Imprimir acórdão
Processo n.º 443/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
A., não se conformando com a decisão proferida pelo Governo Civil da Guarda de
25 de Agosto de 2005, exarada nos autos de contra-ordenação n.° 232324255, que o
condenou na sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir pelo período
de 120 dias, por contra-ordenação ao disposto nos artigos 69.°, n.º 1 e 76.°,
alínea a) do Decreto Regulamentar n.° 22-A/98, de 1 de Outubro, e no artigo
146.° alínea i) do Código da Estrada, veio impugnar judicialmente a mesma para o
Tribunal Judicial da Guarda. Para tanto, alega que não foi o arguido o autor da
prática dos factos, mas sim a sua esposa, e que, não se entendendo assim, porque
necessita da carta de condução, deve ser suspensa a execução da sanção acessória
ou apreendida a viatura pelo tempo correspondente ou, ainda, ser aquela suspensa
com sujeição do arguido à frequência de acções de formação. O recurso foi
admitido, tendo vindo, a final, a ser julgado improcedente.
Inconformado veio interpor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde
alegou, no que ora importa que:
“ (...)
E) No caso de se entender que é, formalmente, pelo facto de ser o proprietário
da viatura, o arguido o responsável, justifica-se, neste caso, uma de duas
situações: a suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, dado
encontrarem-se preenchidos os requisitos para tal (art. 142.° do Código da
Estrada); ou, a apreensão da viatura durante o período da suspensão, ou, por
faltado identificação do condutor, no prazo estabelecido, (artigo 162°, n° 1,
al. i), ex vi artigo 147°, n° 3 do C. Estrada).
F) O arguido é empresário, tendo ao seu serviço vários trabalhadores, que
conduzem os carros que se encontram registados em seu nome (7 carros) e que de
si dependem económico - profissionalmente.
G) Necessita de conduzir diariamente, para o pleno desempenho das suas funções,
na medida em que contacta, pessoalmente, com clientes, deslocando-se, para o
efeito, a vários pontos do país.
H) Aplicar ao Recorrente a sanção acessória de inibição de conduzir será colocar
em risco a actividade empresarial, bem como a manutenção do seu posto de
trabalho, e, consequentemente, a estabilidade económica do seu agregado
familiar, bem como a dos seus trabalhadores.
I) Assim, a aplicação efectiva da sanção acessória de inibição de conduzir,
implicará graves consequências, não só a nível profissional, mas, também a nível
financeiro e pessoal.
J) O facto de o arguido necessitar de conduzir diariamente, primordialmente por
interesses profissionais, sendo certo que não lhe é possível deslocar-se em
Transportes Públicos, constitui razão suficiente para suspender a execução da
sanção de inibição de conduzir.
K) Existe fundamento para a pretensão do arguido, no que diz respeito à
suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir; verificando-se, os
pressupostos do artigo 50° do C. Penal, aplicável ex vi artigo 141°, n°3 do
Código da Estrada.
L) Nos termos do disposto no artigo 141° do Código da Estrada, a pena pode ser
suspensa mediante a prestação de uma caução de boa conduta, encontrando-se
preenchidos todos os requisitos para o efeito.
M) A interpretação do artigo 141°, n°1 do C. Estrada vertida na sentença
recorrida, no tocante às contra ordenações muito graves, viola as normas
constantes dos artigos 50º e 199º, n° 1 do C. P. Penal e, ainda os artigos 18° e
32°, n° 10 da CRP. Com efeito e, ao contrário do que se conclui na sentença
recorrida, nada impede que, casuisticamente, o julgador, quando a justiça o
impunha, possa suspender a sanção acessória, tanto no que se refere às contra
ordenações graves, como muito graves.
N) Sem prescindir, a condenação não é justa e adequada, sendo certo que os
critérios utilizados na escolha e medida da pena, não se coadunam com o caso sub
judice.
O) A sentença recorrida viola as normas dos artigos 141° do Código da Estrada,
artigo 50° C. Penal e artigos 18°, n°1 e 2, 47°, n°1 e 58° da C.R.P., artigo
374°, n° 2 do C. P. Penal e artigo 379°, n° 1, al. a) ambos do C. P. Penal.”
A Relação de Coimbra veio a exarar acórdão que decidiu, no que ora nos importa,
o seguinte:
“ (...) Na improcedência da aludida nulidade, peticiona, (ainda) ora, a
suspensão ou, ao menos, a substituição daquela pela prestação de caução de boa
conduta.
Sobre tal tema já se decidiu e bem, a nosso ver, de modo a merecer a nossa
inteira concordância, na comarca e concretamente na recorrida sentença onde se
escreve:
‘O arguido pretende apenas a suspensão da sanção acessória.
A execução da sanção acessória de inibição aplicada às contraordenações graves,
nos termos dos artigos 141°/1 do Código da Estrada e 50° do Código Penal, pode
ser suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida,
à sua conduta anterior e posterior à contra-ordenação, às circunstâncias desta,
se puder concluir que a simples censura do facto e a ameaça da execução realizam
de foram [sic] adequada e suficientes as finalidades da punição.
Deste modo, estando em causa uma contra-ordenação muito grave, conclui-se que
não é legalmente admissível a suspensão da execução da sanção acessória e, em
consequência, que é de julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão
recorrida’.
A possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória prevista no n° 3,
do art. 141° do Código da Estrada, está condicionada pela norma do n.° 1, do
mesmo artigo, o qual refere, taxativamente, que apenas pode ser suspensa a
execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves e nas condições
previstas nos números seguintes.
Ora, tendo em conta que o arguido deve ser considerado reincidente, pelo facto
de ter averbada ao registo de condutor a prática de uma contra-ordenação grave
praticada e sancionada há menos de cinco anos, nos termos do disposto no art.
143° do Código da Estrada, o limite mínimo da sanção acessória é de 4 meses (120
dias) medida em que o arguido foi condenado pela autoridade administrativa.
E assim que se estranhe que o recorrente venha esgrimir com o argumento de que
‘a condenação não é justa e adequada, sendo certo que os critérios utilizados na
escolha e medida da pena, não se coadunam com o caso sub judice’, invocando a
violação dos normativos ínsitos nos art°s 50° e 199° n° 1 do C. P. Penal e,
ainda os artigos 18° e 32° n° 10 da CRP.
Do que falecem, por inteiro, todos os itens aportados pelo recorrente.
Termos em que se acorda em rejeitar, por manifestamente improcedente, o recurso
- art° 417° n.° 3 c), 419° n.º 4 a) e 420° n° 1 CPP, todos”.
Ainda inconformado com o assim decidido, no que respeita à questão da
constitucionalidade levantada veio interpor recurso para este Tribunal,
invocando o seguinte:
“1- O requerente pretende que o Tribunal Constitucional julgue inconstitucional
a interpretação e aplicação do artigo 141°, n°1 do C. Estrada, vertida no
acórdão recorrido, na medida em que tal normativo legal estabelece que, nas
contra ordenações muito graves não se pode verificar a suspensão da sanção
acessória de inibição de conduzir e, por entender, por outro lado, que a
aplicação de tal sanção resulta automaticamente da lei.
2- Por se entender que a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir
não pode resultar automaticamente da lei, mas da apreciação casuística efectuada
pelo julgador face a cada caso concreto, entendemos que o supra referido
dispositivo legal (artigo 141°, n°1 do C. Estrada), não se conforma com as
normas constitucionais constantes dos artigos 18°, n°1 e 2 e 32°, n°10 da C.R.P.
3- Do mesmo modo, a interpretação e aplicação do mesmo dispositivo legal
conflitua, in casu, com as normas constitucionais constantes dos artigos 47°,
n°1 e 58° da C. R. P., porquanto denegam o direito fundamental ao exercício da
profissão e o direito ao trabalho.
4- Tendo a violação das normas e princípios constitucionais citados sido
invocadas pelo recorrente nas peças processuais constantes dos autos, maxime na
alínea M das Conclusões da Motivação do Recurso apresentado para o Venerando
Tribunal da Relação de Coimbra, onde se invocou a inconstitucionalidade da norma
constante do artigo 141°, n°1 do C. Estrada, por violar as normas constantes dos
artigos 50° e 199°, n°1 do C. P. Penal e dos artigos 18° e 32°, n°10 da C.R.P.
5- Também na alínea O) das Conclusões se invoca tal inconstitucionalidade por
violação dos mesmos dispositivos legais e das normas constantes dos artigos 47°,
n°1 e 58° da C.R.P.”
Posteriormente, nas alegações produzidas viria a concluir pela seguinte forma:
“A) O artigo 141°, n°3 do C. Estrada prevê um regime específico para os
infractores que nos últimos cinco anos cometeram apenas uma contra ordenação
grave.
B) In casu, mostram-se reunidos os pressupostos que à luz da lei anterior
levariam a aplicar a suspensão da execução da sanção acessória, pelo que a
suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir pode ser determinada pelo
período de um a dois anos, podendo ser aplicada ao Recorrente uma das medidas
previstas no artigo 141°, n°3 do mesmo Diploma legal.
C) Ao não decidir pela suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, o
douto Acórdão, de que ora se recorre, põe em causa o sucesso profissional do
Recorrente, colocando em risco a manutenção do seu posto de trabalho, o que
consubstancia uma evidente restrição de direitos fundamentais,
constitucionalmente consagrados, nomeadamente o de exercício de profissão ou
actividade, violando o disposto nos artigos 47° e 58° da CRP.
D) O artigo 141° do C. Estrada padece de inconstitucionalidade orgânica, nos
termos do artigo 204° da CRP, não podendo os tribunais aplicar normas que
infrinjam o disposto na C. R. P. ou os princípios nela consignados.
E) Ao limitar temporariamente a capacidade civil de exercício de direitos, pela
aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir, sem atender às
gravíssimas repercussões económicas e profissionais que aquela implica, a douta
sentença viola ainda o disposto no artigo 18°, n° 2 da C.R.P.
E) O artigo 141° C. Estrada não se mostra conforme com o disposto nos artigos
205° e 32, n°10 da C. R. P., em conjugação com o disposto no artigo 50° do C. P.
Penal, na medida em que a suspensão de uma pena não resulta da automaticidade
legal, mas da ponderação casuística
G) A interpretação do artigo 141°, n°1 do C. Estrada vertida no Acórdão
recorrido, no tocante às contra ordenações muito graves, viola as normas
constantes dos artigos 50º e 199°, n° 1 do C. P. Penal e, ainda os artigos 18° e
32°, n° 10 da CRP. Com efeito e, ao contrário do que se conclui na sentença
recorrida, nada impede que, casuisticamente, o julgador, quando a justiça o
impunha, possa suspender a sanção acessória, tanto no que se refere às contra
ordenações graves, como muito graves.
H) A sentença recorrida viola as normas dos artigos 141° do Código da Estrada,
artigos 50° e 199° C. P. Penal e artigos 18°, n°1 e 2, 47°, n°1 e 58° da C.R.P.
e artigo 141°, n°3 C. Estrada.”
Por sua vez, na resposta, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto invocou, ao concluir
que:
“ 1°
O regime constante do n.° 1 do artigo 141° do Código da Estrada, na versão
emergente do Decreto-Lei n.° 44/05, não padece de inconstitucionalidade
orgânica, como o Tribunal Constitucional vem reiteradamente decidido.
2°
Tal norma, enquanto não permite a suspensão da sanção acessória de inibição de
conduzir ao arguido reincidente, que haja cometido contra-ordenação qualificada
como muito grave, não afronta o princípio constitucional da proporcionalidade.
3º
Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
Decidindo.
II – Fundamentação
Há que delimitar o objecto do recurso.
Cotejando o requerimento em que o Recorrente interpôs o recurso para este
Tribunal verifica-se que balizou as suas asserções no que se refere à
problemática da constitucionalidade invocando os normativos constantes dos
artigos 18.º e 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa e ainda das
normas constantes dos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º do mesmo corpo de leis
fundamentais.
Já na alegação de recurso veio também invocar que o artigo 141.º do Código da
Estrada padece, para além da inconstitucionalidade material que vinha arguida,
de inconstitucionalidade orgânica, por “ (…) a lei de autorização legislativa
(Lei n.º 53/2004, de 04 de Novembro), não contempla[r] a alteração ao artigo
141º, nº1 C. Estrada” e “(…) do referido Decreto-Lei não consta[r] qualquer
referência que permita sustentar a actuação do Governo, nomeadamente afastando
a aplicação da suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir às
contra-ordenações muito graves.”
Não obstante tal temática da inconstitucionalidade orgânica ter sido recente e
unanimemente decidida por este Tribunal Constitucional no sentido da não
existência daquele tipo de inconstitucionalidade (vide Acórdãos n.ºs 604/06,
629/06 – publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 29 de
Dezembro e 3 de Janeiro – 6/07, 32/07, 629/06 e 603/06 – disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt) e, portanto não assistir razão ao Recorrente na
questão que levanta, sempre se diga que, em recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal
Constitucional, não pode o Recorrente vir indicar, em sede de alegações,
fundamento de inconstitucionalidade diverso daquele que havia explicitado no
requerimento de interposição da constitucionalidade ou na delimitação da
respectiva questão de constitucionalidade.
A questão foi tratada no Acórdão n.º 139/03 (publicado no Diário da República,
II Série de 3 de Outubro), relatado pelo Cons. Artur Maurício, com declaração de
votos dos Cons. Luís Nunes de Almeida e Cardoso da Costa, em sentido oposto ao
decidido no Acórdão n.º 32/87 (publicado no Diário da República, II Série, de 7
de Abril), relatado pelo Cons. Cardoso da Costa.
No mais recente aresto decidiu-se que:
“Não pode, com efeito, conhecer-se do objecto do recurso na parte em que
sustenta a inconstitucionalidade daquela norma por violação do artigo 30.º n° 4
da Constituição. É que em parte alguma das alegações que produziu perante o
tribunal recorrido, o recorrente suscita esta questão de constitucionalidade (só
o fez no requerimento de interposição do presente recurso), razão até por que o
STJ se não pronuncia sobre ela — em sede de inconstitucionalidade material o
recorrente limita-se a suscitar a aludida questão da determinabilidade da norma,
questão que nada tem a ver com a primeira. Dir-se-á, em contrário, que em termos
de ónus de suscitação da questão, este se deve ter por cumprido com a alegação
de inconstitucionalidade da norma, ainda que com outro fundamento, e isto até
pelo poder que o artigo da LTC confere ao Tribunal Constitucional — o de julgar
inconstitucional a norma por fundamentos diferentes dos que vêm alegados. Mas a
objecção não colhe. Com efeito, tal construção anularia por completo o fim que
se visa com o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida — o de permitir que este tribunal se
aperceba da questão de constitucionalidade e a aprecie e resolva — devendo ainda
ter-se em conta o rigor com que a lei define aquele ónus no artigo 72° n° 2 da
LTC (suscitação ‘de modo processualmente adequado’). Por outro lado, o aludido
poder do Tribunal Constitucional previsto no artigo 79°- C da LTC apenas deve
ser exercido — e aqui oficiosamente — quando o Tribunal entender que se verifica
inconstitucionalidade, embora por outro fundamento, não tendo que hipotizar (ele
próprio ou por ‘sugestão’ do recorrente) todas as possíveis questões de
inconstitucionalidade da norma em causa, para lhe dar resposta negativa.”
Não vemos razão para alterar a posição mais recente deste Tribunal acabada de
transcrever, ainda que nem sequer no requerimento de interposição do recurso tal
questão tenha sido enunciada.
Com efeito, o sistema português de fiscalização concreta da constitucionalidade,
no qual se inclui o meio impugnatório dos presentes autos, previsto nos artigos
280.°, n.° 1, alínea b) da Constituição e 70.°, n.° 1, alínea b) da Lei do
Tribunal Constitucional, apresenta um carácter difuso, ocorrendo a intervenção
deste Tribunal apenas em sede de recurso – o que se justifica na medida em que a
competência para julgar da inconstitucionalidade é cometida a todos os
tribunais, nos termos dos artigos 204.° e 280.°, n.º 1, alínea b) da
Constituição. Tal pressupõe, por conseguinte, a intervenção ou pronúncia prévia
da instância recorrida sobre a questão de constitucionalidade concretamente
formulada. Assim, o Tribunal Constitucional não poderá conhecer destas questões
ex novo e apenas em sede de recurso, sob pena de extravasar as suas competências
neste domínio. Na verdade, a questão de constitucionalidade normativa deve ser
arguida durante o processo, por forma a permitir à instância recorrida
pronunciar-se sobre aquela tal como se apresenta recortada pela parte que a
suscita o que, como se escreveu no Acórdão n° 560/94, publicado no Diário da
República, II Série, de 20 de Janeiro de 1995, “(...) exige que quem tem o ónus
de suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e
perceptível.”
Na mesma linha se pronuncia Amâncio Ferreira (in Manual dos Recursos em Processo
Civil, 3.ª Edição, Almedina, 2002, p. 416) quando sustenta que:
“Uma vez que os recursos das decisões judiciais para o TC são restritos à
questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade (arts° 280.°, n.º 6 da CRP e
71.°, n.° 1 da LTC), também o TC só pode julgar inconstitucionais ou ilegais as
normas que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja
recusado aplicação (art. 79.°-C, 1ª parte da LTC), não lhe cabendo indagar da
exactidão dos factos fixados pelo tribunal recorrido nem das normas por ele
escolhidas para a resolução do pleito.
Mas ‘os poderes de cognição do TC não ficam limitados pela qualificação feita
pelo tribunal a quo dos factos jurídicos relevantes para a questão (ex.: o TC
pode qualificar como imposto para efeito de controlo o que o tribunal recorrido
considerara como taxa, ou como crime o que na decisão recorrida havia sido
considerado como simples contraordenação)’.
O TC, em conformidade com o princípio do pedido, só actua, em sede de
fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, a solicitação das
pessoas com legitimidade processual activa e não mediante a iniciativa dos
juízes que o integram.” (sublinhado nosso)
Ora, tal não sucedeu, no caso em apreço, pois que conforme já se salientou, o
tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da inconstitucionalidade
orgânica que o recorrente colocou directamente a este Tribunal.
Assim, não deverá ser conhecido do recurso, no atinente à tardia invocação de
inconstitucionalidade orgânica.
No que se refere às invocações de inconstitucionalidade material fundadas na
situação da impossibilidade de ser suspensa a sanção acessória de inibição de
conduzir, no caso de contra ordenações “muito graves” (artigo 141.º n.º1 do
Código da Estrada), e uma vez que a aplicação automática da sanção acessória não
foi suscitada nos autos, temos por adequado de que, contrariamente ao que vem
por si propugnado, não foram beliscados os princípios constitucionais elencados,
como os constantes dos artigos 47.° e 58.°, 32.°, n.° 10 e 18.° n.° 1 da
Constituição da República.
Com efeito, a aplicação ao Recorrente da mencionada sanção acessória em nada
afronta com os direitos fundamentais ao exercício de profissão ou actividade e o
ao trabalho, já que como bem salienta o Exmo. Magistrado do Ministério Público,
junto deste Tribunal, na sua resposta:
“o exercício de profissão ou actividade económica não constituem um valor
constitucional absoluto, tendo de ser contabilizados ou articulados com outros
interesses constitucionalmente relevantes. No que respeita ao exercício da
condução de veículos na via pública, deve o interessado, deles detentor, exercer
a condução segundo as regras estradais em vigor e com a diligência devida, de
modo a acautelar a eventual lesão de outros valores constitucionalmente
tutelados, como a vida e integridade física dos demais utentes das vias públicas
— não podendo o sancionamento das infracções cometidas perspectivar-se como
limite ou constrição aos direitos de profissão ou de livre actuação económica.”
Não resulta, ainda, dos autos que tenham sido postergados os direitos de defesa
do arguido em processo contra-ordenacional, já que nada inculca a ideia de que o
seu direito de audiência e de oposição com vista a poder esgrimir os seus
argumentos de defesa tivessem sido afectados, nem essa factualidade foi, de
resto, invocada na alegação para este Tribunal.
No que se refere ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso
que veio também invocado, alicerçado no artigo 18.° n.° 2 da Constituição da
República, temos que sobre este princípio fundamental existe já uma vasta e
consolidada jurisprudência do Tribunal Constitucional, dela se podendo inferir
que, tal princípio constitucionalmente consagrado – desde logo enquanto
princípio decorrente do Estado de Direito (artigo 2.° CRP) –, foi erigido como
cânone aferidor da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas. O
Acórdão n.° 526/06 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) retoma uma
síntese das decisões deste Tribunal na matéria em apreço, onde se assinala que:
“o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se
analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins
prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade
das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou ‘justa medida’. Como se
escreveu no (...) Acórdão n.° 634/93, (...): ‘o princípio da proporcionalidade
desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas
restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio
para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens
constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas
restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador
não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);
princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão
adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins
pretendidos). [...]”
Este princípio “coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor
desvantagem possível (...). O princípio da exigibilidade não põe em crise, na
maior parte dos casos, a adopção da medida (necessidade absoluta) mas sim a
necessidade relativa, ou seja, se o legislador poderia ter adoptado outro meio
igualmente eficaz e menos desvantajoso para o cidadão” (J.J. Gomes Canotilho,
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 2003, p. 270).
No caso em apreço, não se descortina fundamento material bastante, do ponto de
vista constitucional, para a discrepância assinalada pelo Recorrente, já que não
colocará em crise este comando constitucional o normativo que interdita a
suspensão da sanção acessória da inibição de conduzir, aplicável a quem cometer
infracção catalogada e considerada como “muito grave”.
Não merece, pois, provimento o recurso.
III – Decisão
Nestes termos, acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, em não dar
provimento ao recurso de inconstitucionalidade interposto.
Custas pelo Recorrente, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UC.
Lisboa, 24 de Julho de 2007
José Borges Soeiro
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos