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Processo n.º 807/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da LTC, do
despacho do Ex.mo Conselheiro Relator da 5ª Secção do Supremo Tribunal de
Justiça (fls. 90 e 91) que recusou admitir o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional (fls. 87 a 88).
2. Após notificação de acórdão que rejeitou o recurso interposto de decisão do
Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do artigo 420º do CPP, o ora reclamante
reclamou para o Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que proferiu o
seguinte despacho:
“I. O arguido A. veio reclamar para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
do acórdão deste Supremo Tribunal de 03.05.07, na parte em que julgou procedente
a questão prévia suscitada pelo Ministério Público e rejeitou parcialmente o
recurso por ele interposto.
II. Cumpre apreciar e decidir.
Como resulta dos arts. 405.º do CPP, 688.º e 689.º do CPC, a
reclamação só pode incidir sobre um despacho do tribunal «a quo», que não admita
ou retenha o recurso, sendo dirigida ao presidente do tribunal superior.
No caso em apreço, estamos perante um acórdão que rejeitou
parcialmente o recurso interposto pelo ora reclamante.
Assim sendo, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não
pode conhecer da reclamação de um acórdão do S.T.J., dado que a sua competência
para decidir reclamações prevista nos artigos acima referidos se reporta aos
despachos de retenção ou não admissão de recursos proferidos na instância
inferior.
III. Nestes termos, não se conhece da reclamação.
Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça de 2 UC.
Notifique.”
3. Na sequência de requerimento de interposição de recurso de
inconstitucionalidade pelo ora reclamante, o Ex.mo Conselheiro Relator recusou a
sua admissão, nos seguintes termos:
“Não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo recorrente
A., pois a inconstitucionalidade por ele referida não foi suscitada durante o
processo, de forma a poder ser emanada na decisão de recurso.
O requerente alega ter suscitado tal inconstitucionalidade na reclamação que
indevidamente dirigiu ao presidente deste Tribunal. Porém, essa reclamação, para
além do seu carácter anómalo, já foi deduzida depois do recurso ter sido
decidido quanto à questão a que a pretensa inconstitucionalidade se refere.
Ora, o requerente não pode ignorar que o STJ vem decidindo uniformemente a
questão de não ser admissível recurso para este Tribunal de acórdão da Relação
que tenha confirmado a condenação proferida em 1ª instância, desde que o
respectivo crime, considerado singularmente (e, portanto, independentemente do
concurso de crimes que no caso se verifique) não seja punível em abstracto, com
pena superior a 8 anos de prisão. O próprio acórdão onde foi decidida a questão
menciona assinalável jurisprudência nesse sentido.
Assim, não se pode dizer que o recorrente tenha sido surpreendido com a decisão.
Pelo exposto, reitera-se que não se admite o recurso agora interposto.
Notifique.”
4. Perante esta recusa de admissão, veio o então recorrente reclamar para este
Tribunal, com os seguintes fundamentos:
“1º
O recurso interposto, pelo arguido, do douto acórdão do Tribunal da Relação, que
confirmou a sentença prolatada pelo tribunal de primeira instância, foi por
aquele tribunal aceite e mandado remeter para o Supremo Tribunal de Justiça.
2º
No recurso, punha-se em causa a condenação do arguido a uma pena de 9 anos de
prisão pela prática de um concurso de infracções nenhuma delas punível em
abstracto com penas superior a oito anos.
Defendia-se a admissibilidade do recurso, estribada numa interpretação “a
contrario” do artigo 400º nº 1 alínea f) do C.P.P.
3º
Sucede, porem, que os Venerandos Conselheiros rejeitaram o recurso por
entenderem que o mesmo é inadmissível, dado os crimes em que o arguido foi
condenado singularmente não ultrapassarem os oito anos de prisão.
4º
O requerente, face a esta decisão inesperada, nos termos do artigo 405º do
C.P.P., reclamou pelo facto do seu recurso ter sido rejeitado, e aí levantou de
imediato a questão da inconstitucionalidade que derivava da interpretação,
vertida no douto acórdão, segundo a qual só quando o crime pelo qual o arguido
foi condenado é superior a oito anos é admissível o recurso para o Supremo, de
acórdão emanado pela 1ª instancia e confirmado pela Relação.
5º
O Sr. Presidente do Supremo veio a entender que a reclamação era anómala, salvo
o devido respeito, quanto a nós mal, e não a conheceu.
6º
O douto despacho de que ora se reclama veio agora a dizer, em síntese, duas
coisas, a primeira que a questão da inconstitucionalidade não foi suscitada
durante o processo de forma a ser encarada na decisão de recurso e, por outro
lado, que o requerente não podia ignorar a posição daquele tribunal sobre tal
temática. Estribado em tais argumentos, como se sabe, o Venerando Conselheiro
não admitiu o recurso interposto para este Tribunal.
7º
Ora, segundo nos parece não lhe assiste razão,
8º
Em primeiro lugar era impossível levantar a questão da inconstitucionalidade que
deriva da posição dos Senhores Conselheiros, acerca da norma do artigo 400 nº 1
alínea f) do C.P.P., antes da mesma ser por eles expressa. Ora tal só aconteceu,
já depois e na consequência do recurso interposto pelo arguido.
9º
Por outro lado, anómala ou não, a questão da inconstitucionalidade foi colocada
na reclamação apresentada ao Senhor Presidente do Supremo; e foi - o por
entendermos que, essa era a ultima instancia a quem podíamos recorrer e que a
mesma tinha poderes para mandar apreciar o recurso entretanto rejeitado.
10º
Daqui deflui que, logo que o requerente teve conhecimento que a Constituição
estaria a ser violada, e os direitos do arguido violados, imediatamente levantou
a questão. Se lhe assistia razão ou se a reclamação era o meio adequado isso é
questão que para o caso não tem relevância, segundo nos parece.
11º
Por outro lado esta posição do Supremo é, contrariamente ao alegado no douto
despacho do qual se reclama, de todo inesperada.
Efectivamente, a mesma não se encontra transcrita em nenhum código anotado e não
é ainda aflorada na doutrina mais conhecida. Sendo certo que, o facto de já ter
havido decisões iguais, prolatadas pelo Supremo, nada significa pois as mesmas
nem sempre chegam de imediato à comunidade jurídica, em sentido lato.
Nestes termos e nos mais de direito requer-se a Vxa que se digne aceitar a
presente reclamação e em consequência conheça do recurso para este Tribunal, em
tempo, apresentado.”
5. Notificado para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 77º da LTC, veio o
representante do Ministério Público junto deste Tribunal (fls. 82 e 82-verso)
pronunciar-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação ora em apreço:
“Embora não constem dos autos cópias do requerimento de interposição do recurso
para o Tribunal Constitucional e do despacho que, no STJ, o rejeitou
(sugerindo-se respectiva reposição) os elementos fornecidos pelo reclamante
mostram a manifesta improcedência da reclamação.
Na verdade – e como se refere no acórdão, a fls. 15 dos autos – os recorrentes
foram notificados, nos termos do art. 417º, nº 2, do CPP, do parecer do M.P. que
precisamente suscitava a questão prévia da admissibilidade dos recursos
interpostos para o Supremo, com base na interpretação do art. 400º, nº 1, alínea
f), do CPP que o reclamante pretende ser violadora da Constituição: teve, pois,
o ora reclamante plena oportunidade processual para – se agisse com a diligência
devida – confrontar o próprio Supremo com a questão da constitucionalidade que
só intempestivamente colocou, no âmbito de meio processual manifestamente
inidóneo (já que, como é incontroverso, a “reclamação” prevista no art. 405º do
CPP não é o instrumento adequado para fazer sindicar pelo Presidente do STJ um
acórdão deste Tribunal, que se pronuncie sobre a verificação dos pressupostos de
admissibilidade da impugnação deduzida).”
6. Antes de passar à apreciação da reclamação apresentada, impõe-se referir que,
apesar de a tal estar onerado, o reclamante não indicou quais as peças
processuais que deveriam instruir a reclamação a subir a este Tribunal, conforme
imposto pelo n.º 2 do artigo 688º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC.
Como tal, ao abrigo do n.º 3 do artigo 688º do CPC, igualmente aplicável “ex vi”
artigo 69º da LTC, o Ex.mo Conselheiro de Turno determinou a instrução dos
presentes autos “com os acórdãos de fls. 5250 e de 5293 a 5342, bem como a
reclamação 1022/07-05 (A)”.
Verificada a falta, nos presentes autos de reclamação, do requerimento de
interposição de recurso de inconstitucionalidade e do despacho de rejeição que
sobre ele recaiu, a Relatora junto deste Tribunal determinou que fosse
solicitado ao tribunal recorrido o envio daquelas peças processuais, que foram
juntas, nesse mesmo dia e por telefax, aos presentes autos (fls. 86 a 90).
7. Por força do n.º 1 do artigo 77º da LTC, cabe a este Tribunal, em
conferência, apreciar e decidir sobre reclamação de despacho que indefira
requerimento de interposição de recurso de inconstitucionalidade.
II – FUNDAMENTAÇÃO
8. A interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, pressupõe que o recorrente “haja suscitado a
questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer” (artigo 72º, n.º 2, da LTC, com sublinhado
nosso), sob pena de inadmissibilidade do recurso. Ora, com fundamento no n.º 2
do artigo 76º da LTC, a decisão reclamada considerou, precisamente, que o ora
reclamante não havia suscitado a questão de inconstitucionalidade de modo
processualmente adequado, tendo-o apenas feito através de um requerimento
posterior à prolação da decisão final, que apelidou de “reclamação” (fls. 71 a
73).
Aliás, o próprio reclamante admite (fls. 3 a 5) não ter este suscitado, durante
o processo, qualquer questão de interpretação normativa da alínea f) do n.º 1 do
artigo 400º do CPP, salvo em sede de requerimento que apelidou de “reclamação”
(fls. 71 a 73).
9. Sucede, porém, que o reclamante confunde, de modo evidente, as situações em
que a admissão de um recurso penal é rejeitado pelo próprio relator, por meio de
mero despacho (cfr. artigo 414º, n.ºs 1 e 2 do CPP), com aqueloutras situações
em que o mesmo recurso penal é alvo de um acórdão que opta por recusar conhecer
do objecto do pedido, com fundamento em inadmissibilidade do mesmo (cfr. artigo
420º do CPP).
Ora, como é fácil de ver, a reclamação “proprio sensu” referida no n.º 1 do
artigo 405º do CPP não pode deixar de ser a reclamação do despacho do juiz do
tribunal recorrido para o Presidente do tribunal superior e nunca um
requerimento inominado de impugnação de decisão proferida por colectivo de um
tribunal superior perante o presidente desse mesmo tribunal.
Tal confusão acarreta, aliás, a intempestividade do presente recurso de
constitucionalidade. Na verdade, tendo o reclamante sido notificado do acórdão
do tribunal recorrido que recusou conhecer do objecto do pedido, em 7 de Maio de
2007, e sendo o prazo para interposição do recurso de constitucionalidade de 10
dias, há muito que este se encontrava esgotado quando, em 21 de Junho de 2007,
foi apresentado o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
Com efeito, sendo certo que o n.º 3 do artigo 70º da LTC, equipara a recursos
ordinários as reclamações “proprio sensu” de despachos de não admissão de
recursos, a anómala “ reclamação” interposta para o Presidente do STJ de um
acórdão proferido pelo mesmo, não tem, contudo, a virtualidade de interromper o
prazo de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, como resulta de
jurisprudência reiterada deste Tribunal (cfr. Acórdãos nºs 1/2004 e 173/2007,
disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/)
10. Em qualquer caso, mesmo que assim não fosse, sempre seria de não admitir tal
recurso. De facto, conforme bem notado pelo representante do Ministério Público
junto deste Tribunal Constitucional, nem sequer foi por falta de oportunidade
processual que o reclamante não procedeu à suscitação atempada da questão de
inconstitucionalidade. Ao ser notificado, para os efeitos previstos no artigo
417º, n.º 2, do CPP, do parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal
de Justiça que colocou em causa a admissibilidade do recurso, “teve, pois, o ora
reclamante plena oportunidade processual para – se agisse com a diligência
devida – confrontar o próprio Supremo com a questão da constitucionalidade que
só intempestivamente colocou, no âmbito de meio processual manifestamente
inidóneo” (fls. 82), não constituindo, assim, qualquer “decisão-surpresa” aquela
que veio a ser tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Não o tendo feito de
modo a que o tribunal reclamado estivesse obrigado a conhecer daquela questão,
não pode agora o recorrente vir solicitar a intervenção do Tribunal
Constitucional, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC.
Assim, torna-se evidente que o reclamante não suscitou, de modo processualmente
adequado, a questão da inconstitucionalidade normativa da alínea f) do n.º 1 do
artigo 400º do CPP, pelo que se concorda com a decisão reclamada ao negar a
admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.
III – DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo dos artigos 77º, n.º 1 e 78º-A, nº 3, da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro, e pelos fundamentos acima expostos, decide-se indeferir a
presente reclamação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro, sem prejuízo do
regime de apoio judiciário de que goze.
Lisboa, 3 de Agosto de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão