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Processo n.º 926/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. interpôs acção, com processo comum, no Tribunal de Trabalho de Almada (proc.
nº 712/05.2TTALM, do 1º Juízo), contra B., pedindo a declaração de nulidade de
despedimento e a condenação desta no pagamento de diversas prestações
pecuniárias.
A acção foi julgada parcialmente procedente, tendo sido declarado ilícito o
despedimento da Autora e a Ré condenada a pagar diversas prestações pecuniárias.
Desta decisão interpôs a Ré recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que,
por acórdão de 18 de Abril de 2007, julgou-o improcedente e confirmou a sentença
da 1ª instância.
A Ré interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos:
“B., não se conformando com o nem por isso menos douto acórdão proferido nos
autos acima indicados e sem prejuízo de melhor e mais circunstanciado
desenvolvimento na fase posterior de alegações, vem, nos termos da alínea b) do
nº 1 do artigo 70º e nºs 2 dos artigos 72º e 75º-A e com o âmbito do nº 1 do
artigo 71º do Estatuto do Tribunal Constitucional, dele interpor recurso
suspensivo restrito à questão [suscitada no processo1] da inconstitucionalidade
de normas sobre as quais foi feita uma interpretação inconstitucional, por
acção ou omissão e em qualquer dos casos com violação de princípios
constitucionais fundamentais.
Os tribunais não podem interpretar as normas, em si constitucionais, de modo a
que elas se tornem inconstitucionais, como nas hipóteses dos autos.
Sempre com o douto suprimento, são os casos relatados nos autos e aqui e agora
apenas sumariados:
a) Ao pedir a suspensão do despedimento, a apelada sujeitou-se tacitamente a
todas as consequências jurídicas inerentes;
b) A 14 de Setembro de 2004 e ao cabo de uma manhã inteira 5 dias antes de
discussão contraditória, a senhora juíza deu como provada toda a matéria de
facto favorável à apelante e improcedente a nulidade invocada pela apelada;
c) No mesmo sentido concorreu esta ilustre 4ª Secção da Relação de Lisboa;
d) Assim e quanto a estas questões, o douto aresto transitou;
e) Pensar o contrário é violador de princípios legal e constitucionalmente
garantidos como o do caso julgado, o da hierarquização dos tribunais e o do
respeito devido a uma decisão emitida por um tribunal superior2, com a
inevitável possibilidade de contradição, desprestígio e incerteza;
f) Pensar o contrário equivale a admitir que sobre as mesmas questões relevantes
possam vir a pronunciar-se indefinidamente múltiplas instâncias judiciais;
g) A prova embora sumária ali realizada não deixa de ser uma prova atendível;
h) Os preceitos em causa são assim i. a. o nº 1 do 384º3 e o nº 1 do artigo 666º
do Código de Processo Civil;
i) E interpretando correctamente o nº 1 do artigo 39º do Código de Processo do
Trabalho por argumento a contrario conclui-se que a suspensão não foi decretada
porque o processo disciplinar não foi considerado nulo e ponderadas todas as
circunstâncias relevantes se concluiu pela existência séria de justa causa e
j) Ao admitir que o distinto mandatário da apelada continuasse ilimitadamente de
férias e desse passo obrigando implicitamente o signatário e as testemunhas da
apelante a terem de esperar por ele e em detrimento das suas próprias férias,
foi violado o direito constitucional destes ao gozo de descanso idêntico e nessa
medida o princípio constitucional da igualdade”.
A Desembargadora Relatora, proferiu o seguinte despacho de não admissão do
recurso:
“Não obstante o requerimento que antecede, de interposição do recurso para o
Tribunal Constitucional satisfaça formalmente os requisitos exigidos pelo artº
75º - A, nº 1 e 2, da Lei 28/82, de 15/11, o certo é que não vislumbramos que,
tanto na contestação, como nas alegações de recurso de apelação, a recorrente
tenha suscitado qualquer inconstitucionalidade normativa, mormente dos artº
384º, nº 1, e 666º, nº 1, do C.P.C., ao contrário do que refere no
requerimento.
Assim sendo, por não se verificarem os pressupostos para a admissão do recurso
para o Tribunal Constitucional, não o admito”.
Pedida a aclaração deste despacho, apesar desta pretensão ter sido negada
escreveu-se na respectiva decisão:
“…E, efectivamente, nos artigos de ambas as peças processuais que só agora
indica não consta qualquer alusão às ditas normas legais. A alegada
contrariedade aos princípios constitucionais que aí se refere imputa-os ao
entendimento acolhido pelo senhor juiz mas sem o reportar a qualquer norma. Ora
o recurso de constitucionalidade só pode incidir sobre normas…”
Da decisão de não admissão do recurso reclamou a recorrente para o Tribunal
Constitucional, com os seguintes fundamentos:
“B. vem respeitosa e tempestivamente reclamar da não admissão do pretendido
recurso para a conferência ou directamente para o senhor presidente do Tribunal
Constitucional, porquanto:
1) Sustentou-o literal e textualmente em várias ocasiões dos autos, a saber:
2) Conclusiva e exemplificativamente o ponto 11. da sua contestação, os itens
5., 11. e 12. da argumentação de recurso [v. igualmente as conclusões H., M. e
N.] e o final desta;
3) Presume-se legitimamente que estivesse tacitamente a reproduzir as faladas
normas;
4) Sem embargo jus novit curia [artigo 664º do Código de Processo Civil
aplicável supletivamente];
5) Em derradeira análise o convite ao aperfeiçoamento da alínea b) do nº 1 e
seguintes do artigo 508º do mesmo compêndio normativo é de aplicação universal e
6) As invocadas inconstitucionalidades são manifestas e notórias”.
O Ministério Público emitiu o seguinte parecer sobre a reclamação apresentada:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento sério.
Na verdade – e desde logo – não se mostram identificadas, em termos
inteligíveis, as questões de inconstitucionalidade normativa a que a recorrente
pretendia reportar-se, não o tendo feito, nem no requerimento de interposição de
recurso, nem na presente reclamação.
Tal circunstância priva naturalmente o recurso de objecto idóneo, conduzindo à
improcedência da reclamação deduzida”.
*
Fundamentação
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já
não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões
judiciais ou actos processuais, em si mesmos considerados.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º
1, do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão
de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo
72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
Mas para se apurar a verificação destes requisitos, é necessário que o
recorrente, no requerimento de interposição de recurso, identifique com
precisão a norma ou a interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende
colocar em causa, cumprindo o disposto no n.º 1, do art.º 75.º - A, da LTC., não
podendo o tribunal, em caso algum, suprir tal deficiência.
Exige-se que o recorrente explicite de forma clara o concreto sentido com que
determinada norma foi interpretada pela decisão recorrida, em termos de o
Tribunal, no caso de vir a julgá-la inconstitucional, a poder enunciar na sua
decisão, de modo a que os respectivos destinatários e os operadores do direito
em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido
(vide, neste sentido, LOPES DO REGO, em “O objecto idóneo dos recursos de
fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas
sindicáveis pelo tribunal constitucional”, em “Jurisprudência Constitucional”,
nº 3, pág. 8).
Ora, da leitura do requerimento de interposição de recurso, verifica-se que a
recorrente não cumpriu minimamente este requisito, não sendo possível
identificar, com precisão, quais as interpretações normativas contidas na
decisão recorrida cuja constitucionalidade a recorrente pretendia ver
apreciadas.
E não sendo possível essa identificação, não é, obviamente, possível verificar
se tais interpretações foram devidamente suscitadas perante o tribunal recorrido
e por este perfilhadas.
O não cumprimento do disposto no art.º 75.º-A, n. 1, parte final, da LTC, pelo
requerimento de interposição de recurso, determina a não admissão deste, não
sendo sindicável por este Tribunal a não utilização pelo tribunal reclamado da
faculdade prevista no n.º 5, do art.º 75.º - A, da LTC.
Tendo este Tribunal a faculdade de indeferir a reclamação apresentada, por
considerar que não estão presentes requisitos de admissibilidade do recurso
diversos daqueles que constavam da decisão reclamada, deve esta reclamação ser
indeferida com fundamento na falta de enunciação das normas ou interpretações
normativas cuja constitucionalidade o recorrente pretendia ver apreciada através
da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por B..
*
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderando os critérios estabelecidos no art.º 9.º, do D.L. n.º 303/98, de 7 de
Outubro (art.º 7.º, do mesmo diploma).
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Lisboa, 30 de Outubro de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
1 Principalmente na contestação e nas alegações de recurso
2 Identicamente de postulados fundamentais de justiça e de legalidade
constituídos e assegurados no cosmos normativo fundamental como o do direito
justo, da expectativa e da pretensão de equidade apreciativa plasmada em decisão
assente no direito, da concretização jurisprudencial, da harmonia e unidade do
sistema, da hermenêutica adequadora e conformadora, da congruência, da
fundamentação objectiva, da igualdade, da justeza do procedimento, da
proporcionalidade, da prevalência da lei, da processualização, da razão
comunicativa, da reflexividade, da segurança jurídica de actos jurisdicionais,
da universalização e por aí fora.
3 A lei faz impender sobre quem pede um procedimento cautelar o ónus de propor a
acção principal quando deferido e obviamente não quando indeferido