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Processo nº 572/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Arguição de nulidade
Relatório
O reclamante apresentou requerimento, arguindo a nulidade do acórdão proferido
em 12-6-2007, nos seguintes termos:
“O recurso sub judice, suscitando dois casos de potenciais
inconstitucionalidades interpretativas de algumas das normas aplicadas expressa
e/ou implicitamente durante o processado, sustentava-se quanto à primeira delas,
numa interpretação das normas dos art.ºs 342.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea
c), do Código de Processo Penal, complementadas e concatenadas com as demais
normas processuais que regem a actividade cognitiva do Tribunal e ainda com a
regra do n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, quanto ao relatório social e
antecedentes criminais do ali arguido, ora reclamante/arguente, defendendo-se
como correcta a leitura interpretativa de que este labor judiciário cabe
exclusivamente ao tribunal que, em primeira instância, julga a causa.
Neste sentido era, e é, convicção do reclamante, que o Supremo Tribunal de
Justiça, em sede de recurso extraordinário de revisão, não poderia reapreciar,
refazer e sobrevalorizar parte do relatório social, em desfavor do
rguente/reclamante/recorrente/arguido, ainda mais aferindo e sustentando-se em
factos exteriores aos autos, debruçando-se sobre anterior condenação do arguido,
já cumprida a pena, para desvalorizar a sua personalidade, sem contudo apreciar
os aspectos positivos do seu carácter, esses sim plasmados no processado a
apreciar.
A esta vexata questio pondera este Subido Tribunal sobre a dúvida de que a
formulação tenha um cariz de abstracção e generalidade que a permita qualificar
como norma, em sentido lato, não se logrando alcançar um explícito enunciado das
normas apresentadas como erradamente interpretadas.
Ora, sendo jurisprudência pacificamente assente deste Tribunal a necessidade de
utilidade da matéria a julgar em sede constitucional, impõem as regras do bom
senso que a questão jurídica a resolver neste foro superior tenha um mínimo de
aplicabilidade e relevância no processo onde é suscitada a violação dos
imperativos constitucionais, o que, ainda que sumariamente, deve ser indicada
pelo recorrente, com vista a fazer entender a utilidade prática da solução
controvertida.
Por outro lado não pode ser a ausência de invocação das normas em que se funda
uma decisão judicial razão suficiente para se concluir pela falta de
explicitação emanente do texto decisório em crise.
Destarte, nesta particular matéria, o doutíssimo aresto aqui arguido de nulidade
conhece relevante e essencialmente de matéria que lhe está vedada, trazida ao
recurso por mero dever de explicitação da utilidade efectiva da apreciação
interpretativa, ancorando-se neste excesso de pronúncia para a omitir na questão
essencial apresentada ao seu juízo, salvo o devido respeito, que muito é.
Pois que em causa não está concretamente a matéria de facto dos autos mas a
impossibilidade, ante as normas aplicadas, com a interpretação implícita do
texto do acórdão produzido, de o tribunal de recurso conhecer matéria que se
esgota em sede primária do edifício judiciário e não faz parte daquela que é
submetida a julgamento e que ancora o recurso de revisão, isto é que ao Supremo
Tribunal de Justiça apenas compete aferir da nova prova que lhe é apresentada em
sede de revisão de sentença condenatória, ainda que aferida com a demais, mas
sem interferir naqueloutra que tem a ver com o relatório social, nem sequer
impugnado, ou com factos em absoluto externos ao processo como o é a anterior
condenação do aqui arguente, pontualmente cumprida a pena, violando o designado
“direito ao esquecimento”.
Este erro judiciário plasmado na doutíssima decisão tipifica nulidade prevista
na norma processual invocada ab initio do presente requerimento.
Também no que concerne à segunda das questões arguidas de inconstitucionalidade
interpretativa em excesso de pronúncia quando julga sobre a insubmetida matéria
da alegada irrelevância da interpretação das normas adjectivas penais a
apreciar, é patente, ao alcance do comum dos cidadãos, que a convicção do
Tribunal a quo se sustentou também na pena de prisão da testemunha inquirida
para, preconceituosamente, à revelia dos básicos imperativos de dignidade
humana, partir para a desvalorização do seu depoimento e descredibilização já
não só da testemunha como do então recorrente, fazendo aplicar norma errada e
inconstitucionalmente interpretada sobre a possibilidade de ter sido arrolada em
sede de julgamento de 1ª instância mesmo que desconhecido o seu paradeiro.
Ou seja, não é despiciendo no descrédito dado à testemunha o facto de que se
está perante uma potencial testemunha falsa, “instruída” a posteriori pois que
tivesse presenciado os factos que em juízo disse ter testemunhado teria sido
apresentada em momento mais oportuno e não apenas agora, como solução de recurso
a que se deita mão aflitivamente.
É o mais comum dos cidadãos, o arguente, que faz esta leitura do aresto revisivo
e valora essas referências descabidas ao “cárcere” de onde a testemunha vinha,
sem hesitações ou sombra de dúvida, mínima que seja.
Não podendo ser consideradas estas alusões como “um simples obiter dictum” na
justa medida em que reportam o essencial da formação da convicção do Supremo
Tribunal a quo, desvendando os verdadeiros fundamentos da interpretação das
normas colocadas em crise no recurso inadmitido.
Pois que se for o caso de um mero dito marginal será gravíssimo, pelo
despropósito e irrelevância, atingindo a dignidade humana dos cidadãos que,
condenados, cumpriram sua pena e têm direito à reintegração e ao esquecimento,
tendo-se esgotado nessa pena o pagamento da dívida à sociedade, não tendo que
carregar aos ombros uma cruz para além do calvário... nem a Cristo se exigiu
tanto!
Afigura-se pois que esta parte decisória sobre a interpretação das normas
relativas à forma e momento de arrolar testemunhas em defesa penal está
absolutamente omitido, tendo sido prejudicada pelo conhecimento de matéria que
não fazia parte da questão trazida a julgamento, o que consubstancia também
nulidade a sanar.
Termos em que se requer que, em reapreciação da matéria submetida ao subido
juízo deste Tribunal, sejam sanadas as nulidades assim arguidas, afastando as
questões marginais e julgando a sua essência em consonância com a melhor
aplicação da mais sã JUSTIÇA”.
O Ministério Público e o assistente pronunciaram-se pelo indeferimento do
requerimento, tendo o primeiro suscitado a aplicação do artº 84º, nº 8, da LTC,
e o segundo a do artº 84º, nº 6, do mesmo diploma.
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Fundamentação
Apesar do reclamante integrar a nulidade arguida, no excesso e omissão de
pronúncia, previstos na alínea d), do nº 1, do artº 668º, do C.P.C., aplicável
ex vi dos artº 716º, nº 1, do C.P.C., e 69º, da LTC, as razões apresentadas no
seu requerimento manifestam antes a sua discordância relativa à verificação da
falta de pressupostos efectuada pelo acórdão impugnado.
Nesse acórdão, perante a reclamação duma decisão de não admissão de recurso, por
manifesta improcedência, entendeu-se que previamente ao mérito do recurso,
deveriam ser verificados os pressupostos processuais da sua admissibilidade,
tendo-se constatado que os mesmos não estavam reunidos.
Perante essa constatação, de conhecimento oficioso, não foi atendida a
reclamação, com esse fundamento, ficando assim prejudicada a apreciação da
manifesta improcedência do mérito do recurso, pelo que o acórdão impugnado não
apreciou questão que não podia tomar conhecimento nem omitiu questão que devesse
ser apreciada.
Quanto à discordância revelada pelo requerente, relativamente ao juízo de
ausência dos pressupostos de admissibilidade do recurso, efectuada pelo acórdão
impugnado, o poder jurisdicional deste Tribunal encontra-se esgotado (artº 78º -
A, nº 4, aplicável ex vi do artº 77º, nº 1, ambos da LTC), não sendo possível a
sua apreciação, muito menos em incidente de arguição de nulidade.
Deste modo deve ser indeferido o requerimento de arguição de nulidade do acórdão
impugnado.
Apesar da manifesta falta de razão do requerente, por ora, não se mostram
claramente revelados os pressupostos da aplicação dos nº 6 e 8, do artº 84º, da
LTC, pelo que não se procede à sua aplicação.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se o requerimento de arguição de nulidade do acórdão
proferido em 12-6-2007.
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Custas do incidente pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades
de conta, ponderados os critérios referidos no artº 9º, do D.L. nº 303/98 (artº
7º, do D.L. nº 303/98, de 7 de Outubro).
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Lisboa, 18 de Julho de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos