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Processo nº 786/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
reclamante A. e reclamado o Ministério Público, vem o primeiro reclamar,
conforme previsto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho do Vice-Presidente
daquele Tribunal, de 22 de Junho de 2007, que decidiu não admitir recurso
interposto para o Tribunal Constitucional.
2. Por despacho de 13 de Fevereiro de 2007, o Tribunal da Relação do Porto
indeferiu requerimento de interposição de recurso do ora reclamante para o
Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento no disposto na alínea f) do nº 1 do
artigo 400º do Código de Processo Penal. Este despacho foi então objecto de
reclamação, nos termos previstos no artigo 405º do Código de Processo Penal.
Por despacho, proferido em Maio de 2007, esta reclamação foi indeferida, com os
seguintes fundamentos:
«Liminarmente, impõe-se esclarecer que a reclamação prevista no art. 405.° do
CPP não se destina a discordar do acórdão de que se pretende recorrer, como
indevidamente vem manifestado pelo ora reclamante, tendo em conta que nesta sede
apenas está em causa a admissibilidade do recurso ou a sua subida imediata.
No caso vertente, estamos perante um acórdão da Relação do Porto que indeferiu o
requerimento apresentado pelo arguido, ora reclamante, onde solicitava a
apreciação de um documento e inquirição de testemunha, ao abrigo do disposto nos
arts 4.° do CPP e 712.°, n.° 1,alínea c), do CPC e arguía a nulidade prevista no
art. 120.°, n.° 2, alínea d), do CPP, por omissão de pronúncia.
Ora, essa situação cai precisamente na previsão da alínea c) do n.° 1 do art.
400º do CPP, pois o dito acórdão não pôs termo à causa, porquanto estamos
perante um incidente ulterior à decisão final.
Com efeito, nos presentes autos, a decisão que pôs termo à causa foi o acórdão
da Relação já transitado em julgado que rejeitou o recurso apresentado pelo
arguido, ora reclamante, da decisão condenatória proferida em 1.ª instância.
A que acresce que aos crimes dos presentes autos (falsificação de documento,
descaminho de objectos colocados sob o poder público e desobediência
qualificada) correspondem penas não superiores a cinco anos, pelo que o recurso
para este Supremo Tribunal, também não seria admissível, nos termos do art.
400°, n.° 1, alínea e), do CPP.
Assim, não se admite o recurso interposto».
3. Notificado deste despacho, o ora reclamante requereu ainda o “esclarecimento
do mesmo, numa parte e reforma da sentença noutra parte” (requerimento de fl. 57
e segs. dos presentes autos de reclamação, mas que constituía fl. 84 e segs. dos
autos originais).
Por despacho de 1 de Junho de 2007, o requerido foi indeferido, com os
fundamentos que se seguem:
«Com efeito, a decisão em crise é facilmente inteligível tendo nela ficado
claramente demonstrado que a decisão de que se pretendia recorrer não punha
termo à causa, nos termos do disposto no art. 400.°, n.º 1, alínea c), do CPP.
O ora requerente vem também questionar o segmento do despacho em causa onde se
disse que “ (...) a decisão que pôs termo à causa foi o acórdão da Relação já
transitado em julgado que rejeitou o recurso (...)”, por no seu entender esse
trânsito ainda não ter ocorrido. A este respeito, refere-se que, além do pedido
de esclarecimento não se destinar a discordar do julgado como indevidamente vem
manifestado, no acórdão da Relação de que se pretendia recorrer para este
Supremo Tribunal já se afirmava que o acórdão que rejeitara o recurso tinha
transitado em julgado.
Quanto ao pedido de reforma, fundado na circunstância de o requerimento para
apreciação de prova superveniente, ao abrigo do art. 712.° do CPC, ter sido
rejeitado pela primeira vez na Relação, a implicar que a norma aplicável seria a
do art. 432.°, alínea a) do CPC, também não procede. Com efeito, a situação em
causa não é subsumível na previsão desta norma, uma vez que não pode entender-se
que o acórdão da Relação que recaiu sobre esse requerimento foi proferido em
primeira instância, para efeitos da referida norma, mas antes em instância de
recurso, por, apesar de ter sido proferido ex novo, respeitar a acórdão
proferido sobre recurso vindo da 1ª instância».
4. Foi então interposto recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes
termos:
«A., recorrente nos autos supra identificados não se conformando com a douta
decisão que não lhe admitiu o recurso interposto, lhe indeferiu a reclamação
deduzida, e indeferiu a mesma totalidade e o seu requerimento de fls 84 e sgs,
vem delas interpor recurso para o tribunal constitucional, o que faz nos
seguintes termos:
O recurso é interposto ao abrigo da Al. b) do n.°1 do art.° 70 da Lei 28/92 de
15 de Novembro, na redacção dada pela Lei 85/89 de 7 de Setembro e pela Lei n.°
13-A198.
Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade dos art.°s 7l2 do CPC
aplicável por força do estatuído no art.° 4 do CPP, art.° 431 do CPP e 668 n.°1
Al. b) do CPC com a interpretação que lhe foi aplicada na decisão recorrida e
quando conjugados, violando tal entendimento o estatuído no artigo 32 n.º2 da
CRP.
Por outro lado em sede de reclamação o douto entendimento aí perfilhado pelo STJ
viola o disposto nos art.°s 27 n°1 e 2, 29 n.°6 e 32 todos da CRP, justificando
o presente recurso.
De facto, o recorrente ao apresentar no Tribunal da Relação factos novos e
juntando novos documentos, antes do trânsito em julgado da sentença, na ausência
de normativo especifico no CPP, terá de ver aplicado o disposto no art.° 712 do
CPC por aplicação do disposto no art° 4 do CPP.
E não pode aplicar-se “in casu”, o disposto no art° 412 n.°3 do CPP como o
refere o douto cordão da Relação.
É que o que ocorre nos autos é a existência de novos elementos de prova, que se
reputam essenciais para a descoberta da verdade e que se pretendem juntar ao
processo e ver apreciados, por se entender serem fundamento da alteração da
decisão judicial preferida.
A lei penal não prevê qualquer mecanismo ao qual se possa recorrer nestes casos,
reservando-lhe um vácuo jurídico, durante o período que medeia a prolação da
Sentença e o trânsito em julgado da mesma.
Isto, porque no douto entendimento dos Tribunais consultados, o único momento em
que o CPP admite a junção de novos factos e documentos ao processo é no recurso
da revisão da sentença e esse só pode ser interposto após trânsito em julgado da
sentença,
Ora, se a lei processual penal não prevê qualquer mecanismo que regulamente esta
situação, então o art.° 4 do CPP permite se recorra ao Processo Civil e o art.°
712 desse Código permite a junção de documentos e alegações de factos
supervenientes na pendência da acção, inclusive depois de proferida a sentença e
antes do trânsito em julgado da mesma.
O entendimento do Tribunal recorrido, de não se pronunciar sobre factos
supervenientes essenciais para a descoberta da verdade material, que inclusive
poderão alterar a decisão condenatória proferida, e remeter tal apreciação para
o momento posterior ao trânsito em julgado da sentença proferida poderá violar
os direitos e garantias de defesa em processo penal previstos, nomeadamente no
art.° 32 da CRP.
Tal invocação foi feita na própria alegação de recurso para o STJ.
Este Tribunal superior entendeu que a decisão do Tribunal da Relação e, em
causa, não é susceptível de recurso nos termos do disposto no art.° 400 Al. e)
do CPP.
Ora, tratando-se de decisão proferida em 1.ª instância, tal interpretação viola
o estatuído no art.° 32 n°1 da CRP, uma vez que não assegura o direito de
recurso sobre tal decisão que tem a ver com as garantias de defesa.
Com efeito, são questões manifestamente diferentes, a apreciação em sede de
processo pendente de factos e documentos supervenientes, porquanto as medidas de
coação definidas, mantêm-se
Ou a apreciação em processo de revisão, em que a pena determinada terá se der
cumprida.
Só que o arguido, logrou ainda em tempo descortinar prova superveniente
importante para ser apreciada e porventura poderá alterar a decisão, e não logra
conseguir a sua apreciação sem que transite em julgado a decisão a apreciar.
Também esta questão insusceptível de recurso da decisão em causa, foi levantada
em sede de reclamação, logo que o STJ a interpretou nesse sentido.
Do exposto é, no modesto entender do recorrente, manifesto que as interpretações
dos normativos supra referidos violam os direitos fundamentais de defesa do
recorrente, consignados na Constituição da Republica Portuguesa, nomeadamente
nos art.°s 20 n.°5, 32 n.°1,2 e 7 da CRP pois terá em causa a sua liberdade.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada no Recurso e na Reclamação,
sendo que a interpretação de que a pretensão do recorrente não é susceptível de
recurso só foi referida na reclamação porquanto o Tribunal da Relação recebeu o
recurso interposto e o recorrente sempre julgou que o STJ conheceria o recurso e
não o rejeitaria por impossibilidade do mesmo (…)»
5. Pelo despacho agora reclamado, o recurso para o Tribunal Constitucional não
foi admitido:
«O arguido A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos
do art. 70.°, n.º 1, alínea b), da LTC, de três despachos:
- despacho que não lhe admitiu o recurso;
- despacho que lhe indeferiu a reclamação;
- despacho que lhe indeferiu na totalidade o requerimento de fls. 84 e segs.
Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade dos “art.°s 712 do CPC, aplicável
por força do estatuído no art.° 4 do CPP, art.° 431 do CPP e 668, n.º 1, Al. b),
do CPC com a interpretação que lhe foi aplicada na decisão recorrida e quando
conjugados, violando tal entendimento o estatuído no artigo 32.° n.° 2 da CRP”.
Face ao disposto no n.° 2 do art. 72° da LTC, o recurso previsto na alínea b) do
n.° 1 do art. 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a
questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer”.
E na reclamação não foi suscitada adequadamente qualquer questão de
inconstitucionalidade.
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 421/2001 – DR, II Série de 14.11.2001
entendeu-se (…).
Segundo estes ensinamentos, não se considera suscitada qualquer questão de
inconstitucionalidade.
Acresce que nenhuma das normas consideradas inconstitucionais pelo arguido foi
aplicada nos despachos ora impugnados, o que inviabiliza qualquer julgamento
sobre elas por parte do TC, porquanto os recursos de constitucionalidade
desempenham uma função instrumental. Daí o Tribunal Constitucional só poder
conhecer de uma questão de constitucionalidade quando ela exerce influência no
julgamento da causa, o que não se verifica na situação dos autos».
6. É esta decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade que
constitui o objecto da presente reclamação, fundada na seguinte argumentação:
«1º
Interpôs o requerente recurso para o Tribunal Constitucional do douto despacho
que não lhe admitiu o recurso endereçado ao S.T.J.
2°
Foi tal recurso rejeitado liminarmente pelas razões que constam do douto
despacho de indeferimento.
3º
Daí que caiba a presente reclamação para o Tribunal Constitucional nos termos
dos normativos supra citados, assentando a sua reclamação num conjunto de factos
que julga lho permitirem.
4º
De facto, o reclamante aponta, como fundamento do seu recurso, um conjunto de
violações de normas constitucionais na douta decisão em causa que inquinam a
douta decisão em crise.
5°
E para conhecer da eventual violação ou não dessas normas existe um Tribunal com
competência especifica, na circunstância o Tribunal Constitucional.
6°
Com efeito, é ao Tribunal Constitucional que compete apreciar a
inconstitucionalidade e ilegalidade.
7º
A legitimidade para recorrer está ligada ao interesse directo a impugnar a
decisão por via de recurso.
8°
Daí que o ordenamento jurídico, tenha reconhecido a faculdade de recorrer às
pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi
recorrida, tenham legitimidade para interpor recurso.
9º
E tem legitimidade para interpor recurso a parte que suscitou a questão da
inconstitucionalidade.
10°
A questão da inconstitucionalidade tanto pode respeitar a norma ou a uma sua
dimensão parcelar, considerada em si, como, também, e mais restritamente, a
interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na
decisão recorrida.
11º
As normas são todas as que integram o ordenamento jurídico português.
12°
Susceptíveis de recurso são pois, as decisões judiciais, nas circunstâncias
atrás referidas.
13°
O recurso interposto foi-o ao abrigo da al b) do n°1 do artigo 70° da Lei n°
28/82 de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n° 85/89 de 7 de Setembro e
pela a lei n° 1 3-a/98.
14º
E pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 712 do C. P.
Civil aplicável por força do estatuído no artigo 4°do C.P.P, artigo 431 do
C.P.P. e 668 n°1 al a) e b) do C.P.C com a interpretação que lhe foi dada na
decisão recorrida e quando conjugados, violando tal entendimento o estatuído no
artigo 32° do C.R.P.
15°
O douto entendimento perfilhado nos autos e que determina a rejeição do recurso
viola o estatuído nos artigos 27° nº 1 e 2, 29° n° 6 e 32° n° 2 da C.R.P.
16°
De facto, desde logo tal entendimento põe em risco a liberdade do reclamante
porquanto não vê apreciado um recurso, interposto atempadamente e antes do
trânsito em julgado de sentença condenatória, que poderá alterar
substancialmente os factos que lhe são imputados com reflexo na decisão
condenatória tomada.
17°
O eventual inicio do cumprimento da pena, sem que veja apreciado o seu pedido de
apreciação de prova, com documentos e testemunhos supervenientes, mas surgidos
antes do transito em julgado dessa mesma sentença, levará a que eventual
privação de liberdade configure desrespeito do artigo 27° n° 2 da C.R.P.
18°
Manifestamente poderá violar o estatuído no artigo 29° n° 6 da C.R.P o qual
permite expressamente a revisão do processo face à injustiça de uma condenação
que é o que ocorre expressamente no caso presente, porquanto o recorrente
julga-se injustiçado, apresentou prova superveniente e que determina a revisão
do processo ainda na pendência do mesmo, e o Tribunal vem-se recusando a
aprecia-la e impede-lhe o cumprimento da pena já determinada
19°
Arrastando tal procedimento processual a violação do artigo 32° da C.R.P. na sua
globalidade por violar, tal entendimento, as garantias em processo penal.
20°
Acresce que o reclamante ao apresentar no Tribunal da Relação factos novos e
juntando documentos supervenientes, como se referiu já antes do transito em
julgado da sentença condenatória e que se pretende rever, terá de ver aplicado o
disposto no artigo 712 do C.P.C por aplicação do disposto no artigo 4° do C.P.P.
21°
Não se devendo aplicar o 412 n° 3 do C.P.P. como vem sendo referido nas decisões
em crise.
22°
A Lei penal não prevê qualquer mecanismo judicial ao qual se possa recorrer no
caso de surgirem novos elementos com relevo para a descoberta da verdade
material, no período compreendido entre a prolação da sentença condenatória e o
transito em julgado da mesma.
23°
E os Tribunais interpelados a pronunciarem-se a este respeito vêm afirmando que
tais provas só deverão ser apreciadas em sede de revisão de sentença após o
trânsito em julgado da sentença condenatória.
24°
É esta interpretação que, no modesto entender do reclamante viola os preceitos
constitucionais supra referidos e que urge interpretar à luz daqueles
princípios.
25°
O reclamante tem invocado ao longo dos seus requerimentos esta argumentação.
26°
O S.T.J entendeu que a decisão do Tribunal da Relação, e em causa, não é
susceptível de recurso nos termos do disposto no artigo 400 n° 1 al. e).
27°
Ora, tratando-se de decisão proferida em 1ª instância, tal interpretação viola
no entendimento do reclamante o artigo 32° nº 1 da C.R.P. uma vez que não
assegura o direito de recurso do reclamante.
28°
A insusceptibilidade do recurso da decisão em causa, foi levantada em sede de
reclamação logo que o S.T.J a interpretou nesse sentido.
29°
Sendo que tal interpretação viola o estatuído nos artigos 20° n°5, 32° n° 1,2 e
7da C.R.O e todos os demais supra alegados.
30º
Esta em causa a liberdade do reclamante, conjugada com a justiça da decisão
condenatória atentos os factos supervenientes alegados e cuja apreciação se
pretende na instancia própria.
31°
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada no recurso e na reclamação
sendo que a interpretação de que a pretensão do recorrente não é susceptível de
recurso só foi referida na reclamação, porquanto o Tribunal da Relação recebeu o
recurso interposto e ordenou a sua subida.
32°
Ao contrario do doutamente referido na douta decisão em causa e com o devido
respeito, que é muito, o reclamante sem se alongar na fundamentação, o que
ocorrera logo que o recurso seja recebido e para sua completa apreciação,
indicou as normas constitucionais violadas e referiu expressamente a razão da
sua discordância.
33°
Não esta obrigado processualmente, segundo julga, a fundamentar de direito, na
interposição de recurso da sua discordância com a decisão em crise, o que fará
oportunamente e de acordo com as normas legais aplicáveis».
7. Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou no seguinte sentido:
«A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento, atenta a evidente
inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso: para além de o ora
reclamante não ter cumprido o ónus de suscitação de qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, durante o processo, é evidente que não foi
aplicada, como “ratio decidendi” a “norma” específica como integrando o objecto
do recurso endereçado a este Tribunal Constitucional».
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A presente reclamação tem por objecto o despacho que não admitiu o recurso para
este Tribunal, por não ter sido suscitada adequadamente qualquer questão de
inconstitucionalidade e por nenhuma das normas consideradas inconstitucionais
ter sido aplicada nos despachos impugnados.
1. Importa começar por assinalar que, apesar de o recorrente ter interposto
recurso para este Tribunal da decisão do Tribunal da Relação do Porto que não
admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do despacho que indeferiu
a reclamação deduzida e da decisão que indeferiu o requerimento de fl. 84 e
segs., apenas as duas últimas decisões são recorríveis, face ao disposto nos
n.ºs 2 e 3 do artigo 70º da LTC. Com efeito, relativamente à decisão que não
admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não pode dar-se como
verificado o requisito do esgotamento de todos os recursos ordinários que no
caso cabiam, o que é particularmente evidente no caso em apreço, uma vez que tal
decisão foi objecto de reclamação, a qual é equiparada, por força de lei, aos
recursos ordinários.
2. Decorre do teor do requerimento de interposição de recurso que estão em causa
duas questões: a inconstitucionalidade dos artigos 712º do Código de Processo
Civil, aplicável por força do estatuído no artigo 4° do Código de Processo
Penal, artigo 431º do Código de Processo Penal e artigo 668º, n°1, alínea b), do
Código de Processo Civil, com a interpretação que lhe foi aplicada na decisão
recorrida e quando conjugados; a inconstitucionalidade da interpretação que o
Tribunal superior fez do artigo 400º, alínea e), do Código de Processo Penal.
Independentemente de o recorrente não ter identificado correctamente as
dimensões normativas que questiona, o facto é que nenhuma das decisões
recorridas aplicou, como ratio decidendi, qualquer norma extraída daquelas
disposições legais.
2.1. O despacho que indeferiu a reclamação deduzida, o despacho do Supremo
Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação do despacho do Tribunal da
Relação do Porto que não admitiu o recurso interposto, fundou-se no disposto no
artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal – não é admissível
recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo
à causa – e não na alínea e) do nº 1 do mesmo artigo. De facto, a razão de
decidir no sentido de não ser admissível recurso do acórdão do Tribunal da
Relação que indeferiu o então requerido assentou na circunstância de este
acórdão não pôr termo à causa. De resto, é isto mesmo que resulta da decisão que
conhece o pedido de esclarecimento do despacho que indeferiu a reclamação
deduzida, quando se escreve que “a decisão em crise é facilmente inteligível
tendo nela ficado claramente demonstrado que a decisão de que se pretendia
recorrer não punha termo à causa, nos termos do disposto no art. 400.º, n.º 1,
alínea c), do CPP”.
Por outro lado, como o Supremo Tribunal de Justiça decidiu reclamação contra
despacho de não admissão de recurso, nos termos do previsto no artigo 405º do
Código de Processo Penal, não aplicou qualquer norma extraída dos artigos dos
artigos 712º e 668º, nº 1, do Código de Processo Civil e 431º do Código de
Processo Penal. Foi o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de que o
reclamante pretendia recorrer, que indeferiu o requerimento apresentado pelo
arguido, onde solicitava a apreciação de um documento e inquirição de
testemunha, ao abrigo do disposto nos artigos 4º do Código de Processo Penal e
712º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, e arguía a nulidade prevista
no artigo 120º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Penal. Pode mesmo ler-se
no despacho que indeferiu a reclamação deduzida que “a reclamação prevista no
art. 405.º do CPP não se destina a discordar do acórdão de que se pretende
recorrer, como indevidamente vem manifestado pelo ora reclamante, tendo em conta
que nesta sede apenas está em causa a admissibilidade do recurso ou a sua subida
imediata”.
2.2. Quanto ao despacho que indeferiu o requerimento de fl. 84 e segs., através
do qual foi pedido o esclarecimento e a reforma da decisão que indeferiu a
reclamação deduzida, é de concluir que também ele não aplicou qualquer norma
extraída das disposições legais invocadas no requerimento de interposição de
recurso. Considerando o teor e o objecto daquele despacho é de concluir, isso
sim, que o indeferimento do requerido está suportado no artigo 669º do Código de
Processo Civil.
3. Conforme jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional,
constituem, entre outros, requisitos do recurso de constitucionalidade previsto
na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação
pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade
é questionada pelo recorrente e o esgotamento de todos os recursos ordinários
que no caso cabiam (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 497/99, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Assim sendo, como bem se decidiu no despacho reclamado, o recurso não podia ser
admitido.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 17 de Outubro de 2007
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão