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Processo nº 321/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Este Tribunal em 3-7-2007 proferiu acórdão que indeferiu a reclamação para a
conferência apresentada por A. da decisão sumária proferida nestes autos em
23-5-2007.
Em 4-7-2007 foi enviada carta registada ao mandatário do reclamante,
notificando-o daquela decisão.
Em 25-7-2007, por fax enviado às 00h e 03m, o reclamante veio arguir a nulidade
do acórdão proferido em 3-7-2007.
Foi proferido despacho de não conhecimento deste requerimento devido ao mesmo
ter sido apresentado fora de prazo.
A. vem reclamar para a conferência desta decisão, alegando o seguinte:
“1. Aos 24 de Julho, último dia para a prática do acto, o escritório do
mandatário deu inicio, via fax, à expedição do requerimento de fls..
2. Todavia, por lapso, o número marcado não foi o do fax (21 323 36 10) mas sim
o correspondente ao telefone (21 323 36 00) (doc. nº 1),
3. Lapso que, não detectado imediatamente, obrigou a repetidas marcações, a
última das quais registada às 00H02 do dia 25.
4. Verificado o lapso, procedeu-se imediatamente a nova marcação, desta vez com
o número correcto, sendo certo que tal expedição já ocorreu depois das 00h00
(doc. nº 2).
5. O mandatário tomou conhecimento dessa circunstância após a notificação do
despacho do Senhor Relator quando no seu escritório indagou quanto ao que teria
acontecido.
6. Ocorreu, portanto, evento independente da vontade do mandatário ou da parte,
impeditivo da prática do acto e de conhecimento superveniente que faz atempada a
respectiva arguição.
7. Quanto acima se deixa referido cabe na definição de justo impedimento.
8. Não pode proceder a consideração em cujos termos um acto deve ser praticado a
maior distância do seu termo em razão do que quer que seja, como do perigo do
acidente de última hora, de uma desatenção ou de qualquer evento análogo,
dependa ele, ou não, da vontade do mandatário.
9. Os prazos são prazos e terminam no seu termo, já bastando o facto de serem os
advogados e as partes os únicos contra quem os prazos vigoram no Direito
Processual, podendo todos os órgãos jurisdicionais e todos os intervenientes
processuais no seu âmbito – com óbvia excepção dos advogados – ultrapassar
funcionalmente quaisquer prazos, mesmo que procedendo à difícil e morosa
invocação da acumulação de trabalho ou serviço.
10. Faculdade que os advogados não têm e jamais terão; em todo o caso, tal
circunstância não autoriza o decisor a discutir o emprego do tempo pelo advogado
ou pela parte até ao termo do prazo.
11. Interessa, portanto e apenas, que o prazo é prazo até ao seu termo e se, no
termo desse prazo, ou imediatamente antes, ocorreu facto impeditivo..., é esse
facto impeditivo que deve ser avaliado e avaliado em si próprio, isto é, sem
dizer que nos dez dias anteriores, ou nos quinze dias anteriores não vêm
alegados motivos análogos e por pretensa consequência o acto poderia ter sido
praticado antes do prazo terminar.
12. A prática do acto três dias depois de expirado o prazo, é, objectivamente,
uma faculdade para a qual está prevista o pagamento de uma taxa, dramaticamente
chamada multa, que confere o direito à prática do acto independentemente de
quaisquer arguições de justo impedimento, período quanto ao qual valem também,
as considerações e disciplina acima expostas.
13. Nestes termos, e produzida a prova, deve julgar-se procedente a alegação de
justo impedimento e ordenada a admissão do acto com o pagamento da taxa
correspondente ao terceiro dia útil seguinte ao termo do prazo.
14. As reclamações no Tribunal Constitucional caracterizam-se curiosamente por
uma disciplina normativa em cujos termos a respectiva recusa de conhecimento da
decisão confere a esse órgão jurisdicional um recurso suplementar de
financiamento próprio que é dado pela livre fixação das custas (no intervalo
legalmente definidos (custas que este Venerando Tribunal fixa habitualmente no
máximo e das quais se pode apropriar directamente, de acordo com a faculdade que
a lei lhe confere).
15. Tal disposição normativa e a consequente prática que alinha e oferece ao
conhecimento público listas intermináveis de recusas de tomadas de conhecimento
dos recursos pelas conferências e em sede de reclamação, tal disciplina e tal
prática são incompatíveis com a subsistência da confiança das instituições e,
até, incompatível com a independência do Tribunal e sua equidistância.
16. Não é compatível com a disciplina da defesa dos direitos fundamentais,
direitos que não podem ser violados, direitos que são fundamento universal da
paz, uma disciplina estatutária que faz nascer para o órgão jurisdicional uma
fonte de financiamento pela recusa de conhecimento ou protecção de quaisquer
alegadas violações dos directos fundamentais, e já sob a forma muitíssimo
restritiva da avaliação e exame das disposições normativas e respectivas
interpretações que se mostrem aptas a não poder ser ignoradas por este
Venerando Tribunal (não há amparo – aliás em nenhum sentido – no ordenamento
jurídico português).
17. Tal questão aliás, estava suscitada no acto de cuja recusa de admissão se
trata sob os artigos 17 a 20.
18. Com efeito, os direitos fundamentais não podem ser violados, também porque
estão consagrados em textos de Direito Internacional de aplicabilidade directa
da ordem interna e primado face ao Direito interno, motivo pelo qual, em bom
rigor, à invocação de tais Direitos não podem ser opostas especiosidades de
estéril formalismo que jamais poderiam ter valor e peso análogos aos desses
Direitos fundamentais.
19. Tal pratica e tal disciplina, com efeito contrariam todas as fontes de
revelação da norma, como contrariam os espírito da época na qual a uma objectiva
regressão dos direitos se opõe uma generalizada oposição que de novo invoca a
naturalis racio como primeiro fundamento do Direito contemporâneo.
20. Uma tal prática e uma tal disciplina não se enquadram minimamente nas
expectativas de qualquer comunidade nacional expressa contra qualquer órgão
jurisdicional ao qual possa chamar seu.
21. Nestes termos o art.º 16 CCJ e o art.º 47/b/1 da lei de funcionamento e
processo deste Venerando Tribunal, traduz em clara violação do principio da
equidade em processo e independência do Tribunal porque nenhum tribunal pode
ter interesses directos de financiamento próprio no resultado de qualquer
dissídio traduzindo aquelas normas uma contradição directa com os art.º 2, 3 e
20 da CRP, no quadro do art.º 8 da CRP e enquanto disposições aptas a suscitar
a suspeita publica quanto à existência de um interesse material da eventual
resistência ao primado do direito internacional na ordem interna.
22. Tal questão era, de resto, uma questão central na arguição de nulidade em
reclamação de cuja admissibilidade se trata em razão da eventual violação de
prazo.
23. Mas tal questão suscita-se, também, em todas as decisões onde a lei de
funcionamento e processo faz, tão imoderadamente, nascer interesses de
financiamento complementar e directo da instituição.
24. Não podemos, por consequência, também nesta reclamação de suscitar a mesma
questão, assim propiciando aos Venerandos Conselheiros o julgamento da norma que
lhes perigar, alias injustificadamente, o prestígio da instituição do qual a
comunidade politicamente organizada não pode prescindir.
25. Não há portanto, aqui, nenhuma acrimónia ou quebra de respeito, havendo sim
uma enunciação clara da incompatibilidade das normas apontadas com os
pressupostos jus filosóficos do sistema e com a disciplina dos direitos
fundamentais, traduzindo a violação directa das disposições constitucionais
apontadas.
Nestes termos e nos de mais Direito aplicável deve julgar-se procedente a
invocação do justo impedimento, admitindo-se à deliberação da conferência a
arguição de nulidade sob a forma de reclamação que lhe foi endereçada e
Sendo previsível a aplicação próxima dos art.º 16 CCJ e 47/b/1 da Lei de
funcionamento e processo deste Tribunal – de acordo com o ensino deste Venerando
Tribunal, aliás de memória eterna – fica arguida a inconstitucionalidade
material de tais disposições, nos termos acima expostos.
Assim se consubstanciando o pedido em cujos termos se deve dar provimento à
presente reclamação.”
O Magistrado do Ministério Público respondeu à reclamação apresentada, nos
seguintes termos:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento, já que as razões
invocadas não constituem objectivamente “justo impedimento”.
Na verdade, o “lapso” cometido é inteiramente de imputar ao próprio reclamante,
não podendo olvidar-se que quem se apresta a praticar acto processual, já no
limite absoluto da “prorrogação” consentida pelo artigo 145º, nº 5, do Código
Processo Civil, terá de usar uma particular diligência para obviar à existência
de quaisquer erros ou “lapsos” que impliquem a ultrapassagem irremediável de
tal prazo peremptório.”.
*
Fundamentação
O reclamante foi notificado do acórdão, do qual pretendeu arguir a nulidade,
através do requerimento não admitido, por carta registada enviada ao seu
mandatário em 4-7-2007.
Presume-se que a respectiva notificação ocorreu em 9-7-2007, não se tendo
demonstrado que ela ocorreu mais tarde (artº 254.º, n.º 2, do C.P.C.).
O prazo para arguir a nulidade pretendida era de 10 dias, pelo que expirou em
19-7-2007.
Ao abrigo do artº 145.º, n.º 5, do C.P.C., poderia, no entanto, o reclamante
praticá-lo até 24-7-2007, mediante o pagamento duma multa.
O requerimento arguindo a nulidade só foi expedido, por fax, no dia 25-7-2007,
às 00h e 03m, isto é, para além do último prazo limite.
O prazo para a prática do acto em causa é peremptório, pelo que só pode ser
praticado para além dele, em caso de justo impedimento (artº 145.º, n.º 4, do
C.P.C.).
O reclamante vem arguir que o envio do seu requerimento fora de prazo se deveu a
lapso seu, uma vez que em 24 de Julho, o escritório do mandatário deu inicio,
via fax, à expedição do requerimento, mas o número marcado não foi o do fax do
Tribunal Constitucional (21 323 36 10), mas sim o correspondente ao telefone (21
323 36 00), e como esse lapso não foi detectado imediatamente, obrigou a
repetidas marcações, a última das quais registada às 00H02 do dia 25, tendo-se
procedido imediatamente a nova marcação, desta vez com o número correcto, sendo
certo que tal expedição já ocorreu depois das 00h00.
O impedimento só é justo, isto é, só é atendível para admissão da prática do
acto para além de prazo peremptório, se não for imputável à própria parte.
Ora, como o próprio reclamante reconhece o mesmo deveu-se a lapso seu e, como
bem refere o Ministério Público, “quem se apresta a praticar acto processual, já
no limite absoluto da “prorrogação” consentida pelo artigo 145.º, n.º 5, do
Código Processo Civil, terá de usar uma particular diligência para obviar à
existência de quaisquer erros ou “lapsos” que impliquem a ultrapassagem
irremediável de tal prazo peremptório.”
Resultando o invocado facto impeditivo do cumprimento do prazo fixado na lei de
lapso da própria parte, é-lhe o mesmo imputável, pelo que o impedimento não pode
ser considerado “justo”, o que não permite a admissibilidade do acto praticado
para além daquele prazo.
Acresce que, conforme resulta do disposto no artº 146.º, n.º 2, do C.P.C., a
existência do impedimento deve ser comunicada logo que ele cesse, o que não foi
efectuado, alegando a parte que não o fez por novo lapso seu, ao não verificar
que o fax enviado para o Tribunal Constitucional foi expedido já no dia 25/7,
pelo que também, sendo-lhe imputável essa falha, a invocação do impedimento não
poderia ser considerada atempada.
Por estas razões não é possível considerar como justo impedimento o facto
invocado pelo reclamante para não ter observado o prazo limite para arguir a
nulidade do acórdão proferido em 3-7-2007.
O reclamante vem arguir a inconstitucionalidade das normas contidas nos artº
16.º, do C.C.J., e 47.º - B, nº 1, da LTC. Nenhuma destas normas foi aplicada,
nem na decisão reclamada, nem no presente acórdão, uma vez que as normas que
sustentam a condenação em custas desta decisão são o artº 84º, da LTC, e os artº
9º e 7º, do D.L. n.º 303/98, pelo que não cumpre conhecer de tal questão.
Assim, deve ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. do despacho proferido
nestes autos em 31-7-2007.
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Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta,
considerando os critérios referidos no artº 9.º, n.º 1, do D.L. nº 303/98 (artº
7.º, do mesmo diploma).
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Lisboa, 16 de Outubro de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos