio da acção para o reconhecimento
de um direito ou de um interesse legítimo, nos termos da qual este meio
processual assume um carácter complementar dos outros meios processuais. E não
um carácter puramente residual, como pretende a teoria do alcance mínimo,
utilizável apenas quando não existisse, em abstracto, no ordenamento processual
outro meio à disposição do particular para obter uma tutela eficaz da sua
posição jurídica, nem um carácter funcional, como defende a teoria do alcance
máximo, que admite a utilização do referido instrumento processual sempre que o
contencioso de anulação ou os outros meios não fornecessem em concreto ao
particular uma protecção máxima (cf., entre outros, acórdão n.º 425/95 e
104/99).
Como se salientou nestes arestos, a revisão constitucional de 1997,
com a nova redacção dada ao n.º 4 do artigo 268.º, não impõe que se deva hoje
concluir diferentemente, pois, “o que o preceito constitucional fez foi deixar
claro que o princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa – a
mais do que obrigar o legislador a manter um meio processual, visando a
impugnação de actos administrativos, que pode bem ser o clássico recurso
contencioso, e a manter, bem assim, um meio processual de acesso à justiça
administrativa para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos
(nomeadamente, as acções para o reconhecimento desses direitos ou interesses) –
obriga-o a prever meios processuais que permitam ao administrado exigir da
Administração a prática de actos administrativos legalmente devidos (acções
cominatórias) e, quando for o caso, poder lançar mão de medidas cautelares
adequadas”, mas “as formas processuais de que os particulares se hão-de socorrer
relevam, obviamente, das opções do legislador, pois que o texto constitucional
não as impõe”.
6. Acresce que, a norma do artigo 145.º n.º 3 do Código de
Procedimento e de Processo Tributário tem conteúdo e alcance idênticos aos da
norma do artigo 69.º, n.º 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
sobre a qual incidiram os acórdãos que serviram de fundamento à decisão ora
reclamada, como se entendeu na decisão recorrida e na decisão sumária, não sendo
correcta a afirmação de que o juízo de constitucionalidade daquela norma
determine o tratamento desigual dos administrados.
Na verdade, na interpretação dada à norma, todos os administrados a quem a
Administração não pague juros indemnizatórios e que adoptem conduta processual
semelhante à da reclamante se verão impossibilitados de lançar mão da acção
prevista no artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. E
se a Administração Fiscal, mais tarde, a uns vier a reconhecer direito aos juros
indemnizatórios e a outros não – independentemente de saber que meios tem o
contribuinte discriminado, nomeadamente quanto à renovação do pedido e ao dever
de decisão (cfr. artigo 56.º da Lei Geral Tributária; cfr. JORGE LOPES de SOUSA,
Código de Procedimento e de Processo Tributário, 2006, I vol., pág. 1022) – esse
tratamento diferenciado não decorre da norma agora em causa mas da conduta da
Administração na revisão dos actos em matéria tributária.
De todo o modo, não é exacto que, neste aspecto da potenciação de tratamentos
desiguais por parte da Administração, haja diferença entre o que pode resultar
da aplicação da norma do n.º 3 do artigo 145.º do CPPT e da norma do nº 2 do
artigo 69.º da LTTA, porque também no âmbito das relações administrativas
stricto sensu a falta de recurso oportuno aos meios processuais idóneos pode
criar a situação que a reclamante refere.
A norma do n.º 3 do artigo 145.º do CPPT não se diferencia
substancialmente daquela que constava do n.º 2 do artigo 69.º da LPTA, sobre
cuja conformidade ao n.º 4 do artigo 268.º da Constituição o Tribunal emitiu a
jurisprudência que a decisão reclamada considerou transponível. Se as normas
podem diferir, é no sentido da maior realização da plenitude da garantia de
tutela jurisdicional efectiva pela norma do n.º 3 do artigo 145.º do CPPT, visto
que permite o uso deste meio processual sempre que ele seja “o mais adequado
para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse
legalmente protegido”, enquanto no n.º 2 do artigo 69.º da LPTA se adoptava uma
formulação negativa, no sentido de que a acção de reconhecimento de direito só
podia ser proposta quando os restantes meios contenciosos “não assegurem uma
efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa”.
7. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 6 de Maio de 2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão