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Processo n.º 1045/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no n.º 4 do art.º 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que não
lhe admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional do despacho que
indeferiu reclamação para ele apresentada.
2 – A ora reclamante deduziu reclamação para o Presidente do STJ de
um despacho proferido pelo relator, no Tribunal da Relação de Lisboa, que não
lhe admitiu recurso interposto para o STJ de decisão da mesma Relação.
Essa reclamação foi indeferida, por despacho do seguinte teor:
«I. A requerente A. interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal do
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, em incidente de incumprimento que
corre por apenso ao processo de regulação do poder paternal, confirmou a decisão
da ia instância que absolvera o requerido da instância, por verificação da
excepção dilatória do caso julgado.
Por despacho o Ex.mo Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido, nos
termos do art. 754º, nº 2, do CPC.
Desse despacho reclama o recorrente sustentando que o recurso é de admitir, nos
termos do art. 721º, nº 2, do CPC, com fundamento em violação de lei
substantiva, consistente tanto no erro de interpretação e de aplicação, como no
erro de determinação da norma aplicável; daí que estando em causa estritamente
critérios de legalidade haja lugar ao recurso de revista.
II Cumpre apreciar e decidir.
Não assiste qualquer razão à reclamante por o recurso de revista pressupor uma
decisão de mérito a impugnar com fundamento em violação de lei substantiva, nos
termos do art. 721º, nº 1 e 2, do CPC.
E o acórdão questionado, ao confirmar a decisão a 1ª instância que absolvera o
requerido da instância, por verificação da excepção dilatória do caso julgado,
tendo em conta que já existia decisão definitiva a determinar a cobrança
coerciva dos mesmos alimentos a menor, não conheceu do mérito, pois trata-se de
uma decisão que reveste carácter meramente formal.
Por outro lado, o recurso de agravo também não é admissível, atento o disposto
na ia parte do nº 2 do art. 754º do CPC, uma vez que não se verificam nenhum dos
casos excepcionados nos nºs 2, segunda parte, e 3 do referido artigo.
III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Custas pela reclamante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Notifique.».
3 – Inconformado com esta decisão do Presidente do STJ, a ora
reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional através de
requerimento com o seguinte teor:
«A., Recorrente, m.i. nos autos à margem referenciados, não se conformando
com o douto Despacho, proferido no dia 26 de Junho de 2007, e consubstanciado a
fls... (omisso), do mesmo vem, nos termos dos arts. 75º-A, 75º, nº 1 e 72º, nº
1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas
pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, pela
Lei nº 88/95, de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro
(Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), interpor,
mediante o presente requerimento, recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do art. 70º, da mencionada Lei.
Salvo, sempre, o devido respeito, o recurso, ora requerido, está em tempo (art.
75º, nº 1), deve subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo
(art. 78º, nº 4), da mencionada Lei.
P.E.D.
Junta: face, à renúncia do mandato, por banda do mandatário do Recorrido, não se
procede á junção de documentação comprovativa do cumprimento do disposto nos
arts. 229º-A, nº 1 e 260º-A, nº 1, ambos do C.P.C., efectivando-se a expedição
da presente requestação, no dia 12 de Julho de 2007, mediante a modalidade de
telecópia, nos termos do art. 150º, nº 1, al. c), do C.P.C.».
4 – O recurso não foi admitido por despacho que discreteou do
seguinte jeito:
«Face ao disposto no nº 2 do art. 72º da LTC, o recurso previsto nas alínea b)
do nº 1 do art. 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado
a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade “de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer”.
Refira-se ainda que o recurso de inconstitucionalidade no nosso sistema jurídico
só pode incidir sobre normas e não sobre decisões judiciais, como resulta do nº
1 do 280º da CRP.
Donde, não se admitir o recurso para o Tribunal Constitucional, por se reportar
à nossa decisão de 26.06.07 e não a qualquer norma em que a mesma decisão se
tenha baseado.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 2 UC, sem prejuízo do benefício
do apoio judiciário.
Notifique».
5 – Fundamentando a sua reclamação para o Tribunal Constitucional, a
reclamante expende o seguinte discurso:
«I – Razões que justificam a admissão do recurso.
Sustenta-se, no despacho reclamado que:
[…],
Face ao disposto no nº 2 do art. 72º da LTC, o recurso previsto na alínea b) do
nº 1 do art. 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a
questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade “de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer”.
Refira-se ainda que o recurso de inconstitucionalidade no nosso sistema jurídico
só pode incidir sobre normas e não sobre decisões judiciais, como resulta do nº
1 do art. 280º da CRP.
Donde, não se admitir o recurso para o Tribuna! Constitucional, por se reportar
à nossa decisão de 26.06.07 e não a qualquer norma em que a mesma decisão se
tenha baseado,
[…]
Cremos, contudo, e com toda a consideração, não ser de acolher tal entendimento.
Por um lado, não corresponde à verdade que, o recurso interposto pela
Recorrente, se reporte à decisão de 26.0607, conforme se pode vislumbrar na
dedução exarada no dia 12 de Julho de 2007, por outro lado, preceitua o art.
75°-A, nº 5, da Lei do Tribunal Constitucional que: “(...), Se o requerimento de
interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente
artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de dez
dias”.
Nestes termos, deverá ser julgada procedente a presente reclamação
consequentemente, ser revogado o despacho reclamado, substituindo-se por outro
que, invite a Requerente a indicar os elementos em falta, no requerimento de
interposição do aludido recurso,
II – Elementos com que pretende instruir a reclamação.
Em cumprimento do preceituado no nº 2, do art. 688º do C.P.C., requer-se a
emissão de certidão das seguintes peças inclusas nos autos:
- Requerimento de interposição do recurso, exarado no dia 12 de Julho de 2007;
- Despacho do Exm° Sr. Dr. Juiz Conselheiro, exarado no dia 21 de Setembro de
2007, negando a admissibilidade do recurso interposto, consubstanciado a fls. …
(omisso).
P.E.D.».
6 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional,
pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, dizendo:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
Na verdade, o reclamante não indica nem especifica minimamente qual a “norma” a
que pretende reportar o recurso, o que implica a evidente inexistência ou
inidoneidade do objecto dessa impugnação, conduzindo naturalmente à sua liminar
rejeição.”.
B – Fundamentação
7.1 - Estabelecem os art.ºs 280º, n.º 1, al. b), da CRP, e 70º,
n.º1, al. b), da LTC que cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões
dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo.
Segundo a jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, só
podem constituir objecto desse recurso constitucional normas jurídicas que
tenham constituído ratio decidendi da decisão (cfr., a título de exemplo, o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96, publicado no DR II Série, de 15 de
Maio de 1996, e J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, Coimbra, 1998, p. 821).
O recurso de constitucionalidade tal como foi gizado pelo legislador
constitucional – com natureza instrumental e relativamente a normas jurídicas -
tem em vista o controlo da conformidade com a Constituição (as normas e
princípios constitucionais) das normas jurídicas que tenham sido convocadas como
suporte normativo da concreta decisão proferida.
Sendo assim, estão arredados do objecto do recurso os outros actos
admitidos na ordem jurídica, embora estes façam aplicação directa das normas e
princípios constitucionais, como acontece com as decisões judiciais (sentenças e
despachos), os actos administrativos e os actos políticos.
Deste modo, não pode no recurso de constitucionalidade sindicar-se a
correcção jurídica da sentença, no que concerne à aplicação que a mesma faça
directamente das normas de direito infraconstitucional e das normas e princípios
constitucionais.
A violação directa das normas e princípios constitucionais pela
decisão judicial, atenta a circunstância de não vigorar entre nós o meio
constitucional do recurso de amparo, apenas pode ser conhecida no plano dos
recursos de instância previstos na respectiva ordem de tribunais.
Não obstante o recurso de constitucionalidade respeitar a uma
decisão judicial e a decisão naquele proferida no sentido da
inconstitucionalidade ou da constitucionalidade da(s) norma(s) jurídica(s) nele
sindicadas poder afectar a manutenção da decisão, na medida em que um juízo nele
tirado sobre a questão de constitucionalidade em sentido desconforme com o
efectuado na decisão proferida pelo tribunal recorrido obrigará à reforma desta,
o objecto do recurso é tão só a norma jurídica que constitua a ratio decidendi
da decisão.
Nesse recurso apenas cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se
sobre se a norma jurídica concretamente aplicada é ou não constitucionalmente
válida.
7.2 – Ora, como se verifica do requerimento de interposição do
recurso que acima se deixou transcrito, a reclamante apresentou-se a recorrer
directamente do despacho do Presidente do STJ e não de qualquer norma que o
mesmo houvesse aplicado e que tivesse por inconstitucional.
Constituindo a norma de direito infraconstitucional o objecto do
recurso constitucional, é indispensável que o recorrente manifeste a intenção de
querer recorrer da aplicação que da mesma foi feita na decisão recorrida, por
modo tido por constitucionalmente desconforme.
Argumenta a reclamante que esse requisito poderia ser suprido no
cumprimento do convite a que se reporta o n.º 5 do art.º 75.º-A da LTC.
Todavia, a formulação desse convite apenas tem sentido quando o
requerimento de interposição do recurso contém indícios mínimos verbais que
inculquem que o recorrente pretende ver apreciada uma norma e não a decisão
judicial em si própria, o que, no caso, não acontece.
Tendo sido alegada, mas não vindo a norma cuja apreciação de
constitucionalidade se pretende definida ou identificada, justifica o princípio
do favor actionis, imanente na garantia fundamental do acesso aos tribunais,
consagrada no art.º 20.º, n.º 1, da CRP, que o recorrente seja convidado a
suprir essa deficiência.
Mas a situação é completamente diferente quando, laborando em erro
de concepção jurídica, o recorrente lança mão do recurso de constitucionalidade
como se fora um recurso de instância, visando a reapreciação do mérito da
decisão recorrida.
Deste modo, a reclamação não merece deferimento.
7.3 – Mas mesmo que se entendesse ser caso de situação enquadrável
no n.º 5 do art.º 75.º-A da LTC, sempre se teria de concluir pela inutilidade da
formulação do convite ao recorrente e, consequentemente, pelo indeferimento da
reclamação.
Na verdade, constitui também pressuposto do recurso de
constitucionalidade que a questão de inconstitucionalidade seja suscitada em
tempo e de modo funcionalmente adequado para que o tribunal recorrido possa
conhecer dela.
Como nota Cardoso da Costa (“A jurisdição constitucional em
Portugal”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró,
Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e
ss.), «quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da
constitucionalidade (…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele
aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas
ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma
jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo
depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo
o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade
constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a
aplicação das que considerarem inconstitucionais (…). Este allgemeinen
richterlichen Prüfungs - und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado
expressamente (…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece
fiel ao princípio, tradicional e característico do direito constitucional
português, do “acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém,
se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário
que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo,
em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na
verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum
(depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o
Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero
expediente processual dilatório)».
Torna-se, pois, necessário que a questão de inconstitucionalidade
tenha sido suscitada durante o processo. A suscitação durante o processo tem
sido entendida, de forma reiterada pelo Tribunal, como sendo a efectuada em
momento funcionalmente adequado, ou seja, em que o tribunal recorrido pudesse
dela conhecer por não estar esgotado o seu poder jurisdicional.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o
tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que
convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional,
que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de
substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de
constitucionalidade fora da via de recurso.
Ora, a reclamante, não suscitou, na reclamação para o Presidente do
STJ, qualquer questão de constitucionalidade normativa e, no requerimento de
interposição de recurso, nem sequer alega ter sido surpreendido pela aplicação,
de todo imprevista e inesperada, de qualquer norma cuja ponderação se impusesse
fazer ao Tribunal, de modo a ajuizar se seria caso de dispensa do cumprimento do
ónus de suscitação.
C – Decisão
8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs., sem
prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Lisboa, 11/12/2007
Benjamim Rodrigues
Joaquim Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos