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Processo n.º 599/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no
n.º 3 do art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão,
do despacho do relator, proferido no Tribunal Constitucional que decidiu não
conhecer do recurso de constitucionalidade.
2 – Fundamentando a sua reclamação, o reclamante alega:
«Vem o presente recurso rejeitado sem conhecimento da matéria em que assenta
por, em suma e basicamente, se considerar não ter sido suscitada em tempo
oportuno perante o Tribunal a quo, a questão da inconstitucionalidade.
Tal decisão enferma, salvo o devido respeito, de grave deficiência de leitura e
percepção dos termos do recurso onde se evidencia a § 4º: “Esta questão de
inconstitucionalidade interpretativa foi suscitada expressamente ad cautelam no
termo da parte inicial do requerimento de interposição do recurso admitido e
devidamente explicitada e fundamentada em sede de alegações tiradas ao abrigo do
nº 2 do artigo 417º, após o douto Parecer da Procuradoria da República, onde,
afinal, a questão se colocou como questão nova, de forma inusitada e pouco
previsível, Parecer esse que veio a fundamentar, por parcial transcrição, o
douto acórdão aqui em crise.”.
De facto pode ler-se na inicial apresentação do recurso apresentado ante o
Venerando Tribunal da Relação do Porto: “(...) vem, ao abrigo do disposto nos
artigos 399º e seguintes (...) e cuja admissão requer, com subida imediata em
face da sua inutilidade superveniente, sob pena de violação, em diferente
interpretação da norma adjectiva supra invocada, dos imperativos dos art°s 20º,
nºs 1, 4 e 5, e 32º nºs 1 e 7 (...)“.
Claro e evidente fica que o recorrente acautelou uma possível interpretação
diversa do art. 399º do C.P.P. quer na dimensão da admissão do recurso quer
quanto à sua eventual retenção para posterior subida, não podendo suscitar-se
dúvidas quanto à interpretação normativa que considerava correcta, toda e
qualquer diferente da que emergia da admissão do recurso com subida imediata.
Numa fase preliminar ficou acautelada assim qualquer leitura interpretativa da
apontada, sendo que este sucinto modo é bastante porquanto não exige a lei,
tampouco a jurisprudência deste Tribunal, que a questão seja suscitada
pormenorizadamente, nem o poderia exigir sob pena de obrigar o recorrente,
abstracto ele, a elencar todas as teses possíveis, por manifestamente
impossível, ocupando o tempo precioso dos senhores magistrados cuja ciência
jurídica é bastante, autónoma e soberana.
Por outro lado, perante o Parecer da Procuradoria da República defendendo a
inadmissibilidade do recurso, o recorrente adequou sucintamente antítese
contraditória defendendo a bondade da sua pretensão recursiva e o seu cabimento
processual, invocando expressamente a violação dos anteriormente citados
imperativos constitucionais, estes a § 7º dessa peça jurídica.
Destarte, na modesta opinião do recorrente, ora reclamante, o recurso interposto
ante o Venerando Tribunal da Relação do Porto contém todas as sujeições
regulamentares no que tange à provisional adequação formal do recurso
constitucional, suscitadas em tempo útil para que os senhores Desembargadores
ali se pudessem pronunciar quanto à possível inconstitucionalidade da
interpretação dada pela Procuradoria da República no seu douto Parecer,
completando aquilo que cautelarmente havia deixado expresso ab initio, sem que
tivesse merecido a devida atenção nessa instância que olvidou em absoluto tais
referências.
Mas ainda que assim não fosse, sem conceder, ter-se-ia também que verificar que
o aparecimento da tese defendida pelo Ministério Público na instância superior é
inusitada, algo imprevista – pese embora o seu prévio acautelamento, como supra
se referiu – até por se mostrar diametralmente oposta à posição defendida em 1ª
instância pelo Digno Procurador Adjunto que reporta o básico acolhimento da
falta de uma mínima correspondência da interpretação contrária ao texto da lei,
em franca violação também à norma do nº 2 do art. 9º do Código Civil, esta sim
de todo imprevisível pois não pode ser exigível a um qualquer e abstracto
recorrente que preveja e previna leitura de texto não escrito na letra
legislativa.
Ora, também esta invulgar, sui generis, leitura e interpretação coloca o recurso
constitucional em condições de poder ser recebido e apreciado quanto ao seu
mérito por este Subido Tribunal, pois que a exigência de prévia prognose de
interpretações legislativas não se pode confundir com “adivinhação” de um
entendimento que não tem correspondência verbal no texto da lei.
Ainda assim, repete-se, foi prevenida em sede do recurso inadmitido e de uma
forma perceptível a eventualidade de vir a ocorrer a aparição de tese diferente
quanto à sua admissibilidade e momento de subida, e logo que a questão foi
suscitada se invocou mais detalhadamente, de forma suficiente, a
inconstitucionalidade interpretativa das normas, sendo que não se antolha na lei
qualquer obrigatoriedade de que a concretização da interpretação normativa
consubstanciadora de eventual violação dos imperativos constitucionais tenha que
ser efectuada por transcrição integral, ou sequer parcial, bastando-se com a sua
explicitação sumária de forma entendível ao comum cidadão e a fortiori aos
distintos juristas que sobre o recurso trabalharão.
São os princípios da simplicidade dos actos (art. 138º, nº 1, CPC) e da
unicidade do processo (art. 447º, nº 2, CPC e art. 414º, nº 6, CPP) que impedem
repetições estéreis e desadequadas, supridas em sede de análise do conjunto
concomitante dos autos ou sua parte que instrua o recurso.
Destarte, fica patente que o Venerando Tribunal a quo poderia – e deveria, data
venia – ter-se pronunciado sobre a possível inconstitucionalidade que lhe foi
submetida de forma expressa e suficientemente clara, o que contraria o que vem
explanada a folhas 2., da doutíssima decisão sumária aqui reclamada ao invocar o
acórdão nº 352/94, como dos demais, pois que o Tribunal da Relação do Porto
sabia, pela simples leitura do texto recursivo, na sua parte inicial, e a
posteriori na resposta ao douto Parecer da Procuradoria da República da questão
assim suscitada.
E ali se explicitou, de forma sucinta mas clara, que não se considerava que se
estivesse violando quaisquer regras de duplo grau de jurisdição mas tão só a
subserviência ao texto legislativo que impõe interpretação não restritiva da
submissão à regra geral sobre recursos.
Nada obstando, pois, na modesta perspectiva do Reclamante, à apreciação do
mérito do presente recurso, sob pena de, em concretização de summum jus, suma
injuria, se estar violando direitos fundamentais de acesso ao direito e aos
tribunais e de recurso, reconhecidos ao cidadão português, segundo os tratados e
convenções internacionais ratificados pelo Estado Português, mormente os art°s
6º, nº 1, 13º e 14º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem
e das Liberdades Fundamentais.».
3 – O Procurador-geral Adjunto, no Tribunal Constitucional,
respondeu sustentando:
«1.º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2.°
Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala o
fundamento da decisão reclamada, no que toca aos vários fundamentos que
conduziram, sucessiva e subsidiariamente, ao não conhecimento ou à improcedência
do recurso interposto.».
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b),
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actual (LTC), pretendendo
ver apreciada a “inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 28.º
da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, em devida e correcta conjugação com a norma
do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil e ainda da norma do n.º 2 do artigo 70.º
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na interpretação dada na decisão recorrida,
de que, em síntese, em sede do instituto de Protecção Jurídica existe um só grau
de recurso, apesar de a norma ter excluído a expressão em última instância
contida no correspondente normativo da lei revogada sobre esta matéria [artigo
29.º, n.º 1, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro]”, por violação do disposto
nos artigos 20.º, nºs 1, 4 e 5, 32.º, nºs 1 e 3, 202.º e 203.º, in fine, da
Constituição da República Portuguesa.
2 – Integrando-se o presente recurso no âmbito normativo
delimitado pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e atento o disposto no artigo
76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se com os seguintes fundamentos.
3 – O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo
70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se necessário, a mais do
esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido
aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a
inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo.
Este último requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante
deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário da
República II Série, de 6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal
(tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da
instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá
de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da
questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que
(a mesma questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é
exigido pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em
via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o
tribunal recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o
Acórdão n.º 560/94, Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, e
ainda o Acórdão n.º 155/95, in Diário da República II Série, de 20 de Junho de
1995).
A razão de ser de tal exigência é explicada por Cardoso da Costa (“A jurisdição
constitucional em Portugal”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso
Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e ss.): “quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da
constitucionalidade (…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele
aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas
ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma
jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo
depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo
o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade
constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a
aplicação das que considerarem inconstitucionais (…). Este allgemeinen
richterlichen Prüfungs – und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado
expressamente (…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece
fiel ao princípio, tradicional e característico do direito constitucional
português, do “acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém,
se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário
que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo,
em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na
verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum
(depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o
Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero
expediente processual dilatório)”.
Por outro lado, como este Tribunal tem reiterado, “suscitar a
inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal
perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de
constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que
(...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um
segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem
suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte
o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a
norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de
uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao
acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa
decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa
determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs
37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República, II Série,
de 15-05-1996)”.
4 – Da projecção destes critérios ao caso sub judicio resulta
que o recorrente, dispondo de oportunidade processual para o fazer, não suscitou
em termos adequados qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
De facto, o recorrente não definiu ou individualizou perante o Tribunal a quo
qualquer critério normativo positivamente suportado, fazendo recair sobre ele um
juízo de inconstitucionalidade, sendo que o cumprimento do ónus de suscitação da
inconstitucionalidade de uma norma não pode considerar-se satisfeito sem a
expressa indicação da norma que se considera inconstitucional, requisito este
que o recorrente não satisfez.
Por outro lado, ainda que assim não fosse, importa referir que a “norma” com que
o recorrente define o objecto do recurso de constitucionalidade importa, em
rectas constas, o controlo do processo interpretativo seguido pelo Tribunal da
Relação do Porto, o que, por configurar em si uma questão referente à obtenção
da decisão, constitui matéria excluída da esfera de competência cognitiva do
Tribunal Constitucional.
Ainda assim, mesmo que se considerasse o presente recurso como exclusivamente
direccionado à fiscalização do resultado interpretativo assinalado ao artigo
28.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004 – interpretado no sentido de que não é
admissível recurso jurisdicional da decisão que aprecie a impugnação da decisão
administrativa que indefira o pedido de apoio judiciário – e a não existir
impedimento processual ao conhecimento do recurso, sempre o mesmo seria de
julgar improcedente, em face da consistente jurisprudência anterior do Tribunal
relativa ao regime constitucional do duplo grau de jurisdição ou do direito ao
recurso de decisões judiciais (cf., nesse sentido, as considerações constantes
do Acórdão n.º 507/06, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do presente recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 7 (sete) Ucs.».
B – Fundamentação
5 – Na sua reclamação, o reclamante não abala a bondade dos fundamentos em que
se abonou a decisão reclamada.
Entende o reclamante que, havendo escrito no requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal da Relação do Porto “(...) vem, ao
abrigo do disposto nos artigos 399º e seguintes (...) e cuja admissão requer,
com subida imediata em face da sua inutilidade superveniente, sob pena de
violação, em diferente interpretação da norma adjectiva supra invocada, dos
imperativos dos art°s 20º, nºs 1, 4 e 5, e 32º nºs 1 e 7 (...)“, “acautelou uma
possível interpretação diversa do art. 399º do C.P.P. quer na dimensão da
admissão do recurso quer quanto à sua eventual retenção para posterior subida,
não podendo suscitar-se dúvidas quanto à interpretação normativa que considerava
correcta, toda e qualquer diferente da que emergia da admissão do recurso com
subida imediata.».
Ora, o que é certo é que, naquele discurso, o recorrente não
precisou qual o critério normativo, que o Tribunal pudesse vir a inferir do
art.º 399.º do CPP, que atentaria contra as normas constitucionais que invocou,
em termos do mesmo ficar obrigado a conhecer da sua validade constitucional.
Constitui ónus do recorrente recortar a norma, dimensão
normativa ou critério de decisão cuja hipotética aplicação para a decisão do
caso venha a ser convocada pelo tribunal de recurso.
O tribunal ad quem não foi confrontado com a questão de
invalidade de um certo e determinado critério de decisão.
Sendo assim, não pode considerar-se suscitada em termos
adequados a questão de constitucionalidade.
Mas, independentemente da improcedência deste fundamento, a
reclamação é ainda de indeferir por ser manifesta a improcedência da questão de
constitucionalidade, de acordo com a jurisprudência assumida na decisão
reclamada.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20
UCs.
Lisboa, 24 de Julho de 2007
Benjamim Rodrigues
Joaquim Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos