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Processo n.º 988/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal de Instrução Criminal
do Porto, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do
artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), da decisão de fls. 385 que indeferiu o requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Para tanto, invoca o seguinte:
«Vem o presente recurso para apreciação da inconstitucionalidade da
interpretação plasmada nas decisões exaradas ao longo do processado de protecção
jurídica rejeitado liminarmente em sede do Tribunal a quo com o sucinto lapidar
fundamento de que não foi suscitada a inconstitucionalidade das normas em causa
antes da sentença judicial que confirmar a decisão administrativa, pretendendo
sustentar-se no n.° 1 do art.° 70.° da sobredita Lei.
Ora uma tal fundamentação enferma, salvo o devido respeito, que muito é, de uma
grave erro, como se evidencia nas conclusões n.°s 2, 4 e 8 da impugnação
judicial apresentada ao Tribunal a quo, como também o havia sido no antecedente
em sede de audição prévia dada ao processo administrativo em 2006.06.06. na sua
parte final.
Donde que, ao contrário do fundamento expresso no douto despacho aqui sob
reclamação estejam cumpridos todos os pressupostos legais impostos pelo invocado
artº 70.°. n.° 1. alínea b), da já citada Lei n.° 28/82.
Como também o estão ao ter-se esgotado previamente todas as instâncias de
recurso ordinário, como impõe o n.° 2 da mesma norma, tendo sido submetidas as
questões sub judice ao Tribunal da Relação do Porto, que julgou inadmissível o
recurso tirado sobre protecção jurídica, interpretação normativa que o Tribunal
Constitucional não aceitou sindicar não atendendo ao inusitado e inesperado da
questão ali primária e inesperadamente suscitada.
Tudo como o resumido em sede do requerimento de interposição de recurso
constitucional ora rejeitado, cujos termos integrais se têm aqui por
reproduzidos para estes efeitos reclamatórios.
Pelo que, data venia, será de admitir liminarmente o recurso para os ulteriores
termos.
O que, desde já se deixa expressamente requerido, sob pena de se estar violando
direitos fundamentais de acesso ao direito e aos tribunais e de recurso,
reconhecidos ao cidadão português, segundo os tratados e convenções
internacionais ratificados pelo Estado Português, mormente os art.°s 6.°, n.° 1,
13.° e 14.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais.
A presente reclamação deverá ser instruída com o requerimento de impugnação
judicial da decisão administrativa, a decisão correspondente, o requerimento de
interposição do recurso em causa, sua decisão e ainda certificando-se o prévio
esgotamento dos recursos ordinários.»
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional emitiu
parecer sustentando a manifesta improcedência da reclamação, por o recorrente
não ter suscitado «durante o processo e em termos processualmente adequados
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base
ao recurso interposto».
2. Com relevância para a presente decisão resulta dos autos o seguinte:
a) A. impugnou judicialmente a decisão de indeferimento do seu requerimento de
apoio judiciário, alegando nas respectivas conclusões, designadamente, o
seguinte:
«(…) 1. A decisão administrativa ora impugnada viola os dispositivos contidos
nos Art°s 70, 8°, e 20°, n° 2, da Lei n° 34/2004. de 29 de Julho, nos Art.°s 4º,
n° 2, 10º, n° 5, 14° e 15º da Portaria n° 1085-A/2004, e ainda nos Art°s 30,
6°-A, 89°, n° 2, alínea b), in fine, e 91º, n° 1, estes do Código de
Procedimento Administrativo;
2. Interpretação diferente da supra expandida da letra e espírito das citadas
normas legais é inconstitucional por violação dos imperativos dos n.°s 1, 4 e 5
do Art° 20° e n° 3 e 4 do Art° 268°, da mesma Lei Fundamental;
(…) 4. Dessa falta de fundamentação atempada e persistente resulta a
clarividente violação do disposto peremptoriamente nos Art°s 91° e 125°, do já
aludido Código de Procedimento Administrativo, cuja eventual interpretação
diversa do que vai expandida supra sempre violará o imperativo constitucional
dos n°s 3 e 4 do Art° 268° da Constituição da República;
(…) 8. Argúem-se aqui expressamente para todos os efeitos da lei, mormente os do
Art° 72°, n° 2, da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, as inconstitucionalidades
interpretativos de todas as normas supra citadas e violadoras dos imperativos
fundamentais que foram mencionadas nos itens alíneas 2 e 4 destas conclusões
recursivas, corolário dos demais, entendendo-se como correcta as interpretações
que subjazem do texto do presente recurso, no conjunto e concomitância das suas
alegações e conclusões (…)».
b) Por decisão de 30.08.2006, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto julgou
improcedente o recurso e confirmou a decisão impugnada, com os seguintes
fundamentos:
«(…) Como se viu supra, o I.S.S. indeferiu o requerido benefício porque o
requerente não juntou todos os documentos necessários à sua apreciação e
solicitados a folhas 41 a 43. É certo que o requerente respondeu a esta
notificação nos termos melhor constantes de folhas 44 e seguintes, mas menos
certo não é que não juntou o que se lhe pediu e designadamente o melhor referido
no artigo 5º de folhas 10.
Assim e sendo certo que a documentação obrigatória à apreciação e decisão está
enumerada nas disposições conjugadas dos artigos 7º e 8º da L.A.J. e 3º, 4º e 5º
da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31/08, e apesar de solicitada não foi junta,
mais não nos resta do que concordar com a decisão do I.S.S. no sentido de não se
mostrarem reunidos os requisitos necessários à aferição da situação económica do
agregado familiar do requerente, pelo que não vislumbramos que a decisão
administrativa enferme de qualquer vício (…)».
c) Desta decisão, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos seguintes termos:
«I
Para apreciação da inconstitucionalidade interpretativa das normas
conjugadamente contidas nos artigos 7.°, 8.° e 20.°, n.° 2 da Lei n.° 34/2004,
artigos 4.°, n.° 2, 10.°, n.° 5, 14.° e 15.° da Portaria n.° 1085-A/2004, de 31
de Agosto, e artigos 3.°, 6.°-A, 89.°, n.° 2, alínea b), in fine, e 91., n.° 1
do Código de Procedimento Administrativo, na interpretação emergente da douta
decisão recorrida no sentido de que a documentação elencada nos dispositivos da
lei de protecção jurídica e na Portaria reguladora são de carácter obrigatório,
sem dispensa alguma, mesmo se respeitantes a factos inexistentes ou não exigidos
pelas leis fiscais correspondentes.
Uma tal interpretação dessas conjugadas normas legais viola capitalmente os
princípios do acesso ao direito e aos tribunais, do direito ao recurso, e da
legalidade e boa fé, imperativos dos n.°s 1, 4 e 5 do artigo 20º, e n.°s 3 e 4
do artigo 268.°, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Esta questão de inconstitucionalidade interpretativa foi suscitada expressa e
cautelarmente nas conclusões n.°s 2 e 8 da impugnação judicial da decisão
administrativa apresentada no tribunal a quo.
Sendo a interpretação considerada correcta pelo recorrente a constante nas
conclusões 5 a 7 da sobredita impugnação judicial e que se resume a que o ora
recorrente está dispensado de apresentar documentos cuja existência as leis
fiscais não prevêem nem exigem para as sociedades com actividade cessada,
contendo a restante documentação que instruiu o processo administrativo todos os
demais elementos probatórios necessários para a boa apreciação do pedido
formulado sendo que se os não contivesse de forma suficiente sempre haveria que
deitar mão aos métodos extraordinários de aferição da insuficiência económica
previstos expressamente na respectiva lei de protecção jurídica.
II
Para apreciação da inconstitucionalidade interpretativa das concomitantes normas
contidas nos artigos 91º e 125.° do Código de Procedimento Administrativo, na
interpretação emanente da mesma decisão ora sindicada, ainda que não
perfeitamente expressa, no sentido de que a decisão administrativa se mostra
perfeita e válida sem violação de quaisquer regras procedimentais aplicáveis.
Essa interpretação, subjacente à totalidade do texto decisório, viola os
imperativos dos n.°s 3 e 4 do artigo 268.°, da Constituição da República
Portuguesa.
A questão da inconstitucionalidade interpretativa foi expressa e cautelarmente
suscitada em sede de conclusões n.°s 4 e 8 da mesma impugnação judicial da
decisão administrativa.
Considerando-se correcta aquela que vem expressa na conclusão n.° 3 que antecede
as supra referidas, ou seja de que à decisão administrativa falta a
fundamentação de facto e de direito quanto à exigibilidade dos documentos
solicitados cerceando a boa defesa de tese contrária por parte do recorrente.
(…)»
d) Por despacho de 20.09.2007, o tribunal a quo indeferiu o requerimento de
interposição do recurso, com fundamento na não verificação de nenhum dos casos
previstos no artigo 70.º, n.º 1, da LTC, e por não ter sido suscitada a
inconstitucionalidade das normas em causa antes daquela decisão.
3. O reclamante pretende interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que tem como pressuposto específico
que a decisão recorrida aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo.
Como se referiu no despacho reclamado e é salientado no parecer do Ministério
Público, é manifesto que o reclamante não suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade no decurso do processo.
Na verdade, nas conclusões da sua impugnação judicial, o reclamante limita-se a
dizer que um conjunto de disposições da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e da
Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, é inconstitucional e indica como
violados um conjunto de preceitos constitucionais, mas não aponta, em relação a
cada uma das normas, qual a interpretação que reputa inconstitucional nem o
porquê da sua incompatibilidade com a Constituição.
Pelo que não se mostra cumprido o ónus que assistia ao recorrente de suscitar,
de forma clara e precisa, a questão de constitucionalidade, de modo a permitir
que o tribunal recorrido dela conhecesse.
Não estão, por isso, reunidos os pressupostos legais de admissibilidade do
presente recurso.
4. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o
recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Dezembro de 2007
Joaquim Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos