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Processo nº 649/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B. e marido, foi
interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 17 de
Maio de 2007.
Em 3 de Julho de 2007, foi proferida decisão sumária, pela qual o Tribunal
decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 2, da LTC, não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
«1. Considerado o tipo de recurso interposto – o previsto na alínea b) do nº 1
do artigo 70º da LTC – e o disposto no artigo 75º-A, nº 1, da mesma lei, impende
sobre o recorrente o ónus de indicar qual a norma (ou quais as normas) cuja
inconstitucionalidade pretende que este Tribunal aprecie. Ónus que não podia
dar-se como observado face à formulação do requerimento de interposição de
recurso, o que justificou o convite formulado ao abrigo do nº 6 do artigo 75º-A
da LTC.
Nesta peça processual, se, por um lado, era requerida a apreciação de normas
alternativas – o artigo 271º do Código de Processo Penal, em si mesmo
considerado (na sua redacção) ou o artigo 271º do mesmo Código da forma como foi
lido, interpretado e aplicado no decurso do processo; por outro, era requerida a
apreciação de normas na interpretação e aplicação que foi feita pelo tribunal
recorrido, sem que tal interpretação fosse especificada – o artigo 156º, nº 4,
do Código de Processo Penal, na concreta aplicação que lhe foi atribuída e o
artigo 135º, nº 1, do Código de Processo Penal, na forma como se lhe fez apelo.
2. Convidado a precisar quais as normas cuja apreciação pretende, o recorrente
respondeu que são as seguintes: artigos 271º, 156º, nº 4, e 135º, nº 1, todas do
Código de Processo Penal.
2.1. Apesar de o recorrente ter abandonado a formulação alternativa que constava
do requerimento de interposição de recurso, respondendo que pretende a
apreciação do artigo 271º do Código de Processo Penal, não pode dar-se como
satisfeito o requisito da indicação da norma cuja constitucionalidade é
questionada perante este Tribunal (artigo 75º-A, nº 1, parte final, da LTC),
dada a redacção complexa do preceito legal invocado, que de seguida se
transcreve:
«Artigo 271.º
Declarações para memória futura
1 - Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma
testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como
nos casos de vítimas de crimes sexuais, o juiz de instrução, a requerimento do
Ministério Público, do arguido, do assistente ou das partes civis, pode proceder
à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se
necessário, ser tomado em conta no julgamento.
2 - Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente
e das partes civis são comunicados o dia, a hora e o local da prestação do
depoimento, para que possam estar presentes se o desejarem.
3 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida as pessoas referidas no
número anterior solicitar ao juiz a formulação de perguntas adicionais e podendo
ele autorizar que sejam aquelas mesmas a fazê-las.
4 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a
declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores
técnicos e a acareações.
5 - O conteúdo das declarações é reduzido a auto, sendo aquelas reproduzidas
integralmente ou por súmula, conforme o juiz determinar, tendo em atenção os
meios disponíveis de registo e transcrição, nos termos do artigo 101.º».
Transpondo para os presentes autos o que se escreveu Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 116/2002, é de concluir que a “necessidade de individualização
do segmento ou de enunciação do sentido ou interpretação normativos que o
recorrente reputa inconstitucional torna-se (…) particularmente evidente (…)
quando o preceito ao qual se imputa a inconstitucionalidade, logo pela sua
redacção, contém vários segmentos normativos, ou se reveste de várias dimensões
ou sentidos interpretativos, susceptíveis de suscitar questões de
constitucionalidade diversas, eventualmente passíveis, também, de respostas
distintas” (Diário da República, II Série, de 8 de Maio de 2002).
2.2. Relativamente aos artigos 156º, nº 4, e 135º, nº 1, do Código de Processo
Penal é de concluir, igualmente, que o recorrente não indicou, com precisão, as
normas cuja apreciação pretende. Este Tribunal tem entendido, repetidamente, que
pode ser questionada a norma na sua totalidade, em determinado segmento ou
segundo certa interpretação (cf., entre outros, o Acórdão nº 232/02, Diário da
República, II Série, de 18 de Julho de 2002), mas não tem deixado de assinalar,
reiteradamente, que, neste último caso, o recorrente tem “o ónus de enunciar, de
forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera
inconstitucional” (Acórdão nº 21/2006, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). Ónus que não foi, manifestamente, cumprido no
caso em apreço.
2.3. Do que fica dito importa concluir que o recorrente não satisfez, pois, um
dos requisitos do nº 1 do artigo 75º-A da LTC. Exigência que não representa
simples observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal, mas que
constitui, antes, o preenchimento de um requisito formal essencial ao
conhecimento do objecto do recurso (cf., Acórdão nº 200/97, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). É o requerimento de interposição que define este
objecto e só essa definição permite ao Tribunal a verificação dos pressupostos
do recurso interposto, nomeadamente o da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade e o da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio
decidendi, da norma questionada».
2. Desta decisão reclama agora o recorrente para a conferência, ao abrigo do
disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:
«(…)
Perante a falada “decisão sumária” o recorrente, embora reconheça que não captou
o intuito da M.ma Relatora aquando do despacho para correcção do requerimento de
interposição do recurso – e, neste sentido, ao menos prima facie, tendo como
pano de fundo aquilo que já acima se apodou de horroroso, alguma razão
assistiria à Senhora Conselheira – fez o esforço que lhe foi possível, para
esclarecer a sua pretensão. Não obliterando que a lei, além do mais, obriga a
que se faça referência à(s) peça(s) em que se suscitou a questão ou questões de
inconstitucionalidade. Com efeito,
5. no requerimento de interposição de recurso, apresentado no
S.T.J., o recorrente, pág. 1, referiu sob “B7” a inconstitucionalidade do artigo
271° do CPP, justificando nos subsequentes pontos “B8” e “B9” a razão de ser do
respectivo entendimento. É certo que o normativo do CPP em questão, como acentua
a M.ma Relatora, se desdobra em várias proposições normativas. Mas não é menos
exacto, afigura-se, que só a uma visão integrada da regulamentação legal do
instituto das “declarações para memória futura”, tal como se encontra concebido
para a fase do inquérito, permite a percepção da cabal da visão preconizada pelo
recorrente. Aliás,
6. o mesmo, dando cumprimento à disciplina legal, indicou a peça na
qual a questão foi suscitada – pág. 8 do aludido requerimento – referindo que as
concretas questões se sediaram “não só nas motivações de ambos os recursos, como
nas respectivas conclusões”. Ademais do que já se deixou escrito, houve o
cuidado de proceder ainda à transcrição das conclusões pertinentes do recurso
levado à cognição do S.T.J. – conf. pág. 5, aí sob “B2”. E, justamente nesta
conclusão, faz-se remissão para a motivação ao referir-se “(supra, pág.s 3 ss,
A2)“. Aqui a questão, tal como o recorrente a compreende, está espraiadamente
explanada, de pág. 3 a pág. 9. Como, de resto, anteriormente, na motivação
apresentada em 1ª instância e tendo como destinatário o Tribunal da Relação de
Coimbra, o recorrente dedicara largo esforço argumentativo a propósito da
matéria (conf. nesta motivação, pág. 2 a 7, pontos A1.1. a A1.5.).
7. Verdadeiramente, pois, o que foi posto em causa foi a
interpretação feita pelas instâncias e Supremo, do instituto das “declarações
para memória futura”, na fase do Inquérito (que se tem por irremissivelmente
violador da CRP) como claramente resulta da leitura integrada e complexiva dos
diversos sectores normativos dos números pelos quais se desdobra a respectiva
disciplina legal – art. 271°, do CPP».
3. Notificados os recorridos, o Ministério Público respondeu pela forma
seguinte:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, é inquestionável que o recorrente não logrou definir, em termos
claros e inteligíveis, as questões de constitucionalidade que pretendia submeter
a este Tribunal Constitucional, apesar da oportunidade processual que, para tal,
lhe foi conferida.
3º
E sendo, aliás, a nosso ver, a dificuldade de concretização de tal sentido ou
dimensão normativa índice seguro de que, em termos substanciais, o recorrente
pretende controverter, não qualquer critério normativo, aplicado pelo acórdão
recorrido, mas a específica, concreta e peculiar subsunção que as instâncias
realizaram no caso dos autos».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária concluiu, ao abrigo do nº 2 do artigo 78º-A da LTC, pelo não
conhecimento do objecto do recurso, com fundamento na não satisfação integral
dos requisitos do artigo 75º-A da LTC. Concretamente, por o recorrente não ter
indicado, ainda que convidado para o efeito previsto no nº 6 deste artigo, quais
as normas cuja apreciação pretendia (parte final do nº 1 do artigo 75º-A da
LTC), por referência aos artigos 271º, 156º, nº 4, e 135º, nº 1, do Código de
Processo Penal.
Reclama agora o recorrente da parte da decisão que se refere ao artigo 271º do
Código de Processo Penal. Porém, não logrou infirmar a conclusão de que não
indicou no requerimento de interposição de recurso – por si só ou conjugado com
a resposta ao convite que lhe foi dirigido – a norma cuja inconstitucionalidade
pretendia que o Tribunal apreciasse. A norma e não a regulamentação legal de um
instituto em determinada fase processual, já que só a primeira pode ser objecto
do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da LTC, diferentemente do que resulta do teor da presente reclamação.
O reclamante defende-se com a indicação da peça processual em que a questão de
inconstitucionalidade foi suscitada. Ora, se, por um lado, o fundamento da
decisão sumária foi a não definição do objecto do recurso no respectivo
requerimento de interposição, por falta de indicação da norma cuja apreciação
era pretendida (artigos 75º-A, nº 1, parte final, e 78º-A, nº 2, da LTC); por
outro, aquela indicação é imposta, na parte final do nº 2 do artigo 75º-A, para
verificação do cumprimento do ónus da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade por parte do recorrente.
Impõe-se, assim, o indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 31 de Julho de 2007
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão