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Processo n.º 400/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorridos o
Ministério Público e B., Lda., foi proferida decisão sumária no sentido do não
conhecimento do objecto do recurso (fls. 1454/1456), com o seguinte teor:
« I
Relatório
1. A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto do despacho do juiz
do Tribunal Judicial de Santo Tirso, de 14 de Abril de 2005, que revogou, nos
termos do artigo 4º da lei 29/99, de 12 de Maio, o perdão concedido pela decisão
de fls. 1179 e que determinou o cumprimento da pena de 8 meses de prisão que lhe
havia aplicado. Nas alegações de recurso, o recorrente insurgiu-se contra a
decisão de revogação do perdão, sustentando que a mesma viola vários preceitos
constitucionais e infraconstitucionais.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 8 de Fevereiro de 2006, negou
provimento ao recurso.
O recorrente requereu a aclaração do acórdão de 8 de Fevereiro de 2006,
aclaração indeferida por acórdão de 31 de Março de 2006.
2. A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso não foi
recebido, por despacho de 12 de Julho de 2006.
Da decisão de não recebimento do recurso interposto para o Supremo Tribunal de
Justiça, reclamou o recorrente, sustentando a ilegalidade e a
inconstitucionalidade da decisão reclamada.
A reclamação foi indeferida por decisão de 12 de Outubro de 2006.
3. O recorrente interpôs recurso de constitucionalidade da decisão que indeferiu
a reclamação.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por decisão de 31 de Outubro
de 2006.
4. O recorrente interpôs então recurso de constitucionalidade do acórdão do
Tribunal da Relação do Porto, para apreciação da conformidade à Constituição da
interpretação dos artigos 4º da Lei nº 29/99, de 12 de Maio, realizada por
aquele Tribunal.
Os autos foram remetidos ao Tribunal da Relação do Porto e o recurso de
constitucionalidade foi admitido.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II
Fundamentação
5. O recorrente interpôs o presente recurso de constitucionalidade ao abrigo dos
artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional.
Tal recurso tem como pressuposto processual haver sido suscitada a questão de
constitucionalidade antes da prolação da decisão impugnada, de modo a que o
tribunal a quo sobre ela se pudesse pronunciar.
O Tribunal Constitucional tem considerado, de forma unânime e reiterada, que uma
questão de constitucionalidade só pode considerar-se suscitada durante o
processo o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, quando
indica as normas constitucionais que considera violadas e apresenta uma
fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade invocada.
Nos presentes autos, o recorrente limitou-se a impugnar a decisão que revogou o
perdão, nunca impugnando, na perspectiva da constitucionalidade, uma qualquer
dimensão normativa do artigo 4º da Lei nº 29/99, de 12 de Maio.
Por outro lado, não foi proferida nos presentes autos uma decisão inesperada,
pelo que o recorrente deveria ter suscitado qualquer questão de
constitucionalidade que pretendesse ver apreciada no decurso do processo.
Por conseguinte, não se verifica o pressuposto processual do recurso interposto
ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional,
pelo que não se tomará conhecimento do seu objecto.»
2. Notificado desta decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com fundamento, em síntese, no seguinte:
«(…) Ora, pelo exposto, pode-se concluir, mais uma vez, que, no recurso
interposto, não se limitou o recorrente a impugnar a decisão que revogou o
perdão, mas antes, invocou a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação
feita do art.° 4º da lei 29/99 de 12 de Maio e que serviu de fundamento à
decisão em causa.
Com efeito, alegou o recorrente, violarem-se, com a interpretação feita, os
princípios constitucionais de defesa, necessidade, da proporcionalidade, da
subsidiariedade da pena de prisão e do tratamento mais favorável, e,
nomeadamente, os n.°s 2 e 5 do art.° 29°, o n.° 1 do art.° 30º e o art.° 204° da
Constituição da Republica Portuguesa, uma vez que, de acordo com o espírito da
Constituição, o Tribunal, ao aplicar qualquer Lei, terá sempre que certificar-se
de que tal aplicação é, naquele momento e no caso concreto, possível.
Aliás, o próprio Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto se
pronuncia quanto à questão da inconstitucionalidade levantada pelo arguido,
sendo certo que, apenas responde à mesma porque foi suscitada no referido
recurso.
Face ao exposto, e salvo melhor opinião, não se pode nunca considerar, ter o
recorrente, no recurso interposto da decisão que revogou o perdão, se limitado a
impugnar tal decisão, uma vez que o mesmo suscitou de forma clara e inequívoca,
tal como o fez no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal da
Relação do Porto, no pedido de aclaração do douto Acórdão proferido pela mesma
Relação do Porto e no requerimento de interposição de recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação do
art.° 4º da Lei n.° 29/99, de 12 de Maio, cumprindo assim o pressuposto
processual exigido pelo art.° 70° n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal
constitucional.»
3. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da
reclamação.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. É jurisprudência constitucional constante que, no recurso de
constitucionalidade, não é a decisão judicial, em si mesma, não é o acto
judicativo de concreta aplicação do direito, enquanto tal, que pode ser
fiscalizado. A apreciação de conformidade constitucional incide sempre sobre um
determinado critério normativo aplicado na decisão recorrida.
A este propósito, escreve LOPES DO REGO: «O recurso de constitucionalidade,
reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério
normativo da decisão, sobre uma regra abstractamente enunciada e vocacionada
para uma aplicação potencialmente genérica» (“O objecto idóneo dos recursos de
fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas
sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, 3,
2004, 7).
A decisão sumária reclamada sustentou o não conhecimento do objecto do recurso
no facto de o recorrente não ter suscitado, durante o processo e em termos
processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
O reclamante afirma, porém, que não se limitou a impugnar a decisão que revogou
o perdão, mas antes invocou a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação
feita do artigo 4.º da Lei n.º 29/99.
Sem qualquer razão.
No caso vertente, é manifesto que o ora reclamante não suscitou qualquer questão
de constitucionalidade referente a uma “interpretação normativa” do artigo 4.º
da Lei n.º 29/99, designadamente, não o fez nas alegações do recurso interposto
para o Tribunal da Relação do Porto (fls. 1253/1265 dos autos), a que se faz
referência na decisão sumária. Aí limita-se a afirmar que «a revogação do perdão
afigura-se, em concreto, inconstitucional, por violação dos princípios da
aplicação da lei mais favorável e da proporcionalidade das penas (…)». Afirmação
que, como é óbvio, se reporta à decisão e não a qualquer dimensão normativa
incompatível com a lei fundamental.
O que o reclamante agora sustenta, na sua reclamação, não põe, portanto, em
causa os fundamentos da decisão sumária, pelo que a reclamação deve ser
desatendida.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se a
decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 16 de Outubro de 2007
Joaquim Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos