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Processo nº 849/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que não
conheceu do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto
do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 24 de Maio de 2007, que
confirmou em recurso o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por sua
vez, negara provimento ao recurso interposto de acórdão da 1.ª Vara Mista do
Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia que o condenara, como co-autor material
de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de cinco anos e seis meses de
prisão.
2 – Fundamentando a sua reclamação, assim discorreu o reclamante:
«1. Por douta decisão sumária do Exmo. Juiz Conselheiro Relator, proferida a
04 de Setembro do corrente ano, decidiu o Tribunal Constitucional não tomar
conhecimento do objecto do recurso interposto pelo ora Reclamante por entender
que durante o processo, o Reclamante, dispondo de oportunidade processual para o
fazer, não suscitou cm termos adequados qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa.
2. Salvo o devido respeito e a mais subida vénia, carece de razão a decisão
sumária cm apreço, pelos motivos que infra melhor se explanarão.
Vejamos:
3. Nos presentes autos, o Reclamante foi julgado pela 1ª Vara de
Competência Mista de Vila Nova de Gaia, tendo sido condenado na pena de 5 anos e
6 meses de prisão.
4. De tal douto acórdão, o Reclamante interpôs recurso para o Venerando
Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou improcedente o mesmo, mantendo a
decisão de primeira instância.
5. Novamente inconformado, o Reclamante interpôs recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, que julgou, igualmente, improcedente o recurso interposto.
6. Decidiu o douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 24
de Maio de 2007 julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo
Reclamante A., mantendo, assim, a condenação do Reclamante na pena de 5 anos e 6
meses de prisão pela prática de um crime p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do D.L.
15/93 de 22 de Janeiro.
7. Interpôs então o ora Reclamante recurso para o Tribunal Constitucional
de harmonia com o disposto no art. 70°, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal
Constitucional.
8. Na motivação do recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça,
do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, o
Reclamante expôs de forma cabal as razões que o levam a entender que tal aresto
violou os art°s 27° e 32° da Constituição da República Portuguesa, ao
interpretar da forma que o fez o disposto no art. 25° do D.L. 15/93 e dos arts
50° e 51° do Cód. Penal.
9. De facto, ao entender que os factos considerados como provados pela
primeira instância não poderão ser subsumidos ao crime de tráfico de menor
gravidade não se asseguraram o direito à liberdade do Reclamante, bem como as
suas garantias de defesa, constitucionalmente consagradas, nomeadamente nos arts
27° e 32°, nºs 1 e 2 da C.R.P.
10. Tais garantias constitucionalmente consagradas foram também violadas pelo
douto Tribunal “a quo” ao manter a condenação do Reclamante a uma pena de prisão
efectiva de 5 anos e 6 meses, face à materialidade considerada como assente,
coarctando o direito de liberdade do Reclamante, ofendendo assim os mais
fundamentais direitos, liberdades e garantias, quando apenas poderia condená-lo
pela pratica de um crime de tráfico de menor gravidade, numa pena junto ao
limite mínimo da moldura penal abstracta e sempre suspensa na sua execução.
11. E mesmo que não se entendesse serem os factos considerados como provados
subsumíveis ao crime de tráfico de menor gravidade – o que não se consente e
apenas por hipótese se refere – e se concluísse definitivamente pela condenação
do Reclamante pelo crime de tráfico p. e p. pelo art. 21° do D.L. 15/93 sempre
seria de concluir pela excessividade da pena em que o Reclamante foi condenado.
12. Conforme o Reclamante devidamente expôs nas conclusões do recurso
interposto do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do
Porto, os factos considerados como provados permitem concluir pela diminuta
ilicitude do comportamento do Reclamante, pela sua boa integração familiar,
profissional e social, pela ausência de antecedentes criminais, factos que
deveriam ter sido devidamente valorados em sede de apreciação e determinação da
medida concreta da pena.
13. A moldura penal abstracta do crime p. e p. pelo art. 21° do D.L. 15/93
permite uma “margem de manobra» bastante elevada, sendo possível distinguir as
situações mais graves das situações que possuem menor gravidade, pelo que o caso
sub judice não poderá de modo algum ser enquadrável numa situação de gravidade
elevada, impondo-se, portanto, a devida destrinça, pelo que a pena a que o
Reclamante foi condenado sempre se deveria situar muito próximo do limite mínimo
previsto pela moldura penal abstracta do art. 21° do D.L. 15/93 que, pese embora
não passível de suspensão da sua execução, permitiria ao Reclamante beneficiar
de medidas graciosas com maior facilidade, nomeadamente, saídas precárias e
liberdade condicional, o que promoveria a sua ressocialização e integração na
sociedade.
14. Daí o Reclamante entender ser inconstitucional a interpretação feita pelo
tribunal de primeira instância, a qual logrou obter provimento do Venerando
Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, do disposto nas
citadas normas legais, tendo, assim, sido violado o disposto nos arts 21° e 25°
do D.L. 15/93, os arts 50° e 51° do Cód. Penal e ainda os arts 27° e 32° da
Constituição da República Portuguesa.
15. Entende, assim, o Reclamante, salvo o devido respeito por melhor opinião,
que a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça ao inserto nos arts
40°, 50°, 51°, 71° e 72° do Código Penal e arts 21° e 25° do D.L. 15/93 de 22/01
não assegura todas as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o seu direito
constitucionalmente protegido à liberdade, violando o disposto nos arts 27° e
32° da Constituição da República, questão já suscitada pelo Reclamante no
recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça do douto acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação do Porto a 19 de Julho de 2006.
16. Todo o exposto foi, salvo o devido respeito por melhor opinião, adequada
e convenientemente explanado nas motivações do recurso interposto do douto
acórdão do Tribunal da Relação do Porto, pelo que é forçoso concluir que a
questão da inconstitucionalidade das ditas normas, na interpretação dada, foi
devida, correcta e oportunamente suscitada no processo, motivo pelo qual se
encontra preenchida a exigência do art. 70º, nº 1, al. b) da Lei do Tribunal
Constitucional.
17. Assim se conclui, se encontrarem verificados todos os requisitos legais
para o recurso interposto pelo Reclamante tivesse sido admitido por esse
Tribunal Constitucional.
18. Destarte, e porque a questão da inconstitucionalidade das normas em
apreço, na interpretação que lhe foi dada pelo Colendo Supremo Tribunal de
Justiça, foi devidamente suscitada durante o processo, não sendo a decisão já
passível de qualquer recurso, deveria tal inconstitucionalidade ter sido
devidamente apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser
admitido o recurso em toda a sua extensão, tudo com as legais consequências.».
3 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional,
pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, por ser manifestamente
improcedente, porquanto “na verdade a argumentação do reclamante em nada abala
os fundamentos da decisão reclamada, no que respeita à evidente inverificação
dos pressupostos do recurso de fiscalização concreta interposto”.
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal
Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actual (LTC), pretendendo que seja
apreciada a inconstitucionalidade “dos artigos 40.º, 50.º, 51.º, 71.º e 72.º do
Código Penal e artigos 21.º e 25.º do D.L. 15/93, de 22/01, na interpretação
atribuída a tais normas pelo Supremo Tribunal de Justiça”.
2 – Compulsados os autos, cumpre relatar com interesse para o caso
sub judicio:
2.1 – O arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do
acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Julho de 2006, que confirmou a
decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia que o condenara na
pena de cinco anos e seis meses de prisão, pela prática, em co-autoria, de um
crime de tráfico de estupefacientes.
Da motivação do recurso, o arguido-recorrente extraiu as seguintes
conclusões:
“(...)
I – Venerando Tribunal da Relação do Porto, em 19 de Julho de 2006, que julgou
improcedente o recurso interposto pelo Recorrente do acórdão proferido em 1ª
instância, que o condenou como autor de um crime de tráfico de estupefacientes,
p. e p. pelo art. 21 do DL. 15/93 de 22/01, na pena de cinco anos e seis medes
de prisão.
II – A factualidade dada como assente, conduz a uma qualificação jurídica
diversa da que foi levada a efeito pelo Tribunal de 1ª Instância, já que apenas
permitiria a condenação do Recorrente pelo crime de tráfico de menor gravidade,
p. e p. pelo art. 25° do DL 15/93, de 22/01, e nunca pelo crime de tráfico de
estupefacientes p. e p. pelo art. 21° do mesmo diploma legal.
III – Não colocou o Recorrente em crise a fundamentação da convicção do Tribunal
de 1ª instância acerca da matéria de facto considerada como provada apenas tendo
impugnado a matéria de facto considerada como provada, nos termos e para os
efeitos previstos no art. 412°, nºs 3 e 4 do Cód. Processo Penal, impugnação
essa que foi julgada improcedente pelo Tribunal recorrido, que manteve
inalterada a matéria de facto.
IV – O crime de tráfico de menor gravidade refere-se a um tipo privilegiado em
razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21° do DL
15/93 de 22/1, pressupondo que a ilicitude do facto se mostre ‘consideravelmente
diminuída” em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais,
verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a
modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos
produtos, podendo a ilicitude diminuída ser indiciada quer pela quantidade, quer
pela qualidade da droga, quer pelos meios utilizados, a modalidade ou as
circunstâncias da acção, isto sem esquecer que estamos perante um “tipo aberto”.
V – O regime do art. 25° fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude
do facto, revelada pela valoração conjunta dos diversos factores que se apuram
na situação global dada como provada pelo Tribunal, sendo que a menor gravidade
do tráfico pode resultar de um variado conjunto de factos, sendo importante é
que a acção no seu conjunto, globalmente, se nos ofereça menos grave.
VI – Resultou provado que o Recorrente colocou em transacção canabis (resina),
estupefaciente que é considerado pela doutrina e jurisprudência como sendo
daqueles que menos potencialidade danosa para a saúde pública possui, fazendo
parte da Tabela que se encontra abrangida pelo art. 25° do D.L. 15/93, que o
terá feito durante um lapso temporal muito diminuto, tendo-o entregue a uma
única pessoa, sendo que o número de pessoas a quem aquela terá, porventura,
distribuído o estupefaciente é francamente diminuto, não sendo de todo
suficiente para poder ser considerado como tráfico de estupefacientes p. p. pelo
art. 21º do citado diploma legal.
VII – O Recorrente vive com a sua companheira, bem como com três filhas do casal
– duas gémeas com 17 anos de idade e uma com apenas 2 anos de idade, e ainda com
um filho da sua companheira com 13 anos de idade, sendo que à data dos factos o
recorrente prestava colaboração num Stand de automóveis, continuando ainda tal
actividade.
VIII – O seu agregado familiar vive em situação económica bastante débil, não
lhe sendo conhecidos quaisquer sinais exteriores de riqueza, beneficiando,
aliás, de subsídios estatais, face à sua carência económica, sendo o Recorrente
primário, não possuindo antecedentes criminais.
IX – Os factos provados permitem concluir que a conduta do Recorrente foi
totalmente esporádica e isolada no tempo, apenas sendo possível subsumi-la ao
crime de tráfico de menor gravidade e nunca ao crime de tráfico de
estupefacientes p. e p. pelo art. 21° do D.L. 15/93.
X – A matéria de facto considerada como provada, é totalmente insuficiente para
preencher o tipo de ilícito pelo qual o Recorrente veio a ser condenado.
XI – Poderia e deveria o Tribunal de 1ª instância, ter indagado outros factos
que lhe permitissem, então, condenar o Recorrente pelo tipo legal pelo qual foi
condenado, como sendo, v.g., as quantidades exactas de estupefaciente
transaccionadas, o número de pessoas por quem o produto estupefaciente possa
eventualmente ter sido distribuído, etc., factos que, de todo, não resultaram
apurados em audiência, não tendo procedido de tal forma.
XII – Não poderia o Venerando Tribunal recorrido concluir pela inexistência do
invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma
vez que o mesmo resulta evidente no acórdão da 1ª instância, na medida em que
àquela decisão faltam factos que, podendo e devendo ser indagados, o não foram,
sendo certo que os mesmos seriam imprescindíveis para se formular um juízo
seguro no sentido da condenação ou absolvição do Recorrente, ou, in casu, pela
condenação do Recorrente nos termos em que o foi ou (como deveria ter sido) pela
prática do crime de tráfico de menor gravidade, impondo-se a procedência do
citado vício, com todas as consequências legais do mesmo decorrentes, mormente o
reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426° do Cód. Processo Penal).
XIII – Face à matéria de facto considerada como provada, o Recorrente apenas
poderia ter sido condenado pela prática de um crime de tráfico de menor
gravidade, p. e. p. pelo art. 25° do D.L. 15/93, existindo, nessa parte, erro de
subsunção jurídica.
XIV – Os factos considerados como provados pelo tribunal de 1ª instância não
permitem a sua subsunção à prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e
p. pelo art. 21º do D.L. 15/93.
XV – De harmonia com a doutrina e a jurisprudência dominante, o tipo legal
previsto pelo art. 21° do D.L. 15/93 tem que ser distinguido do tipo legal
previsto pelo art. 25° do mesmo diploma legal, com vista a destrinçar as
situações mais graves das menos graves.
XVI – A actividade alegadamente levada a efeito pelo Recorrente encontrou-se
balizada em cerca de 5 meses, logo período de tempo não considerado relevante,
não tendo logrado apurar efectivamente quais as quantidades transaccionadas e/ou
o número de pessoas por quem foi eventualmente distribuído o produto
estupefaciente em causa, tanto mais que apenas resultou provado que o Recorrente
entregava estupefaciente ao co-arguido B., ele próprio consumidor, pelo que não
é possível, assim, “quantificar-se” o eventual perigo criado para a saúde
pública, já que não foi determinado o alcance da alegada distribuição de
estupefaciente.
XVII – Ao contrário do decidido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto,
entende o Recorrente, salvo sempre o devido respeito por opinião mais douta, que
a factualidade apurada possibilita que se fale em diminuição acentuada da
ilicitude, sendo de concluir que a conduta do Recorrente é perfeitamente
enquadrável no âmbito do tráfico de menor gravidade, pelo que, ao decidir de
forma diversa, incorreu o Venerando Tribunal da Relação recorrido na violação do
disposto nos art. 21º e 25° do D.L. 15/93 de 22.01.
XVIII – Os factos considerados como provados apenas permitiam a condenação do
Recorrente pelo crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25° do
D.L. 15/93.
XIX – Em conformidade com tal subsunção jurídica, a medida da pena a que o
Recorrente foi condenado teria, necessariamente, que sofrer alterações
significativas.
XX – O Recorrente é primário, possui um ambiente familiar estável: vive com a
sua companheira, de quem tem 3 filhas, 2 gémeas de 17 anos de idade e uma com 2
anos, bem como com um filho daquela, de 13 anos de idade, possui uma actividade
profissional estável, já que tanto à data dos factos, como actualmente, presta
colaboração num Stand de Automóveis, não tendo resultado provados – porque
inexistentes – quaisquer sinais exteriores de riqueza do Recorrente ou da sua
família, sendo assente que o Recorrente e seu agregado familiar vivem uma
situação económica bastante débil, beneficiando, inclusive, de subsídios
estatais, circunstancialismo que deve ser tomado em linha de conta na
determinação da medida concreta da pena.
XXI – Conjugados devidamente os factos dados como provados, conclui-se que são
diminutas as exigências de prevenção especial no que diz respeito ao Recorrente,
sendo de concluir que uma pena fixada no limite mínimo da moldura penal
abstracta do tipo legal, seria suficiente para se atingir os fins insertos na
norma incriminadora, bem como a ressocialização do Recorrente.
XXII – Ao Recorrente sempre deveria ser fixada uma pena muito próxima do limite
mínimo da moldura penal abstracta prevista para o crime de tráfico de menor
gravidade e suspensa na sua execução.
XXIII – O Recorrente encontra-se sujeito à medida de coacção de obrigação de
permanência na habitação mediante vigilância electrónica, desde Setembro de
2004, que, não obstante tratar-se de uma medida coactiva privativa da liberdade,
permite ao Recorrente manter-se na sua habitação, com todos os efeitos positivos
que tal circunstância e evidencia na sua vida e na da sua família, sendo certo
ainda que desde Março de 2005 que o Recorrente foi autorizado a continuar a
exercer a sua actividade profissional, contribuindo, assim, para o sustento da
sua família e prestando o seu contributo profissional à entidade patronal e
sociedade em geral.
XXIV – Tal circunstancialismo contribui significativamente para a
ressocialização do Recorrente, que se vê, lentamente, reinserido na sociedade,
pelo que uma pena de prisão efectiva iria nefastamente destruir o caminho de
ressocialização que vem sendo feito pelo Recorrente, tanto mais que a presença
do Recorrente no seio da comunidade conjugal e familiar representa a pedra
angular seu núcleo familiar, quer a nível financeiro, quer a nível emocional,
sendo imprescindível a sua presença na vida da sua companheira e filhos.
XXV – A situação sub judice não podia, salvo o devido respeito, ser olvidada
pelo Venerando Tribunal Recorrido, merecendo clara censura a medida da pena
aplicada ao Recorrente pelo tribunal de 1ª instância, sendo de concluir que uma
pena próxima do mínimo legal previsto pelo art 25º do D.L. 15/93, suspensa na
sua execução, por se verificarem cumpridos os requisitos legais para o efeito,
sempre seria suficiente para se atingir os fins insertos na norma incriminadora.
XXVI – Reunindo todos os factos supra aludidos, considerados como provados,
conclui-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, são suficientes
para realizar de forma adequada as finalidades da punição, da reprovação e da
prevenção do mal do crime, pelo que não seria necessário e proporcional,
submeter o Recorrente ao cumprimento de uma pena efectiva de prisão, tanto mais
que o Recorrente é um homem ainda jovem, que sempre trabalhou, cuja família de
si depende, pelo que por força dos princípios da proporcionalidade e da
exigibilidade, deveria ser suspensa a execução da pena fixada ao Recorrente.
XXVII – O Recorrente, nomeadamente atenta a conduta demonstrada ao longo de todo
o processo, revela já maturidade suficiente que lhe permite retirar as devidas
ilações acerca do comportamento passado, em apreço nos autos, sendo que o facto
de se encontrar sujeito a uma medida de coacção privativa da liberdade,
permite-lhe, naturalmente, meditar e assimilar acerca das consequências e
gravidade dos actos praticados, caminhando em direcção à ressocialização, motivo
pelo qual apenas podemos concluir que uma eventual suspensão da execução da pena
de prisão permitirá certamente colocá-lo em conformidade com o direito, não
sendo de olvidar, neste aspecto particular os inconvenientes e aspectos nefastos
que uma pena de prisão acarretaria para o Recorrente e seu agregado, já supra
melhor explanados.
XXVIII – A simples censura do facto e a ameaça da prisão, são suficientes para
realizar de forma adequada as finalidades da punição, da reprovação e da
prevenção do mal do crime, motivo pelo qual deveria o Venerando Tribunal
Recorrido, o que se diz com o maior respeito, ter decidido pela censura do
acórdão de 1ª instância, nomeadamente no que à medida da pena e sua suspensão
concerne.
XXIX – Mesmo que não se entenda serem os factos considerados como provados
subsumíveis ao crime de tráfico de menor gravidade – o que não se consente e
apenas por hipótese se refere – e se conclua definitivamente pela condenação
pelo crime de tráfico p. e p. pelo art. 21° do D.L. 15/93 sempre será de
concluir pela excessividade da pena em que o Recorrente foi condenado.
XXX – Os factos considerados como provados permitem concluir pela diminuta
ilicitude do comportamento do Recorrente, pela sua boa integração familiar,
profissional e social, pela ausência de antecedentes criminais, factos que
deveriam ter sido devidamente valorados em sede de apreciação e determinação da
medida concreta da pena.
XXXI – A moldura penal abstracta do crime p. e p. pelo art. 21° do D.L. 15/93
permite uma “margem de manobra” bastante elevada, sendo possível distinguir as
situações mais graves das situações que possuem menor gravidade, sendo que o
caso sub judice não poderá de modo algum ser enquadrável numa situação de
gravidade elevada, impondo-se, portanto, a devida destrinça.
XXXII – A pena a que o Recorrente foi condenado deveria situar-se muito próximo
do limite mínimo previsto pela moldura penal abstracta, que, pese embora não
passível de suspensão da sua execução, permitiria ao Recorrente beneficiar de
medidas graciosas com maior facilidade, nomeadamente saídas precárias e
liberdade condicional, situações que promoveriam a sua ressocialização e
integração na sociedade.
XXXIII – Ao decidir de forma diversa, violou o Venerando Tribunal Recorrido o
vertido nos arts. 40º, 50º, 51º, 7.1° e 72° do Cód. Penal e arts. 21° e 25° do
D.L. 15/93 de 22/01 e os art. 27° e 32° da Constituição da Republica
Portuguesa”.
2.2 – Por Acórdão de 24 de Maio de 2007, o Supremo Tribunal de
Justiça negou provimento ao recurso, estribando-se na fundamentação que se
transcreve:
“(...)
O recorrente A. considera que a matéria de facto se encontra afectada
pelo vício da insuficiência, o que, na sua óptica, afasta a possibilidade de
condenação pelo crime do art. 21º do Decreto-Lei nº 15/93. Conforme tem sido
afirmado, vezes sem conta, por este Supremo Tribunal, os vícios do art. 410º nº
2 do Código de Processo Penal dizem respeito à matéria de facto, apenas podendo
os recorrentes invocá-los no recurso para a Relação. O recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça é um recurso de revista em matéria de direito, pelo que a
matéria de facto se considera apurada definitivamente pela 2ª instância. É certo
que, nos termos do art. 434° do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de
Justiça pode ainda conhecer dos vícios do art. 410° nº 2, mas há-de fazê-lo
oficiosamente, no caso de entender que a matéria de facto não permite uma
correcta decisão de direito. Conforme explicita o próprio texto legal, os vícios
do art. 410º têm de resultar do texto da decisão recorrida. Ora, analisando o
texto da decisão, não se vislumbra nenhum dos referidos vícios. Tem-se,
portanto, por fixada a matéria de facto.
No seu recurso, o arguido A., aceitando embora os factos que as instâncias
consideraram provados, defende que devem ser jurídico-penalmente qualificados
como integradores do crime p. e p. pelo art. 25° do Decreto-Lei nº 15/93,
sustentando mesmo que a matéria de facto provada é totalmente insuficiente para
preencher o tipo de ilícito pelo qual o Recorrente veio a ser condenado, tendo
havido, nessa parte, erro de subsunção jurídica.
Quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo de
privilegiado e de um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que
desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e que prevê o quadro
abstracto de punição dessa mesma conduta. Nos tipos privilegiado e qualificado,
define os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base
conduzindo a outros quadros punitivos.
Nos crimes de tráfico de estupefacientes, o crime-tipo é definido no art. 21°,
nos seguintes termos: Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar,
produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender,
distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a
outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente
detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou
preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4
a 12 anos.
Em comentário a esta norma, escreve o Cons. Lourenço Martins: “O critério de
enunciação seguido neste preceito é extremamente analítico, do qual resultam
duas consequências: a) a simplificação da interpretação, evitando-se dúvidas
hermenêuticas, particularmente indesejáveis no domínio do direito sancionatório;
b) a compreensão, sem lacunas, de todos os momentos relevantes do «ciclo da
droga»”. (Droga e Direito, pág. 164). Efectivamente, no respectivo tipo legal
encontram-se compreendidas todas actividades susceptíveis de traduzir contacto
com algum dos produtos estupefacientes indicados nas respectivas tabelas, não
sendo necessário para que ocorra a punição que se trate de um acto de
transacção.
São, por seu turno, susceptíveis de subsunção ao crime de tráfico de menor
gravidade previsto no art. 25°, os factos enquadráveis no art. 21º em que a
ilicitude se apresente consideravelmente diminuída, ou seja, que se traduzam num
menor desvalor da acção. Este, sendo embora aferido, segundo o texto legal,
através dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da
qualidade ou quantidade das substâncias, pode ser também revelado por outras
circunstâncias, conforme resulta do uso no texto legal, de advérbio
“nomeadamente”. Segundo Lourenço Martins, “a disposição deverá funcionar como
mais um instrumento que permita ao julgador encontrar a medida justa da pena,
dentro de um mecanismo agora melhor concretizado, sem que isso venha a
constituir uma malha por onde se escapem imerecidamente os traficantes” (Droga e
Direito, pág. 154).
Será, pois, através da imagem global do facto que havemos de concluir pela
existência de uma diminuição acentuada da ilicitude.
Ora, no caso trazido à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, a imagem
global da conduta do arguido A. de modo algum transmite uma ilicitude atenuada.
Diferentemente do que o recorrente pretende fazer crer, os actos por si
praticados estão bem longe de se limitarem à entrega a uma única pessoa, tal
como refere na conclusão VI da sua motivação. Com efeito, conforme consta nos
números 1 a 3 dos factos provados, “o arguido A., conhecido por “A1”, pelo
menos, entre os meses de Março a Agosto de 2004, dedicou-se à comercialização de
haxixe, na zona da Praia da …, junto ao Centro de Saúde da …, na área desta
Comarca. Para o efeito, o arguido A. ‘contratou’ o arguido B. , conhecido por
B1, e com este estabeleceu um acordo, nos termos do qual o arguido A. adquiria
quantidades elevadas de haxixe que entregava àquele, que, por sua vez, tinha por
missão vender as doses aos consumidores de haxixe que o abordavam e, depois,
entregar o apuro das vendas ao arguido A., que efectuava a repartição dos
lucros”. Isto é, para evitar ser conotado com o tráfico de droga e eventualmente
descoberto pelas autoridades policias, o recorrente acordou, com o co-arguido
B., que repartiria com ele os lucros que adviessem da venda de haxixe que o
recorrente adquiria em grandes quantidades e que entregava ao B., que agia sob
as suas ordens e instruções, para que este processe à venda, guardando as doses
de haxixe na sua residência. “No desempenho desta actividade de comercialização
de haxixe, o arguido A. utilizou, para se deslocar e para o transporte da droga,
os veículos de matricula ..-..-.., da marca Honda, modelo Accord, de matrícula
..-..-.. da marca Land Rover; de matrícula ..-..-.., da marca Renault, modelo
Clio; de matrícula ..-..-.., da marca Nissan Patrol; um motociclo de matrícula
..-..-.., da marca Yamaha XT; ... Com esta “troca” de veículos, o arguido A.
“dificultava” a sua identificação como vendedor de haxixe por parte das
autoridades policiais e até dos consumidores” (factos n°s 6 e 8), aspecto que
aumenta a ilicitude da sua conduta. Se é verdade que este comércio de haxixe se
desenvolveu entre Março e Agosto de 2004, como acentua o recorrente, realçando
que o período de tempo não foi muito grande, não é menos verdade que as vendas
ocorreram diariamente (facto nº 4), sendo na ordem da dezena, ou superior, o
número de consumidores, conforme resultou das vigilâncias levadas a efeito pelas
autoridades policiais e se deu como provados no facto nº 12.
A actividade levada a efeito pelos arguidos A. e B., que os constituiu
co-autores do crime de tráfico de estupefacientes, de modo algum pode ser
qualificada de tráfico de menor gravidade, por via duma menor ilicitude, nada
havendo, por consequência, a censurar à qualificação levada a efeito pelas
instâncias, que considerara a tal conduta dos co-arguidos integradora do crime
matricial do art. 21° nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, com referência à Tabela
Anexa I-C.
Para a hipótese de a sua tese não proceder e de vir a ser condenado pela prática
do crime do art. 21º do Decreto-Lei nº 15/93, sustenta o recorrente A. que a
pena a aplicar deve ser diminuída, devendo situar-se próximo do mínimo da
moldura penal abstracta. Ou seja, tendo sido condenado numa pena de 5 anos e 6
meses de prisão defende que a pena se situe próximo de 4 anos.
Alega, para tanto, que os factos provados permitem concluir pela diminuta
ilicitude do comportamento do recorrente, pela sua boa integração familiar,
profissional e social, pela ausência de antecedentes criminais. E, depois de
afirmar que a moldura penal do crime do art. 21º permite uma “margem de manobra”
bastante elevada, sendo possível distinguir as situações mais graves das
situações que possuem menor gravidade, conclui que o caso sub judice não poderá
nunca ser enquadrável numa situação de gravidade elevada. Por tudo isso, não
pode conformar-se com a afirmação feita no acórdão do Tribunal da Relação do
Porto de que “na determinação das penas, respeitou o Tribunal o disposto nos
arts. 40º e 71º do Código Penal, sendo o seu quantum proporcionado”.
O art. 71°, nº 1 do Código Penal estatui que a pena concreta deve ser fixada em
função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo certo que, em
caso algum, pode ser excedida a medida da culpa, de acordo com o princípio da
inviolabilidade da dignidade pessoal. (art 40 nº 2 C.P.).
As penas têm como finalidade primordial a prevenção, entendida como prevenção
geral positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica
comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma e também
como prevenção especial de socialização do delinquente.
O limite mínimo da pena é determinado pelas razões de prevenção geral que no
caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto;
servem as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites,
o quantum de pena a aplicar (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português,
II - As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 227 e ss).
No doseamento da pena, hão-de ser observados os critérios constantes do art. 71°
nº 2 do Código Penal, atendendo-se, designadamente, ao grau de ilicitude do
facto; ao dolo do arguido; às suas condições pessoais; à sua situação económica;
ao arrependimento demonstrado e à ausência de antecedentes criminais.
Para encontrar a medida das penas, o tribunal de P instância tomou em
consideração:
- em seu desfavor, a intensidade do dolo, directo e de elevada intensidade;
- que é consideravelmente mais acentuado o grau de culpa do arguido A., a quem
pertencia a organização e planeamento da actividade de comercialização de haxixe
tendo-se limitado o arguido B. a, mediante uma compensação não apurada, cumprir
as ordens e instruções daquele, que, desse modo, retirava os maiores proventos
dê tal actividade sem se expor aos perigos inerentes;
- também desfavoravelmente, considerou a ilicitude do facto, ao nível do
desvalor da acção, atendendo às quantidades de produtos estupefacientes
apreendidos, ao número de transacções levadas a cabo, ao período de tempo
durante o qual se dedicaram ao tráfico, ao modo de execução do crime, em
co-autoria, e com divisão de tarefas para melhor lograrem obter os seus
intentos;
- ainda ao nível do desvalor de acção, foi ponderada a favor dos arguidos a
circunstância de se tratar de drogas de menor toxicidade, menos nocivas para a
saúde dos seus potenciais consumidores;
- em sede de prevenção geral de integração, foi assinalado
- o alarme social que, cada vez mais, este tipo de criminalidade suscita no seio
da comunidade, com repercussões negativas em sede de prevenção geral de
integração, traduzidas na necessidade de uma efectiva punição por forma a
restabelecer a confiança geral na validade da norma violada;
- as consequências nefastas deste tipo de criminalidade, que constitui hoje um
dos factores de maior perturbação social, quer pelos riscos para bens e valores
fundamentais como a saúde física e psíquica dos consumidores, quer pelas
rupturas familiares e fracturas na coesão social que causam, com a proliferação
de uma vasta criminalidade associada ao consumo de estupefacientes, quer ainda
pela implementação e exploração da dependência que provocam, com a finalidade
de, à custa da mesma, obter lucro ilícito e fácil, alimentando economias
paralelas, que contaminam a vida económica e social.
- foi ponderada, ainda, a circunstância de os arguidos não terem antecedentes
criminais, com reflexos favoráveis em sede de prevenção especial de socialização
e favor do arguido A. a sua inserção familiar e social.
O modo criterioso como a medida das penas foi determinada pelo Tribunal
colectivo, permitiu à Relação afirmar, no acórdão recorrido, com toda a justeza,
que “não vemos que, cotejando as diversas responsabilidades dos arguidos, alguém
possa afirmar ter havido assimetria na indulgência do tribunal; na determinação
das penas respeitou o tribunal o disposto nos art°s 40° e 71º do Código Penal,
sendo o seu quantum proporcionado.”
Seguindo a doutrina do Prof. Figueiredo Dias, tem o Supremo Tribunal de Justiça
vindo a afirmar que, “no recurso de revista se pode sindicar a decisão de
determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de
determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam
considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores
relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos
princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da
culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção,
mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da
pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção
da quantificação efectuada” (Direito Penal Português, II - As Consequências
Jurídicas do Crime, págs. 197).
Ora, o recorrente não logrou demonstrar a existência de qualquer violação do
direito material, nomeadamente que a pena tenha sido desproporcionada, nem que o
ordenamento jurídico tenha sido, de modo algum, posto em causa. E, como tem sido
reiteradamente entendido, desde que o julgador, no doseamento da pena, faça uso
dos critérios constantes do artigo 71º, goza, nessa tarefa, de uma «margem de
liberdade» praticamente inexpugnável, insindicável em recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça. (cfr., por todos, os. acs. de 4.03.2004 — proc. 454/04 e de
1.07.2004 — proc. 2240/04, relatados pelo Cons. Pereira Madeira).
Nada há a alterar, pois, quanto à medida da pena aplicada ao recorrente A..
Por último, suscita o recorrente a questão da declaração de perdimento a favor
do Estado dos veículos Nissan Patrol e Land Rover.
Alega, para tanto, que a declaração de perdimento de um objecto a favor do
Estado pressupõe que esse objecto se tenha revelado indispensável ao cometimento
do crime e que o alegado tráfico sempre se teria verificado com ou sem os
veículos automóveis, tanto mais que as quantidades traficadas são tão diminutas
que poderiam ser transportadas por uma pessoa, com facilidade, sem a utilização
de qualquer veículo. Acrescenta que ficou tão só provado que o arguido se fazia
transportar nos veículos, nada tendo resultado provado que, pela sua natureza ou
circunstâncias do caso, coloquem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem
pública ou que ofereçam riscos de virem a ser utilizados para a prática de novo
crime. Considera ainda que não se provou que tais veículos tivessem sido
adquiridos com o produto da alegada venda de artigo estupefaciente.
Atentando na matéria de facto, verifica-se que resultou provado que “no
desempenho desta actividade de comercialização de haxixe, o arguido A. utilizou,
para se deslocar e para o transporte da droga, os veículos de matrícula
..-..-.., da marca Honda, modelo Accord; de matrícula ..-..-.., da marca Land
Rover; de matrícula ..-..-.., da marca Renault, modelo Clio; de matrícula
..-..-.., da marca Nissan Patrol; um motociclo de matrícula ..-..-.., da marca
Yamaha XT”
Equivoca-se o recorrente, quando parte da afirmação de que nada ficou provado no
sentido de que os veículos declarados perdidos coloquem em perigo a segurança
das pessoas ou a ordem pública ou que ofereçam riscos de virem a ser utilizados
para a prática de novo crime, para concluir pela insusceptibilidade da
declaração de perda dos veículos para o Estado. Na verdade, o art. 35º do
Decreto-Lei nº 15/93, na sua actual redacção, que corresponde à alteração
introduzida pela Lei nº 47/96, de 3 de Setembro, não refere esse pressuposto.
Para ser declarado o perdimento basta que os objectos tenham servido ou
estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no
referido diploma.
Ora, foi isso o que sucedeu com os dois veículos declarados perdidos. O arguido
utilizou-os para se deslocar ao local onde o co-arguido B. procedia à venda do
haxixe aos consumidores com vista a entregar-lhe as doses da substância
destinadas à venda, tendo os veículos servido de meio de transporte da droga.
Conforme ficou provado em resultado das vigilâncias a que o órgão de polícia
criminal procedeu, a utilização pelo arguido de cada um dos dois veículos só foi
verificada uma vez, pois, normalmente o arguido, nas suas práticas de tráfico,
fazia uso de veículos pertencentes a terceiros, com desconhecimento dos
respectivos proprietários.
É certo que o Supremo Tribunal de Justiça tem introduzido elementos moderadores
a uma interpretação que conduza a uma aplicação automática do perdimento dos
veículos automóveis, aferindo o nexo de instrumentalidade entre a utilização do
objecto e a pratica do crime com recurso à causalidade adequada, considerando
exigível que a relação do objecto com a prática do crime revista de uma carácter
significativo. Para tanto, tem convocado o princípio da proporcionalidade, no
sentido que a perda do instrumentum sceleris terá de ser equacionada com a
importância do facto, de forma a não se ultrapassar a «justa medida». (cfr. ac.
de 14-02-2002 - proc. 159/02 - 5).
Contudo, no caso em apreço, a referida circunstância não afasta, por um lado, a
causalidade adequada, nomeadamente em face do que ficou provado no facto nº 6,
nem se deve considerar existente uma desproporção entre a utilização do veículo
e a quantidade de droga transportada, a qual, embora não apurada em concreto,
sempre seria relativamente diminuta, uma vez que se tratava de doses para venda
a retalho. Todavia, sendo o crime de tráfico de estupefacientes um crime de
trato sucessivo, do mesmo modo que a responsabilidade do agente é tomada na
respectiva globalidade, assim também se deve atender à circunstância de o
veículo ter sido utilizado para a prática do crime, independentemente do número
de vezes em que tal sucedeu, sabido, todavia que o arguido sempre se deslocava
ao local da venda de haxixe de veículo automóvel e que nele transportava droga
para a entregar ao co-arguido B., que procedia à venda aos consumidores que o
abordavam.
Improcede, assim, também nesta parte, o recurso do arguido A.”.
2.3 – Inconformado com o decidido, o recorrente requereu a aclaração
desse aresto nos termos seguintes:
“(...)
I. Nas suas motivações de recurso, o Recorrente alegou, para
além do mais, sob as conclusões XXXV, XXXVI e XXXVII, que o Venerando Tribunal
da Relação do Porto, no douto acórdão recorrido, violou os art°s. 27° e 32° da
Constituição da República Portuguesa, ao interpretar da forma que o fez o
disposto no art. 25° do D.L. 15/93 e dos art°s 50° e 51° do Cód. Penal, na
medida em que, ao entender que os factos provados não poderão ser subsumidos ao
crime de tráfico de menor gravidade não se asseguraram o direito à liberdade do
Recorrente, bem como as suas garantias de defesa, constitucionalmente
consagradas, nomeadamente nos art°s 27° e 32°, nºs 1 e 2 da C.R.P.
II. Mais alegou o Recorrente que as garantias constitucionalmente
consagradas foram também violadas pelo douto Tribunal «a quo” ao manter a
condenação do Recorrente a uma pena de prisão efectiva de 5 anos e 6 meses, face
à materialidade considerada como assente, coarctando o direito de liberdade do
Recorrente, ofendendo assim os mais fundamentais direitos, liberdades e
garantias, quando apenas poderia condená-lo pela prática de um crime de tráfico
de menor gravidade, numa pena junto ao limite mínimo da moldura penal abstracta
e sempre suspensa na sua execução, concluindo pela inconstitucionalidade da
interpretação feita pelo tribunal de primeira instância, a qual logrou obter
provimento do Venerando Tribunal da Relação do Porto, do disposto nas citadas
normas legais.
III. Assim, pugnou o Recorrente, ao não entender de tal modo, teria
violado o Venerando Tribunal da Relação do Porto o disposto nos art°s. 21° e 25°
do D.L. 15/93, os art°s 50° e 51° do Cód. Penal e ainda os art°s. 27° e 32° da
Constituição da República Portuguesa.
IV. Ora, compulsado o douto acórdão que ora se pretende aclarar,
parece ao Recorrente que esse Supremo Tribunal de Justiça não se terá debruçado
sobre a aludida questão da inconstitucionalidade das citadas normas legais, o
que constituirá manifesta omissão de pronúncia.
V. Dada a importância imprescindível do alegado pelo Recorrente,
que poderá colidir com os seus direitos constitucionalmente consagrados e
acarretar mesmo a nulidade do douto acórdão em apreço por omissão de pronúncia,
parece curial esclarecer a questão aludida, nomeadamente saber se as aludidas
inconstitucionalidades foram ou não julgadas procedentes.
VI. Refere-se ainda no douto acórdão em apreço que “os vícios do
art. 410º, n°2 do Código de Processo Penal dizem respeito à matéria de facto,
apenas podendo os recorrentes invocá-los no recurso para a relação (...). É
certo que nos termos do art. 434º do Código de Processo Penal o Supremo Tribunal
de Justiça pode ainda conhecer dos vícios do art. 410°, nº 2, mas há-de fazê-lo
oficiosamente, no caso de entender que a matéria de facto não permite uma
correcta decisão de direito (...)“.
VII. Sucede que, conforme o Recorrente já alegou em sede de recurso, a
impugnação da matéria de facto foi julgada improcedente, pelo que esta se tem
como definitivamente assente.
VIII. O Recorrente não questionou a matéria de facto definitivamente
fixada, mas sim o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto
provada, o qual existe “quando os factos provados são insuficientes para
justificar a decisão assumida (...) de tal forma que essa matéria de facto não
permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a
apreciação», cfr. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal
Anotado, Volume II, 2B ed., 2000, pág. 738.
IX. Ora, “o vício da insuficiência para a decisão da matéria de
facto provada, a que alude o art. 410°, nº 2, al. a), do CPP, é a insuficiência
da matéria de facto para aquela decisão de direito, que não se confunde com a
insuficiência da prova para a decisão de facto proferida”, cfr. Ac. Rel. Coimbra
de 12/11/2003, disponível in www.dgsi.pt
X. De igual modo, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 08/02/2007, proferido no processo nº 07P264, disponível in www.dgsi.pt “mesmo
nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de
direito, a insuficiência, para a decisão de direito, da matéria de facto
provada, constituirá – desde que resulte do texto da decisão recorrida – vício
que, se inviabilizar a decisão do recurso, há-de determinar o reenvio do
processo para novo julgamento (art°s. 410º, nº 2, e 426º, nº 1, do C.P.P.)”.
XI. Entende o Recorrente que o Tribunal de primeira instância,
poderia e deveria, ter indagado outros factos que lhe permitissem, então,
condenar o Recorrente pelo tipo legal pelo qual foi condenado, como sendo, v.g.,
as quantidades exactas de estupefaciente transaccionadas, o número de pessoas
por quem o produto estupefaciente possa eventualmente ter sido distribuído,
etc., factos que, de todo, não resultaram apurados em audiência, não tendo
procedido de tal forma, pelo que não poderia ter concluído pela inexistência do
citado vício.
XII. Em sede de invocação do vício de insuficiência para a decisão da
matéria de facto, não se colocam em crise os princípios da livre apreciação da
prova, da imediação e oralidade, pese embora tais básicos princípios não possam,
de modo algum, ser “confundidos” com uma eventual apreciação arbitrária da
prova.
XIII. Assim, atenta a importância de eventual procedência da existência do
citado vício, importará que seja esclarecida devidamente a questão em apreço.
XIV. Por fim, também no que concerne aos veículos que foram declarados
perdidos a favor do Estado entendeu aquele douto acórdão que o Recorrente terá
utilizado os mesmos para se deslocar na venda de estupefaciente, tendo os
veículos servido de meio de transporte de estupefaciente.
XV. Conforme bem refere o acórdão que se pretende aclarar, há que ter
em conta o princípio da proporcionalidade, no sentido de que a perda dos
objectos terá que ser equacionada com a importância do facto, de forma a não
ultrapassar a justa medida.
XVI. Entende o Recorrente que para a declaração de perdimento de um
objecto a favor do Estado, que esse mesmo objecto se tenha revelado
indispensável ao cometimento do crime, o que não ocorre no caso sub judice,
tanto mais que os factos considerados como provados, nomeadamente o ponto 6
transcrito no douto acórdão recorrido (acórdão proferido pelo Tribunal da
Relação do Porto), não permitem concluir pela indispensabilidade dos veículos em
apreço para o cometimento do crime,
XVII. tanto mais que o alegado tráfico de estupefacientes sempre se teria
dado com ou sem os veículos automóveis em apreço, uma vez que as quantidades
referidas no douto acórdão da primeira instância são de tal forma diminutas que
poderiam ser transportadas por uma só pessoa com facilidade, sem a utilização de
qualquer veículo.
XVIII. Conforme se refere no Ac. STJ de 14/04/ 1994, in Acs. STJ II, 1, 216 “1.
Actualmente, face ao DL nº 15/93, para que possa ser declarada a perda dos
objectos que serviram ou se destinavam a servir para a prática do crime, é
necessário que eles, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, ponham
em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública ou ofereçam sério risco de
serem utilizados para cometimento de novos crimes. 2. Provando-se apenas que o
arguido utilizava o automóvel no transporte de estupefacientes, não pode ser
declarado perdido a favor do Estado”.
XIX. O douto acórdão que ora se pretende aclarar refere, de facto, a
necessidade de se ter em atenção o princípio da proporcionalidade, mas não
aplica tal princípio ao caso sub júdice, declarando improcedente o recurso do
Recorrente também nessa parte.
XX. Não se debruça ainda sobre a indispensabilidade dos veículos para o
cometimento do crime em apreço, conforme alegado pelo Recorrente, pelo que
deverão igualmente tais questões ser devidamente esclarecidas, o que ora se
requer”.
2.4 – Por Acórdão de 2 de Agosto de 2007, o Supremo Tribunal de
Justiça indeferiu o requerido, louvando-se nos seguintes fundamentos:
“(...)
No art. 380°, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal encontra-se prevista a
possibilidade de qualquer dos sujeitos processuais requerer ao tribunal que
proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade
contida na decisão, cuja eliminação não importe modificação essencial.
O acórdão tem-se por obscuro quando contém algum passo cujo sentido seja
ininteligível, isto é, quando não se consegue compreender o que o juiz quis
dizer; dito de outro modo, uma decisão é obscura ou ambígua quando for
ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou
indeterminado.
Se nos ativermos ao pedido de aclaração formulado pelo arguido, verificamos que
entendeu bem o que no acórdão aclarando se decidiu, não tendo ficado no seu
espírito qualquer dúvida. O que o arguido recorrente intenta com este seu
requerimento é alterar a decisão, o que a lei lhe não permite. Conforme se
decidiu no acórdão de 01-04-2003 — proc. 3223/03-5, “o requerente, ao pretender
que o Supremo Tribunal profira em aclaração do acórdão tido por ‘obscuro’, uma
espécie de nova sentença, alargada nos seus fundamentos, enfim, o que pode
ver-se como uma forma de ‘sentença explicada’, exorbita claramente os limites
consentidos pelo instituto processual em causa.”
Logo no primeiro ponto, o requerente procura levar o tribunal a pronunciar-se
acerca da inovada inconstitucionalidade do recorrido acórdão da Relação do
Porto, “ao interpretar da forma que o fez o disposto no art. 25° do D.L. 15/93 e
dos arts. 50° e 51° do Cód. Penal, na medida em que, ao entender que os factos
provados não poderão ser subsumidos ao crime de tráfico de menor gravidade não
se asseguraram o direito à liberdade do Recorrente, bem como as suas garantias
de defesa, constitucionalmente consagradas, nomeadamente nos arts. 27° e 32°, nº
1 e 2 da C.R.P.”, questão que diz ter suscitado nas conclusões XXXV, XXXVI e
XXXVII do seu recurso.
Todavia, assim, não sucedeu.
Segundo o art. 412° do Código de Processo Penal, o recorrente, na motivação
enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de
conclusões, deduzidas por artigos, em que resume as razões do pedido (nº 1),
estabelecendo o nº 2 que “versando matéria de direito, as conclusões indicam
ainda, sob pena de rejeição, as normas jurídicas violadas, o sentido em que, no
entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com
que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que
devia ter sido aplicada”. Conforme tem sido reafirmado, vezes sem conta, pela
jurisprudência, são as conclusões que delimitam o objecto do recurso. Ora, nas
conclusões XXXI, XXXII e XXXIII — e não XXXV, XXXVI e XXXVII — o recorrente
refere que “a moldura penal abstracta do crime p. e p. pelo art. 21º do D.L.
15/93 permite uma “margem de manobra” bastante elevada, sendo possível
distinguir as situações mais graves das situações que possuem menor gravidade,
sendo que o caso sub judice não poderá de modo algum ser enquadrável numa
situação de gravidade elevada, impondo-se, portanto, a devida destrinça” (XXXI),
acrescentando que “a pena a que o Recorrente foi condenado deveria situar-se
muito próximo do limite mínimo previsto pela moldura penal abstracta, que, pese
embora não passível de suspensão da sua execução, permitiria ao Recorrente
beneficiar de medidas graciosas com maior facilidade, nomeadamente saídas
precárias e liberdade condicional, situações que promoveriam a sua
ressocialização e integração na sociedade (XXXII), indicando, finalmente, na
conclusão XXXIII, as normas jurídicas que entendeu violadas: “ao decidir de
forma diversa, violou o Venerando Tribunal Recorrido o vertido nos arts. 40º,
50º, 51º, 7.1º e 72° do Cód. Penal e arts. 21° e 25° do D.L. 15/93 de 22/01 e os
arts. 27º e 32º da Constituição da Republica Portuguesa”.
Como resulta da transcrição acabada de fazer, o ora requerente limitou-se, na
conclusão XXXIII, a dizer que foram violados os arts. 27° e 32° da Constituição,
o que, de resto, não tem qualquer apoio na parte expositiva da motivação, onde
aliás, apenas diz, no art. 49°, que “ao decidir de forma diversa, o Venerando
Tribunal da Relação violou o disposto nos arts. 21° e 25° do D.L. 15/93, de
22.01”.
Agora, no seu pedido de aclaração, explana as razões por que, na sua óptica, as
referidas normas da Constituição teriam sido violadas na aplicação das
disposições do Decreto-Lei nº 15/93. Só que o faz tardiamente. Se este Supremo
Tribunal de Justiça não se pronunciou — e na verdade não o fez — acerca da
questão da inconstitucionalidade, foi porque ela não lhe foi colocada, não
bastando, para tanto, a referência a que os arts. 27° e 32° da Constituição
foram violados.
Não tem o recorrente que se queixar deste Supremo Tribunal, mas apenas de si
próprio, nada havendo a aclarar, neste ponto, na decisão de fls. 2411 e seg.
Também nada há a aclarar no que respeita ao aludido vício da insuficiência para
a decisão da matéria de facto provada. Aqui, ao contrário, do ponto anterior, o
recorrente pretendeu suscitar a questão perante o Supremo Tribunal. Todavia,
como tem sido plenamente afirmado, após a reforma do processo penal operada pela
Lei 59/98, de 25 de Agosto, o Supremo reassumiu o seu papel de tribunal de
revista, pronunciando-se apenas em matéria de direito, tendo desaparecido o
motivo para ser feita uma revista alargada, salvo nos casos de tribunal de júri
em que foi mantido o recurso directo para o Supremo. Sempre que se trate de
decisões de tribunal colectivo, o recurso da matéria de facto, seja o
respeitante à impugnação da decisão sobre os pontos da matéria de facto que o
recorrente considere incorrectamente julgados, seja quanto aos vícios do art.
410° nº 2 do Código de Processo Penal, é sempre interposto para a Relação. É
certo que, embora o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça vise
exclusivamente o reexame da matéria de direito, não fica prejudicada a
possibilidade de o Supremo Tribunal se pronunciar acerca dos vícios do art. 410º
nº 2, conforme estabelece a norma do art. 434° do Código de Processo Penal. Só
que o Supremo fá-lo-á naquelas circunstâncias em que a matéria de facto não
permite uma correcta solução de direito, agindo assim sempre por iniciativa
própria e nunca a pedido do requerente, conforme se decidiu, entre muitos
outros, nos acs. de 20-03-2003 e 03-04-2003 (CJ — Acs. STJ, XXVIII, tomo 1,
págs. 232 e 236), no ac. de 08-07-2004 — proc. 1121/04-5, e nos recentes acs.
22-03-2007 -proc 4/017-5 e 29-03 -2007 — proc 1034/07-5. Expressivamente
referiu-se a este propósito, no acórdão de 15-02-2007- proc 4092/06, de que o
ora relator foi adjunto: “o STJ, como tribunal de revista, não reaprecia o
acerto da decisão em matéria de facto, ainda que essa impugnação venha crismada
com um outro nomen juris, como violação do princípio in dubio pro reo, violação
do princípio da livre apreciação da prova e mesmo sob a cobertura dos vícios do
art. 410º, nº 2, do CPP.” E, em acórdão da mesma data — proc. 513/07, depois de
se reafirmar que, “nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o
Supremo só conhece dos vícios do art. 410°, nº 2, do CPP, por sua própria
iniciativa, e nunca a pedido do recorrente” explicitou-se que “esta é a solução
que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente reforma de 1998
que, significativamente, alterou a redacção da al. d) do cit do art. 432º,
fazendo-lhe acrescer a expressão antes inexistente ‘visando exclusivamente o
reexame da matéria de direito’, alteração legislativa aquela que, bem vistas as
coisas, visa limitar o acesso ao Supremo Tribunal, sob pena do sistema vigente
comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é”,
acrescentando-se que “esta postura interpretativa nada tem de contraditório, já
que a invocação expressa dos vícios da matéria de facto, se bem que algumas
vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito,
leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a
Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso”.
No acórdão, cuja aclaração agora se pretende, afirmou-se, com clareza, que
“analisando o texto da decisão [recorrida] não se vislumbra nenhum dos referidos
vícios [do art. 410º, nº 2, CPP]”. Assim sendo, nada há, neste domínio, a melhor
esclarecer.
Tal como na questão dos vícios do art. 410º nº 2, também no ponto respeitante à
perda dos veículos automóveis, o recorrente, com o pedido de aclaração, onde
coisa não persegue senão a alteração da decisão recorrida, o que, como se disse,
jamais pode ser conseguido através deste meio processual.
De facto, o acórdão, também neste ponto, não necessita de qualquer
esclarecimento. Referiu-se que o Supremo tem introduzido elementos moderadores a
uma interpretação que conduza a uma aplicação automática do perdimento dos
veículos automóveis, invocando, para tanto, o princípio da proporcionalidade, no
sentido que a perda do instrumentum sceleris terá de ser equacionada com a
importância do facto, de forma a não se ultrapassar a «justa medida». (cfr. ac.
de 14- 02-2002 — proc. 159/02 — 5). Mas deixou-se bem expresso que, apesar
desses cuidados, no caso dos autos a convocação do princípio da
proporcionalidade não afasta a causalidade adequada entre a utilização do
veículo e a prática do crime. Afirmou-se a este propósito: “a referida
circunstância não afasta, por um lado, a causalidade adequada, nomeadamente em
face do que ficou provado no facto nº 6, nem se deve considerar existente uma
desproporção entre a utilização do veículo e a quantidade de droga transportada,
a qual, embora não apurada em concreto, sempre seria relativamente diminuta, uma
vez que se tratava de doses para venda a retalho. Todavia, sendo o crime de
tráfico de estupefacientes um crime de trato sucessivo, do mesmo modo que a
responsabilidade do agente é tomada na respectiva globalidade, assim também se
deve atender à circunstância de o veículo ter sido utilizado para a prática do
crime, independentemente do número de vezes em que tal sucedeu, sabido, todavia,
que o arguido sempre se deslocava ao local da venda de haxixe de veículo
automóvel e que nele transportava droga para a entregar ao co-arguido B., que
procedia à venda aos consumidores que o abordavam”. E deixou-se bem claro que
“improcede, assim, também nesta parte, o recurso do arguido A.”.
Nada há a esclarecer, portanto, também quanto a este ponto. Conforme se lê no
ponto XIX do requerimento do arguido, este insurge-se contra a circunstância de,
tendo sido referido no acórdão o princípio da proporcionalidade, não ter o mesmo
sido aplicado, levando à procedência do recurso, nesta parte. E acrescenta, no
ponto seguinte, que o acórdão não se referiu à indispensabilidade os veículos
para o cometimento do crime. Quanto ao primeiro destes dois aspectos, dir-se-á
que ficou bem explícito que o tribunal considerou não existir qualquer
desproporcionalidade entre a perda dos veículos e a prática do crime, ao remeter
para o facto nº 6 [No desempenho desta actividade de comercialização de haxixe,
o arguido A. utilizou, para se deslocar e para o transporte da droga, os
veículos de matrícula ..-..-.., da marca Honda, modelo Accord; de matrícula
..-..-.., da marca Land Rover; de matrícula ..-..-.., da marca Renault, modelo
Clio; de matrícula ..-..-.., da marca Nissan Patrol; um motociclo de matrícula
..- ..-.., da marca Yamaha XT] e ao afirmar que não se deve considerar existente
uma desproporção entre a utilização do veículo e a quantidade de droga
transportada, nomeadamente porque, “com esta “troca” de veículos, o arguido A.
“dificultava” a sua identificação como vendedor de haxixe por parte das
autoridades policiais e até dos consumidores” [facto nº 8]. Quanto à
indispensabilidade dos veículos, esquece o requerente que o art. 35º do
Decreto-Lei nº 15/93, na sua actual redacção, introduzida pela Lei nº 45/96, de
3 de Setembro, não menciona a indispensabilidade, sendo suficiente para a
declaração de perdimento que os objectos tenham servido ou estivessem destinados
a servir para a prática de uma infracção prevista no referido Decreto-Lei.
Pelas razões expostas, indefere-se o pedido de aclaração suscitado pelo arguido
A.”.
2.5 – Discordando do decidido, o arguido interpôs, nos
termos supra referidos, recurso para o Tribunal Constitucional, fazendo constar
do respectivo requerimento as seguintes indicações:
“(...)
2. Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão proferido a 24
de Maio de 2007, julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo
Recorrente A., mantendo, assim, a condenação daquele na pena de 5 anos e 6 meses
de prisão pela prática de um crime p. e p. pelo art. 21°, nº 1 do D.L. 15/93 de
22 de Janeiro.
3. Conforme mais desenvolvidamente o Recorrente fez constar do recurso que
interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça do douto acórdão proferido pelo
Venerando Tribunal da Relação do Porto, entende o Recorrente que tal aresto
violou os art°s 27° e 32° da Constituição da República Portuguesa, ao
interpretar da forma que o fez o disposto no art. 25° do D.L. 15/93 e dos art°s
50° e 51° do Cód. Penal, na medida em que, ao entender que os factos provados
não poderão ser subsumidos ao crime de tráfico de menor gravidade não se
asseguraram o direito à liberdade do Recorrente, bem como as suas garantias de
defesa, constitucionalmente consagradas, nomeadamente nos art°s 27° e 32°, nºs 1
e 2 da C.R.P.
4. Tais garantias constitucionalmente consagradas foram também violadas
pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, no que foi acompanhado pelo Supremo
Tribunal de Justiça, ao manter a condenação do Recorrente a uma pena de prisão
efectiva de 5 anos e 6 meses, face à materialidade considerada como assente,
coarctando o direito de liberdade do Recorrente, ofendendo assim os mais
fundamentais direitos, liberdades e garantias, quando apenas poderia condená-lo
pela pratica de um crime de tráfico de menor gravidade, numa pena junto ao
limite mínimo da moldura penal abstracta e sempre suspensa na sua execução.
5. Ainda que não se entendesse serem os factos considerados como provados
subsumíveis ao crime de tráfico de menor gravidade – o que não se consente e
apenas por hipótese se refere – e se concluísse definitivamente pela condenação
do Recorrente pelo crime de tráfico p. e p. pelo art. 21° do D.L. 15/93 sempre
seria de concluir pela excessividade da pena em que o Recorrente foi condenado.
6. Conforme alegou o Recorrente nas conclusões do recurso interposto do
douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, os factos
considerados como provados permitem concluir pela diminuta ilicitude do
comportamento do Recorrente, pela sua boa integração familiar, profissional e
social, pela ausência de antecedentes criminais, factos que deveriam ter sido
devidamente valorados em sede de apreciação e determinação da medida concreta da
pena.
7. A moldura penal abstracta do crime p. e p. pelo art. 21° do D.L. 15/93
permite uma “margem de manobra” bastante elevada, sendo possível distinguir as
situações mais graves das situações que possuem menor gravidade.
8. Assim, o caso sub judice não poderá de modo algum ser enquadrável numa
situação de gravidade elevada, impondo-se, portanto, a devida destrinça, pelo
que a pena a que o Recorrente foi condenado sempre se deveria situar muito
próximo do limite mínimo previsto nela moldura penal abstracta do art. 21° do
D.L. 15/93 que, pese embora não passível de suspensão da sua execução,
permitiria ao Recorrente beneficiar de medidas graciosas com maior facilidade,
nomeadamente, saídas precárias e liberdade condicional, o que promoveria a sua
ressocialização e integração na sociedade.
9. Donde se conclui ser inconstitucional a interpretação feita pelo
tribunal de primeira instância, a qual logrou obter provimento do Venerando
Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, do disposto nas
citadas normas legais, tendo, assim, sido violado o disposto nos art°s. 21° e
25° do D.L. 15/93, os art°s 50° e 51° do Cód. Penal e ainda os art°s. 27° e 32°
da Constituição da República Portuguesa.
10. Entende, assim, o Recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião,
que a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça ao inserto nos art°s
40°, 50°, 51°, 71° e 72° do Código Penal e art°s 21° e 25° do D.L. 15/93 de
22/01 não assegura todas as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o seu
direito constitucionalmente protegido à liberdade,
11. violando o disposto nos art°s 27° e 32° da Constituição da República,
questão já suscitada pelo Recorrente no recurso que interpôs para o Supremo
Tribunal de Justiça do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto
a 19 de Julho de 2006.
12. Assim, o Recorrente pretende que seja apreciada a inconstitucionalidade
dos art°s 40°, 50°, 51°, 71° e 72° do Código Penal e art°s 21° e 25° do D.L.
15/93 de 22/01 na interpretação atribuída a tais normas pelo Supremo Tribunal de
Justiça,
pelo que deverá o presente recurso ser admitido, com subida imediata e
nos próprios autos e efeito suspensivo”.
3 – Integrando-se o caso sub judicio sob a alçada normativa do
disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e atento o disposto no artigo 76.º,
n.º 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se com base nos seguintes fundamentos.
4.1 – O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 70.º,
n.º 1, alínea b), da LTC.
Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se necessário, a mais do
esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido
aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a
inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo.
Este último requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante
deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário da
República, II Série, de 6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente
formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da
instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá
de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da
questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que
(a mesma questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é
exigido pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em
via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o
tribunal recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o
Acórdão n.º 560/94, Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, e
ainda o Acórdão n.º 155/95, in Diário da República, II série, de 20 de Junho de
1995).
A razão de ser de tal exigência é explicada por Cardoso da Costa (A jurisdição
constitucional em Portugal, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso
Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e ss.): “quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da
constitucionalidade (…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele
aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas
ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma
jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo
depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo
o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade
constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a
aplicação das que considerarem inconstitucionais (…). Este allgemeinen
richterlichen Prüfungs- und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado
expressamente (…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece
fiel ao princípio, tradicional e característico do direito constitucional
português, do “acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém,
se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário
que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo,
em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na
verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum
(depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o
Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero
expediente processual dilatório)”.
Por outro lado, como este Tribunal tem reiterado, “suscitar a
inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal
perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de
constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que
(...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um
segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem
suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte
o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a
norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de
uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao
acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa
decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa
determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs
37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República, II Série,
de 15-05-1996)”.
Concretizando, ainda, aspectos do seu regime, cumpre acentuar que, sendo o
objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído
por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não
pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em sim
própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios
constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito
infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no
que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado
às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos
para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de
normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da
Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub
species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais
tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação
(directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este
Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in
concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não
incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a
conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo
ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade
normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II
Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por
exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de
21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos e o Acórdão n.º 269/94,
publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos
recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações
normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência
Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos –
embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito
legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende
controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e
específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do
juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na
sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a
aplicação do direito […]».
4.2 – Da projecção destes critérios no caso sub judicio resulta que
o recorrente, dispondo de oportunidade processual para o fazer, não suscitou em
termos adequados qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
De facto, constata-se, in casu, que o recorrente apenas questionou,
durante o processo, a concreta decisão recorrida, no que concerne à correcção do
juízo subsuntivo feito das circunstâncias de facto que encarnam o caso concreto
ao quadro tido como aplicável.
Trata-se de um juízo suportado, claramente, pelos termos com que o
recorrente definiu, em matéria de constitucionalidade, o recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça no qual imputou à decisão recorrida a violação da Lei
Fundamental sem ter definido ou suscitado a inconstitucionalidade de qualquer
critério normativo subtraído, qua tale, à valoração das especificidades do caso
concreto e à sua subsunção nas normas aplicadas pelas instâncias, conforme
resulta, com meridiana clareza, da conclusão XXXIII, onde o recorrente considera
que “ao decidir de forma diversa, violou o Venerando Tribunal Recorrido o
vertido nos arts. 40º, 50º, 51º, 7.1° e 72° do Cód. Penal e arts. 21° e 25° do
D.L. 15/93 de 22/01 e os art. 27° e 32° da Constituição da Republica
Portuguesa”.
E é também o que emerge igualmente das considerações tecidas no
requerimento de aclaração onde o recorrente sustenta ter alegado “que o
Venerando Tribunal da Relação do Porto, no douto acórdão recorrido, violou os
art°s. 27° e 32° da Constituição da República Portuguesa, ao interpretar da
forma que o fez o disposto no art. 25° do D.L. 15/93 e dos art°s 50° e 51° do
Cód. Penal, na medida em que, ao entender que os factos provados não poderão ser
subsumidos ao crime de tráfico de menor gravidade não se asseguraram o direito à
liberdade do Recorrente, bem como as suas garantias de defesa,
constitucionalmente consagradas, nomeadamente nos art°s 27° e 32°, nºs 1 e 2 da
C.R.P.” e que “as garantias constitucionalmente consagradas foram também
violadas pelo douto Tribunal ‘a quo’ ao manter a condenação do Recorrente a uma
pena de prisão efectiva de 5 anos e 6 meses, face à materialidade considerada
como assente, coarctando o direito de liberdade do Recorrente, ofendendo assim
os mais fundamentais direitos, liberdades e garantias, quando apenas poderia
condená-lo pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, numa pena
junto ao limite mínimo da moldura penal abstracta e sempre suspensa na sua
execução, concluindo pela inconstitucionalidade da interpretação feita pelo
tribunal de primeira instância, a qual logrou obter provimento do Venerando
Tribunal da Relação do Porto, do disposto nas citadas normas legais”, pugnando
assim que “ao não entender de tal modo, teria violado o Venerando Tribunal da
Relação do Porto o disposto nos art°s. 21° e 25° do D.L. 15/93, os art°s 50° e
51° do Cód. Penal e ainda os art°s. 27° e 32° da Constituição da República
Portuguesa”.
Na verdade, tais considerações, na linha do que havia sido alegado
em recurso, apenas projectam uma crítica à decisão judicial levando pressuposta
uma valoração sobre as concretas circunstâncias de facto e a sua subsunção nos
diversos tipos normativos, fazendo assim resvalar o recurso de
constitucionalidade para um controlo da aplicação-decisão das instâncias que
esse recurso não permite.
Ademais, mesmo a entender-se que, sob a capa de um tal discurso
alegatório, estava implícita a afirmação de certo critério normativo, tido como
susceptível de aplicação ao caso concreto, sempre incumbiria ao recorrente
explicitá-lo com um suficiente grau de clareza, em termos de o tribunal do
recurso poder discernir que tinha uma concreta questão de constitucionalidade
para decidir.
Ora, é por demais seguro que essa suscitação não foi feita nesses
termos adequados, como bem foi denunciado pelo Supremo Tribunal de Justiça no
seu Acórdão de 2 de Agosto.
Tanto vale por concluir que afrontando, sob o prisma da
constitucionalidade, a concreta decisão recorrida e não uma
norma/dimensão/critério normativo, não pode o Tribunal, por inverificação dos
analisados pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade, conhecer
do recurso.
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não
tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pelo recorrente, com 8 (oito) UCs. de taxa de justiça.».
B – Fundamentação
5 – Na sua reclamação, o reclamante em nada contradiz a correcção
dos fundamentos em que se estribou a decisão reclamada. Ao invés, em todo o seu
discurso argumentativo, o reclamante nada mais faz do que refutar a decisão
condenatória com o fundamento de a mesma haver feito uma errada aplicação
directa de preceitos constitucionais e de direito ordinário (pontos 9 e segs.).
Ou seja, o reclamante repete a atitude que a decisão sumária considerou como
correspondendo à impugnação constitucional da decisão condenatória em si própria
e não a uma impugnação constitucional dos preceitos que constituem a ratio
decidendi do acórdão recorrido.
Deste modo a reclamação tem de improceder.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 16/10/2007
Benjamim Rodrigues
Joaquim Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos