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Processo n.º 441/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorridos o
Ministério Público e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, foi
proferida decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso
(fls. 818/820), com o seguinte teor:
« I
Relatório
1. A. interpõe recurso do despacho de pronúncia (decisão que o pronunciou pela
prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social) para o
Tribunal da Relação do Porto.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 17 de Janeiro de 2007, negou
provimento ao recurso, confirmando despacho de pronúncia.
2. O arguido interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
Os recorrentes declaram que o seu recurso é sustentado pela alínea b) do n° 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Em causa está a violação do princípio de igualdade, consignado no artigo 13° da
Constituição, o qual foi invocado no requerimento da abertura de instrução e nas
alegações de recurso para o Tribunal da Relação.
O Relator proferiu Despacho, ao abrigo do nº 5 do artigo 75°-A da Lei do
Tribunal Constitucional para o recorrente indicar elementos em falta no
requerimento de interposição do recurso (fls. 813), ao qual o recorrente
respondeu do seguinte modo:
Nesta conformidade, consigna que a norma cuja constitucionalidade pretende ver
apreciada, é Decreto-Lei n° 303/2003, de 5 de Dezembro, maxime o seu artigo 5º,
n° 1, no que tange aos efeitos processuais de cessão de créditos do estado e de
Segurança Social.
3. Cumpre agora apreciar e decidir.
II
Fundamentação
4. O requerimento de interposição do recurso previsto na alínea b) do n° 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional deve conter a indicação da norma ou
da dimensão normativa que o recorrente pretende submeter à apreciação do
Tribunal Constitucional (artigo 75°-A, n° 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
O recorrente, na resposta ao Despacho proferido ao abrigo do artigo 75°-A da Lei
do Tribunal Constitucional, afirma que considera inconstitucional o Decreto-Lei
n° 303/2003, de 5 de Dezembro, “maxime a seu artigo 5°, n° 1, no que tange aos
efeitos processuais de cessão de créditos do Estado e da Segurança Social”.
Ora o recorrente não indica qualquer critério material da decisão, ou seja, não
identifica o conteúdo de uma norma ou dimensão normativa. Limita-se a referir um
diploma legal anterior, destacando um dos seus preceitos e mencionando efeitos
processuais que não especifica.
O recorrente não deu assim cumprimento ao disposto no artigo 75º-A da Lei do
Tribunal Constitucional, pelo que o requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade será indeferido (artigo 76°, n° 2, da Lei de Tribunal
Constitucional).
5. Não obstante, acrescentar-se-á o seguinte:
O recurso previsto nos artigos 280°, n° 1, alínea b), da Constituição e 70º, n°
1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional tem como pressuposto haver sido
suscitada a questão de constitucionalidade durante o processo.
O recorrente, nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto
(momento em que a questão tinha de ser suscitada — n° 2 do artigo 72° da Lei do
Tribunal Constitucional), não arguiu qualquer inconstitucionalidade normativa,
já que em momento algum imputou o vício de inconstitucionalidade a uma norma
jurídica. Na verdade, invocou só a violação do artigo 13° da Constituição pela
própria decisão recorrida.
Deste modo, não se verifica o pressuposto processual do recurso de
constitucionalidade, pelo que, também com esse fundamento, não se tomará
conhecimento do seu objecto.
III
Decisão
6. Ante o exposto, decide-se indeferir o requerimento de interposição do recurso
de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.
Lisboa, 8 de Maio de 2007».
2. Notificado desta decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com fundamento, em síntese, no seguinte:
«(…) 4. Acontece que, o recorrente deu cumprimento integral aos requisitos supra
enunciados, depois de ter correspondido ao convite de aperfeiçoamento formulado
pelo relator.
5. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente declarou que:
- “o recurso é sustentado pela al. b) do nº 1 art. 70º do C.P.C.”
- “em causa está a violação do princípio da igualdade consignado no art. 13º do
C.P.C.”
- e, a violação daquele princípio “foi invocada no requerimento da abertura de
instrução e nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação.”
6. Instado para completar o requerimento de interposição do recurso, o
recorrente veio suprir a falta de indicação de norma constitucional que pretenda
ver apreciada.
7. No caso, declarou o recorrente que “a norma cuja constitucionalidade pretende
ver apreciada, é o DL. 303/2003 de 5/12, “maxime” o seu art. 5º nº 1, no que
tange aos efeitos processuais de cessão de créditos do Estado e da Segurança
Social.”
8. Pensamos, assim que o recorrente deu cumprimento cabal aos requisitos,
consignados no art. 75º-A da L.T.C.
9. No entanto, o Venerando Relator entendeu que o recorrente não indicou
“qualquer critério material de decisão”, não identificando o “conteúdo” de uma
norma ou dimensão normativa.
10. Além disso, o Venerando Relator indeferiu o requerimento por, o recorrente,
não especificar os efeitos processuais.
11. Pois bem, parece-nos que o Venerando Relator pretendia que se oferecessem,
desde logo as alegações e fundamentação do recurso interposto!...
12. Salvo todo o respeito, o requerimento em apreço respeitou os requisitos de
admissibilidade do recurso.
13. Se o tribunal constitucional entender confirmar a decisão do Venerando
Relator – o que não se perspectiva – estaria a inverter um princípio fundamental
do Direito Processual: o princípio da supremacia do direito substantivo e
material sobre o direito adjectivo e instrumental.
14. No momento oportuno – aquando das alegações – o recorrente apontará os
requisitos pretendidos pelo Venerando Relator.
15. Diga-se ainda que, o acrescento de fundamentação indicado pelo Venerando
Relator não tem sustentabilidade, salvo melhor opinião.
16. Resulta inequívoco que o recorrente invocou a inconstitucionalidade no
requerimento de abertura de instrução e nas alegações do seu recurso para o
tribunal da relação, tendo formulado as respectivas conclusões.
17. O recorrente acredita que o despacho de indeferimento será revogado por
outro que admita o recurso.
18. Pois, se assim não for, o Tribunal Constitucional estaria a limitar – o que
não se espera – em demasia o acesso à Justiça Constitucional!... (…)».
3. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da
reclamação, salientando que «a argumentação do reclamante – que confunde os
planos dos requisitos formais do requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade e dos pressupostos processuais que o legitimam – em nada
afecta a óbvia inverificação destes últimos.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada sustentou o não conhecimento do objecto do
recurso no facto de, por um lado, o recorrente não ter dado cumprimento ao
disposto no artigo 75.º-A da LTC e, por outro, não se verificar o pressuposto
processual do recurso de constitucionalidade, por o recorrente não ter arguido,
no decurso do processo, qualquer inconstitucionalidade normativa.
O reclamante persiste na afirmação de que “supriu a falta de indicação de norma
constitucional que pretende ver apreciada”, tendo indicado que “a norma cuja
constitucionalidade pretende ver apreciada, é o DL. 303/2003 de 5/12, “maxime” o
seu art. 5º nº 1, no que tange aos efeitos processuais de cessão de créditos do
Estado e da Segurança Social.” E acrescenta que «no momento oportuno – aquando
das alegações – o recorrente apontará os requisitos pretendidos pelo Venerando
Relator.»
Sem razão, porém.
Sobre o recorrente recai um ónus de identificação do objecto do recurso de
constitucionalidade, logo no requerimento de interposição do recurso (n.º 1 do
artigo 75.º-A da LTC). Ora, o recorrente não indicou qual a norma ou normas cuja
inconstitucionalidade quer ver apreciada, nem no requerimento de interposição do
recurso, nem posteriormente, após convite ao aperfeiçoamento do mesmo. A simples
invocação de que seria inconstitucional todo um diploma legal, com destaque para
um dos seus artigos, não é forma idónea e adequada de suscitar uma questão de
inconstitucionalidade normativa, como reiteradamente tem sido decidido por este
Tribunal.
O que leva igualmente a concluir, como fez a decisão reclamada, pela falta do
pressuposto processual do recurso de constitucionalidade.
É, assim, manifesta a improcedência da reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se a
decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 16 de Outubro de 2007
Joaquim Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos