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Processo n.º 830/06
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I.
Relatório
1. O juiz desembargador A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça da
deliberação do Conselho Superior da Magistratura, tomada em 16 de Novembro de
2004, que lhe aplicou a pena disciplinar de advertência não registada.
No que agora interessa considerar, invocou:
D) - da actuação do arguido em exercício de direito à liberdade de expressão em
defesa de direitos e interesses legítimos.
62º
No artigo 335º do Código Civil está enunciado um dos Princípios Gerais
fundamentais do Direito, a saber: “Havendo colisão de direitos iguais ou da
mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos
produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das parte.
Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva
considerar-se superior”.
63º
E, uma vez mais e sempre, para o arguido ora recorrente, dúvidas não existem
quanto a qual dos direitos é ética, jurídica e sociologicamente superior – é o
art. 12º do E.M.J. aprovado pela Lei n.º 21/85 de 30 de Julho que tem de ser
interpretado à luz do disposto no n.º 1 do art. 37º da Constituição da República
(“Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela
palavra, pela Imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar,
de se Informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”) e do
art. 100 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e não o inverso (sendo que
o art. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ganha reconhecimento e
natureza constitucional por força do art. 8º da Constituição da República).
64º
Ora, porque assim é, como resulta, de um modo claro, também do texto do n.º 2 do
art. 18º da Constituição da República, “A lei só pode restringir os direitos,
liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,
devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos” (sublinhados que não constam do
texto legal).
65º
E nesta disputa entre saber se o copo está meio cheio ou meio vazio, convirá
recordar que já os juristas romanos clamavam odiosa restringenda — e aqui está
em causa um dos pilares essenciais do Estado de Direito, a liberdade de
expressão, sendo as limitações a essa liberdade e a esse direito que têm de
assumir um carácter excepcional.
66º
Aliás, ao contrário do referido, ou pelo menos sugerido, no acórdão recorrido,
esse princípio — nem poderia ser de outra maneira — também se encontra enunciado
no n.º 2 do art. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
67º
De facto, nesse normativo pode ler-se que “O exercício destas liberdades,
porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas
formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que
constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a
segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa
da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção
da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações
confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder
judicial” (sublinhados que não constam do texto legal).
68º
Providências necessárias — as estritamente necessárias, como sublinha o art. 18º
da Constituição da República — e não todas as providências; e, por outro lado,
como o arguido ora recorrente demonstrou através dos depoimentos das testemunhas
que arrolou, com as suas declarações foi o arguido e não outros, incluindo o
CSM, quem se insurgiu contra a divulgação de informações confidenciais e para
garantir o prestígio, a autoridade e a imparcialidade do poder judicial (e
mesmo, quer o CSM o queira quer não, em defesa da honra dos Juízes, a começar
pela do próprio, contra a imagem de “Juiz Novo” a que atrás já se aludiu).
69º
Ou seja, agiu o arguido ora recorrente em defesa e tendo em vista realização de
direitos ou interesses legítimos (n.º 2 do art. 12º do EMJ aprovado pela Lei n.º
21/85, de 30 de Julho), logo no exercício de um direito consagrado legal e
constitucionalmente salvaguardado, direito esse que tinha ainda mais
imperiosamente que usar porquanto, não sendo associado da (pelo menos até ao
momento) única associação de Juízes do País (a ASJP), não dispunha, como não
dispõe, o mesmo de qualquer organização que o represente — e a representação
assegurada pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente do STJ é meramente
institucional.
(…)
E) da violação dos princípio da proporcionalidade, da proibição da desigualdade
injustificada e da proibição de discriminação
70º
Como já antes se referiu, no acórdão recorrido não é feita qualquer menção, nem
sequer uma, dos depoimentos prestados pelo Senhor Juiz Desembargador Dr. B. e
pelo Senhor Juiz de Direito Dr. C. que estão transcritos, respectivamente, a fls
73 a 79 e 80 a 90 do processo disciplinar ou à entrevista do Senhor Juiz de
Direito Dr. D. que consta de fls. 159 a 161 do processo disciplinar,
71º
(…)
72º
E será que essas transcrições foram mesmo lidas?
Ou será que foi julgado que o arguido ora recorrente estava a ser impertinente?
Afinal, quem é o arguido para se comparar a um qualquer Juiz Conselheiro,
especialmente se este é o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ou o
Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura?
A essa luz e parafraseando Almeida Garrett, a resposta, de facto, só pode ser
ninguém.
Mesmo tendo em conta o disposto nos artºs 1º n.º 1 e 200 nºs 1 e 2 do EMJ.
73º
O problema é que o arguido ora recorrente, porventura ao contrário de outros,
não é autista e não vive numa torre de marfim, e, ao confrontar-se todos os dias
(e ao ser confrontado por aqueles que sabiam que ele era Juiz), com o declínio
do prestígio da profissão também às mãos de quem não estava a cumprir
integralmente os seus deveres institucionais (não são sempre os outros que têm
culpa), viu-se compelido a agir.
74º
E tendo-o feito, não foi tratado em igualdade de circunstâncias com outros seus
iguais (v. novamente os já citados artºs 1º nº 1 e 20º nºs 1 e 2 do EMJ).
75º
(…)
76º
o ora arguido nunca falou ou escreveu a propósito de um qualquer processo no
qual proferiu despachos, mas segundo tomou conhecimento pela imprensa escrita (o
que motivou a apresentação de requerimento até hoje não respondido pelo CSM —
doc. n.º 2, junto com as presentes alegações), ao Dr. D. foi aplicada uma pena
de advertência não registada.
(…)
Em que diferem, quantitativa ou qualitativamente, tais afirmações daquelas que
foram proferidas pelo arguido?
Em nada – apenas expressam opiniões distintas, porventura fruto de distintas
concepções do que significa, ou deve significar, ética e sociologicamente ser
Juiz e de muito diversas interpretações dos textos constitucionais e legais que
definem o estatuto institucional da Judicatura.
81º
Ora, que se saiba, contra nenhum desses Meritíssimos Juízes foi instaurado
qualquer processo disciplinar (e, sinceramente, espera-se que não o seja,
porque, como o arguido já referiu ao longo do processo disciplinar em epígrafe,
também esses seus Colegas, como ele ora recorrente, se limitaram a exercer o seu
direito de liberdade de expressão — direito que o subscritor, como cidadão livre
que é, quer ver reconhecido para todos e não apenas para aqueles que pensam como
ele).
82º
Porém, porque foi esse o procedimento do CSM, foram violados o princípio da
proporcionalidade e o da proibição de desigualdade injustificada previstos nos
artºs 18º n.º 2 e 12º da Constituição da República e o da proibição de
discriminação previsto no art. 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950, normativos nos quais,
respectivamente, se pode ler que:
(…)
83º
Será que para o CSM só têm direito à liberdade de expressão aqueles que são
membros da ASJP ou dos seus corpos sociais ou ainda aqueles que têm opiniões e
mundivisões concordantes com as daqueles (em última análise, com os membros do
CSM)?
Claramente, nunca ninguém se atreveu a produzir, em voz alta ou por escrito, uma
tal inqualificável proclamação.
Mas, em última análise, não será isso que está subjacente à conduta do CSM que
aqui se quer ver sindicada?
F) da inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 12.º e 82.º do EMJ
84º
E é por todos esses fundamentos (alíneas B) a E) supra) que não pode manter-se,
por ser inconstitucional, por violação do disposto nos artºs 17º, 18º nºs 1 e 2,
13º, 37º n.º 1, 9º e 48º n.º 1 da Constituição da República e 10º, nºs 1 e 2, e
14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de
Novembro de 1950 (esta aplicável, em todos os casos, ex vi art. 8º n.º 2 da
Constituição da República), a interpretação dos artºs 12º e 82º do EMJ feita no
acórdão recorrido (…)”.
2.
Por acórdão lavrado em 21 de Março de 2006 o Supremo Tribunal de Justiça negou
provimento ao recurso contencioso, dizendo, em suma:
“(…)
Nenhuma mexida há pois a efectuar na matéria de facto, não se detectando
violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
Inexiste também a arguida nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Todas as questões essenciais pertinentes à decisão foram tratadas no acórdão do
CSM, que não tinha de curar dos comportamentos de outros magistrados, relativos
ao mesmo processo crime, os quais não relevavam para a verificação ou
inverificação da infracção imputada ao recorrente e para a determinação da
sanção disciplinar respectiva.
No que concerne aos casos indicados na 7ª conclusão recursória, sendo diferentes
as circunstâncias e os factos praticados, não se demonstra a violação dos
princípios da igualdade, da proporcionalidade e da não discriminação.
Como acentua o Ministério Público, o princípio da igualdade não confere um
direito à igualdade na ilegalidade, não competindo ao STJ, em sede de recurso
contencioso, sindicar a iniciativa disciplinar do CSM, que goza da faculdade de
a exercer ou não, consoante o entendimento que perfilhe quanto à respectiva
oportunidade e conveniência.
No exercício do poder disciplinar não há o dever de perseguir disciplinarmente
todas as infracções, vigorando antes o princípio da oportunidade, que leva a
perseguir as infracções consideradas mais graves, segundo o interesse público,
deixando de lado as tidas por simples bagatelas disciplinares, designadamente no
que tange à repercussão na dignidade e independência da função judicial.
Também se não vislumbra que haja sido cometido o vício de violação de lei por
erro nos pressupostos de direito.
Os artºs 12º e 82º do EMJ não foram interpretados e aplicados em desconformidade
com a Constituição da República e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH).
O artº 10º, nº 2 da CEDH diz que o exercício das liberdades (referidas no nº 1),
porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a...
restrições.., previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa
sociedade democrática, para... garantir a autoridade e a imparcialidade do poder
judicial.
O art. 216º, nº 5 da Constituição diz que a lei pode estabelecer outras
incompatibilidades (para além das previstas nos números anteriores) com o
exercício da função de juiz.
E o art. 12º, nº 1 do EMJ determina que os magistrados judiciais não podem fazer
declarações ou comentários sobre processos, salvo, quando autorizados pelo
Conselho Superior da Magistratura, para defesa da honra ou para realização de
outro interesse legítimo.
Ora, a aplicação da aludida sanção disciplinar harmonizou-se com o incumprimento
pelo recorrente da deliberação do CSM de 13.5.2003, de que ele teve atempado
conhecimento, na qual se sugeria a todos os magistrados judiciais (e portanto
também ao recorrente) que se abstivessem de fazer quaisquer comentários públicos
acerca de decisões judiciais, próprias ou de outros colegas, proferidas em
processos pendentes, face ao que determina o art. 12º do Estatuto dos
Magistrados Judiciais.
Atenta a factualidade provada (designadamente as afirmações de que... no
processo Casa Pia o segredo de justiça está a ser violado pelas pessoas que
estão no processo... (o Dr. D.) é um produto de uma formação que não tem em
conta o papel específico essencial dos Juízes na sociedade... já foi violado o
direito dos arguidos a um julgamento leal, em que não haja predisposição para um
lado ou para outro... para mim não é normal esta antecipação.., do reexame dos
pressupostos... Vamos ver se destes sucessivos males que têm estado a acontecer
vai sair algum bem...), afigurou-se necessária, adequada e proporcional a sanção
disciplinar aplicada, tendo em vista, como se diz nas alegações do CSM, a
salvaguarda da independência e da dignidade do exercício da função judicial.
E com isso não se violou o direito de liberdade de expressão e informação,
garantido pelo art. 37º, n.º 1 da Constituição, que não é um direito absoluto,
por lhe estar imanente o princípio da proporcionalidade (Jorge Miranda, Manual
de Direito Constitucional, IV, 2º Edição, 216, “apud” ac. do STJ, de 27.5.1997,
na CJSTJ, 1997, II, 103, 2ª coluna).
A factualidade provada excedeu objectivamente os limites que os magistrados
judiciais devem observar relativamente ao cumprimento do dever de reserva
consagrado no artº 12º do EMJ, não podendo inserir-se na ressalva do nº 2 desse
mesmo preceito.
O direito à participação na vida pública e na resolução dos problemas nacionais
não justifica que um juiz, sujeito ao dever de reserva, trace na praça pública
um retrato negativo de outros magistrados, e da condução de um determinado
processo, contribuindo de algum modo para a quebra da confiança no sistema de
justiça.
A interpretação dos artºs 12º e 82º do EMJ, feita no acórdão do CSM, não enferma
de qualquer inconstitucionalidade.
Face ao exposto, não tem igualmente qualquer virtualidade o pedido alternativo
de revogação e substituição da deliberação impugnada pelo arquivamento do
processo disciplinar, pedido que sempre teria de naufragar por se tratar de um
mero recurso contencioso de anulação.
Na improcedência dos pedidos formulados pelo recorrente (declaração de nulidade
da deliberação recorrida, por omissão de pronúncia, ou, em alternativa,
revogação do acórdão em crise e arquivamento do processo disciplinar), acordam
os Juízes que constituem a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça
em negar provimento ao recurso (…)”.
3.
Deste aresto interpôs o recorrente recurso para o Tribunal Constitucional,
dizendo, em suma, o seguinte:
“(…)
1ª - O Acórdão do STJ de 21 de Março de 2006, ora recorrido, ao entender que o
recurso interposto da deliberação do Plenário do CSM de 16 de Novembro de 2004,
que aplicou ao recorrente a pena de advertência não registada, era um recurso
contencioso de mera anulação e ao não proceder a uma real apreciação da prova
carreada para os autos de processo disciplinar, violou não apenas o disposto no
n.º 1 e na alínea i) do n.º 2 — e o corpo deste número — do art. 2º e nos art.s
46º e 47º (em especial a alínea a) do n.º 2 deste último normativo) do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de
Fevereiro, aplicáveis ex vi art.s 131º e 178º do EMJ, mas também o direito do
ora recorrente a um julgamento leal e mediante processo equitativo que está
consagrado nos art.s 24º n.º 4 da Constituição da República, 1º, 6º n.º 1 e 13º
da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 8º, 10º e 30º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem,
2ª - procedendo, portanto, a uma interpretação inconstitucional desses
normativos de direito ordinário citados.
3ª- O Acórdão do STJ de 21 de Março de 2006, ora recorrido, ao entender que o
CSM não tinha que apreciar, para valorar o comportamento do ora recorrente, as
condutas mantidas pelo Senhor Juiz Desembargador Dr. B. e pelos Senhores Juízes
de Direito Dr. C. e Dr. D., e que, ao assim fazer, “…não se demonstra a violação
dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da não discriminação”, bem
como que “não (competia) ao STJ, em sede de recurso contencioso, sindicar a
iniciativa disciplinar do CSM, que goza da faculdade de a exercer ou não,
consoante o entendimento que perfilhe quanto à respectiva oportunidade e
conveniência” e que “No exercício do poder disciplinar não há o dever de
perseguir disciplinarmente todas as infracções, vigorando antes o princípio da
oportunidade, que leva a perseguir as infracções consideradas mais graves,
segundo o interesse público, deixando de lado as tidas por simples bagatelas
disciplinares, designadamente no que tange à repercussão na dignidade e
independência da função judicial…”, violou, não apenas e uma vez mais, os
normativos e direito mencionados na conclusão lª, como também o disposto nos
art.s 2º e 266º da Constituição da República (sujeição ao princípio da
legalidade) e nos art.s 13º da Constituição da República e 7º, 10º e 30º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem (violação dos princípios da igualdade
e da proibição da desigualdade injustificada, da proporcionalidade e da não
discriminação).
4ª- O Acórdão do STJ de 21 de Março de 2006, ora recorrido, interpretou os art.s
12º e 18º do EMJ com violação, quer dos normativos do EDFAACRL mencionados nas
presentes alegações, quer do disposto nos art.s 9ºc), 48º n.º 1, 202º nºs 1 e
2,204º, 17º, 18º nºs 1 e 2, e 37º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa,
1º, 9º, 10º, nºs 1 e 2, e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e 7º,
18º, 19º e 30º da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
5ª- do que resulta que interpretou de forma inconstitucional esses artºs 12º e
18º do EMJ.
E, em conformidade com o exposto, requer o recorrente que, sendo admitido o
presente recurso, seja declarada inconstitucional a interpretação dos art.s
131º, 178º, 12º e 18º do EMJ e do n.º 1 e da alínea i) do n.º 2 — e corpo deste
número — do art. 2º e dos artºs 46º e 47º (em especial a alínea a) do n.º 2
deste último normativo) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos
aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que é feita no acórdão do STJ
ora recorrido, com todas as legais consequências decorrentes dessa deliberação.”
4.
Simultaneamente, o recorrente requereu que fossem “declarados nulos os actos
realizados nesse processo a partir da junção da promoção do Ministério Público
que antecedeu a prolação desse acórdão”, arguindo:
1.º
Só ao ser notificado do teor do Acórdão do STJ em referência, tomou o arguido
ora requerente conhecimento de que lhe não foi comunicado o conteúdo (o texto)
da promoção do Ministério Público, elaborada, seguramente, ao abrigo do disposto
no artigo 176.º do EMJ.
2.º
Uma tal omissão consubstancia uma violação do princípio do contraditório,
negando-se com isso ao arguido a possibilidade de contra-argumentar, ou
simplesmente comentar, as afirmações contidas na promoção do MºPº, ou seja, a
prática de um acto que viola gravemente o direito de defesa do arguido ora
requerente.
3.º
Ora, o princípio do contraditório é a trave mestra do direito a um julgamento
leal mediante processo equitativo que está garantido pelos artigos 20.º n.º 4 da
Constituição da República Portuguesa e 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, aprovada em Roma a 4 de Novembro de 1950, aplicável ex vi
artigo 8.º daquela mesma Constituição,
4º
Sendo inconstitucional qualquer interpretação que, em sentido contrário seja
feita do citado artº 176.º do EMJ, ou porventura, sendo-o todo esse normativo
legal.
(…)”
5.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 8 de Junho de 2006, desatendeu nos
seguintes termos a invocada nulidade:
“(…) Negado provimento ao recurso, por acórdão de 21.3.2006, veio o recorrente
requerer que sejam julgados nulos todos os actos subsequentes à junção ao
processo da promoção do Ministério Público que antecedeu o acórdão atrás
mencionado, incluindo esse acórdão, para que, dando-se cumprimento ao
contraditório, possa ser notificado do teor dessa promoção para a ela poder
responder, antes de ser produzido o acórdão que aprecie o mérito quanto ao
recurso interposto da deliberação do CSM.
O Ministério Público e o Conselho Superior da Magistratura pronunciaram-se pela
improcedência da reclamação.
Cumpre decidir.
A alegada promoção do Ministério Público que antecedeu o acórdão supra referido
constituiu a alegação a que se reporta o art. 176º do Estatuto dos Magistrados
Judiciais.
Foi junta depois da apresentação das alegações de recurso do recorrente e das
contra-alegações de recurso da entidade recorrida (CSM).
Sucede que o Mº Público não é parte no processo.
Actuou em cumprimento da função da defesa da legalidade que a Constituição da
República lhe comete (art. 219º, nº1 da CRP) e não colocou qualquer questão nova
que ao recorrente interessasse rebater, tendo mesmo pugnado por que as
declarações disciplinarmente sancionadas não pudessem ter-se por indefensáveis e
destituídas de valor informativo, por que fossem submetidas à previsão da parte
final do n.º 2 do art. 10º do EMJ - informações não abrangidas pelo dever de
reserva, visando a realização do acesso à informação, sustentando, em suma que
fosse concedido provimento ao recurso, com a anulação da deliberação impugnada.
Não havia portanto lugar à notificação ao ora reclamante das alegações do Mº
Público, que não influíram na decisão do recurso, não tendo sido violado o
princípio do contraditório e o direito de defesa.
O reclamante não tem razão ao defender que foram violados os art.s 20º, n.º 4 da
Constituição da República e 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem, aprovada em Roma em 4.11.1950 e aplicável ex vi art. 8º da Constituição,
bem como ao considerar inconstitucional a interpretação do 176º do EMJ adoptada
no processo.
Constituindo esta última disposição legal uma norma especial, inexistindo lacuna
a regulamentar, é ela que se aplica nos recursos contenciosos dos magistrados
judiciais para o STJ, não impondo a notificação das alegações do Mº Público,
improcedendo a pelo reclamante pretendida aplicação subsidiária do art. 85º, n.º
5 do CPTA (introduzido pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/2).
Igualmente inaplicável o art. 417º n.º 2 do C. Proc. Penal (ex vi art. 131º do
EMJ), ao invés do pretendido pelo reclamante, por a intervenção do Mº Público
nesse caso se inserir no exercício do poder punitivo contra a outra parte.
Termos em que acordam em indeferir a reclamação de nulidade (…)”.
6.
Do acórdão que decidiu a arguição de nulidade (aclarado ainda pelo acórdão do
mesmo tribunal de 14 de Setembro de 2006), também recorreu o interessado para o
Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 70º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, invocando:
(…)
1º
Face ao teor do acórdão do STJ de 20 de Outubro de 2005 lavrado no âmbito do
processo n. 1160/05-7, foi sem surpresa que o ora recorrente tomou conhecimento,
ao ser-lhe notificado o conteúdo do acórdão de 21 de Março de 2006 desse mesmo
Tribunal proferido nos autos em epígrafe, que, também no presente processo, não
lhe foi comunicado o texto da promoção do Ministério Público, elaborada ao
abrigo do disposto no art. 176º do EMJ.
2º
Não obstante o destino do aludido processo n.º 1160/05-7, continua o ora
recorrente a manter que essa omissão consubstancia uma violação do princípio do
contraditório, por se negar com isso ao arguido nos autos a possibilidade de
comentar e tomar posição, de contra-argumentar ou até de pôr em causa, as
afirmações contidas na promoção do MºPº.
3º
O que é particularmente verdadeiro no presente caso, uma vez que, ao contrário
do que se encontra escrito no acórdão de 08 de Junho de 2006 («Não havia
portanto lugar à notificação ao ora reclamante das alegações do Mº Público, que
não influíram na decisão do recurso. ..» — sic), um dos argumentos esgrimidos
pelo Ministério Público foi usado para fundamentar o decreto judicial contido na
deliberação de 21 de Março de 2006 supra referida, a saber: «Como acentua o
Ministério Público, o princípio da igualdade não confere um direito à igualdade
na ilegalidade, não competindo ao STJ, em sede de recurso contencioso, sindicar
a iniciativa disciplinar do CSM, que goza da faculdade de a exercer ou não,
consoante o entendimento que perfilhe quanto à respectiva oportunidade e
conveniência.» (sic).
4º
(Não menos espantosamente, no acórdão de 08 de Junho de 2006 também se afirma
que «... o Mº Público ...não colocou qualquer questão nova que ao recorrente
interessasse rebater, tendo mesmo pugnado por que as declarações
disciplinarmente sancionadas não pudessem ter-se por indefensáveis e destituídas
de valor informativo, por que fossem submetidas à previsão da parte final do n.º
2 do art. 10º do EMJ…, sustentando, em suma, fosse concedido provimento ao
recurso, com a anulação da deliberação impugnada» - sic; à luz de que normativo
se permite o STJ afirmar que pode definir, contra a vontade do próprio e sem o
ouvir, quais são os interesses do recorrente?).
5º
Tudo isto quando é indisputado, quiçá indiscutível, que o princípio do
contraditório é a trave mestra do direito a um julgamento leal mediante processo
equitativo que está garantido pelos art.s 20º n.º 4 da Constituição da República
Portuguesa e 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em
Roma a 04 de Novembro de 1950, aplicável ex vi art. 8º daquela mesma
Constituição,
6º
sendo inconstitucional a interpretação em sentido contrário do citado art. 176º
do EMJ que foi feita pelo STJ no acórdão de 08 de Junho de 2006, aclarado pelo
acórdão de 14 de Setembro de 2006, o que aqui, novamente, se invoca, para todos
os devidos e legais efeitos.
7º
Ou, porventura, sendo inconstitucional o próprio normativo legal (art. 176º do
EMJ), se se entender, como fez o STJ, que o disposto nos art.s 178º e 131º do
mesmo Estatuto não permite a aplicação a este tipo de casos do previsto no art.
85º do Código de Processo dos Tribunais Administrativo aprovado pela Lei n.º
15/2002, de 22 de Fevereiro, nomeadamente no seu n.º 5 (com a redacção
introduzida pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro), em cuja parte final se
estipula e determina, para todos os casos (onde o Legislador não distingue, não
deve – não pode – o intérprete fazê-lo), que as intervenções do Ministério
Público, relevem ou não para o julgamento da causa, são notificadas às partes.
8º
O que aqui também novamente, se invoca, para todos os devidos e legais efeitos
(…)
10º
Em suma, o que se afirma desta forma adversativa porque o STJ não clarificou,
violando assim o dever de fundamentação previsto nos art.s 205º n.º 1 da
Constituição da República e no art. 158º do CPC, a interpretação que fez das
disposições conjugadas dos artºs 131º, 176º e 178º do EMJ,
- ou é inconstitucional a norma criada pelo STJ através dessa interpretação da
qual resulta que o art. 176º do EMJ, por ser “lei especial”, esgota totalmente a
regulamentação do processado em causa, não permitindo a aplicação do disposto no
art. 85º n.º 5 do CPTA aprovado pela Lei n.º Lei n.º 15/2002, de 22 de
Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro,
aos recursos intentados contra as deliberações do CSM,
- ou, aceitando que essa interpretação é válida (o que não se aceita porque tal
significaria que são inúteis os artºs 131º e 178º do EMJ), é inconstitucional
esse próprio art. 176º, já que é inadmissível que se possa sustentar que o
Ministério Público detém nos processos a posição privilegiada,
injustificadamente privilegiada acrescenta-se, de poder emitir opiniões sem ser
contraditado,
11º
nas duas situações, sempre por violação do disposto art.s 20º n.º 4 da
Constituição da República Portuguesa e 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, aprovada em Roma a 04 de Novembro de 1950, aplicável ex vi
art. 8º daquela mesma Constituição.
12º
Aliás, considerando o disposto no art. 85º do CPTA, a manutenção da
interpretação do art. 176º do EMJ que é feita no Acórdão do STJ de 08 de Junho
de 2006 ora recorrido, constituiria a consagração de uma situação de
desigualdade injustificada em desfavor de titulares de um Poder de Soberania (os
Juízes), quando comparados com os funcionários da Administração Pública,
Central, Regional e Local.
13º
Pelo que, também por isso, ou seja, com fundamento no art. 12º da Constituição
da República, é essa interpretação verdadeiramente inconstitucional,
14º
não podendo, portanto, ser mantida.
E, em conformidade com o exposto, requer o ora recorrente que, sendo admitido o
presente recurso, seja declarada inconstitucional ou a supra referida
interpretação dos art.s 131º, 176º e 178º do EMJ que é feita no acórdão do STJ
ora recorrido, ou esse artigo 176º, com todas as legais consequências
decorrentes dessa deliberação.”
Os recursos interpostos foram admitidos.
No Tribunal Constitucional o recorrente foi notificado, nos termos do artigo
75.º-A da LTC, para regularizar os seus requerimentos de interposição dos
recursos, tendo-se-lhe pedido, expressamente, que enunciasse 'o exacto sentido
das normas cuja conformidade constitucional pretende questionar'.
7.
Respondeu, dizendo:
“(…)
A - recurso interposto do acórdão do STJ de 8 de Junho de 2006, aclarado a 14 de
Setembro de 2006
1º
Relativamente ao recurso supra referido que, apesar de interposto em data
posterior terá, crê-se, que ser apreciado em primeiro lugar porque se reporta a,
na opinião do ora recorrente, uma omissão verificada antes de ter sido prolado o
Acórdão de 21 de Março de 2006 e da qual decorre a nulidade de todo o processado
subsequente à não notificação às partes em litígio, nomeadamente ao aqui também
recorrente, das alegações de recurso produzidas pelo MºPº ao abrigo do disposto
do art. 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ — Lei n.º 21/85, de 30
de Julho), está em causa a interpretação desse aludido art. 176º feita pelo STJ
no Acórdão de 8 de Junho de 2006, que foi considerado “cristalinamente” claro
pelo Acórdão de 14 de Setembro de 2006.
2º
De facto, nesses dois Acórdãos, foi entendido que não havia lugar à aludida
notificação do teor das alegações do MºPº e que essa omissão não violava o
princípio do contraditório, havendo, forçosamente, que concluir — era isso que o
recorrente pretendia ver esclarecido — que para o STJ o art. 176º do EMJ esgota
totalmente a regulamentação do ritual processual que antecede o julgamento dos
recursos interpostos por Juízes contra as deliberações do CSM que os prejudicam.
Todavia,
3º
Um tal entendimento ignora totalmente e desconsidera o disposto no art. 178º do
mesmo EMJ, que remete directamente para o previsto no art. 85º do Código de
Processo dos Tribunais Administrativo aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de
Fevereiro, nomeadamente no seu n.º 5 (com a redacção introduzida pela Lei n.º
4-A/2003, de 19 de Fevereiro), em cuja parte final se estipula e determina, para
todos os casos (onde o Legislador não distingue, não deve - não pode - o
intérprete fazê-lo), que as intervenções do Ministério Público, relevem ou não
para o julgamento da causa, são notificadas às partes,
4º
remissão essa que é também feita no art. 131º do EMJ, normativo que, nessa
particular vertente, foi, do mesmo modo, ignorado e desconsiderado pelo STJ nos
aludidos Acórdãos, no primeiro dos quais (2006/06/08) se chega até a referir, em
completa oposição com o que está escrito no Acórdão de 21 de Março de 2006,
igualmente recorrido, e no qual foram realmente usados, para fundamentar a
negação de provimento do recurso, argumentos esgrimidos pelo MºPº (v. 2º
parágrafo de fls. 8 verso deste aresto citado em último lugar) que “as alegações
do Mº Público não influíram na decisão do recurso”.
5º
Relativamente a esta matéria, sustenta o ora recorrente e pede ao Colendo
Tribunal Constitucional que o declare, que essa interpretação restritiva (n.º 2º
do presente articulado) das disposições conjugadas dos art.s 176º, 178º e 131º
do EMJ — as normas existem, foram escritas pelo Legislador e é em conjunto que
têm que ser interpretadas (art. 9º n.º 1 do Código Civil) — é inconstitucional
por violação do princípio do contraditório, o qual constitui uma das traves
mestras do direito a um julgamento leal e mediante processo equitativo que a
todos é garantido pelos art.s 20º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa,
6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 4 de
Novembro de 1950, e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada
e proclamada pela Assembleia-Geral da ONU através da sua Resolução 2178 (III) de
10 de Dezembro (estes últimos ex vi art. 8º e o da Convenção ainda por força do
n.º 2 do art. 16º, ambos da Constituição),
ou, subsidiariamente,
6º
se for entendido que a interpretação do STJ é a que corresponde à vontade do
Legislador, pede, então, o recorrente que o Colendo Tribunal Constitucional
declare inconstitucional o art. 176º do EMJ por violação do princípio e do
direito referidos no n.º 5 do presente articulado.
B - recurso interposto do acórdão do STJ de 21 de Março de 2006
7º
Relativamente ao recurso supra referido que, crê-se, não terá que ser apreciado
se for concedido provimento ao identificado em A, são várias as questões que se
suscitam, a saber:
a) se, face à publicação da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro (que aprovou um
novo CPTA — e, em concreto, o que se encontra previsto nos art.s 2º nºs 1 e 2
i), 46º e 47º desse Código), sempre em conjugação com o disposto nos artºs 178º
e 131º do EMJ, pode ou não continuar a entender-se, como faz o STJ, que os
recursos interpostos por Juízes contra as deliberações do CSM que os prejudicam
são recursos contenciosos de anulação;
b) se, no que respeita ao exercício do poder disciplinar que lhe está
constitucional e legalmente atribuído, o CSM está sujeito ao princípio da
legalidade e ao princípio da oportunidade, podendo arbitrária e
discricionariamente perseguir ou não perseguir disciplinarmente comportamentos
idênticos e/ou distintos praticados por diversos Juízes;
c) se os artºs 12º e 82º do EMJ se sobrepõem ou, pelo contrário, têm, no mínimo,
que ser interpretados à luz do que se encontra estatuído nos art.s 9ºc), 48º n.º
1, 17º, 18º nºs 1 e 2 e 37º da Constituição da República, 9º n.º 1 (liberdade de
pensamento e de consciência) e 10º da já referida Convenção Europeia dos
Direitos do Homem e 18º (idem), 19º e 30º da supra mencionada Declaração
Universal dos Direitos do Homem.
8º
No Acórdão do STJ que aqui se critica, entendeu-se que o recurso interposto pelo
aqui também recorrente respeitava a um contencioso de mera anulação e o que se
pede é que o Colendo Tribunal Constitucional declare inconstitucional essa
interpretação dos artºs 12º nºs 3 e 4 do ETAF e 27º n.º 2 da LOFTJ (Lei n.º
3/99, de 13 de Janeiro), que foi feita com total desprezo pelos normativos
citados na alínea a) do n.º 7 do presente articulado, tudo por violação do
direito a um julgamento leal e mediante processo equitativo já referido no n.º 5
desta peça processual, uma vez que, por força desse entendimento restritivo, não
foram apreciadas, como já o não tinham sido pelo CSM, as provas produzidas pelo
então arguido durante a fase do processo disciplinar que decorreu perante aquele
Conselho.
9º
E de igual modo se entendeu no Acórdão do STJ que aqui se critica, que no que
respeita ao exercício do poder disciplinar que lhe está constitucional e
legalmente atribuído, ao CSM é permitido, — ao contrário de todos os demais
organismos administrativos do Estado — e é isso que o CSM é — socorrer-se do
princípio da oportunidade, podendo arbitrária e discricionariamente escolher
perseguir ou não perseguir disciplinarmente comportamentos idênticos e/ou
distintos praticados por diversos Juízes,
10º
entendimento esse que, sempre ressalvando o respeito pelas pessoas que perfilham
a opinião contrária, a qual, contudo, não se aceita, constitui, no mínimo, uma
grosseira violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, ou pelo
menos, da proibição de desigualdades injustificadas, e da proibição da
discriminação consagrados nos art.s 13º da Constituição da República, 14º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 7º, 10º e 30º da Declaração Universal
dos Direitos do Homem, para além, claro, do princípio da legalidade garantido,
entre outros, pelos artºs 217º n.º 1 e 266º da Constituição (sendo que o
previsto no n.º 5 do art. 216º da Constituição não pode ser entendido como uma
autorização para a violação de direitos fundamentais ou até do já aludido
princípio da proporcionalidade).
11º
Daí que igualmente, se peça que, com estes fundamentos, seja pelo Colendo
Tribunal Constitucional declarada inconstitucional essa interpretação, julga-se
(porque o Acórdão do STJ é, nessa parte, completamente omisso), do art.º 149º a)
do EMJ,
12º
tal como se pede que esse mesmo Colendo Tribunal declare inconstitucional a
interpretação que pelo STJ foi feita dos artºs 12º e 82º do EMJ, desta vez com
fundamento na violação do que se encontra estatuído nos artºs 9ºc), 48º n.º 1,
17º, 18º nºs 1 e 2 e 37º da Constituição da República, 9º n.º 1 (liberdade de
pensamento e de consciência) e 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e
18º (idem), 19º e 30º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (…).
O processo seguiu para alegações, tendo o recorrente concluído:
1ª - O ora recorrido Acórdão do STJ de 8 de Junho de 2006, aclarado a 14 de
Setembro do mesmo ano, ao entender que o art.º 176º do EMJ esgota totalmente a
regulamentação do ritual processual que antecede o julgamento dos recursos
interpostos por Juízes contra as deliberações do CSM que os prejudicam e ao não
aplicar ao caso sub judice, como determinam os artºs 178º e 131º do mesmo EMJ, a
regulamentação estabelecida art.º 85º do Código de Processo dos Tribunais
Administrativo aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, nomeadamente
no seu n.º 5 (com a redacção introduzida pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de
Fevereiro), violou o princípio do contraditório, que constitui uma das traves
mestras do direito a um julgamento leal e mediante processo equitativo que a
todos é garantido pelos artºs 20º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa,
6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma a 4 de
Novembro de 1950, e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada
e proclamada pela Assembleia-Geral da ONU através da sua Resolução 217ª (III) de
10 de Dezembro (estes últimos ex vi art.º 8º e o da Convenção ainda por força do
n.º 2 do art.º 16º, ambos da Constituição).
2ª - Devendo, portanto, ser julgado inconstitucional o mesmo art.º 176º do EMJ
quando interpretado restritivamente pela forma descrita na conclusão 1ª,
3ª - ou, se for entendido que essa interpretação corresponde à efectiva mens
legis, deverá, então, ser julgado, tout court, inconstitucional esse art.º 176º
do EMJ, sempre por violação do princípio do contraditório e do direito do ora
recorrente a um julgamento leal («fair trial») e mediante processo equitativo
que a todos é garantido pelos normativos da Constituição da República, da
Convenção Europeia os Direitos do Homem e da Declaração Universal dos Direitos
do Homem mencionados na conclusão 1ª.
4ª - O Acórdão do STJ de 21 de Março de 2006, ora recorrido, ao entender que o
recurso interposto da deliberação do Plenário do CSM de 16 de Novembro de 2004,
que aplicou ao recorrente a pena de advertência não registada, era um recurso
contencioso de mera anulação e ao não proceder a uma real apreciação da prova
carreada para os autos de processo disciplinar, violou não apenas o disposto no
n.º 1 e na alínea i) do n.º 2 – e o corpo deste número - do art.º 2º e nos artºs
46º e 47º (em especial a alínea a) do n.º 2 deste último normativo) do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de
Fevereiro, aplicáveis ex vi artºs 131º e 178º do EMJ, mas também o direito do
ora recorrente a um julgamento leal e mediante processo equitativo que está
consagrado nos artºs 24º n.º 4 da Constituição da República, 1º, 6º n.º 1 e 13º
da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 8º, 10º e 30º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem,
5ª - do que resulta serem inconstitucionais esses normativos de direito
ordinário agora citados quando interpretados pela forma descrita na conclusão
4ª.
6ª - O Acórdão do STJ de 21 de Março de 2006, ora recorrido, ao entender,
interpretando, crê-se (porque esse Aresto é totalmente omisso no que se reporta
à fundamentação jurídica dessa sua deliberação), o art.º 149º a) do EMJ, que o
CSM não tinha que apreciar, para valorar o comportamento do ora recorrente, as
condutas mantidas pelo Senhor Juiz Desembargador Dr. B. e pelos Senhores Juízes
de Direito Dr. C. e Dr. D., e que, ao assim fazer, “.. não se demonstra a
violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da não
discriminação”, bem como que “não ... (competia) ao STJ, em sede de recurso
contencioso, sindicar a iniciativa disciplinar do CSM, que goza da faculdade de
a exercer ou não, consoante o entendimento que perfilhe quanto à respectiva
oportunidade e conveniência” e que “No exercício do poder disciplinar não há o
dever de perseguir disciplinarmente todas as infracções, vigorando antes o
princípio da oportunidade, que leva a perseguir as infracções consideradas mais
graves, segundo o interesse público, deixando de lado as tidas por simples
bagatelas disciplinares, designadamente no que tange à repercussão na dignidade
e independência da função judicial.”, violou, não apenas e uma vez mais, os
normativos e o direito mencionados na conclusão 4ª, como também o disposto nos
artºs 2º e 266º da Constituição da República (sujeição ao princípio da
legalidade) e nos artºs 13º da Constituição da República, 14º, 17º e 18º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e 7º, 10º e 30º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem (violação dos princípios da igualdade e da
proibição da desigualdade injustificada, da proporcionalidade e da não
discriminação),
7ª - do que resulta ser inconstitucional esse art.º 149º a) do EMJ quando
interpretado pela forma descrita na conclusão 6ª,
8ª - ou, se for entendido que essa interpretação corresponde à efectiva mens
legis, deverá, então, ser julgado, tout court, inconstitucional esse art.º 149º
a) do EMJ, por violação dos princípios e dos direitos do ora recorrente
enunciados na conclusão 6ª.
9ª - O Acórdão do STJ de 21 de Março de 2006, ora recorrido, interpretou os
artºs 12º e 18º do EMJ com violação, quer dos normativos do EDFAACRL mencionados
nas presentes alegações (nºs 3 e 8 do art.º 3º), quer do disposto nos artºs 9º
c), 48º n.º 1, 202º nºs 1 e 2, 204º, 17º, 18º nºs 1 e 2, e 37º n.º 1 da
Constituição da República Portuguesa, 1º, 9º, 10º, nºs 1 e 2, e 14º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, e 7º, 18º, 19º e 30º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem,
10ª - do que resulta serem inconstitucionais os citados artºs 12º e 18º do EMJ
quando interpretados pela forma descrita na conclusão 9ª,
11ª - ou, se for entendido que essa interpretação corresponde à efectiva mens
legis, deverão, então, ser julgados, tout court, inconstitucionais esses artºs
12º e 18º do EMJ, por violação dos princípios e dos direitos do ora recorrente
enunciados na conclusão 9ª.
Apresentadas as alegações, o relator fez notificar o recorrente do seguinte
despacho:
O recorrente A. foi convidado a aperfeiçoar os seus requerimentos de
interposição de recurso, no sentido de enunciar 'o exacto sentido das normas
cuja conformidade constitucional pretende questionar', tendo respondido conforme
consta a fls. 184/186.
É possível, no entanto, que o Tribunal entenda que não pode conhecer do recurso
interposto do acórdão recorrido de 8 de Junho de 2006 por não ter sido
adequadamente definida a norma recorrida. Com efeito, independentemente da
questão de saber se foi devidamente suscitada uma qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa perante o Tribunal recorrido, importa ter em
conta que cabe ao recorrente o ónus de identificar o objecto do recurso,
enunciando a norma que, aplicada como ratio decidendi na decisão recorrida, se
apresenta desconforme com a Constituição. Neste domínio, não é admissível que o
recorrente pretenda transferir para o Tribunal a tarefa de determinação do
objecto do recurso, mediante a formulação alternativa de normas, identificadas
como tendo sido eventualmente aplicadas, como aqui faz; e igualmente é
inadmissível que, a pretexto de pretender sindicar uma norma inscrita em
preceito legal aplicado na decisão, se vise, afinal, impugnar a decisão, como
acontece quando o recorrente pede ao Tribunal que julgue inconstitucional a
'interpretação restritiva' que o acórdão recorrido teria adoptado sem, todavia,
revelar a norma que uma tal interpretação encobriria.
É possível, ainda, que o Tribunal não conheça do recurso interposto do acórdão,
também recorrido, de 21 de Março de 2006.
As questões que o recorrente afirma pretender colocar ao Tribunal são, segundo
esclareceu, as seguintes:
'a) se, face à publicação da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro (que aprovou um
novo CPTA – e, em concreto, o que se encontra previsto nos art.s 2º nºs 1 e 2
i), 46º e 47º desse Código), sempre em conjugação com o disposto nos art.s 178º
e 131º do EMJ, pode ou não continuar a entender-se, como faz o STJ, que os
recursos interpostos por Juízes contra as deliberações do CSM que os prejudicam
são recursos contenciosos de anulação;
b) se, no que respeita ao exercício do poder disciplinar que lhe está
constitucional e legalmente atribuído, o CSM está sujeito ao princípio da
legalidade e ao princípio da oportunidade, podendo arbitrária e
discricionariamente perseguir ou não perseguir disciplinarmente comportamentos
idênticos e/ou distintos praticados por diversos Juízes;
c) se os art.s 12º e 82º do EMJ se sobrepõem ou, pelo contrário, têm, no mínimo,
que ser interpretados à luz do que se encontra estatuído nos art.s 9ºc), 48º n.º
1, 17º, 18º nºs 1 e 2 e 37º da Constituição da República, 9º n.º 1 (liberdade de
pensamento e de consciência) e 10º da já referida Convenção Europeia dos
Direitos do Homem e 18º (idem), 19º e 30º da supra mencionada Declaração
Universal dos Direitos do Homem.'
Ora, assim definidos, estes enunciados representam trechos decisórios
pretensamente inscritos no aresto sob recurso, mas não é possível
reconhecer-lhes as características de norma jurídica.
Em suma, através de uma tal formulação o recorrente está, na verdade, a
pretender impugnar directamente a decisão recorrida, sindicando o juízo de
aplicação concreta da lei ao seu caso, o que, no domínio do recurso previsto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, não é
admissível.
Acontece que a alegação que posteriormente o recorrente apresentou não dissipou
as dúvidas sobre a verificação destes pressupostos do recurso, pelo que é
plausível que o Tribunal não conheça dos recursos interpostos.
Ouça-se o recorrente, sobre estas questões prévias, pelo prazo de 10 dias.
O recorrente respondeu da seguinte forma:
A., com os sinais que constam dos autos de recurso referenciados em epígrafe,
tendo sido notificado do teor do despacho lavrado nesse processo pelo Ex.mo
Senhor Juiz Conselheiro Relator em 5 de Junho de 2007, penitenciando-se pelas
deficiências do articulado por si antes apresentado, vem responder ao novo
convite nele formulado nos seguintes termos:
A- Recurso interposto do acórdão do STJ de 8 de Junho de 2006, aclarado a 14 de
Setembro de 2006
1º
Relativamente ao recurso supra referido que, apesar de interposto em data
posterior terá, crê-se, que ser apreciado em primeiro lugar porque se reporta a,
na opinião do ora recorrente, uma omissão verificada antes de ter sido prolado o
Acórdão de 21 de Março de 2006 e da qual decorre a nulidade de todo o processado
subsequente à não notificação às partes em litígio, nomeadamente ao aqui também
recorrente, das alegações de recurso produzidas pelo MºPº ao abrigo do disposto
do art. 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ — Lei n.º 21/85, de 30
de Julho), está em causa a interpretação desse aludido art. 176º feita pelo STJ
no Acórdão de 8 de Junho de 2006, que foi considerado “cristalinamente” claro
pelo Acórdão de 14 de Setembro de 2006.
2º
Deste modo e relativamente a esses dois Acórdãos, pede o ora recorrente que o
Tribunal Constitucional:
a) julgue inconstitucional, por violação dos artigos 13º (condição
social/estatuto sócio-profissional), 32º n.º 10, e 20º n.º 4 da constituição da
República Portuguesa, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
aprovada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 10º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia-Geral da ONU através da
sua Resolução 217º (III) de 10 de Dezembro (estes últimos ex vi art.º 8º e o da
Convenção ainda por força do n.º 2 do art.º 16º, ambos da Constituição), o
artigo 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais na interpretação segundo a
qual não têm que ser notificadas ao recorrente as alegações produzidas pelo
Ministério Publico no âmbito de recurso intentado para o STJ por um juiz contra
uma deliberação do CSM; ou
b) julgue inconstitucional, por violação dos artigos 13º (condição
social/estatuto sócio- profissional), 32º n.º 10, e 20º n.º 4 da Constituição da
República Portuguesa, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
aprovada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 10º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia-Geral da ONU através da
sua Resolução 217º (III) de 10 de Dezembro (estes últimos ex vi art. 8º e o da
Convenção ainda por força do n.º 2 do art. 16º, ambos da Constituição), o artigo
176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais na interpretação segundo a qual não
têm que ser notificadas ao recorrente as alegações produzidas pelo Ministério
Publico no âmbito de recurso intentado para o STJ por um juiz contra uma
deliberação do CSM, mesmo que essas alegações influam na decisão do recurso; ou
c) se for entendido que as interpretações referidas em a) e b) correspondem à
efectiva mens legis, que julgue inconstitucional, por violação dos artigos 13º
(condição social/estatuto sócio-profissional), 32º n.º 10, e 20º n.º 4 da
Constituição da República Portuguesa, 6º n.º1 da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem, aprovada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 10º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia-Geral da
ONU através da sua Resolução 217º (III) de 10 de Dezembro (estes últimos ex vi
art. 8º e o da Convenção ainda por força do n.º 2 do art. 16º, ambos da
Constituição), o artigo 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
B - Recurso interposto do acórdão do STJ de 21 de Março de 2006
3º
Relativamente ao recurso supra referido que, crê-se, não terá que ser apreciado
se for julgado procedente o identificado em A, são várias as questões que se
suscitam, a saber:
a) se, face à publicação da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro (que aprovou um
novo CPTA — e, em concreto, o que se encontra previsto nos art.s 2º nºs 1 e 2
i), 46º e 47º desse Código), em conjugação com o disposto nos art.s 178º e 131º
do EMJ, pode ou não continuar a entender-se que os recursos interpostos por
Juízes contra as deliberações do CSM que os prejudicam são recursos contenciosos
de anulação;
b) se, no que respeita ao exercício do poder disciplinar que lhe está
constitucional e legalmente atribuído, o CSM está sujeito apenas ao princípio da
legalidade, ou se também ao princípio da oportunidade, podendo arbitrária e
discricionariamente perseguir ou não perseguir disciplinarmente comportamentos
idênticos ou semelhantes praticados por diversos Juízes;
c) se os art.s 12º e 82º do EMJ se sobrepõem ou, pelo contrário, têm, no mínimo,
que ser interpretados à luz do que se encontra estatuído nos art.s 9º c), 48º
n.º 1, 17º, 18º nº 1 e 2 e 37º da Constituição da República, 9º n.º 1 (liberdade
de pensamento e de consciência) e 10º da já referida Convenção Europeia dos
Direitos do Homem e 18º (idem), 19º e 30º da supra mencionada Declaração
Universal dos Direitos do Homem.
4º
Por essas razões, pede o recorrente que o Tribunal Constitucional:
a) julgue inconstitucionais, por violação dos artigos 13º (condição
social/estatuto socio- profissional), 32º n.º 10, e 20º n.º 4 da Constituição da
República Portuguesa, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
aprovada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 10º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia-Geral da ONU através da
sua Resolução 217º(III) de 10 de Dezembro (estes últimos ex vi art. 8º e o da
Convenção ainda por força do n.º 2 do art. 16º, ambos da Constituição), os
artigos 121º, 122º e 123º do Estatuto dos Magistrados Judiciais na interpretação
segundo a qual os meios de prova indicados pelo arguido em processo disciplinar
a correr termos perante o CSM se destinam unicamente a demonstrar a ocorrência
de vício que afecte a validade do processo ou a não verificação dos factos
imputados na acusação e não também para demonstrar serem verdadeiros os factos
invocados em sede de defesa; e
b) julgue inconstitucionais, por violação dos artigos 13º (e 14º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem e 7º, 10º e 30º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem), 217º n.º1 e 266º n.º 2 da Constituição da República
Portuguesa, os artigos 111º, 123º e 149º a) do Estatuto dos Magistrados
Judiciais na interpretação segundo a qual é permitido ao CSM socorrer-se, na
instauração e tramitação de processos disciplinares a Juízes e na aplicação aos
mesmos de sanções disciplinares, do princípio da oportunidade, podendo
arbitrária e discricionariamente escolher perseguir ou não perseguir
disciplinarmente e punir diferentemente, comportamentos iguais ou semelhantes
praticados por diversos Juízes; e
c) julgue inconstitucionais, por violação dos artigos 9º c), 48º n.º1, 17º, 18º
n s’ 1 e 2 e 37º da Constituição da República, 9º n.º1 (liberdade de pensamento
e de consciência) e 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 18º
(idem), 19º e 30º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, os artigos 12º
e 82º do Estatuto dos Magistrados Judiciais na interpretação segundo a qual:
i) os Juízes, seja qual for a sua situação institucional e integrem ou não uma
organização representativa de Juízes ou os seus corpos directivos, não podem, em
qualquer circunstância, pronunciar-se publicamente, quer em foros de natureza
académica e institucional quer nos órgãos de comunicação social, sobre questões
jurídicas que estejam a ser objecto de escrutínio e debate no seio da comunidade
dos Cidadãos; ou
ii) os Juízes, seja qual for a sua situação institucional e integrem ou não uma
organização representativa de Juízes ou os seus corpos directivos, não podem em
qualquer circunstância, pronunciar-se publicamente sobre o efeito junto da
comunidade dos cidadãos da tramitação de quaisquer processos judiciais, estejam
esses autos não a seu cargo ou nos quais tenham ou não intervenção processual;
ou
iii) nenhum Juiz, seja qual for a sua situação institucional e integre ou não
uma organização representativa de Juízes ou os seus corpos directivos, pode, em
qualquer circunstância, pronunciar-se publicamente em defesa da honra colectiva
e da boa imagem pública dos mesmos enquanto corpo único ou de cada um
individualmente, incluindo o próprio, face aos efeitos que estejam a
verificar-se na comunidade dos cidadãos perante a tramitação de quaisquer
processos judiciais, estejam esses autos ou não a seu cargo ou nos quais tenha
ou não intervenção processual, ou perante as notícias que a esse respeito
estejam a ser socialmente difundidas, particularmente nos órgãos de informação;
ou
iv) nenhum Juiz, seja qual for a sua situação institucional e integre ou não uma
organização representativa de Juízes ou os seus corpos directivos, pode, em
qualquer circunstância, pronunciar-se publicamente com vista a restaurar a
tranquilidade pública e a paz social, face aos efeitos que estejam a
verificar-se na continuidade dos cidadãos perante a tramitação de quaisquer
processos judiciais, estejam esses autos ou não a seu cargo ou nos quais tenha
ou não intervenção processual, ou perante as notícias que a esse respeito
estejam a ser socialmente difundidas, particularmente nos órgãos de informação.
5º
E, consequentemente, concedido, total ou parcialmente, provimento ao recurso,
pede o recorrente que o Tribunal Constitucional determine a reforma das
deliberações recorridas em consonância com o juízo de inconstitucionalidade que
for proferido.
Cumpre decidir.
II
Fundamentos
8.
Impõe-se começar por fazer notar que o recorrente pretende impugnar dois
acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), preceito que permite
recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais 'que apliquem
norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'. O
Tribunal sempre entendeu que o referido recurso tem carácter normativo, isto é,
que o seu âmbito se circunscreve à averiguação da conformidade constitucional da
'norma aplicada' na decisão recorrida, e que cabe ao recorrente o ónus de
identificar essa norma – a regra jurídica dotada de generalidade que o tribunal
recorrido aplicou apesar de ser inconstitucional.
Este ónus determina, à partida, que o objecto do recurso seja constituído por
uma norma que o recorrente deve enunciar com precisão; com efeito, a tarefa de
identificar a norma aplicada pelo tribunal recorrido em desconformidade com a
Constituição concretiza a delimitação do âmbito do recurso que cabe
exclusivamente ao recorrente praticar. Este não pode, obviamente, transferir
esse encargo para o Tribunal, ainda que a coberto de formulações alternativas ou
disjuntivas da 'norma' impugnada, actividade que demandaria uma prévia
investigação do Tribunal para determinar – oficiosamente – o objecto do recurso,
solução inadmissível no sistema de fiscalização concreta adoptado na
Constituição e, em consequência, na LTC.
9.
Conforme resulta do texto reproduzido no antecedente relatório, no requerimento
de interposição o recorrente definira o objecto do recurso interposto do acórdão
de 8 de Junho de 2006 com manifesta falta de precisão, pois nem sequer enunciara
o seu conteúdo normativo, limitando-se a referir – aliás, de forma imprecisa –
os preceitos legais em que se inscreveria a norma impugnada.
Foi, por isso, convidado, nos termos do artigo 75º-A da LTC, a enunciar essa
norma, mas fê-lo com impropriedade. Com efeito, nessa resposta, diz o recorrente
que 'a interpretação restritiva das disposições conjugadas dos artigos 176º,
178º e 131º do EMJ' adoptada no acórdão é inconstitucional, mas que 'se for
entendido que a interpretação do STJ é a que corresponde à vontade do
Legislador', pede, então, que se 'declare inconstitucional o artigo 176º do
EMJ'.
Tal pedido indicia que o recorrente não questiona uma norma jurídica, e que
pretende, afinal, sindicar o modo como o Supremo Tribunal de Justiça terá
aplicado, ao caso concreto, 'os artigos 176º, 178º e 131º do EMJ' ou, 'se for
entendido que a interpretação do STJ é a que corresponde à vontade do
Legislador', 'o artigo 176º do EMJ'.
Durante o processo, o recorrente confunde a espécie 'norma' com o resultado
prático da sua aplicação ao caso concreto, reincide na formulação de pretensos
conteúdos normativos daquele preceitos, apresentados de forma subsidiária ou
alternativa, conforme 'for entendido' segundo diz. Esta forma de definir o
objecto do recurso esbarra no ónus de delimitação do âmbito do recurso através
da exacta enunciação da norma impugnada.
Trata-se, como já se disse, de uma via que não identifica com a necessária
exactidão o objecto do recurso e constitui mais um motivo pelo qual o Tribunal
não pode conhecer desta matéria.
Confrontado com a hipótese de não conhecimento do seu recurso, insistiu o
recorrente em ver julgado inconstitucional:
– o artigo 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais na interpretação segundo a
qual não têm que ser notificadas ao recorrente as alegações produzidas pelo
Ministério Publico no âmbito de recurso intentado para o STJ por um juiz contra
uma deliberação do CSM; ou
– o artigo 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais na interpretação segundo a
qual não têm que ser notificadas ao recorrente as alegações produzidas pelo
Ministério Publico no âmbito de recurso intentado para o STJ por um juiz contra
uma deliberação do CSM, mesmo que essas alegações influam na decisão do recurso;
ou
– se for entendido que as interpretações referidas em a) e b) correspondem à
efectiva mens legis, (...) o artigo 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Todavia, esta resposta não tem sentido: no aludido despacho, o Tribunal visou
dar uma oportunidade ao recorrente para contrariar o referido juízo de
impropriedade quanto ao pedido formulado, pois, nesta fase, não podia pedir-lhe
[aliás, já o fizera antes, nos termos do artigo 75º-A da LTC] que regularizasse
o seu pedido. Nesse momento já não era – portanto – possível ao recorrente
corrigir, ou de algum modo modificar, o objecto do recurso, mas tão só
pronunciar-se sobre a questão do seu não conhecimento, com fundamento em
irregular definição do seu objecto.
Nesta óptica, o que a aludida resposta permite confirmar é que o recorrente não
logrou fixar um objecto idóneo ao recurso.
Com este fundamento, o Tribunal decide não conhecer do recurso interposto do
acórdão de 8 de Junho de 2006.
10.
A errada perspectiva com que o recorrente constrói o seu recurso de
constitucionalidade também se manifesta, e porventura com maior evidência,
quanto ao recurso interposto do acórdão de 21 de Março de 2006.
Quanto a ele, diz pretender colocar ao Tribunal as seguintes três questões:
a) se, face à publicação da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro (que aprovou um
novo CPTA — e, em concreto, o que se encontra previsto nos art.s 2º nºs 1 e 2
i), 46º e 47º desse Código), sempre em conjugação com o disposto nos artºs 178º
e 131º do EMJ, pode ou não continuar a entender-se, como faz o STJ, que os
recursos interpostos por Juízes contra as deliberações do CSM que os prejudicam
são recursos contenciosos de anulação;
b) se, no que respeita ao exercício do poder disciplinar que lhe está
constitucional e legalmente atribuído, o CSM está sujeito ao princípio da
legalidade e ao princípio da oportunidade, podendo arbitrária e
discricionariamente perseguir ou não perseguir disciplinarmente comportamentos
idênticos e/ou distintos praticados por diversos Juízes;
c) se os artºs 12º e 82º do EMJ se sobrepõem ou, pelo contrário, têm, no mínimo,
que ser interpretados à luz do que se encontra estatuído nos art.s 9ºc), 48º n.º
1, 17º, 18º nºs 1 e 2 e 37º da Constituição da República, 9º n.º 1 (liberdade de
pensamento e de consciência) e 10º da já referida Convenção Europeia dos
Direitos do Homem e 18º (idem), 19º e 30º da supra mencionada Declaração
Universal dos Direitos do Homem.
Ora, pelas razões já atrás expostas, a única questão que pode constituir objecto
do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, como é o
presente, é a desconformidade constitucional de normas jurídicas aplicadas,
concretamente, numa decisão judicial, como sua ratio decidendi.
Assim, quando o recorrente explica que pretende que o Tribunal 'declare
inconstitucional essa interpretação dos artºs 12º nºs 3 e 4 do ETAF e 27º n.º 2
da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), que foi feita com total desprezo
pelos normativos citados na alínea a) do n.º 7 do presente articulado, tudo por
violação do direito a um julgamento leal e mediante processo equitativo já
referido no n.º 5 desta peça processual, uma vez que, por força desse
entendimento restritivo, não foram apreciadas, como já o não tinham sido pelo
CSM, as provas produzidas pelo então arguido durante a fase do processo
disciplinar que decorreu perante aquele Conselho' está, na verdade, a requerer a
este Tribunal uma proibida actividade apenas materializável através da
sindicância da decisão recorrida, em si mesma considerada, sem que sobressaia
daquele pedido um enunciado a que possa atribuir-se natureza normativa.
De igual forma, visando sindicar o 'entendimento' do Tribunal recorrido que
teria ficado expresso na decisão em causa, segundo o qual 'no que respeita ao
exercício do poder disciplinar que lhe está constitucional e legalmente
atribuído, ao CSM é permitido, [...] socorrer-se do princípio da oportunidade,
podendo arbitrária e discricionariamente escolher perseguir ou não perseguir
disciplinarmente comportamentos idênticos e/ou distintos praticados por diversos
Juízes' está, uma vez mais, a centrar a sua crítica na decisão do Tribunal
recorrido e não em qualquer norma que o mesmo haja aplicado.
As advertências acima referidas quanto ao verdadeiro âmbito deste recurso tornam
patente que o recorrente põe em causa a decisão recorrida e não a conformidade
constitucional das normas que nesta foram aplicadas.
Também quanto a este recurso se deve concluir que resposta apresentada pelo
recorrente ao despacho do relator de 5 de Junho de 2007, não podendo alterar o
objecto do recurso, se cifra, afinal, na confirmação de que não se mostra
delineado um objecto idóneo ao recurso.
Assim, pelos motivos expostos, também quanto ao acórdão de 21 de Março de 2006
não poderá conhecer-se do recurso interposto.
III
Decisão
Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento dos
recursos interpostos.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC.
Lisboa, 26 de Julho de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos