Imprimir acórdão
Processo n.º 654/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. O recorrente A. reclama para a conferência contra o seguinte despacho
proferido pelo relator a fls. 197:
A. pretende recorrer directamente para o Tribunal Constitucional – sob invocação
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC – de um despacho emitido no Tribunal
Judicial de Barcelos.
Ora, antes mesmo de o Tribunal poder averiguar se se mostram cumpridos os
restantes pressupostos que condicionam a admissibilidade deste recurso, apesar
de ter sido admitido no Tribunal recorrido – artigo 76º n.º 3 da mesma LTC –,
deverá o recorrente dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 83º da citada
Lei, norma que impõe que 'nos recursos para o Tribunal Constitucional é
obrigatória a constituição de advogado'.
Segundo informação prestada pela Ordem dos Advogados (entidade que em Portugal
titula o acesso à profissão) o recorrente tem a sua inscrição suspensa na Ordem
desde 24 de Agosto de 1993, razão pela qual 'não pode praticar actos inerentes
ao exercício da advocacia', 'ainda que em causa própria' (ofício a fls.
187/188).
Foi, por isso, convidado a fazer-se representar por advogado, no processo, num
dado prazo.
Ultrapassado este, e não tendo sido sanada a irregularidade, cumpre declarar
finda, por esse motivo, a presente instância de recurso, uma vez que a não
verificação deste pressuposto de admissibilidade impede que o Tribunal conheça
do seu objecto. [...]
Diz o seguinte:
A. A decisão reclamada. Fundamentação expressa
1) Impugnado é pelo presente acto processual o recém-notificado Despacho do
Relator datado de 30 de Julho, no qual este declara «finda a presente instância
de recurso», porque «segundo informação prestada pela Ordem dos Advogados (…) o
recorrente tem a sua inscrição suspensa na Ordem desde 24 de Agosto de 1993» e,
«convidado a fazer se representar por advogado, no processo, num dado prazo»,
este foi ultrapassado «não tendo sido sanada a irregularidade».
B. Fundamento da presente reclamação
2) Como é de meridiana evidência, o signatário é advogado; documentou os autos,
efectivamente todos os autos, sucessivamente, correndo nesse Alto Tribunal –,
com prova bastante da nulidade de pleno direito da deliberação de suspensão da
sua inscrição na Ordem dos Advogados e, mais, do decretamento judicial da
suspensão, inclusive, da eficácia jurídica dessa deliberação.
3) Mas recapitulando, enfim, a “matéria dada”, dir-se-á uma vez mais –
perseverando na justa pugna de quem, intitulando-se legitimamente,
consabidamente, advogado, espera que todos e cada um com intervenção no caso
sejam realmente aquilo que se intitulam – o seguinte:
a) a deliberação de suspensão da inscrição do advogado signatário na Ordem dos
Advogados foi objecto do Edital n.º 449/2000 do Bastonário (Doc. A, supra),
b) de cuja leitura se conclui, necessariamente, ser tal acto nulo de pleno
direito (alegada uma “incompatibilidade” inexistente); todavia,
c) teve esse falso edital referente a um acto ilegal o mérito mínimo, porém, de
permitir ao interessado impugnar em sede judicial a deliberação administrativa
através dele publicitada, a começar pelo pedido de suspensão da eficácia
respectiva, providência esta que seria efectivamente decretada, em via de
recurso, por acórdão de 24 de Maio de 2001 do Tribunal Central Administrativo,
tirado no Proc. n.º 10604/01.
d) Foi então que o B. [assim, no texto] OA mostrou o seu potencial: em 25 de
Julho seguinte remeteu para o Diário da República novo anúncio – publicado em 13
de Setembro, como Rectificação n.º 2051/2001 (Doc. A, infra) – a informar que a
deliberação controvertida, afinal, não datava de 10 de Novembro de 1995, mas
antes de 24 de Setembro de 1993...
e) Requerida então, por mera cautela, a suspensão da eficácia dessoutra
deliberação pseudo-eficaz no competente Tribunal Administrativo do Círculo do
Porto, a Sentença (Doc.) ali proferida em 23 de Janeiro seguinte (2002), no
Proc. JL 1107/01, não deixa margem para qualquer dúvida: disse a final o Mmo
Juiz, com efeito, que, «independentemente de se saber qual é a data dessa mesma
deliberação que decidiu suspender a inscrição do requerente, terá de ser facto
indiscutível que essa mesma deliberação tem os seus efeitos suspensos por aquele
Ac. do TCA»! Entretanto,
f) o inusitado protelamento ocorrido na baixa do Proc. n.º 10604/01 à 1.ª
instância impelira o interessado a interpor directamente naqueles autos, por
petição de 14 de Novembro de 2001, o competente recurso contencioso de
declaração da nulidade do acto administrativo impugnado, vindo em 13 de Dezembro
seguinte a ser proferido em tal processo acórdão mandando remeter esse
requerimento ao Tribunal Administrativo do Círculo (“TAC”) do Porto para efeitos
de «autuação e distribuição como recurso contencioso», aresto que no ponto 1 do
Despacho de 2 de Março seguinte (in Doc. C) é referido como «já transitado em
julgado nesta parte». E, efectivamente,
g) em 6 de Março de 2002, por força de Despacho do Presidente manuscrito na
margem do próprio oficio do TCA (Doc. D) a remeter aquele expediente, seria
aberto no TAC do Porto o Proc. n.º 213/02 para instrução do recurso contencioso
em devido tempo interposto com vista à declaração da invalidade da questionada
deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de suspensão da inscrição
do advogado signatário. Neste processo,
h) por sinal, foi o Recorrente informado através do ofício de 20 de Abril último
(Doc. E) de que «os presentes autos foram enviados ao TAF de Leiria em 25-1
-2007 (…) para ser proferida sentença», isto quase dois anos depois de ter sido
outrossim oficialmente notificado do Despacho de 23 de Junho de 2005 do Mmo.
Juiz (Doc. F) declarando ex officio, ao autorizar a informação já também de que
«o referido proc. se encontra(va) a aguardar a prolação da sentença», ser o ali
então Requerente «o próprio autor, advogando em causa própria» (sic). Tanto
assim,
i) por sinal, que, pelo Despacho de 9 de Maio transacto (Doc. G) no Proc. n.º
668/ 05 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, o Mmo. Juiz, perante
documentação aduzida pelo interessado, o signatário, a respeito de questão
incidental idêntica a esta aqui e agora ex novo controvertida, mandou o Conselho
Superior da Ordem dos Advogados informar oficialmente (o que, até à data, ainda
não sucedeu!) «qual o acto-fundamento que determinou o decretamento da suspensão
do Autor [o ora Reclamante], desde 24 de Setembro de 1993, e bem assim, ainda,
em que medida é que, não foram (as identificadas decisões judiciais)
determinantes para o levantamento da suspensão da inscrição do Autor [como
Advogado], e assim também, para que a sua inscrição na Ordem seja tida por
válida e em vigor» (sic), e,
j) muito principalmente, já na Sentença de 8 de Agosto último no Proc. n.º
503/O7BRG do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (Doc. H, parte), em
fundamento liminar da decisão, o Mmo. Juiz declara que, face aos «novos
elementos trazidos pelo requerente, não se vislumbram motivos para que não
possa, como advogado, litigar em causa própria» (sic)!
C. Conclusão: o pedido
A factualidade jurídica acabada de expor torna bem claro, dentro da boa fé, que
a efectiva escusa, de todo e qualquer tribunal, seja a declarar a nulidade ipso
jure seja a acatar a decretada ineficácia jurídica, no julgamento de questão
incidental emergente, da deliberação de suspensão da inscrição do advogado aqui
e agora pleiteando pro se, em via de reclamação, releva objectivamente da
aplicação segundo uma directriz hermenêutica materialmente inconstitucional –
porquanto flagrantemente infractora, por igual, das garantias jusconstitucionais
de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva consagradas na Lei
Fundamental – das normas, respectivamente, do n.º 1 e do n.º 2, in fine, do art.
134.º, ex vi do art. 120.º (inexistência de norma de direito público habilitando
à prática do acto), do Código do Procedimento Administrativo, e do n.º 2 do art.
79.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Termos por que, tudo isto visto, esse Alto Tribunal ad quem, na senda da justiça
devida,
i) fazendo aquilo que de jure pode sem embargo fazer, declarará no caso a
nulidade de pleno direito do acto administrativo exposto,
ou, na economia do incidente, resultando de igual efeito,
ii) fazendo aquilo que de jure não pode deixar de fazer, reconhecerá a actual
ineficácia jurídica do mesmo acto,
consequentemente admitindo o advogado signatário a intervir com toda a
legitimidade, desde logo na qualidade em que abaixo firma, nos presentes autos.
2. Não tem, porém, razão e é de confirmar o entendimento perfilhado no
despacho reclamado.
Com efeito, não cabe ao Tribunal, ainda que a título incidental, substituir-se
na competência administrativa da Ordem dos Advogados, autorizando o exercício da
advocacia a quem a Ordem tal proíbe mediante acto praticado no exercício dos
poderes que lhe estão atribuídos, designadamente no artigo 3º alínea c) do
Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro de 2005).
É certo que os actos praticados por esta entidade pública podem ser impugnados
pelo interessado nos tribunais administrativos. Mas continua a caber à Ordem a
tarefa de, em primeira linha, dar cumprimento ao decidido por estes tribunais
quanto ao assunto. Por este motivo, face à informação prestada segundo a qual o
recorrente tem a sua inscrição suspensa na Ordem desde 24 de Agosto de 1993,
facto que o impede de 'praticar actos inerentes ao exercício da advocacia',
'ainda que em causa própria' (ofício a fls. 187/188), é irrelevante conhecer da
matéria invocada a propósito da pretensa invalidade do acto emitido pelos órgãos
da Ordem dos Advogados que determinou a suspensão da inscrição do reclamante
como advogado.
Esclarecida esta questão, e apurando-se que, não podendo advogar, o interessado
se recusou a constituir mandatário forense, deve o Tribunal declarar finda a
presente instância de recurso por não verificação deste requisito processual que
impede que se conheça do seu objecto – n.º 1 do artigo 83º da LTC.
3. Decide-se, com estes fundamentos, confirmar o despacho reclamado,
pondo fim à presente instância de recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se em 12 UC a respectiva taxa de justiça.
Lisboa, 17 de Outubro de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão