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Processo n.º 405/07
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como
recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO, a Relatora proferiu decisão sumária de não
conhecimento do objecto do recurso (cfr. fls. 411 a 416).
2. O recorrente A., já depois de ter visto indeferido um pedido de aclaração
(cfr. fls. 396), reclamou para a conferência (cfr. fls. 404 e 405), ao abrigo do
artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, tendo a referida
reclamação sido considerada manifestamente improcedente e, como tal, indeferida,
com a consequente confirmação da decisão sumária reclamada (cfr. 411 a 416).
3. O recorrente vem agora arguir a nulidade do acórdão proferido pela
conferência nos seguintes termos:
«I
Resulta do douto acórdão, e da notificação que dele foi feita ao signatário, que
o Exmo. representante do Ministério Público junto desse Tribunal respondeu à
reclamação do recorrente, não se limitando a apor o seu visto, antes expendendo
douta argumentação, que aliás a conferência expressamente fez sua.
Essa resposta do M. P. não foi notificada ao recorrente para que este sobre ela
se pronunciasse.
II
Ora é indubitável e incontroverso que o presente processo é de natureza penal. E
é pacífico tanto na doutrina como na jurisprudência (inclusivamente a do
Tribunal Constitucional — cf. acórdãos nos. 45/84, 27/85, 192/85, 147/86 e
54/87) que em processos de natureza penal o arguido tem sempre o direito de se
pronunciar sobre qualquer questão em último lugar, e portanto de se pronunciar
sobre as respostas do M. P. no Tribunal de recurso.
Tal resulta desde logo do disposto no n.º 5 do artigo 32 da Constituição da
República que consagra, no processo criminal, a estrutura acusatória e o
princípio do contraditório.
Assim, dizem os insignes constitucionalistas J. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
em anotação ao referido n.º 5 do art. 32, que deste resulta, “em particular,
direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar
todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos
jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último
a intervir no processo (cfr. Acs. TC nos. 54/87 e 154/87):” (Constituição da R.
P. anotada, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, volume 1, pag. 523).
Por sua vez, no douto acórdão do T. C. n.º 147/86 que decidiu “declarar a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2
do artigo 33 do Decreto-Lei n.º 437/75, de 16 de Agosto, na parte em que ele
estabelece a ordem de intervenção do extraditando e do Ministério Público para
alegações, por violação do n.º 1 e do n.º 5 do artigo 32 da Constituição”,
diz-se o seguinte: “Na dinâmica deste dispositivo, o extraditando, sujeito
passivo da relação processual penal estabelecida na fase judicial do processo
extraditivo, alega antes do Ministério Público «autor», nessa relação, a quem
cabe, assim, a última «palavra».
Esta atitude legislativa afronta por forma inequívoca o direito fundamental de
defesa por violação do princípio do contraditório “.
Já no acórdão do T. C. n.º 27/85 se dizia o seguinte: “Impõe-se portanto, a
conclusão de que ao estabelecer a ordem de alegações, colocando o Ministério
Público em último lugar, a norma em apreciação desrespeita as garantias de
defesa do extraditando, bem como o princípio do contraditório (que, aliás, é
também, uma expressão das garantias de defesa)”.
Finalmente, diz claramente dito o acórdão do Plenário do T. C. n.º 54/87 de 10
de Fevereiro que “As garantias de defesa não podem deixar de incluir a
possibilidade de contrariar ou contestar todos os elementos carreados pela
acusação: o princípio do contraditório não pode deixar de compreender a
possibilidade de contraditar as alegações finais do Ministério Público. Ou seja:
da conjugação dos dois princípio(s) decorre seguramente que é ao defensor do
arguido (‘na extradição: do extraditando) que deve caber a última palavra em
matéria de alegações
No que ao processo penal concerne, os referidos princípios encontram consagração
expressa no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal (inserido no Livro IX —
Dos recursos, Título 1 — Dos recursos ordinários, Capitulo 11 — Da tramitação
unitária), que preceitua: “Se, na vista a que se refere o artigo anterior, o
Ministério Público não se limitar a apor o seu visto, o arguido e os demais
sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso são notificados
para, querendo, responder no prazo de dez dias”.
E mesmo no processo civil, o principio do contraditório está expressa e
inequivocamente consagrado no artigo 3.º, designadamente no seu n.º 3, do Código
de Processo Civil.
III
Não há dúvida pois que o arguido, ora recorrente, deveria ter sido notificado da
resposta do M. P. para sobre ela se pronunciar, querendo, antes da decisão da
conferência.
Não o tendo sido como não foi, foi omitida uma formalidade absolutamente
essencial, o que torna insanavelmente nula aquela decisão.
IV
Assim sendo, o recorrente requer respeitosamente a V. Exas. que declarem nula a
decisão da conferência e ordenem que ele seja notificado da resposta do M. P. à
sua reclamação, para sobre ela se pronunciar, querendo, no prazo de dez dias, só
após isso se proferindo nova decisão: só assim se fará JUSTIÇA!»
4. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
arguição de pretensa nulidade, respondeu-lhe nos termos seguintes:
1º
«O requerimento ora apresentado é perfeitamente descabido, apenas revelando que
o reclamante não distingue os casos em que o Ministério Público, como garante da
legalidade, apõe o seu “visto” no processo daqueles em que — como sujeito
processual — é naturalmente admitido a exercer o estrito contraditório quanto às
pretensões deduzidas por outros sujeitos processuais.
2º
É manifestamente o caso dos autos, em que o Ministério Público se limitou
naturalmente a responder estritamente aos fundamentos da reclamação para a
conferência deduzida — não prevendo a lei processual obviamente qualquer
possibilidade de o reclamante replicar à impugnação deduzida pelo sujeito
processual que nos autos figura como recorrido!»
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. O requerimento ora apresentado parte de um pressuposto totalmente errado,
qual seja, o da aplicação da lei processual penal ao caso em apreço. Ora, não é
assim. Isto porque à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional é
aplicável a Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela
Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, e subsidiariamente as normas do Código de
Processo Civil, conforme resulta do artigo 69º daquela lei.
Assim sendo, tal como bem nota o Representante do Ministério Público junto deste
Tribunal, enquanto sujeito processual e recorrido, o Ministério Público
limitou-se a exercer o direito ao contraditório quanto às pretensões deduzidas
pelo recorrente (reclamante), não prevendo a lei processual aplicável, que é,
repita-se, a Lei do Tribunal Constitucional, qualquer possibilidade de o
reclamante replicar no caso em apreço.
Em suma, não se verifica nenhum fundamento de nulidade do acórdão.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do artigo 666º, nº
2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, a presente arguição de nulidade do acórdão da conferência é
manifestamente improcedente, pelo que se decide:
a) Indeferir o presente requerimento;
b) Confirmar o acórdão cuja nulidade se arguiu.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 25 de Julho de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão