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Processo n.º 149/06
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos autos de expropriação por utilidade pública das parcelas necessárias à
construção da obra “A7/IC5 – Lanço Guimarães/Fafe – Sublanço Calvos/Fafe”, em
que figuram como expropriados A. e MULHER, e como expropriante EP – ESTRADAS DE
PORTUGAL, EPE, os primeiros, inconformados com a decisão arbitral que fixou o
montante da indemnização, interpuseram recurso para o Tribunal Judicial de
Guimarães (fls. 406 e ss.), alegando que as mencionadas parcelas deveriam ter
sido classificadas como “solo apto para construção” e não como solo “apto para
outros fins”, pelo que a indemnização devida pela expropriação deveria ser
fixada em € 95.100, 00.
2. Por sentença, de 31 de Março de 2005, o juiz do Tribunal Judicial de
Guimarães julgou improcedente o recurso interposto pelos expropriados (fls. 574
e ss). Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães, o
qual, por acórdão, de 2 de Novembro de 2005, julgou improcedente a apelação,
confirmando a douta sentença recorrida (fls. 666 e ss), tendo fundamentado a sua
decisão do seguinte modo:
«[…]
No recurso, a questão essencial posta pelos apelantes prende-se com a
classificação das parcelas expropriadas. Saber se devem ser classificadas como
solo apto para a construção ou como solo para outros fins.
Os expropriados discordam da classificação dada às parcelas expropriadas no
laudo de arbitragem, como solo para outros fins.
Como resulta da factualidade apurada, de acordo com o PDM de Guimarães, as
parcelas expropriadas estão inseridas em zona de Salvaguarda Estrita (R.A.N.
e/ou R.E.N.) Nos termos do art° 25°, n° 1, do CE, “para efeitos do cálculo da
indemnização por expropriação, o solo classifica-se em:
a) Solo apto para a construção;
b) Solo para outros fins”.
São solos aptos para construção os que se encontrem nas circunstâncias previstas
no n° 2 do artigo 25° do CE e nessa situação encontrar-se-iam as parcelas
expropriadas, pois as mesmas dispõem de acesso rodoviário, rede de distribuição
de energia eléctrica e rede telefónica.
São solos para outros fins os que não se encontrem em qualquer dessas situações.
Mas além da verificação de algumas das situações previstas nesse n° 2 do art.
25, importa que não exista restrição legal à edificabilidade, que não obste à
construção.
A classificação do solo constitui um parâmetro essencial da valorização do bem e
o direito de edificar dever ser considerado na determinação do valor dos bens,
ao menos, quando estes possuam uma muito próxima ou efectiva potencialidade
edificativa. O valor deve ter em conta as aptidões do solo e o aproveitamento
que nele efectivamente se possa realizar.
Esse artigo do CE/99, que corresponde ao artigo 24° do CE/91, não contém norma
semelhante à que constituía o n° 5 deste artigo 24°, com a redacção “para
efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o
solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado para construção”. Não
obstante ter sido diversas vezes sujeita a escrutínio do Tribunal
Constitucional, por condicionante do direito de propriedade, dado limitar o
valor das indemnização (sic) por expropriação, veio esse Tribunal a decidir pela
não afronta à lei Fundamental (entre outros, os Acs. n° 20/2000, DR, II Série,
de 28/04/2000, e 243/2001, no DR II Série, de 04/07/2001). O facto dessa norma
não transitar para o novo CE, não pode levar a concluir-se inexistirem
limitações à aptidão construtiva dos solos decorrentes da lei ou dos
regulamentos de gestão e ordenamento do território, isto é que a potencialidade
edificativa não esteja condicionada pela lei e regulamentos administrativos,
como não poderia deixar de ser (v. arts. 23°, n° 1, e 26°, n° 1, do CE) - cfr.
neste sentido, Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade
Pública, Almedina, 2. ed., 284), pois não faria sentido valorizar um solo como
apto para construção quando aí não é possível nem sequer previsível a
construção. De contrário, não tendo em atenção essas condicionantes na
valorização dos terrenos expropriados, poder-se-ia obter valores
desproporcionados ao valor real e corrente do bem expropriado.
A aptidão construtiva não decorre apenas de critérios naturalísticos. As
potencialidades edificativas aferem-se em concreto, não só atendendo às
características materiais dos solos como à lei e regulamentos administrativos
que condicionam a sua afectação.
Se a lei ou o regulamento proíbem a edificação, se afectam o espaço a outro fim
que não a construção, o solo haverá de ser avaliado como solo apto para outros
fins, de acordo com o aproveitamento normal que dele possa ser feito, e não para
a construção, potencialidade com que nem o expropriado poderia contar. Se o
terreno está integrado em área da RAN ou REN, não pode ter o seu proprietário
uma expectativa razoável desse terreno vir a ser desafectado para nele se
construir e, assim, invocar o lus aedificandi e o direito a justa indemnização,
em caso de expropriação, para ver essa indemnização calculada com base em
potencialidade construtiva que o terreno (legalmente) não tem (v. Ac. 330/03 do
TC, de 7/7/03, no DR, II série, de 17/1 0). Nos solos integrados na zona de
Reserva Agrícola Nacional ou em zona de Reserva Ecológica Nacional, a
possibilidade construtiva está fortemente restringida, só em situações
excepcionais é permitida a construção e, mesmo assim e quando autorizada, para
situações particulares, normalmente obras com finalidade de apoio à actividade
agrícola e habitação nas situações concretas previstas no artigo 9º do DL
196/89, de 1 4/6 - ver também art° 8° desse DL - nas situações previstas no
artigo 4º, n°2 do DL 93/90, de 19 de Março.
A integração de um terreno na área da RAN revela uma falta de aptidão
edificativa em resultado das suas características intrínsecas (Pedro Elias
Costas, ob. cit., 287). “Se o terreno está integrado em área da RAN, afecto a
uma finalidade e utilização exclusivamente agrícola, sendo essa a sua utilização
económica normal, é em função desta que se deve determinar o seu valor para a
fixação da justa indemnização. E será esse o valor real e corrente do bem,
aquele que o expropriado poderia obter de um comprador médio, prudente e
avisado, que pondera o benefício que pode obter em concreto e não na perspectiva
duma hipotética afectação do bem que, de facto, não tem nem pode ter. O valor
real e corrente dos bens determina-se em função da sua afectação possível numa
utilização económica normal. Essa afectação é aquela que efectivamente tem ou
aquela que pode ter, não como mera possibilidade abstracta mas concreta em face
as circunstâncias e condições existentes à data da DUP. Se não é possível
edificar, qualquer valor assente em potencialidades construtivas não é o valor
real e corrente do bem, desligado da sua situação concreta e destino efectivo ou
afectação possível; ficciona-se uma potencialidade que o bem não tem” (Ac. RP,
de 10/2/05, no Proc. 7230/04).
A avaliar-se, para fins expropriativos, um terreno situado em área de RAN-REN,
em que não é admissível a construção, segundo uma potencialidade edificativa,
estar-se-ia a beneficiar o expropriado em comparação com os não expropriados,
que não veriam os seus terrenos, em idênticas situações, valorizados nos mesmos
termos. Sem que haja desafectação dos terrenos em área RAN ou não se destinando
a expropriação a finalidade edificativa, os solos expropriados devem ser
avaliados como solos para outros fins.
No caso sub judice, verifica-se o seguinte condicionalismo:
Segundo o PDM de Guimarães, em vigor à data da DUP, as parcelas expropriadas
estavam inseridas em zona de Salvaguarda Estrita (RAN e/ou REN);
Em relação às parcelas expropriadas verifica-se a existência de algumas
infra-estruturas previstas no art° 25°, n 2° a), do CE/99, a saber: rede de
electricidade, rede telefónica e estrada pavimentada.
No entanto, afigura-se-nos, face ao estatuído no DL 96/89, de 4/6, no DL 93/90
de 9/3 e à luz do PDM de Guimarães, que as parcelas expropriadas não devem ser
classificadas como solo apto para construção, antes como apto para outros fins,
não relevando a concorrência daquela condições.
Não demonstram os autos ter sido as parcelas desafectadas da RAN, como também
não mostram os autos a existência de qualquer plano urbanístico ou de loteamento
das parcelas em causa ou que existisse alguma licença de construção para as
mesmas, na data da entrada em vigor do PDM ou da DUP.
As parcelas expropriadas, dada a classificação do solo gizada no PDM, não tinham
potencialidade edificativa, isto é, não lhes era reconhecida vocação para o
processo de urbanização e de edificação. Por isso, os expropriados não tinham
qualquer expectativa de construírem na parcela. Nem o acto expropriativo, em si,
no caso concreto, é de sorte a fazer criar no proprietário das parcelas afectas
à RAN, qualquer situação de confiança jurídica, de modo a que pudesse pensar ser
dono de um terreno destinado a construção. E não é pelo facto de a parcela ser
afectada à construção de uma variante rodoviária que essa potencialidade
edificativa nasce - cfr. o acórdão do T.C. n.° 243/2001, acima referenciado e
também os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 05.02.2004 e 10.02.2005,
respectivamente nos processos n°s 0336000 e 0437230, em www.dgsi.pt.
Tem sido esta a orientação jurisprudencial maioritária dos Tribunais superiores,
nomeadamente, do Tribunal Constitucional.
Assim, no acórdão 20/2000, publicado no Diário da República, II série, de 28 de
Abril de 2000, decidiu-se, não julgar inconstitucional a norma do n.° 5 do
artigo 24° do Código das Expropriações/91, interpretada no sentido de excluir da
classificação de “solo apto para a construção” os solos integrados na Reserva
Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação”.
Posteriormente, outros acórdãos do T.C. vieram a seguir o mesmo caminho,
citando-se, por ex., os acórdãos 219/2001, 243/2001, 172/2002, 121/2002,
[55/2002, 7/2002, 419/2002 ???] e 557/2003, publicados, respectivamente, na II
Série dos Diários da República de 6 e 4 de Julho de 2001, 3 de Junho de 2002, de
12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002 e de 23 de Janeiro de 2004. No caso
ocorrente, a expropriação da parcela não visa uma finalidade edificativa. Com a
dita expropriação visa-se destinar as parcelas expropriadas, à criação de um
lanço da auto-estrada Guimarães-Fafe, e não à construção de qualquer edifício
urbano.
Em suma, no caso, as parcelas, para efeitos de fixação da indemnização, devem
ser classificadas e valorizadas como solo para outros fins, não merecendo, por
isso, censura, a decisão recorrida.
Sustentam os apelantes que as parcelas são logradouros de habitação.
Todavia, nada vem demonstrado nos autos, nesse sentido.
Ao quesito formulado pelos expropriados em que se pergunta se “as parcelas de
terreno serviam, ou não, os imóveis arrendados confinantes e propriedade dos
aqui expropriados”, responderam os senhores peritos por unanimidade:
“Os peritos desconhecem”. Também, ao invés do que sustentam os apelantes, não há
partes sobrantes, pois como, nesse particular, se lê no laudo unânime de
peritagem, “as áreas expropriadas correspondem à totalidade dos respectivos
prédios, pelo que não há parcelas sobrantes”.».
3. A. e mulher vieram «interpor recurso [para o Tribunal Constitucional], ao
abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional por
[…] violação dos princípios constitucionais da Igualdade e da Justa Indemnização
pela interpretação dada aos artigos 23º, nº 1, 25º, nº 2 e 26º, nº 1, todos do
Código de Expropriações» (fls. 703).
O recurso foi admitido por despacho de fls. 705.
4. Nas alegações, que apresentaram neste Tribunal (fls. 710), os recorrentes
concluíram o seguinte:
1 - O presente recurso visa, essencialmente, a apreciação e sentido aposto pelo
Tribunal recorrido na interpretação dos artigos 23º nº 1, 25º, nº 2 e 26º, nº 1
do Código das Expropriações (doravante CE).
II - Por assentar na interpretação de um conceito de Justa Indemnização por
referência à classificação dos solos violadora, salvo melhor opinião, dos
artigos 13º e 62º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (designada em
diante de CRP).
III - Interpretam-se aquelas normas no sentido destas possibilitarem o
condicionamento automático da inserção de um terreno expropriado em PDM à
classificação do solo confundindo-se potencialidade edificativa com
potencialidade construtiva que é coisa bem diferente.
IV - O CE e os artigos 23º, n.º 1, 25º, n.º 2 e 26° reconduzem-se a uma
consagração da Justa Indemnização por referência à potencialidade edificativa.
V - Violando tal interpretação o conceito que se encontra subjacente ao da Justa
Indemnização ao fazer-se uma dependência directa e automática do definido em PDM
para a classificação do solo como para outros fins, ainda que o mesmo disponha —
como era o caso — de acesso rodoviário pavimentado e infra-estruturas
urbanísticas várias, que na envolvente existissem múltiplas construções e que,
ademais, se integrassem na matriz predial urbana ou fossem logradouro de
habitações.
VI - Na interpretação que o Tribunal recorrido fez, designadamente, do n.º 2 do
artigo 25º do CE não atendeu aos elementos concretos demonstrativos de
potencialidade edificativa das parcelas que se desvia do âmbito constitucional
quanto à Justa Indemnização.
VII - O Tribunal recorrido faz a classificação do solo, única e exclusivamente,
pela afectação do PDM o que viola o artigo 62º nº 2 da CRP.
VIII - O Tribunal recorrido não logra alcançar na interpretação dos artigos 23º,
n.º 1 e 25°, n.º 2 o princípio constitucional da Igualdade na atribuição da
Justa Indemnização.
IX - Sendo o terreno apto para construção, a desconsideração desse factor na
avaliação envolve um sacrifício acrescido para os Expropriados e conduzirá a uma
indemnização, necessariamente, desajustada e desproporcionada que não preenche o
conceito constitucional de justa indemnização (artigo 62º. nº. 2 da CRP).
X - Acresce que os Princípios da Igualdade e Justa Indemnização são afectados,
também, na interpretação do 25º, n.º. 2 do CE no sentido de permitir-se que o
mesmo Estado que ora expropria, atenta a descrição urbana fiscal dos terrenos,
pagar por um lado como solo agrícola e fiscalmente, por outro, receber dos
Proprietários/Expropriados como solo urbano aproveitando-se de uma
desvalorização de que ele próprio é o criador.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Delimitação do objecto do recurso
5. Antes de mais, deve notar-se que, no requerimento de recurso para este
Tribunal, os recorrentes suscitaram a inconstitucionalidade de normas que não
tinham suscitado nas alegações de recurso perante o Tribunal da Relação de
Guimarães. Senão vejamos:
Nas conclusões das alegações de recurso perante o Tribunal da Relação de
Guimarães (cfr. 612 e seguintes dos autos), os recorrentes delimitaram a questão
de inconstitucionalidade do seguinte modo:
«XIII - É inconstitucional por violação do artigo 62º, n.º 2 da Constituição da
República Portuguesa a interpretação do n.º 2 do artigo 25º do Código das
Expropriações no sentido que deve ser classificado como solo para outros fins o
terreno inserido em RAN ainda que disponha de acesso rodoviário pavimentado e
infra-estruturas, que na envolvente existam múltiplas construções e que,
ademais, se integre na matriz predial urbana e seja logradouro de habitações.
XIV – É inconstitucional por violação do mesmo preceito a interpretação da
redita norma no sentido de fazer uma aplicação automática da estatuição do PDM
para efeitos de classificação do solo como o fez o Tribunal a quo.»
Quer dizer, os recorrentes apenas suscitaram o incidente de
inconstitucionalidade em relação ao artigo 25º, nº 2, do Código de Expropriações
de 1999.
No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional,
pretendem, todavia, os recorrentes que este aprecie a constitucionalidade de
três preceitos – os artigos 23º, nº 1; 25º, nº 2; e 26º, nº 1, do Código das
Expropriações de 1999 (fls. 710).
Ora, como este Tribunal já teve ocasião de dizer, por diversas vezes, o objecto
do recurso de constitucionalidade é fixado pelo requerimento de recurso para o
TC (Acórdãos 357/07, 512/06, 89/04, 468/04 e 654/04), mas este requerimento só
pode identificar as normas cuja inconstitucionalidade haja sido adequadamente
suscitada no processo recorrido, nos termos do artigo 72º, nº 2, LTC (Acórdãos
512/06, 468/04 e 645/04).
Assim, não tendo havido suscitação da inconstitucionalidade dos artigos 23º, nº
1, e 26º, nº 1, do Código de Expropriações de 1999 perante o tribunal recorrido,
não é possível aos recorrentes virem agora colocar tal questão perante este
Tribunal.
Em suma, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do recurso, no
que diz respeito aos artigos 23º, nº 1, e 26º, nº 1, do Código de Expropriações
de 1999, restringindo-se, portanto, o objecto do mesmo ao artigo 25º, nº 2, do
mesmo Código.
B) Apreciação da constitucionalidade do artigo 25º, nº 2, do Código de
Expropriações de 1999
6. O artigo 25º, nº 2, do Código de Expropriações de 1999 tem a seguinte
redacção:
Artigo 25º
Classificação dos solos
(…)
2 – Considera-se solo apto para construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água,
de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir
as edificações nele existentes;
b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea
anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado de acordo com instrumento de gestão territorial,
a adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores,
possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção, em vigor no
momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se
tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo
10º.
Ora, a questão de inconstitucionalidade suscitada, no caso em apreço, não é
inédita neste Tribunal. Com efeito, independentemente da norma do Código de
Expropriações invocada (de modo processualmente adequado neste processo), o que
os recorrentes pretendem ver apreciado é se a interpretação, segundo a qual os
terrenos inseridos na Reserva Agrícola Nacional (ou na Reserva Ecológica
Nacional) devem ser automaticamente considerados como solo apto para outros fins
(isto é, não apto para construção), ainda que possam ser dotados de certas
características (v. g. esgotos, electricidade, acessos vários) que, não fosse
essa inclusão, os tornariam aptos a beneficiar de uma autorização de construção,
deve ser considerada como contrária à Constituição, à luz das normas e
princípios constitucionais do direito à justa indemnização, em caso de
expropriação, e do princípio da igualdade.
7. A questão, colocada nestes termos, já foi objecto de vários acórdãos deste
Tribunal, o qual, apenas e tão-somente, no primeiro deles, julgou
inconstitucional o normativo correspondente do Código de Expropriações de 1991 e
apenas quando a expropriação visasse, de modo genérico, a construção de
edifícios – e não de vias de comunicação – de interesse público.
Efectivamente, a norma do então artigo 24º, nº 5, foi julgada inconstitucional
“enquanto interpretada por forma a excluir de «solo apto para construção» os
solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se
edificar para fins diferentes da utilidade pública agrícola” (Acórdão nº
267/97). Note-se, contudo, que, no caso concreto em apreço pelo referido
Acórdão, este Tribunal apreciou uma expropriação por declaração de utilidade
pública que visava permitir a construção de um quartel de bombeiros. Ora, o
Acórdão n.º 267/97 reportou-se exclusivamente a uma situação de estrito
paralelismo entre a possibilidade de construção de edifícios privados e de
construção de edifícios públicos, nunca se pronunciando expressa e
especificamente sobre expropriações que tivessem por objectivo a construção de
estruturas rodoviárias.
Posteriormente, esta jurisprudência viria a ser alvo de sucessivos
desenvolvimentos, passando este Tribunal a ter em devida conta a finalidade de
cada uma das concretas expropriações, designadamente:
i) Quando aquelas se destinavam a
permitir a construção de vias de comunicação (Acórdãos n.ºs 20/2000, 247/2000,
219/2001, 243/2001, 172/2002, 346/2003, 347/2003 e 425/2003; 114/2005; 234/2007;
239/2007);
ii) Quando se destinavam a permitir a
construção de acessos a uma central de incineração (Acórdão n.º 121/2002);
iii) Quando se destinavam a permitir a
construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e do respectivo
aterro sanitário ( Acórdão n.º 155/2002);
iv) Quando se destinavam a permitir a
construção de uma escola pública de ensino básico e obrigatório (Acórdão n.º
333/2003);
v) Quando se destinavam a permitir a
construção de uma escola pública de ensino secundário (Acórdão n.º 557/2003);
vi) Quando se destinavam a permitir a construção de uma área de
serviço de uma auto-estrada (Acórdão n.º 276/2007).
Ainda por referência a decisões proferidas durante a vigência do Código de
Expropriações de 1991, este Tribunal viria a julgar pela não
inconstitucionalidade daquele normativo, através do Acórdão 20/2000, que decidiu
“não julgar inconstitucional a norma do artigo 24º, nº 5, do Código de
Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de
«solo apto para construção» solos integrados na Reserva Agrícola Nacional
expropriados para implantação de vias de comunicação”.
8. Esta jurisprudência foi depois aplicada também ao preceituado equivalente do
Código de Expropriações de 1999 e não só em relação a solos integrados na
Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação,
mas também expropriados para outros fins, conforme já demonstrado supra.
Uma resenha da evolução desta jurisprudência, pode ler-se no acórdão nº 275/04:
«A norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 foi julgada
inconstitucional num único caso em que a Administração classificou uma parcela
de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública
agrícola e integrou-a, por isso, na RAN, para, posteriormente e uma vez
desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por ela um valor correspondente ao de
solo não apto para construção (a que acresce o facto de que a sua apropriação
ocorreu apenas uma semana antes da publicação da Portaria n.º 380/93, que, por
sua vez, veio desafectar da RAN todo o terreno em que se situava a referida
parcela). Em todos os restantes casos citados, nomeadamente em recursos
interpostos de acórdãos do Tribunal da Relação do Porto (que recusara a
aplicação, por inconstitucionalidade, daquela norma), e em que estavam em causa
quer a construção de vias de comunicação, quer de diferentes edifícios, o
Tribunal pronunciou-se, sempre, no sentido da não inconstitucionalidade. Ou
seja, em todos os outros casos, mesmo naqueles em que a expropriação se não
destinou a implantação de vias de comunicação mas sim de edifícios públicos –
por exemplo, escolas -, o Tribunal Constitucional, não tendo dado conta de
“qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em «manipulação das
regras urbanísticas», com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno,
reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado,
destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público”,
não julgou a norma inconstitucional.»
Existe, portanto, uma jurisprudência firmada – e constante – deste Tribunal
relativamente à questão de constitucionalidade suscitada.
9. Em tese, enquanto posição subjectiva que atribui a um indivíduo ou a uma
pessoa colectiva o poder de utilizar e de transformar o respectivo património, o
direito fundamental de propriedade privada admite uma multiplicidade de
manifestações, das quais se destacam: i) o direito de adquirir bens; ii) o
direito de não ser privado de bens legalmente adquiridos; iii) o direito de
fruição de bens legalmente adquiridos; iv) o direito de dispor livremente de
bens legalmente adquiridos; v) o direito de transmitir, por morte ou em vida,
onerosa ou gratuitamente, bens legalmente adquiridos.
Deve, aliás, sublinhar-se que esta pluridimensionalidade do direito de
propriedade decorre directamente do próprio Direito Internacional (v. artigo 17º
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 1º, § 1 do Protocolo
Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 20 de Março de 1952),
que, por força do n.º 2 do artigo 8º e do n.º 1 do artigo 16º da CRP, vinculam
imediatamente o legislador português e – em particular – este Tribunal
Constitucional.
Para além disso, deve ainda mencionar-se o n.º 1 do artigo 17º da Carta dos
Direitos Fundamentais da União Europeia, que protege o direito de propriedade
privada nas suas diversas vertentes, destrinçando expressamente “o direito de
fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de
dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte”.
Em suma, a concepção internacional do direito de propriedade privada deve também
ser tida em conta, para efeitos de interpretação do âmbito normativo do n.º 1 do
artigo 62º da CRP.
10. Mas nem o Direito Constitucional Português nem o Direito Internacional
impõem que o direito de propriedade deva ser garantido em termos absolutos.
Pelo contrário, como sucede com todos os direitos fundamentais – sem excepção –,
o direito de propriedade não é garantido pela Constituição em termos absolutos,
mas antes nos termos da [própria] Constituição (artigo 62º, nº 1), pelo que são
admissíveis limites e restrições previstos e definidos noutros lugares da
Constituição (e na lei, quando remete para ela a Constituição), por razões
ambientais, de ordenamento do território, urbanísticas, económicas, de
segurança, de defesa nacional (neste sentido, J. J. Gomes Canotilho / Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, Coimbra
Editora, 2006, p. 801). Um desses limites pode, precisamente, consistir na
expropriação por utilidade pública (artigo 62º, nº 2, CRP), o que também é
aceite pelo Direito Internacional (artigo 1º, § 1 do Protocolo Adicional à
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 20 de Março de 1952, artigo 17º,
n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais). Nesse caso, porém, o pagamento de
justa indemnização figura como um pressuposto constitucional da mesma.
11. A Constituição não estabelece, no entanto, qualquer critério indemnizatório,
mas, como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (op. cit, p. 808), “é
evidente que os critérios definidos em lei têm de respeitar os princípios
materiais da Constituição, não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou
manifestamente desproporcionadas em relação à perda do bem expropriado. Por
outro lado, a justa indemnização deve respeitar o princípio da equivalência de
valores, expulsando desta equivalência valores especulativos ou ficcionados,
decisivamente perturbadores da «justa medida» que deve existir entre as
consequências da expropriação e a sua indemnização”.
No caso em apreço, o critério indemnizatório, está previsto no n.º 1 do artigo
23º do Código das Expropriações, e reconduz-se, no fundo, ao valor de mercado do
bem.
Tendo-se dado como provado nos autos (acórdão do Tribunal da Relação de
Guimarães, fls. 674) que, de acordo com o PDM de Guimarães, as parcelas
expropriadas estão inseridas em Zona de Salvaguarda Estrita (R.A.N. e/ou
R.E.N.), não pode ter o seu proprietário uma expectativa razoável desse terreno
vir a ser desafectado para nele se construir e, assim, invocar o ius aedificandi
ou o direito de construção e o direito a justa indemnização, em caso de
expropriação, para ver essa indemnização calculada com base em potencialidade
construtiva que o terreno (legalmente) não tem.
Na verdade, nos solos integrados na zona de Reserva Agrícola Nacional ou em zona
de Reserva Ecológica Nacional, a possibilidade construtiva está fortemente
restringida, só sendo permitida a construção em situações muito excepcionais.
O valor do terreno está, pois, limitado em consequência da existência de uma
restrição legal ao direito de construção, e não tendo os proprietários qualquer
expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção por
particulares, não pode invocar‑se o princípio da justa indemnização para
pretender ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado aos expropriados
uma potencialidade edificativa dos terrenos, legalmente inexistente e que,
aliás, nem sequer corresponde à finalidade dada aos solos depois da expropriação
(que, repete-se, não foi a edificação de construções urbanas, mas sim a
construção de uma via de comunicação).
12. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, diversas
vezes, sobre o critério a atender no cálculo do valor da justa indemnização.
Com relevância para o caso em apreço, disse o Tribunal, no Acórdão 275/04, o
seguinte:
«Assim, no Acórdão n.º 243/2001 (Diário da República, II Série, de 4 de Julho de
2001), afirmou-se o seguinte:
“[...] Ora, a indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do
prejuízo que efectivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a
torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada
à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a factores
especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o
prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou
para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e
de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. O quantum
indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos
expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar
que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos. [...]”
[…]
A proibição de construir que incide sobre os solos integrados na Reserva
Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional é, aliás, na jurisprudência
deste Tribunal, uma consequência da “vinculação situacional” da propriedade que
incide sobre os solos com tais características. De facto, como se afirmou no
acórdão n.º 347/2003 já citado:”
“[...] de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos
abrangidos pela RAN (DL. n.º 196/89, de 14/6, alterado pelos DLs. n.os 274/92,
de 12/12 e 278/95, de 25/10), REN (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) ou
áreas non aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de
urbanização ou Planos de pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é
possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram
necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos
agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio
ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições
constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa
indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da
igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros
interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma
situação jurídica. [...]”
Daí que se conclua que, embora, em teoria, seja crível que se possa construir em
qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola
Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a
impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas
também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo
possa vir a ser destinado à construção imobiliária.»
13. Também não colhe o argumento invocado pelo recorrente na conclusão X das
suas alegações, a saber, que os princípios da igualdade e justa indemnização são
afectados, também, na interpretação do artigo 25º, nº 2, do Código de
Expropriações, no sentido de se permitir ao mesmo Estado que ora expropria,
atenta a descrição urbana fiscal dos terrenos, pagar por um lado como solo
agrícola e fiscalmente, por outro, receber dos Proprietários/Expropriados como
solo urbano aproveitando-se de uma desvalorização de que ele próprio é o
criador, pois esse é um problema a discutir noutra sede e não nesta. A ocorrer
alguma inconstitucionalidade – que não deve nem pode ser sindicada nesta
instância – essa só poderia versar sobre o preceito normativo que permite a
tributação do terreno em causa como prédio urbano e não como prédio rústico.
Dispôs e dispõe ainda o recorrente dos meios processuais necessários à tutela de
direitos e interesses legalmente protegidos que entenda violados pelo facto de o
Estado tributar um terreno integrado na R.A.N. como se de prédio urbano se
tratasse.
Pelos fundamentos expostos, e pelos mais amplos, constantes
dos Acórdãos atrás mencionados, e ainda os do Acórdão 398/05, inteiramente
transponíveis para a discussão do problema de constitucionalidade suscitado no
presente recurso, para os quais se remete, conclui-se que as normas impugnadas
nestes autos não violam “os princípios constitucionais da igualdade e da justa
indemnização” consagrados nos artigos 13º e 62º, nº 2, CRP invocados pelos
recorrentes.
III – DECISÃO
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) não conhecer do objecto do recurso, no
que diz respeito aos artigos 23º, nº 1, e 26º, nº 1, do Código de Expropriações
de 1999;
b) negar provimento ao recurso, confirmando
o acórdão recorrido, na parte respeitante à questão de constitucionalidade do
artigo 25º, nº 2, do Código de Expropriações de 1999.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC’s.
Lisboa, 18 de Julho de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão