Imprimir acórdão
Processo nº 646/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Comércio de Lisboa, em que é
recorrente o Ministério Público e recorrida a A., S.A., foi interposto recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1,
alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal de 6 de Março de 2007.
2. Em 27 de Junho de 2007, foi proferida decisão sumária pela qual se negou
provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:
«A questão de inconstitucionalidade que cumpre apreciar nos presentes autos foi
já objecto de decisões anteriores do Tribunal Constitucional, o que justifica a
prolação da presente decisão (nº 1 do artigo 78º-A da LTC).
Pelos Acórdãos nºs 690/2006, 692/2006, 43/2007, 85/2007 e 131/2007 (disponíveis
em www.tribunalconstitucional.pt), este Tribunal decidiu julgar inconstitucional
o artigo 29º do Decreto‑Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, na parte em que dá
nova redacção à alínea a) do nº 1 do artigo 89º da Lei nº 3/99, de 13 de
Janeiro, por violação do disposto na alínea p) do nº 1 do artigo 165º da
Constituição da República Portuguesa.
Reiterando este entendimento e remetendo para a fundamentação destas decisões, é
de negar provimento ao recurso interposto».
3. Notificado da decisão sumária, o Ministério Público reclamou para a
conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da LTC:
«1º
Face ao teor da decisão recorrida e do requerimento de interposição do recurso
de constitucionalidade pelo Ministério Público, o objecto do recurso é integrado
– não apenas pela alteração normativa decorrendo do artigo 29° do Decreto-Lei n°
76-A/06 – mas também pela alteração dada ao artigo 89°, n° 1, alínea a) da Lei
de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais pelo artigo 14° do
Decreto-Lei n° 8/2007, de 17 de Janeiro.
2°
Importando, naturalmente, dirimir esta última questão, não abrangida pela
jurisprudência firmada, citada na douta decisão reclamada.
3°
Pelo que se impõe, a nosso ver – e salvo melhor opinião – determinar o
prosseguimento do recurso para apreciação desta última questão de
inconstitucionalidade, reportada à norma introduzida pelo artigo 14° do
Decreto-Lei n° 8/07».
4. O recorrente e a recorrida foram notificados para, querendo, se pronunciarem
sobre a possibilidade de a conferência decidir não conhecer do objecto do
recurso, na parte que se refere ao artigo 14º do Decreto-Lei nº 8/2007, de 17 de
Janeiro, por falta de utilidade.
Decorrido o prazo concedido, não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Assiste razão ao Ministério Público quando conclui que “face ao teor da
decisão recorrida e do requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade pelo Ministério Público, o objecto do recurso é integrado –
não apenas pela alteração normativa decorrendo do artigo 29° do Decreto-Lei n°
76-A/06 – mas também pela alteração dada ao artigo 89°, n° 1, alínea a) da Lei
de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais pelo artigo 14° do
Decreto-Lei n° 8/2007, de 17 de Janeiro”.
Na verdade, consta também da decisão recorrida o seguinte:
«O art. 89°, n° 1, al. a), com a redacção que lhe foi dada pelo art. 29° do
Dec.lei 76-A/06 de 29.03, foi novamente alterado pelo art. 14º do Dec.lei 8/2007
de 17 de Janeiro, que repôs a redacção deste artigo com a alteração que lhe
havia sido introduzida pelo Dec.lei n° 53/04. ---
Sucede, porém, que também este diploma, no que respeita à alteração do art. 89°
da LOTJ, enferma de inconstitucionalidade orgânica uma vez que a respectiva lei
de autorização legislativa (Lei 22/06 de 23 de Junho) não autorizou o governo a
legislar sobre a competência dos tribunais de comércio em matéria de
insolvência. ----
Assim, e não obstante esta última alteração ter voltado a dar ao preceito em
causa a redacção que lhe havia sido conferida pelo Dec.lei 53/04, por a mesma
não poder ser aplicada face à referida inconstitucionalidade orgânica, mantém-se
o supra exposto sobre a repristinação do Dec.lei 53/2004. ---
Ora, resulta evidente da p.i. que o requerido não é uma sociedade comercial. Por
outro lado não resulta da p.i. que na esfera jurídica do requerido se integre um
qualquer estabelecimento comercial. ---
Assim, é forçoso concluir não ser o tribunal de comércio de Lisboa o tribunal
competente em razão da matéria para conhecer do pedido (cfr. art. 77º, n° 1, al.
a), da LOTJ)».
Por outro lado, o Ministério Público requereu também a apreciação da
inconstitucionalidade desta norma, cuja aplicação foi recusada (fl. 71).
2. Sucede, porém, que, considerado o teor da decisão recorrida, não é útil
conhecer, nesta parte, do objecto do recurso, tal como se decidiu no Acórdão nº
482/2007 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), em situação em tudo
idêntica à dos presentes autos:
«Vejamos agora a questão que se reporta à alteração do artigo 89º n.º 1 alínea
a) resultante do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 8/2007 de 17 de Janeiro que, no
entender do Tribunal recorrido é, também ela, violadora do disposto no artigo
165º n.º 1 alínea p) da Constituição, o que acarreta a inconstitucionalidade
orgânica da norma.
Acontece que o Tribunal de Comércio se declarou incompetente para o conhecimento
do pedido formulado pelo requerente com fundamento na circunstância de não ter
sido alegado ('não resulta da p.i.') que 'a requerida seja comerciante ou que na
sua esfera jurídica se integre um qualquer estabelecimento comercial'. Com
efeito, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 89º da Lei n.º 3/99 de 13 de
Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), quer na
versão adoptada no Decreto-Lei nº 53/2004, quer na redacção conferida pelo
artigo 14º do Decreto-Lei n.º 8/2007 de 17 de Janeiro, 'compete aos tribunais
de comércio preparar e julgar o processo de insolvência se o devedor for uma
sociedade comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa'.
Assim, ao especificar, como razão de decidir do juízo de incompetência do
tribunal de comércio, a circunstância de a requerida não ser comerciante nem no
seu património se integrar um qualquer estabelecimento comercial, a decisão
recorrida está, na verdade, a fazer aplicação da norma, embora retirada do
diploma de 2004, para reconhecer que se não verifica um pressuposto da sua
aplicação, isto é, como um feito totalmente coincidente à sua aplicação pela
norma 'desaplicada'. Daqui se retira a completa inutilidade do conhecimento do
recurso nesta parte, pois, fosse qual fosse a decisão tomada, permaneceria
incólume, nesta parte, a decisão recorrida.
(…) não obstante o que o tribunal recorrido afirma a propósito da
desconformidade constitucional orgânica da norma, o certo é que, como já se viu,
a sua decisão é com ela conforme, por resultar de norma semelhante, anterior,
resultante da desaplicação operada.
Tal permite concluir pela verificação da inutilidade desta parte do recurso».
Impõe-se, assim, concluir pelo não conhecimento, nesta parte, do objecto do
recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Outubro de 2007
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão