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Processo nº 369/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
A. veio arguir a nulidade fundada na junção de documentos aos autos de
atribuição de casa de morada de família em que é requerido.
Tendo sido indeferida essa arguição interpôs recurso do aludido despacho o qual
foi admitido como agravo com subida diferida.
O mencionado recurso viria a ser julgado deserto por falta de alegações.
Inconformado, agravou o requerido, concluindo, em síntese, que sendo o recurso
de subida diferida, lhe assiste o direito de alegar no momento da subida do
agravo e não imediatamente, sob pena de ilegalidade por violação dos princípios
da proibição de actos inúteis, da celeridade e economia processuais e
inconstitucionalidade dos artigos 740.º n.º1 “a contrario” e 743.º do Código de
Processo Civil, por violação dos artigos 20.º e 32.º da Constituição.
O Tribunal da Relação de Lisboa por Acórdão de fls. 50 e seguintes não deu
provimento ao recurso, tendo decidido, nomeadamente:
“O regime de subida e o momento da alegação nos recursos é passível de diversas
soluções, numa ponderação dos diversos valores correlacionados, como sejam a
limitação dos actos, a celeridade processual, o direito ao recurso, a
proporcionalidade dos ónus e a preclusão; sendo que nessa ponderação pode dar-se
mais prevalência a um ou outro dos valores em causa, consoante as necessidades e
as opções sociais do momento, sem que, contudo, seja posto em causa qualquer
daqueles valores.
Tendo em vista a concreta situação do momento das alegações em recurso de subida
diferida, a conjugação dos valores em causa é compatível quer com a
possibilidade de alegação aquando da interposição do recurso, quer com a
possibilidade de alegação aquando da notificação da admissão do recurso, quer
com a possibilidade de alegação aquando do momento da subida, quer, ainda, com a
possibilidade de alegação em qualquer desses momentos; à escolha do recorrente.
Compete ao legislador fazer a ponderação dos interesses em causa e determinar em
concreto o regime aplicável.
E isso mesmo foi feito através do DL 329/95, 12DEZ, onde, depois de se afirmar
expressamente ‘no que ao recurso de agravo em 1ª instância se refere (...)
optou-se por eliminar a possibilidade de o agravante apenas alegar na altura em
que o agravo retido devia subir; cumpre, deste modo, ao agravante expor desde
logo as razões porque pretende impugnar a decisão recorrida, facultando-as à
parte contrária e ao juiz, de modo a permitir a este uma eventual reparação,
quando efectivamente lhe assista razão’, se revogou o art° 746° do CPC que
permitia ao recorrente optar por alegar no momento da subida do recurso.”
Inconformado com a forma como foi decidida a questão de inconstitucionalidade
que tinha sido levantada, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
nos seguintes termos:
“(…) convidado a fazer a indicação a que alude o nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82 de 15 de Novembro e, eventualmente, os nºs 2 a 4, vem esclarecer que
interpõe recurso para o Tribunal Constitucional para ser apreciada a
conformidade com os artigos 20º nº 1 e 32º nº 1 da Constituição da República
Portuguesa dos artigos 740º (a contrario), 743º e 137º do Código Processo Civil.
“
o qual foi admitido por despacho de fls. 340.
Convidado pela Exma. Conselheira Relatora para dar cumprimento ao artigo 75.º-A
da Lei do Tribunal Constitucional, veio dar satisfação ao convite, dizendo o
seguinte:
“(…) notificado para dar cumprimento ao artigo 75°-A da Lei n° 28/82 de 15 de
Novembro, vem esclarecer que interpõe recurso para o Tribunal Constitucional ao
abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 70° para ser apreciada a conformidade com
os artigos 20° n° 1 e 32° n° 1 da Constituição da República Portuguesa dos
artigos 740º (a contrario) e 743º do Código Processo Civil, cuja
inconstitucionalidade foi invocada em sede de alegações de recurso no processo
n° 9003/06-1 no Tribunal da Relação de Lisboa.”
Posteriormente, juntou as respectivas alegações, tendo concluído pela seguinte
forma:
“A. A eliminação da possibilidade, no recurso de agravo em 1ª instância, de o
agravante alegar apenas na altura em que o agravo retido deve subir e a
consagração, em seu lugar, da obrigatoriedade de apresentação de alegações logo
após a admissão do recurso, viola o direito de acesso ao direito e aos
tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa,
prejudicando injustificadamente o direito ao recurso e o princípio da limitação
de actos – essenciais ao invocado direito constitucional.
B. Só no momento da respectiva subida é possível avaliar o interesse dos
agravantes nos agravos retidos.
C. Nenhuma razão atendível parece existir para impor aos agravantes o ónus de
alegarem antes de as suas razões poderem ser apreciadas pelo tribunal de
recurso.
TERMOS EM QUE, COMO NOS MELHORES DE DIREITO, SE PEDE A VOSSAS EXCELÊNCIAS SEJA A
NORMA DO ARTIGO 743º N° 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, QUANDO APLICADA A
RECURSOS DE AGRAVO ADMITIDOS COM SUBIDA DIFERIDA, JULGADA INCONSTITUCIONAL POR
VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 20° DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.”
Por sua vez, a Recorrida concluiu, sustentando que:
“A) Advém o presente recurso, do particular entendimento do Recorrente que não
juntou as suas alegações de recurso por entender que, já que as mesmas iriam ser
apreciadas somente a final, por àquele recurso ter sido atribuído efeito
meramente devolutivo, sobre ele recairia o ónus injusto de as apresentar naquele
momento e naquele prazo.
B) A subida diferida dos agravos enquanto regime regra, assenta numa exigência
de celeridade processual: por um lado, obvia-se a que a tramitação normal do
processo seja afectada por constante envios do processo à 2ª. Instância para
apreciação de decisões interlocutórias e, por outro, pode vir a evitar-se o
conhecimento de muitos destes recursos que podem ficar prejudicados no seu
conhecimento pela decisão final.
C) O prazo para apresentação de alegações em recurso de agravo conta-se desde a
data da notificação da admissão do recurso, independentemente de o mesmo ter
subido imediata ou diferida.
D) O art. 3° do D.L. 328-A/95, veio estabelecer que independentemente do regime
de subida do agravo, as alegações devem ser apresentadas no prazo de 15 dias
(n°1 do art. 743°), constituindo a retenção do agravo até ao momento de subida
ao Tribunal Superior a única consequência da atribuição de efeito suspensivo
(cf. art. 747° do CPC).
E) Não tendo apresentado as alegações no prazo de 15 dias após a notificação do
despacho de admissão do recurso, como expressamente o agravante reconhece, outro
destino não podia ter o recurso que não fosse a deserção por força do
preceituado nos arts. 291°, n°2, e 690°, n° 3, do CPC”
Decidindo.
II – Fundamentação
Do confronto das alegações produzidas com o requerimento de interposição de
recurso resulta que o Recorrente veio restringir o objecto do recurso – não
obstante ter interposto recurso para apreciação da conformidade com os artigos
20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição das normas contidas nos artigos 740.º
a contrario e 743.º do Código de Processo Civil o certo é que, em sede de
alegações, o Recorrente impugna apenas aquela segunda norma por alegada violação
do direito fundamental de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional
efectiva. Admitindo-se esta restrição tácita do objecto do recurso, nos termos
do disposto no artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, atenta a
remissão operada pelo artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional, cinge-se
então o objecto do presente recurso de constitucionalidade, à interpretação
daquele preceito, segundo o qual, com a eliminação da possibilidade, no recurso
de agravo em 1.ª instância, de o agravante alegar apenas na altura em que o
agravo retido deve subir e a consagração, ao invés, da obrigatoriedade de
apresentação de alegações logo após a admissão do recurso, se violar o direito
de acesso aos Tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República
Portuguesa, prejudicando, injustificadamente o direito ao recurso e o princípio
da limitação de actos.
Embora não venha colocada em crise a questão referente ao regime de subida do
agravo (diferida), mas tão somente o momento em que o agravante deve juntar aos
autos as suas alegações, é de assinalar a posição que sobre a matéria o Tribunal
Constitucional vem sustentando, nomeadamente no Acórdão nº 359/04, de 19 de Maio
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Aí se exarou, transcrevendo o
Acórdão n.º 83/99:
“(…) A recorrente questiona a constitucionalidade do regime/momento da subida do
agravo e da dependência da condição da absoluta inutilidade da retenção para a
subida imediata, por entender que, no caso em apreço, a verificação de tal
condição viola os princípios do Estado de Direito e o Acesso à Justiça.
Sobre o direito de acesso à justiça tem o Tribunal Constitucional firmado uma
extensa jurisprudência, interpretando-o no sentido de que ele é ‘um direito à
solução dos conflitos por banda de um órgão independente e imparcial face ao que
concerne à apresentação das respectivas perspectivas, não decorrendo desse
direito (nomeadamente, no que ora releva, se em causa estiver a litigância civil
obrigacional) o asseguramento às partes da garantia de recurso das decisões que
lhes sejam desfavoráveis (cf, por todos, o Acórdão nº 210/92, publicado na II
Série do Diário da República, de 12 de Setembro de 1992)’ (Acórdão n.° 208/93,
in Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 1993).
A este propósito, lê-se também no Acórdão n.° 501/96, in Diário da República, II
Série, de 3 de Julho de 1996:
‘O Tribunal Constitucional tem entendido que a garantia judiciária (...) engloba
o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais (Acórdão n.° 287/90, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.° vol., 1990, pp. 159 e segs.;
identicamente, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 162). E este
direito só pode ser exercido mediante o recurso para (outros) tribunais. Por
outro lado, a expressa previsão da existência de tribunais de 1ª instância e de
recurso também fornece um argumento a favor da dignidade constitucional do
direito de recurso (assim, Acórdão n.° 287/90, citado, e RIBEIRO MENDES, Direito
Processual Civil – Recursos, 2. ed., 1992, p. 100).
Todavia, não se pode concluir que haja, na ordem jurídica portuguesa, um
ilimitado direito de recurso, o que implicaria, por exemplo, a
inconstitucionalidade do instituto das alçadas judiciais. O Tribunal
Constitucional tem entendido – tal como já sustentara a Comissão Constitucional
– que o direito de recurso não é absoluto ou irrestringível (Acórdãos n.°s 31/87
e 65/88, in Diário da República, II série, de 1 de Abril de 1987 e 20 de Agosto
de 1988, respectivamente, e parecer n.° 9/82, in Pareceres da Comissão
Constitucional, 19.° vol., pp. 29 e segs.).
(...)
Consequentemente, apenas está consagrado – em matérias não penais – um genérico
direito de recurso, ou, noutra linguagem, a um duplo grau de jurisdição. O seu
conteúdo pode ser delimitado pelo legislador, que pode racionalizar este
instituto processual, reservando o exercício do direito aos casos com maior
dignidade. ‘
Idêntico entendimento pode ser colhido, entre outros, no Acórdão n.° 305/94, in
Diário da República, II Série, de 27 de Agosto de 1994, reconhecendo-se ampla
margem de manobra ao legislador ordinário para conformar em concreto o direito
ao recurso.
Ora, no caso em apreço, não existe qualquer restrição ao direito de recurso. À
recorrente está amplamente reconhecido o direito de recurso, que ela pôde
efectivamente exercer.
O que a norma do artigo 734.°, n.° 2, do CPC prevê é apenas um regime de subida
– a subida diferida, por não se verificar a absoluta inutilidade, excepção que
permite a subida imediata do recurso – ou seja, o que está em causa é o
diferimento da subida de alguns recursos, diferimento que é ditado por
importantes razões de celeridade e economia processuais.
A subida diferida do recurso impõe-se nos casos em que, apesar desse mesmo
regime de subida, o recorrente pode ainda – em sede de recurso – obter a
adequada tutela da sua pretensão processual.
O mesmo é dizer que, embora a subida do recurso seja diferida, a recorrente pode
ainda vir a obter os efeitos pretendidos mediante a revogação do despacho
agravado, mesmo que essa revogação implique a anulação/reformulação dos actos
praticados em obediência ao despacho revogado pela decisão do tribunal de
recurso.
Disse-se especificamente sobre o artigo 734.°, n.° 2, do CPC no já citado
Acórdão n.° 208/93, a que aqui se adere:
‘(...) como só se permite a subida imediata nos casos em que, de todo, não seja
possível ao agravado alcançar aquela eficácia, então se, mesmo sem essa subida,
ainda pode o agravado atingir os efeitos desejados, não está ele, pela subida
diferida, despojado dos meios processuais capazes de fazer valer a sua pretensão
(...).’
Ora, por não existir qualquer restrição ao direito de recurso da recorrente e
por esta poder ainda obter, com o regime de subida diferida, a satisfação do seu
interesse processual – confirmando-se, assim, a utilidade do recurso – não se
viola a garantia de acesso à justiça e aos tribunais, nem o princípio do Estado
de Direito.
Pelo exposto, a absoluta inutilidade dos agravos que aparece como condição para
a sua subida imediata, constante do artigo 734.°, n.° 2, do Código de Processo
Civil, em nada contende com a garantia de acesso à justiça e aos tribunais, nem
com o princípio do Estado de Direito.”
Com efeito, e após esta longa transcrição, poder-se-á acentuar a ideia de que
não existe na ordem jurídica portuguesa um ilimitado direito ao recurso, e,
nessa linha, o Tribunal Constitucional tem entendido que o direito ao recurso
não é absoluto ou irrestringível.
Por outro lado, esse direito é passível de conformação, por parte do legislador
ordinário, com uma razoável dose de autonomia, porquanto é consentâneo com
diversas soluções, como sejam a “limitação dos actos, a celeridade processual, o
direito ao recurso, a proporcionalidade do ónus e a preclusão; sendo que nessa
ponderação pode dar-se mais prevalência a um ou outro dos valores em causa,
consoante as necessidades e as opções sociais do momento, sem que, contudo, seja
posto em causa qualquer daqueles valores.”
Ora, compete ao legislador ordinário sopesar os interesses em causa, e, na
situação ora em apreço, dando como adquirida, porque não impugnada, a subida
diferida do recurso de agravo, qual o momento processualmente adequado em que
deveriam ser juntas aos autos as alegações de recurso.
Considerou-se que essas alegações deveriam ser juntas após a notificação da
admissão do recurso e não, a final, quando o agravo retido houvesse de subir.
Consignou-se, por esta forma, na exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 329/95,
de 12 de Dezembro:
(…) ‘no que ao recurso de agravo em 1ª instância se refere (...) optou-se por
eliminar a possibilidade de o agravante apenas alegar na altura em que o agravo
retido devia subir; cumpre, deste modo, ao agravante expor desde logo as razões
porque pretende impugnar a decisão recorrida, facultando-as à parte contrária e
ao juiz, de modo a permitir a este uma eventual reparação, quando efectivamente
lhe assista razão’, se revogou o art° 746° do CPC que permitia ao recorrente
optar por alegar no momento da subida do recurso.”
Dando conta das preocupações do legislador defende Lebre de Freitas, in Código
de Processo Civil Anotado, 3ª ed., p. 168, que ao sujeitar “as alegações nos
recursos retidos ao mesmo regime das alegações nos que sobem imediatamente,
simplificou-se o regime e pôs termo a dúvidas e disputas doutrinais que existiam
sobre a referida opção a favor do agravado e sobre a necessidade de sustentação
do despacho ou reparação do agravo, quando ocorresse retenção”.
Assim, ao mesmo tempo que se deliberou no sentido da subida diferida dos
agravos, como regime regra, tendo em vista a exigência de celeridade processual,
assim se obviando a que a tramitação normal do processo seja afectada por
constantes remessas do processo à Relação para a apreciação de decisões
interlocutórias, por outro lado, pretendeu-se evitar o conhecimento de muitos
desses recursos retidos, ou por ficarem prejudicados pela forma, como, a final,
a questão seria decidida, ou, por eventualmente, haver lugar à reparação, desde
logo, desses agravos retidos.
Pelo exposto, facilmente se constata que o regime delineado do agravo, em
processo civil, e, designadamente o momento em que devem ser produzidas as
respectivas alegações em nada viola os preceitos constitucionais invocados, em
particular o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que
sempre se encontra assegurada a possibilidade de recorrer e invocar as razões
dessa discordância, sendo que é legítimo ao legislador fixar o momento
processual, na sua perspectiva, adequado para a junção das alegações do agravo
retido.
No que importa ao que se refere ao artigo 32.º da Constituição da República
Portuguesa tal normativo é manifestamente estranho à economia do presente
recurso.
Improcede, pois, o recurso.
III – Decisão
Nestes termos, acordam no Tribunal Constitucional, em negar provimento ao
recurso.
Custas pelo Recorrente, fixando em 25 UC a taxa de justiça.
Lisboa, 24 de Julho de 2007
José Borges Soeiro
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos